domingo, 27 de fevereiro de 2022

O peso das sanções do mundo à Federação Russa

 

 

Países de todo o mundo estão a impor novas sanções à Rússia devido à invasão da Ucrânia. UE (União Europeia), Japão, Austrália, Nova Zelândia e Taiwan impuseram novas medidas liminares no dia 25 de fevereiro, condenando severamente a incursão militar sobre a Ucrânia.

No dia 24, EUA e Reino Unido também anunciaram novas medidas contra a Rússia, com os líderes de ambas as nações a condenarem as ações do Presidente da Rússia, Vladimir Putin.

A Rússia já está a pagar o preço pela agressão, com as ações e moeda do país a descerem a pique, após a decisão de Putin de enviar tropas para o Leste da Ucrânia. No dia 24, o índice principal da Rússia, MOEX, fechou nos 33% com o rublo em descida recorde, (desceu 7% contra o dólar americano). Recuperou no dia 25, sendo negociado nos 84,7 face ao dólar norte-americano. E a Ucrânia apela ao Ocidente que remova a Rússia da SWIFT, a rede de alta-segurança que facilita pagamentos entre 11 mil instituições financeiras em 200 países. No início da semana, a Alemanha parou a certificação do gasoduto Nord Stream 2. E Putin advertiu, no dia 24, os líderes empresariais sobre esperar mais “restrições” na economia, mas apelou a que as empresas operassem “em solidariedade” com o Governo.

A presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen e o Presidente francês Emmanuel Macron anunciaram novas medidas no dia 25, prometendo infligir “máximo impacto na economia e na elite política russa”. As sanções visam atingir os setores financeiros, energéticos e de transportes, incluindo controlos na exportação e proibições nos financiamentos comerciais. E Von der Leyen disse que vão afetar agora 70% do setor bancário russo e das companhias estatais e procuram tornar “impossível que a Rússia atualize as suas refinarias petrolíferas”. E acrescentou:

Estamos também a atingir as elites russas ao conter os seus depósitos para que já não possam esconder dinheiro em paraísos fiscais na Europa”.

As sanções procuram também limitar o acesso da Rússia a tecnologias sensíveis, bem como a componentes e equipamentos aeronáuticos.

O Japão irá impor um leque de sanções dirigidas às instituições financeiras, organizações militares e pessoas singulares da Rússia, em resposta à invasão da Ucrânia, como anunciou o Primeiro-Ministro Fumio Kishida. A gama de medidas inclui o congelamento dos ativos de certos indivíduos russos e instituições financeiras, proibindo-se também as exportações para organizações militares russas. E Kishida afirmou em conferência de imprensa no dia 25:

Em resposta a esta situação, iremos reforçar as nossas medidas de sanção em estreita colaborações com o G7 e a restante comunidade internacional”.

O líder da Austrália afirmou, no dia 25, que iria “começar a impor mais sanções aos oligarcas, cujo peso económico é de importância estratégica para Moscovo, e a mais de 300 membros da Duma russa, o parlamento”. Numa conferência de imprensa, o Primeiro-Ministro Scott Morrison acrescentou que Camberra estava “também a trabalhar com os Estados Unidos para alinhar as novas sanções com indivíduos e entidades bielorrussas importantes que foram cúmplices na agressão, por isso vamos estender as sanções à Bielorrússia”. A nova ronda de medidas surgiu após a Austrália ter imposto proibições de viagem e sanções financeiras direcionadas a oito membros do Conselho de Segurança da Federação Russa.

Também a Nova Zelândia proibiu a exportação de bens para as forças militares e de segurança russas em resposta à invasão da Ucrânia. A Primeira-Ministra Jacinda Ardern prometeu cortar o comércio com a Rússia e impor proibições de viajar a funcionários russos, mas continua a apelar ao regresso do diálogo diplomático, pois, como disse, “isto é uma utilização flagrante do poderio militar e da violência, que roubará vidas inocentes e devemos opor-nos a isto”.

Taiwan, um líder global na produção de semicondutores, prometeu aderir às sanções económicas contra a Rússia, sem especificar que medidas estão a ser ponderadas. O Ministro dos Negócios Estrangeiros disse condenar fortemente a decisão da Rússia de iniciar uma guerra contra a Ucrânia, acrescentando que cria uma séria ameaça à ordem internacional, baseada em regras.

A decisão de impor sanções foi tomada “para pressionar a Rússia a parar a agressão militar contra a Ucrânia e a reiniciar o diálogo pacífico entre todas as partes interessadas, o mais depressa possível” acrescentou o ministro.

