Dizem alguns comentadores – e eu
também acho que sim – que o Presidente da República (PR) e o Primeiro-Ministro
(PM), aliás Portugal ao mais alto nível, sofreram a maior humilhação dos
últimos tempos em areópago internacional. De facto, terem sido surpreendidos os
nossos representantes com a omissão de uma votação formal de admissão da Guiné-Equatorial
na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, ao invés do que
esperavam, terem sido confrontados com o simples convite formal da parte de
quem abriu a sessão da Cimeira formulado ao Presidente Teodoro Obiang para
ocupar de pleno direito a cadeira de membro desta organização – este dito incidente
protocolar revela bem a forma como Portugal aceita ser tratado internacionalmente.
Se calhar, é mesmo assim que Portugal prefere, a avaliar pelo modo como se têm
relacionado com a Europa os nossos governantes, para quem, à semelhança do
aluno dócil, tudo o que os mestres mandem estará bem, porque os mestres é que
sabem. Sentido crítico é o que não há.
Provavelmente não houve atropelo
aos estatutos da CPLP, que não especifica o modo como se processa a cerimónia
de admissão de novos membros embora o n.º 2 do art.º 6.º determine que “a
admissão na CPLP de um novo Estado é feita por decisão unânime da Conferência
de Chefes de Estado e de Governo, e tem efeito imediato”. Só que não está
definido o modo como se chega a essa decisão unânime: votação, apresentação,
aclamação, convite à vista de todos os presentes...
Mas houve efetivamente falta de
trabalho da diplomacia portuguesa, que não terá tentado saber como o anfitrião
da cimeira iria proceder e disso informar a representação portuguesa, muito
menos não soube fazer valer um seu ponto de vista decente em termos
procedimentais. Ou então o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a quem se
atribui a responsabilidade do guião de adesão (Luís Amado concebeu, Paulo Portas
deu sequência e Rui Machette cumpriu), sabia do modus faciendi que iria ser adotado e o ocultou ao PR e ao PM, caso
em que o Ministro deveria ser exonerado logo que a delegação regressasse a
Lisboa; ou, em alternativa, o Ministro os informou previamente, e eles não
tinham o direito de se mostrarem surpreendidos com o ocorrido nem o deveriam
ter classificado como incidente protocolar (ou quebra de protocolo, como referem
alguns). Em qualquer dos casos, a dignidade do país que representam exigia a
apresentação formal de um protesto pela forma como os membros da CPLP são tratados
em cimeira, onde tudo deve decorrer de forma transparente, de acordo com os elementares
princípios da cortesia, mesmo que o estatuto da organização nada estabeleça
nestas matérias. Se esta reunião internacional não era o fórum adequado para o
ato solene da agregação de um novo país-membro, então a cimeira deveria ter
sido informada da sessão em que a cerimónia teria ocorrido. De resto, como se
compreenderá que os países que propuseram a entrada na Guiné-Equatorial na
CPLP, Brasil e Angola, não compareceram pura e simplesmente? Ora, Portugal,
cujo PR até, numa primeira fase, nem via com bons olhos a adesão daquela
República à CPLP, pelos motivos que todos conhecem (pena de morte, tortura,
perseguição política, corrupção em alto grau…), poderia muito bem ter ficado em
Lisboa ou viajar para Díli, mas sabendo o terreno que pisava. Ou será que, a
partir de agora, com o vaso de terra (solo) de Timor-Leste que Pedro Passos Coelho
pediu e lhe deram, Portugal ficará a saber que terreno pisa? Ora uma relíquia,
que se pede e nos dão, não se pisa; venera-se. E porque não pediu, antes ou
também, um frasquinho de ar, de água ou de lume de Timor? Assim ficaria com
relíquias dos quatro elementos primordiais. Quereria o número (números em
dólares) à maneira pitagórica, conceito à moda de Sócrates, ideias inatas à
moda de Platão, ou petróleo, o elemento primordial dos séculos XX e XXI? Mas
não lhe chegou a língua e não se explicou bem.
