sexta-feira, 4 de julho de 2014

À Espiritual e Literária Santa Teresa de Jesus

No V pré-centenário de seu nascimento
(Teresa de Cepeda y Ahumada nasceu em 1515, em Gotarrendura, na província de Ávila, no reino de Espanha; faleceu em 1582,em Alba de Tormes; foi canonizada, em 1622, por Gregório XV, e proclamada Doutora da Igreja, em 1970, por Paulo VI.)
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Aceite universalmente como a mística do século XVI, deve ser considerada também na vertente de escritora, o que facilitará o acesso à sua doutrina espiritual, tal como a oferta da sua experiência mística se liga à vivência e expressão literárias, que revelam exemplarmente a face espiritual da carmelita reformadora. Teresa de Jesus ou Teresa de Ávila, a mulher culta do Renascimento, além de um tom coloquial marcado de franqueza, deu largas à expressão escrita, plena de conteúdo e de beleza estético-literária, a ponto de a leitura agradar e dar enlevo a intelectuais distantes da fé e religiosidade, como sucede a muitos leitores de Pascal e Santo Agostinho.
Captar as raízes da beleza espelhada nas suas páginas faz lembrar que Teresa nasceu em Ávila, bela cidade de Castela, a mais muralhada da Europa, o oásis arquitetónico na aridez paisagística do rincão do planalto avilense, que emoldura a cidade moderna de estrato medievo. Foi a feição morfológica da cidade natal lhe inspirou a nitidez das imagens de um de seus maiores livros, Moradas ou Castelo Interior. É como castelo rodeado de muralhas que Teresa expressa o âmago da vida humana, lugar onde se gera o encontro com o divino. Desde o berço que a flor do misticismo carmelita contemplou o belo em seu redor e experienciou o fascínio do discurso poético – discurso em que se ambientou graças aos pais, fervorosos cristãos, que a familiarizaram com salmos, cantares e parábolas do Evangelho. Foram as divinae litterae que lhe abriram a porta da arena literária, numa Espanha que, à boa maneira renascentista e humanista, cultivava entusiasticamente as pulchrae litterae. E o pai, apaixonadamente culto, mantinha a rica biblioteca doméstica, onde, a par de obras latinas, figuravam as obras em castelhano, em romance, como se dizia ao tempo, patenteadas à leitura de todos, independentemente do sexo. Também a mãe tinha o hábito assíduo da leitura; e o que mais a atraía eram as obras que uniam história e fantasia, nomeadamente as novelas de cavalaria, tão populares na época e mais tarde imortalizadas por Cervantes.
É neste contexto cultural que Teresa descobre o mundo da ficção e passa a encantar-se com as aventuras de guerreiros cristãos e mouros, ocorridas de lés-a-lés. Porém, a adolescente não se limita a ler: tem mesmo o afã da autoria duma novela de cavalaria, que chega a iniciar, com a colaboração do irmão – o que, não passando de brincadeira de criança, não vai por diante.
Já na adultez, Teresa percebe os perigos da leitura novelística sem freio, que tornaria louco o mítico Quixote. Todavia, não se pode olvidar que foram as obras de cavalaria que lhe criaram o gosto pela escrita, cheia de lances surpreendentes e imprevistos que fixam a atenção do leitor. É assim que Marcelle Auclair a designa por a dama errante de Deus, não sendo difícil topar nos episódios da reforma do Carmelo, passados por Teresa ao Libro de las Fundaciones, a vivacidade narrativa e o realismo descritivo que se habituara a apreciar, na juventude, ao ler sagas de cavaleiros andantes.
Inferimos, ainda, que as imagens nupciais da obra sejam reminiscências das novelas de cavalaria, com apaixonados cavaleiros andantes, como Quixote por Dulcineia, bem como dos livros proféticos e do bíblico cantar dos cantares. Mas, na biblioteca paterna, entre os “buenos libros”, contavam-se as obras de grandes padres espirituais e mestres da expressão literária, como Juan de Ávila e Luís de Granada, bem como obras espirituais de excelsa qualidade literária, como a kempisiana Imitação de Cristo. Também um tio lhe deu a conhecer o Tercer Abecedario, de Osuna, que ensina a oração de recolhimento, como ela confessa em 4,6, do Libro de la Vida.  
