terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

A arqueologia cristã visa tornar mais conhecida a vida dos 1.os cristãos

 

Por ocasião da XXV Sessão Pública das Pontifícias Academias, editada pelo Pontifício Academia de Arqueologia e pla Pontifícia Academia Cultorum Martyrum, o Francisco enviou, neste dia 1 de fevereiro, ao Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura e do Conselho de Coordenação entre Pontifícias Academias, uma carta em que destaca a génese e a importância da arqueologia cristã.

Começando por referir que o evento – que tem a curadoria da Pontifícia Academia Romana de Arqueologia e da Pontifícia Academia Cultorum Martyrum dedicado ao arqueólogo Giovanni Battista de Rossi, por ocasião do bicentenário do seu nascimento – tem como momento central a atribuição do Prémio anual a ilustres estudiosos. Depois, lembra que esta reunião, adiada em 2021 mercê da pandemia, é agora reeditada apesar das dificuldades que subsistem, por ser fundamental para o diálogo entre as Academias e o reconhecimento de jovens talentos que sobressaem nos respetivos campos culturais e temáticos. E, logo a seguir, faz referência a De Rossi, o fundador da arqueologia cristã moderna, de quem Theodor Mommsen, seu contemporâneo, afirmou tê-la elevado de “passatempo de estudiosos a uma verdadeira ciência histórica”.

Mais diz que a atividade de De Rossi foi fortemente encorajada pelo Beato Pio IX, que a 6 de janeiro de 1852 criou a Comissão de Arqueologia Sagrada “para a proteção e vigilância mais eficaz dos cemitérios e antigos edifícios cristãos de Roma e dos subúrbios, para a escavação científica e exploração de os próprios cemitérios e para a conservação e custódia do que foi encontrado ou trazido à luz das escavações”. E, sublinhando que o arqueólogo era igualmente querido por Leão XIII, que o tornou hóspede no Palácio Apostólico de Castel Gandolfo no último período de vida, apontou que, além disso, este Pontífice promoveu a compra pela Santa Sé de alguns terrenos acima das catacumbas mais importantes, a fim de preservar da atividade de construção aqueles testemunhos fundamentais do cristianismo primevo, a que De Rossi consagrou os seus estudos e as suas escavações, tendo sido deste modo que, em pleno século XIX, surgiu o núcleo mais antigo do cemitério de São Calisto, onde foram identificadas a cripta dos Papas, do século III, e a de Santa Cecília, aproximando especialistas e fiéis dos testemunhos arqueológicos e, por meio deles, da fé inabalável e fervorosa das antigas comunidades cristãs.

Da metodologia frisa que, pelo estudo comparativo de documentos e memórias arqueológicas, De Rossi descobriu muitos túmulos de mártires romanos e, com colaboradores e jovens estudiosos, reviveu o seu culto. De facto, representando os túmulos e memórias dos mártires os centros de interesse privilegiados do grande arqueólogo, que lançou as bases duma disciplina viva e pronta a captar a mensagem das catacumbas cristãs, destinadas a lugares de descanso temporário em antecipação da ressurreição, ele percebeu e revelou o grande significado de tais necrópoles subterrâneas, pontilhadas de milhares de nichos, como que a expressar plasticamente a fraternidade e a igualdade entre todos os membros da Igreja.

Das peregrinações ao longo daquelas galerias, frisa que “refazem os itinerários dos fiéis dos primeiros séculos, que, emocionados, chegaram aos túmulos dos mártires para tocarem neles e deixarem, pelos muitos grafites ainda hoje legíveis, uma invocação, súplica ou sinal de devoção”.

Perante estes factos, Francisco exprime a admiração dos estudiosos pelo extraordinário empenho de Battista de Rossi como incansável estudioso, que lançou as bases da arqueologia cristã, disciplina científica presente em muitas universidades, e recorda a paixão com que viveu o que para si era verdadeira vocação: “descobrir e dar a conhecer a vida das primeiras comunidades cristãs em Roma por todas as fontes possíveis, a começar pelas arqueológicas e epigráficas”. E, porque o exemplo do grande arqueólogo merece ser reproposto para promover e desenvolver os estudos da arqueologia cristã, bem como em áreas especializadas, também em universidades e institutos onde se ministram os ensinamentos da teologia e da história do cristianismo, para encorajar os que, seguindo os passos de Battista de Rossi, se dedicam à investigação arqueológica e aos estudos históricos e hagiográficos, o Papa concede a Medalha de Ouro do Pontificado à investigação “A Arqueologia de Machaerus Excavations”, dirigida pelo professor Gyözö Vörös, membro da Academia Húngara de Artes, cujos resultados estão coligidos em três monumentais volumes sobre a cidadela jordaniana com vista para o Mar Morto; e, como sinal de encorajamento aos estudos arqueológicos sobre os primeiros monumentos cristãos, atribui, ex aequo, a Medalha de Prata do Pontificado ao Doutor Domenico Benoci pela tese “As inscrições cristãs da Zona I de São Calisto”, e ao Dr. Gabriele Castiglia, pela “Topografia cristã da Toscana centro-sul”.

