domingo, 27 de julho de 2014

Estará na forja mais um membro da CPLP?

Dizem alguns comentadores – e eu também acho que sim – que o Presidente da República (PR) e o Primeiro-Ministro (PM), aliás Portugal ao mais alto nível, sofreram a maior humilhação dos últimos tempos em areópago internacional. De facto, terem sido surpreendidos os nossos representantes com a omissão de uma votação formal de admissão da Guiné-Equatorial na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, ao invés do que esperavam, terem sido confrontados com o simples convite formal da parte de quem abriu a sessão da Cimeira formulado ao Presidente Teodoro Obiang para ocupar de pleno direito a cadeira de membro desta organização – este dito incidente protocolar revela bem a forma como Portugal aceita ser tratado internacionalmente. Se calhar, é mesmo assim que Portugal prefere, a avaliar pelo modo como se têm relacionado com a Europa os nossos governantes, para quem, à semelhança do aluno dócil, tudo o que os mestres mandem estará bem, porque os mestres é que sabem. Sentido crítico é o que não há.
Provavelmente não houve atropelo aos estatutos da CPLP, que não especifica o modo como se processa a cerimónia de admissão de novos membros embora o n.º 2 do art.º 6.º determine que “a admissão na CPLP de um novo Estado é feita por decisão unânime da Conferência de Chefes de Estado e de Governo, e tem efeito imediato”. Só que não está definido o modo como se chega a essa decisão unânime: votação, apresentação, aclamação, convite à vista de todos os presentes...
Mas houve efetivamente falta de trabalho da diplomacia portuguesa, que não terá tentado saber como o anfitrião da cimeira iria proceder e disso informar a representação portuguesa, muito menos não soube fazer valer um seu ponto de vista decente em termos procedimentais. Ou então o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a quem se atribui a responsabilidade do guião de adesão (Luís Amado concebeu, Paulo Portas deu sequência e Rui Machette cumpriu), sabia do modus faciendi que iria ser adotado e o ocultou ao PR e ao PM, caso em que o Ministro deveria ser exonerado logo que a delegação regressasse a Lisboa; ou, em alternativa, o Ministro os informou previamente, e eles não tinham o direito de se mostrarem surpreendidos com o ocorrido nem o deveriam ter classificado como incidente protocolar (ou quebra de protocolo, como referem alguns). Em qualquer dos casos, a dignidade do país que representam exigia a apresentação formal de um protesto pela forma como os membros da CPLP são tratados em cimeira, onde tudo deve decorrer de forma transparente, de acordo com os elementares princípios da cortesia, mesmo que o estatuto da organização nada estabeleça nestas matérias. Se esta reunião internacional não era o fórum adequado para o ato solene da agregação de um novo país-membro, então a cimeira deveria ter sido informada da sessão em que a cerimónia teria ocorrido. De resto, como se compreenderá que os países que propuseram a entrada na Guiné-Equatorial na CPLP, Brasil e Angola, não compareceram pura e simplesmente? Ora, Portugal, cujo PR até, numa primeira fase, nem via com bons olhos a adesão daquela República à CPLP, pelos motivos que todos conhecem (pena de morte, tortura, perseguição política, corrupção em alto grau…), poderia muito bem ter ficado em Lisboa ou viajar para Díli, mas sabendo o terreno que pisava. Ou será que, a partir de agora, com o vaso de terra (solo) de Timor-Leste que Pedro Passos Coelho pediu e lhe deram, Portugal ficará a saber que terreno pisa? Ora uma relíquia, que se pede e nos dão, não se pisa; venera-se. E porque não pediu, antes ou também, um frasquinho de ar, de água ou de lume de Timor? Assim ficaria com relíquias dos quatro elementos primordiais. Quereria o número (números em dólares) à maneira pitagórica, conceito à moda de Sócrates, ideias inatas à moda de Platão, ou petróleo, o elemento primordial dos séculos XX e XXI? Mas não lhe chegou a língua e não se explicou bem.
Depois de tudo isto, não fiquei a perceber se quem humilhou Portugal foram as autoridades timorenses ou a própria delegação portuguesa, a coberto de uma putativa ingenuidade ou até generosidade (Parece que era preciso que a cimeira corresse bem a Xanana Gusmão!). É que depois da cimeira, PR e PM procederam às suas visitas oficiais a Timor-Leste (duas numa) – os negócios impõem! E Passos Coelho até pretendia que os meninos de uma escola de portuguesa, iniciada a 5 de maio, já falassem português com ele. Não fazia eu ideia de que o senhor Primeiro-Ministro tivesse em tão alto conceito os professores, pela maneira como o seu Ministério da Educação os trata…