E o facto de o pai disponibilizar os livros para leitura a todos indistintamente mostra não haver prurido diferenciador na educação, estribado na condição de sexo: todos acediam de igual modo à leitura. Tal postura configura uma atitude que faz pensar ainda hoje, inclusive se lembrarmos que, no tocante à difusão dos textos, os tempos eram “recios”, como diz Teresa, pois, em 1559, o Índice de livros proibidos, publicado por Valdés, exclui vários livros de vida espiritual escritos em língua romance. Entre eles, estavam clássicos da espiritualidade, como Juan de Ávila e Luís de Granada. E alguns dos que Teresa escreveu embateram nos escolhos da censura eclesiástica. Seja como for, com as leituras da biblioteca paterna e com as de mais tarde, a mística e pensadora foi adquirindo noções da arte de bem escrever e de bem dizer. Por outro lado, a proibição oficial dalguns tratados terá tido, paradoxalmente, benéfico efeito: o de obrigar a escritora a desprender-se de hábitos antigos e buscar em si formas livres de expressão da espiritualidade. Enfim, aprendeu que, na expressão literária, como em outros setores, homens e mulheres devem ter as mesmas oportunidades, mas achar o próprio, caminho também ao nível da expressão. Mais: as boas leituras capacitam para a escrita; e, sendo a mulher a escrever, melhor se faz entender pelas outras mulheres (cf Moradas, prólogo, 5).
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É, aliás, importante sublinhar que os momentos cruciais da vida de Teresa estão unidos aos livros. Ela mesma nos conta que foi através da leitura que deu os primeiros passos em sua caminhada espiritual (cf Libro de la Vida, 3,7). O Tercer Abecedario fê-la entrar na rota da oração mental. Em 1554, era das poucas pessoas a ler as Confissões de Agostinho. É então que inicia o que denomina de conversão. A reforma carmelita está moldada pelo Livro da Instituição dos Primeiros Monges, da autoria de João, Patriarca de Jerusalém. E, ao longo da vida conventual, conservou o uso de buscar a colmatação das dúvidas tanto nos conselhos dados de viva voz pelos letrados, confessores e, em especial, os pregadores, como na leitura dos padres espirituais. (cf Libro de la Vida, 23,12). 
Sabe-se que na Europa da época a pregação era o principal espaço da retórica, cuja aprendizagem se revelou importante anos depois, quando Teresa precisou de escrever. A grande obra de sua vida foi reconhecidamente a reforma do Carmelo. Mas foram justamente as polémicas inerentes a essa fatigante atividade que induziram os superiores eclesiásticos a ordenar-lhe que escrevesse, a fim de lhe conhecer melhor os propósitos.   
A redação do Libro de la Vida ocorreu em momento de extremas dificuldades para a reforma, que a obrigação de escrever ultrapassou. Não obstante, com o devir temporal, Teresa vai-se identificando cada vez mais com a expressão escrita, sem que escrever não deixe de ser é um ato de obediência. Porém, a escrita constitui a ocasião de se ver mais claramente a si mesma e de comunicar aos outros os dons que recebera e vai-se tornando imperiosa, ‘apremiante’, tanto que chega a dizer: “Ojalá pudiera yo escrivir con muchas manos para que unas por otras no se olvidaran!” (Camino de Perfección, 34,4). Contudo, não deu prioridade à redação dos escritos. A contrario, tantas vezes pôs de lado a pena para cuidar de obrigações urgentes, nada a impedindo da atenção àquelas pessoas com quem convivia. Assim, a redação de Camino de Perfección e de Moradas, com entrecortes vários, exibe variações no modo de escrever e na diversidade estilística, pois, como os escritos nasciam da efusão interior, sofriam a influência de cada momento. Ademais, com o fluir do tempo, foi aumentando o número de leitores e os interlocutores mudavam ao longo do mesmo livro, o que ela desvaloriza justificando: “como la cabeza no está para tornarlo a leer, todo deve ir desbaratado, y por ventura dicho algunas cosas dos veces: Como es para mis hermanas, poco va en ello” (Moradas, V,4,1).