Por fim, o Santo Padre, desejando a todos os académicos e participantes nesta XXV Sessão Pública um empenho cada vez mais fecundo na promoção do humanismo cristão, invoca a proteção materna de Maria, Rainha dos Mártires, para que os acompanhe sempre no seu caminho humano e académico e concede-lhes a Bênção Apostólica extensiva aos seus entes queridos.

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De Rossi, nascido em Roma, a 23 de fevereiro de 1822, de família nobre, estudou no Colégio Romano dos Jesuítas de Roma seguindo o curso de humanidades e de filosofia e o curso de epigrafias antigas da Accademia Greca. Inscrito na Faculdade de Direito da Universidade de La Sapienza de Roma Universidade em 1841, logo nesse ano explorou as catacumbas. Do trabalho na Biblioteca Apostólica passou, por decisão sua, a dedicar-se inteiramente à arqueologia fazendo escavações sistemáticas nas catacumbas. Em 1849, descobriu a Catacumba de São Calisto. Em 1852, inspirou o Beato Pio IX a fundar a Pontifícia Comissão de Arqueologia Sacra. Em 1858, com Théodore Mommsen e Wilhelm Henzen, integrou a comissão organizada pela Academias das Ciências de Berlim para a realização do “Corpus Inscriptionum Latinarum”. E, em 1860, do fundado por Napoleão III para publicar as obras de Bartolomeo Borghesi.

Secretário da Comissão de Arqueologia Sacra (1874), Leão XIII nomeou-o em 1878 prefeito e curador vitalício do Museu Cristão da Santa Sé. Presidente da Pontifícia Academia Romana de Arqueologia até à sua morte a 20 de setembro de 1894, em Castel Gandolfo, foi o fundador do “Bollettino di archeologia sacra (1863), que se tornou, em 1894, o “Nuovo Bollettino”.

Giovanni Battista de Rossi também descobriu em 1888 o “Codex Amiatinus ou códice A, o mais antigo manuscrito sobrevivente da Vulgata, a versão latina da Bíblia. Nos seus 73 livros, só faltando 5 capítulos, é a mais acurada cópia do texto de Jerónimo. Do livro de Baruch só existe o 6.º capítulo dum total de 6 deste manuscrito. Produzido no reino anglo-saxão da Nortúmbria como um presente para o Papa e datado do início do século VIII d.C., é um belo exemplo da caligrafia medieval e preservado em Florença, na Biblioteca Medicea Laurenziana (Cat. Sala Studio 6).

Originalmente, foram encomendadas 3 cópias da Bíblia por Ceolfrido (Ceolfrith) em 692 d.C., data fixada com base numa doação recebida pelo mosteiro duplo de Wearmouth-Jarrow de terra adicional para poder criar as 2 000 cabeças de gado necessárias para produzir a necessária quantidade de papel ‘velino’. Beda provavelmente estava envolvido na compilação. Ceolfrid acompanhou uma cópia que seria um presente para o Papa Gregório II, mas faleceu a caminho de Roma. O livro apareceu no século IX d.C. na abadia de Nosso Salvador, no Monte Amiata (daí o nome Amiatinus), onde ficou até 1786, quando foi transferido para a Biblioteca Laurentiana.

A dedicatória foi alterada e o bibliotecário Angelo Maria Bandini sugeriu que o autor seria Servandus, seguidor de São Bento, e teria sido produzida em Monte Cassino por volta dos anos 540 d.C. Esta alegação foi aceite nos próximos cem anos, estabelecendo assim a cópia mais antiga sobrevivente da Vulgata, mas académicos na Alemanha notaram a similaridade com textos do século IX d.C. Em 1888, De Rossi estabeleceu que o códice está relacionado com as Bíblias mencionadas por Beda, o que mostrou que o Amiatinus está relacionado com o fragmento da Greenleaf Bible atualmente na Biblioteca Britânica. Embora a atribuição de De Rossi tenha removido 150 anos da idade do códice, permanece como a mais antiga versão da Vulgata.

Está preservado num enorme tomo, com 48,9 cm de altura, 34 cm de largura e 17,8 cm de profundidade e com um peso de 33,65 kg. Alguns consideram-no como “o mais requintado do mundo, mas há diversos manuscritos tão ricamente escritos e com belas ornamentações que faltam ao Amiatinus, como o Livro de Kells e os Evangelhos de Lindisfarena. Porém, qualifica-se de manuscrito iluminado, pois tem alguma decoração, incluindo duas iluminuras de página inteira, mas elas mostram poucos sinais do habitual estilo insular da arte nortúmbria e foram claramente copiadas de originais mais antigos. Contém 1040 folhas de forte e macio papel ‘velino’, que parece novo apesar da sua grande antiguidade, arrumadas em calhamaços de 4 páginas, os quaternions. Escrito em carateres unciais grandes, regulares, claramente definidos e belos, em duas colunas por página e 43 ou 44 linhas por coluna, tem um pequeno espaço, em geral, entre palavras, mas a escrita é geralmente contínua. O texto está dividido em seções, que nos Evangelhos correspondem às secções amonianas. Não há pontuação, mas o leitor treinado guia-se pelo arranjo esticométrico (versos) em coda e commata, correspondendo grosso modo às frases principais e dependendo duma sentença. O escriba ter-se-á inspirado no Codex Grandior de Cassiodoro, nesta forma de escrever, mas é possível que o estilo venha até Jerónimo.

2022.02.01 – Louro de Carvalho

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