***
Entretanto, a minha atenção fixou-se nas palavras do Presidente da República à Comunicação Social. Sublinhou candidamente a surpresa do incidente protocolar. E, para justificar a sua mudança de posição em relação à adesão (peço desculpa pelo eco em -ão,-ão –ão – não é a ladrar ao vento!) da Guiné-Equatorial à CPLP, Sua Excelência, sem as palavras da Presidente da Assembleia da República, mas com as fulgurantes ideias de Cavaco Silva, eivadas da melhor cultura política, explicitou que o isolamento de um país de regime ditatorial em que os direitos humanos são permanentemente desrespeitados nunca terá contribuído para a instauração da democracia e para o culto dos mesmos direitos humanos. E deu como exemplo a República da Coreia do Norte.
Se as suas palavras tivessem consequências, o que raramente acontece, sendo mais aconselhável não falar às vezes, era caso para que a diplomacia portuguesa pressionasse a CPLP para encetar as mais eficientes diligências e entabular as mais profícuas negociações para tirar do isolamento internacional aquele povo/país da Coreia do Norte. Bastava ensinar o querido líder a dizer em bom português “sim, sim, sim” umas três vezes, que ele aprenderia facilmente. O mais difícil era conseguir que os portugueses, preguiçosos como dizem que dizem os alemães, aprendessem a deitar-se no chão alinhadinhos, marchar aprumados, bater palmas incessantemente e chorar todo o tempo que fosse mandado superiormente. Quanto ao mais, receio pelo futuro, cortes salariais e de pensões, sobrecarga de trabalho e em péssimas condições, evasão fiscal, corrupção de dirigentes políticos e económicos já existem de sobejo. Mas ainda não nos tiraram o bom humor e a ironia zombeteira, ou seja, pagamos, mas bufamos!
Podem objetar que daí não virá petróleo nem dinheiro para BANIF, BCP, BES, BPI, CGD… Mas podem vir centrais nucleares, mísseis… – que podem dar uma ajudinha nas devotadas missões humanitárias para que enviamos as nossas forças armadas!
E, se os objetores insistirem que a CPLP é a eficiente organização dos valores, da paz e da língua portuguesa – cria-se uma incipiente escola de Português na Coreia do Norte e luta-se pela paz e implantam-se os valores onde são mais necessários, por exemplo, Coreia do Norte, China, Índia, Síria, Irão, Iraque, Palestina, Israel, Egito, Tunísia, Líbia, Ucrânia (Guiné-Equatorial tem o problema resolvido, segundo o que Obiang prometeu), Afeganistão, Paquistão, Kosovo, Tibete, …  
E quanto a negócios, não se escandalizem: a União Europeia, que foi galardoada com o Prémio Nobel da Paz, resultou da CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Lembram-se?
***
A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) foi criada a 18 de abril de 1951 pelo Tratado de Paris. Este foi o primeiro passo concreto com vista à integração económica e também para evitar uma 3.ª Guerra Mundial
Os seus mentores foram Robert Schuman, ministro francês dos Negócios Estrangeiros, e Jean Monnet, o seu primeiro presidente. Foram seis os países fundadores: França, Itália, Republica Federal da Alemanha (a então Alemanha Ocidental), Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo.
A CECA tinha como objetivo a integração das indústrias do carvão e do aço dos países europeus ocidentais e constituiu o primeiro momento de transferência dos direitos de soberania de alguns estados para uma instituição europeia, entre os quais os que estavam sob controlo Aliado desde o final da Segunda Guerra Mundial através da Autoridade Internacional para o Ruhr, que a CECA absorveu.

À CECA juntaram-se duas comunidades semelhantes em 1957, com quem se fez a partilha de algumas instituições. Em 1967, todas as instituições foram reunidas na Comunidade Económica Europeia (CEE), que mais tarde, em 1992, pelo Tratado de Maastricht, se tornaria a Comunidade Europeia (CE) e, em 2001, pelo tratado de Nice, se tornaria União Europeia (UE), consolidada pelo tratado de Lisboa (2009), mas reteve a sua identidade independente. Em 2002, com a expiração do Tratado de Paris e sem desejo de renovação do tratado, todas as atividades e recursos da CECA foram absorvidos pela UE. Durante a sua existência, a CECA conseguiu criar um mercado comum, mas não evitou o declínio da indústria do carvão e do aço.

Sem comentários:

Enviar um comentário