As obras mais citadas vêm escritas em prosa. Mas também nos legou cerca de trinta poesias, na esteira do uso carmelita de celebrar com versos as festas religiosas ou a entrada de uma nova irmã. Por isso, nem sempre se consegue saber se a autora de um poema é Teresa ou alguma das suas religiosas. No entanto, algumas provêm de sua pena. E o tema é ora a sua experiência mística, vg na poesia Vivo sin vivir en mí, ora a alegria da convivência com as irmãs carmelitas, vg na composição Ah, pastores que veláis. Quanto à estrutura das composições poéticas, adotou soluções tradicionais da literatura castelhana. Ou seja, trabalhou a estrofe de cariz popular (villancicos, romances) e a estrofe erudita, como a dos cancioneiros. Nos versos teresianos, emerge a vuelta a lo divino, isto é, a “divinização” ou “sacralização” de alguns temas e imagens. Assim, várias imagens recorrentes nos cancioneiros amorosos tornam-se, na poesia teresiana, símbolos da vida espiritual. Vêm nesta linha simbólica as imagens da caçada, da morte por amor, da dialética amor/morte. Algumas decorrem do Cântico dos Cânticos, de Salomão, onde o amor humano exprime no concreto o amor divino – livro muito valorizado desde o século XV, sobretudo na Península Ibérica, pela devotio moderna, exaltante da relação pessoal típica entre a criatura e o Criador. A devotio moderna e a sua leitura do Cântico salomónico figuram desde cedo na Península e deixam marcas na profunda obra de Teresa, como na similar de João da Cruz e na de outros místicos espanhóis. Aliás, a Santa dedica ao comentário daquele livro bíblico a obra em prosa Meditaciones sobre los Cantares.
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Embora os críticos repartam os escritos teresianos em duas grandes secções – textos autobiográficos, como Livro de la Vida, e textos ascético-místicos, como Meditaciones – a classificação não deve ser tomada com rigidez. De facto, a escrita autobiográfica inclui relatos de experiência mística, assim como a escrita espiritual contém inestimável informação de sua vida. Em todo o caso, a produção literária da Avilense decorre 1560 a 1582, quando ela já havia alcançado a experiência mística.
A grande dificuldade com que Teresa se debate (e isto vale para outros escritores místicos e para os críticos) é a de verbalizar o mistério que vai para lá das palavras, já que o vocabulário comum se afigura inadequado à experiência que se intenta transmitir. Por isso, recorre-se a comparações, a analogias e a linguagens simbólicas, bem próximas da poesia. Assim, para Teresa, não obstante a dificuldade sentida, é graça divina tanto a experiência de Deus como o saber exprimi-la (cf Libro de la Vida, 17,5). “Saber decir”, “saber dar a entender”, “después de haberlo entendido” são expressões recorrentes nos escritos teresianos. A consciência do problema e o desejo de se comunicar com todos levam-na a buscar elementos para se fazer entender: por isso, recorre a tanta e tamanha variedade de comparações e vai escolhendo os termos mais expressivos para explicar o que pretende dizer.
O núcleo dos seus escritos é formado pelo Libro de la Vida, pelo Libro de las Fundaciones e pelas Cartas. O Libro de la Vida é uma obra fundamental para o conhecimento da formação pessoal da autora e do seu crescimento humano. Escrito nas calhas das Confissões de Agostinho, a que a Mística teve acesso precoce, apresenta semelhanças de conteúdo e postura. Assim, nas Confissões, Agostinho  dirige-se a Deus, louvando-O e pedindo-Lhe perdão pelos acontecimentos da vida; Teresa dirige-se ao Senhor também com inúmeras exclamações de louvor e de pesar, como no seguinte passo do início, “Oh Señor mío!: pues parece tenéis determinado que me salve, plega a Vuestra Majestad sea ansí [...]” (Libro de la Vida, 1,8), ou no final: “Cómo se sufre, Dios mío, cómo se compadece tan gran favor y merced a quien tan mal os lo ha merecido?” (Libro de la Vida, 40,4). 