Depois de tudo isto, não fiquei a
perceber se quem humilhou Portugal foram as autoridades timorenses ou a própria
delegação portuguesa, a coberto de uma putativa ingenuidade ou até generosidade
(Parece que era preciso que a cimeira corresse bem a Xanana Gusmão!). É que
depois da cimeira, PR e PM procederam às suas visitas oficiais a Timor-Leste (duas
numa) – os negócios impõem! E Passos Coelho até pretendia que os meninos de uma
escola de portuguesa, iniciada a 5 de maio, já falassem português com ele. Não fazia
eu ideia de que o senhor Primeiro-Ministro tivesse em tão alto conceito os
professores, pela maneira como o seu Ministério da Educação os trata…
***
Entretanto, a minha atenção
fixou-se nas palavras do Presidente da República à Comunicação Social. Sublinhou
candidamente a surpresa do incidente protocolar. E, para justificar a sua
mudança de posição em relação à adesão (peço desculpa pelo eco em -ão,-ão –ão – não é a ladrar ao vento!) da
Guiné-Equatorial à CPLP, Sua Excelência, sem as palavras da Presidente da
Assembleia da República, mas com as fulgurantes ideias de Cavaco Silva, eivadas
da melhor cultura política, explicitou que o isolamento de um país de regime
ditatorial em que os direitos humanos são permanentemente desrespeitados nunca
terá contribuído para a instauração da democracia e para o culto dos mesmos
direitos humanos. E deu como exemplo a República da Coreia do Norte.
Se as suas palavras tivessem
consequências, o que raramente acontece, sendo mais aconselhável não falar às
vezes, era caso para que a diplomacia portuguesa pressionasse a CPLP para encetar
as mais eficientes diligências e entabular as mais profícuas negociações para
tirar do isolamento internacional aquele povo/país da Coreia do Norte. Bastava ensinar
o querido líder a dizer em bom português “sim,
sim, sim” umas três vezes, que ele aprenderia facilmente. O mais difícil
era conseguir que os portugueses, preguiçosos como dizem que dizem os alemães, aprendessem
a deitar-se no chão alinhadinhos, marchar aprumados, bater palmas
incessantemente e chorar todo o tempo que fosse mandado superiormente. Quanto ao
mais, receio pelo futuro, cortes salariais e de pensões, sobrecarga de trabalho
e em péssimas condições, evasão fiscal, corrupção de dirigentes políticos e económicos
já existem de sobejo. Mas ainda não nos tiraram o bom humor e a ironia zombeteira,
ou seja, pagamos, mas bufamos!
Podem objetar que daí não virá
petróleo nem dinheiro para BANIF, BCP, BES, BPI, CGD… Mas podem vir centrais
nucleares, mísseis… – que podem dar uma ajudinha nas devotadas missões
humanitárias para que enviamos as nossas forças armadas!
E, se os objetores insistirem que
a CPLP é a eficiente organização dos valores, da paz e da língua portuguesa –
cria-se uma incipiente escola de Português na Coreia do Norte e luta-se pela
paz e implantam-se os valores onde são mais necessários, por exemplo, Coreia do
Norte, China, Índia, Síria, Irão, Iraque, Palestina, Israel, Egito, Tunísia,
Líbia, Ucrânia (Guiné-Equatorial tem o problema resolvido, segundo o que Obiang
prometeu), Afeganistão, Paquistão, Kosovo, Tibete, …
E quanto a negócios, não se
escandalizem: a União Europeia, que foi
galardoada com o Prémio Nobel da Paz, resultou da CECA – Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço. Lembram-se?
***
A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) foi criada a 18 de abril de 1951
pelo Tratado de Paris. Este foi o primeiro passo concreto com vista à
integração económica e também para evitar uma 3.ª Guerra Mundial
Os seus mentores foram Robert
Schuman, ministro francês dos Negócios Estrangeiros, e Jean Monnet,
o seu primeiro presidente. Foram seis os países fundadores: França, Itália, Republica
Federal da Alemanha (a então Alemanha Ocidental), Bélgica, Países Baixos e
Luxemburgo.
A CECA tinha como objetivo a
integração das indústrias do carvão e do aço dos países europeus ocidentais e
constituiu o primeiro momento de transferência dos direitos de soberania de
alguns estados para uma instituição europeia, entre os quais os que estavam sob
controlo Aliado desde o final da Segunda Guerra Mundial através
da Autoridade Internacional para o Ruhr, que a CECA absorveu.
À CECA juntaram-se duas
comunidades semelhantes em 1957, com quem se fez a partilha de algumas
instituições. Em 1967, todas as instituições foram reunidas na Comunidade
Económica Europeia (CEE), que mais tarde, em 1992, pelo Tratado de Maastricht, se
tornaria a Comunidade Europeia (CE) e, em 2001, pelo tratado de Nice, se
tornaria União Europeia (UE), consolidada pelo tratado de Lisboa (2009), mas
reteve a sua identidade independente. Em 2002, com a expiração do Tratado de Paris
e sem desejo de renovação do tratado, todas as atividades e recursos da CECA
foram absorvidos pela UE. Durante a sua existência, a CECA conseguiu criar um
mercado comum, mas não evitou o declínio da indústria do carvão e do aço.
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