O tecido literário da sua autobiografia, como forma de expressão peculiar que as dificuldades lhe estimularam a adquirir, é constituído por metáforas, alegorias e símiles, retirados sobretudo da vida quotidiana. Escrevendo assim, Teresa transmite todo o encanto da experiência concreta, mesmo em páginas que glosam temas espirituais. Entre as imagens que traduzem a vida espiritual, a mais conhecida é a do horto:
“Ha de hacer cuenta el que comienza [en la vida espiritual], que comienza a hacer un huerto en tierra muy infructuosa que lleva muy malas hiervas, para que se deleite el Señor. Su Majestad arranca las malas hiervas y ha de plantar las buenas. Pues [...] con ayuda de Dios hemos de procurar, como buenos hortelanos, que crezcan estas plantas y tener cuidado de regarlas para que no se pierdan, sino que vengan a echar flores que den de sí gran olor, para dar recreación a este Señor nuestro, y ansí se venga a deleitar muchas veces a esta huerta y a holgarse entre estas virtudes” (Libro de la Vida, 9,6).
A natureza é tida como caminho para Deus, o que fornece à obra notório realismo. Não se trata da natureza idealizada, mas das coisas imediatas, objetivas. Não é uma escrita abstrata ou desligada da realidade: os símbolos são tomados do quotidiano, do compreensível para todo o leitor. O horto, a nora, a água, as flores... são símbolos usuais para expressar altos estados de oração. E, para os assumir, Teresa recorre aos diferentes modos de regar o horto: desde tirar a água do poço com um balde, procedimento penoso, até à chuva repousada que molha tudo por igual e sem trabalho, passando pelo rego de nora, rio ou fonte. Porém, o realismo teresiano estende-se mesmo a algo tão difícil e abstrato como a oração mental. Para explicar esta oração, Teresa vale-se da imagem da conversa entre amigos: “que no es otra cosa oración mental, a mi parecer, sino tratar de amistad, estando muchas veces tratando a solas con quien sabemos nos ama” (Libro de la Vida, 8,5). Reencontramos aqui o que já se havia visto na poesia, ou seja, que o amor humano é o caminho para falar da experiência do amor divino. A mesma analogia se acha, nos séculos XIII e XIV, em escritores espirituais europeus, como os alemães mestre Eckart e seus sucessores, Suso e Tauler, para lá do flamengo Ruysbroeck. Imagens de amor esponsal, fogo, sangue notam-se ainda, por exemplo, nos escritos místicos de Santa Catarina de Sena, na Itália do século XIV. Apesar de essas lições terem passado à Península Ibérica, a crítica entende que foi na Espanha do século XVI que a literatura mística encontrou seus clássicos, principalmente em João da Cruz e Teresa de Jesus.
Muitas das características literárias do Libro de la Vida acham-se também no Libro de las Fundaciones, em que Teresa narra as suas atarefadas peripécias por toda a Espanha, como fundadora de numerosos conventos de carmelitas descalças. Se aquele está voltado especialmente para o desenvolvimento interior, este volta-se preferencialmente para a obra externa, apresentando, assim, peculiar relevância para o estudo da sociedade espanhola da época.
É importante para o estudo de Teresa como escritora o exame das numerosas cartas que escreveu, de que se perderam bastantes, algumas das quais mercê da sua destruição pelos destinatários, com medo de se comprometerem, quando a reforma teresiana passou a sofrer hostilidade generalizada, até em meios religiosos. Mas as cartas que se conservam contêm páginas de grande espontaneidade, constituindo um epistolário notável pela beleza e graça, nascidas do linguajar fluente e das imagens concretas, emersas do quotidiano, que bem revelam o sentido pragmático da incessante reformadora.
Por seu turno, os textos ascético-místicos compaginam verdadeiros tratados de vida espiritual. Logo o Camino de Perfección é um tratado de espiritualidade destinado às carmelitas descalças. Subsistem duas versões: a de 1564; e outra, posterior, mais desenvolvida. A primeira foi lida pelo censor, Padre García de Toledo, que riscou páginas inteiras e mudou termos potencialmente suspeitos aos olhos dos inquisidores, o que levou à necessidade de a autora reescrever a obra em conformidade. A segunda versão foi muito divulgada em cópias manuscritas, algumas das quais contêm correções autógrafas de Teresa. Ora, o estilo destas duas versões difere: a primeira preserva melhor o tom vivo, espontâneo com a que a autora se dirigia às irmãs, as primeiras carmelitas descalças, de São José de Ávila; a segunda mostra um tom mais grave, mais doutrinal, mas perde em espontaneidade.
A obra-prima e a mais conhecida é Las Moradas o Castillo Interior, tratado destinado a auxiliar quem deseje aprender eficazmente a oração. Logo que foi redigida, em 1577, o carmelita descalço amigo de Teresa, Jerónimo Gracián, ocultou a obra em Sevilha, para a salvar da Inquisição, que dois anos antes havia apreendido a autobiografia de Teresa. O texto salvo foi posteriormente publicado pelo poeta do século XVI, frei Luis de León, em sua edição das obras teresianas. Caraterística das Moradas é a variedade de destinatários, o que condiciona de modo decisivo o seu estilo, que vai mudando, segundo a pessoa a quem a escritora se dirige (por exemplo, aos cristãos, às carmelitas ou ao próprio Deus). É notável que ao falar com Deus, o estilo de Teresa não perde as caraterísticas de quem se dirige a interlocutores visíveis: pelo contrário, torna-se muito mais afetivo. “Rey mío”, “Dios mío”, “Señor de mi alma”, “Padre y Criador mío” são algumas expressões de Teresa, que poderiam formar uma lista inesgotável. Entretanto, a organização do texto das Moradas tem como fio condutor o simbolismo do “castelo interior” ou a alma. A figura do castelo era imagem antiga na tradição literária cristã, mas fora também usada por autores que lera na biblioteca paterna, como Bernardino de Laredo. Se a crítica lembra que a imagem do castelo é símbolo da mística muçulmana – e sabe-se da importância da presença muçulmana na cultura espanhola medieval – não se pode menosprezar a importância dos castelos nas novelas de cavalaria, tão apreciadas por Teresa, nem o facto de a autora ter crescido a ver as grandiosas muralhas de Ávila, sua cidade natal. Seja qual for a origem dessa imagem, o certo é que ela se tornou um dos recursos literários de maior êxito a explicar o processo da vida espiritual de interiorização e união. O Castelo teresiano é esférico, formado por sete moradas concêntricas e “en el centro y mitad de todas éstas tiene la más principal, que es adonde pasan las cosas de mucho secreto entre Dios y el alma” (Moradas, I,1,3). Isso simboliza a caminhada, que parte, nas primeiras moradas, da fase de purificação, mas chega aos desposórios místicos nas últimas. Em todos os escritos de Teresa, vemos, pois, refletir-se toda a sua vida espiritual e toda a sua vida de fundadora do Carmelo reformado.
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Mas a obra não tem somente valor documental histórico, biográfico ou espiritual. É uma obra importantíssima pelo valor literário, como percebera o seu primeiro editor, o poeta frei Luís de León, que louva a dicção castiça da Santa, chamando a atenção para a beleza da linguagem teresiana, uma beleza quase “caseira” – o que acontece porque ela escrevia, com propriedade e sem afetação, a língua que havia aprendido desde a meninice. Nos últimos tempos anos, percebeu-se afinal a enorme importância da obra literária teresiana. Para a crítica, o que é genuinamente original na literatura teresina é a liberdade e ousadia de expressão. Antes, na literatura espiritual, partia-se do sistema de princípios, para em segunda instância aplicar à situação pessoal. Teresa inverte o processo: parte não de princípios abstratos, mas de um facto da sua experiência, que se esforça por interiorizar em profundidade e expressar em extensão. Assim, afasta-se das teorias convencionais e inaugura, na espiritualidade europeia, a modernidade renascentista.
A grandeza mística de Santa Teresa e a sua importância para a história da Igreja são reconhecidas desde há muito tempo. Mas, nestes dias, em que se valoriza o contributo feminino para a arte e ciência, mais do que nunca os estudiosos têm de voltar-se para Teresa como escritora, ou seja, a mulher que soube criar beleza através da escrita. Ou seja, agora que se redescobre a presença feminina na literatura, pode-se, com boas razões, exalçar a redescoberta literária de Santa Teresa.

– Santa Teresa de Jesus, Obras Completas, edição del P. Efrem dela Madre de Diós, 1962

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