O Presidente dos EUA, Joe Biden, revelou, no dia 24, novas medidas severas contra a Rússia, afirmando que “Putin escolheu esta guerra”. As novas sanções incluem bloqueios nas exportações de tecnologia, uma peça central na abordagem de Biden que afirma que vai limitar fortemente a capacidade da Rússia de avançar nos setores militares e aeroespacial.

Washington diz que “isto inclui restrições, em toda a Rússia, a semicondutores, telecomunicações, segurança de encriptação, lasers, sensores, navegação, aviónica e tecnologias marítimas”.

A Casa Branca diz ter aplicado também sanções a bancos russos e a quem descreveu como bilionários corruptos e a suas famílias, próximas do Kremlin. Mais disse proibir 13 empresas maioritariamente detidas pelo Estado de angariarem dinheiro nos EUA, incluindo o gigante energético Gazprom e o Sberbank, a maior instituição financeira da Rússia. E prometeu sancionar duas dúzias de indivíduos e empresas da Bielorrússia, que incluem “dois proeminentes bancos estatais bielorrussos, nove empresas de defesa e sete personalidades e elites ligadas ao regime”.

O Primeiro-Ministro do Reino Unido Boris Johnson disse, no dia 24 que o seu Governo se prepara para sancionar 100 indivíduos e entidades como parte de sanções adicionais contra a Rússia.

Num discurso ao Parlamento, Johnson disse que o objetivo era “excluir os bancos russos do sistema financeiro do Reino Unido”. No seguimento das sanções a cinco bancos russos, no dia 22, será imposto no banco estatal russo VTB um congelamento de bens, acrescentou. O Estado russo e as empresas privadas serão proibidos de angariar fundos no Reino Unido. Adicionalmente, 100 indivíduos e entidades terão os seus bens congelados, afirmou Johnson, acrescentando que isso inclui “todos os maiores fabricantes que apoiam a máquina de guerra de Putin”. E Johnson acrescentou que “todas as opções estão em aberto” no que diz respeito a proibir o acesso da Rússia à SWIFT. O Reino Unido irá banir a transportadora nacional da Rússia, Aeroflot, e aplicar sanções à Bielorrússia “pelo seu papel no assalto à Ucrânia”. Doravante, a Grã-Bretanha espera aprovar legislação “no início da próxima semana” para proibir a exportação de certas tecnologias para a Rússia, particularmente em setores que incluem a eletrónica, telecomunicações e aerospacial. E Johnson, perante o Parlamento, delineou os planos para estabelecer uma nova célula especializada na Agência Nacional para o Crime “para inspecionar sanções, evasão e bens russos ilegais escondidos no Reino Unido”.

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A declaração de guerra de Putin à Ucrânia trouxe de novo o debate sobre a expulsão da Rússia do SWIFT, uma das sanções mais discutidas ao mais alto nível de momento. Um banqueiro descreveu-a como a “bomba atómica” das medidas que podiam ser aplicadas a Moscovo, pois isolaria a economia russa do sistema financeiro internacional, causando sérios danos ao Governo e às empresas. João Leão revelou que os ministros das Finanças da UE pediram ao BCE (Banco Central Europeu) e à Comissão Europeia que estudasse esta medida, a arma nuclear financeira.

SWIFT significa Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication ou, em português, a Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais. Não é propriamente um sistema de pagamentos, mas uma plataforma de troca de mensagens eficaz e segura que permite aos bancos enviar dinheiro de forma rápida e segura, mesmo entre fronteiras.

É uma sociedade cooperativa internacional (detida pelos bancos) com sede em Bruxelas, enquadrada pelas leis da Bélgica e da UE. Fundada em 1973, substituiu a rede Telex e outros meios de comunicação financeira tornados obsoletos. Conta com cerca de 11 mil bancos, instituições financeiras e outras companhias em mais de 200 países, ligados entre si através do sistema. Cada um deles tem um terminal SWIFT, um computador para comunicar com os outros bancos (a contraparte) da rede e o seu próprio código SWIFT (BIC). Cada transação registada na rede apresenta os detalhes da operação (v.g: ordens de pagamento, transferências bancárias, operações de trade finance e de troca de moeda, entre outras operações), incluindo a parte e a contraparte que estão devidamente identificadas pelo código SWIFT, criando um ambiente de maior confiança e de segurança.

Neste mundo globalizado, o SWIFT tornou-se uma infraestrutura vital às economias, dando suporte a biliões de dólares em fluxos de comércio e de negócios realizados por instituições em todo o mundo por dia. Não é por isso uma surpresa que EUA e UE acenem com esta ameaça sempre que querem mostrar uma posição de força em relação à Rússia.

Removendo a Rússia do SWIFT, os bancos e empresas do país seriam duramente afetados pois a sua capacidade de participar no comércio internacional e de levantar fundos fora do país seria colocada em causa. De acordo com Johannes Borgen, o SWIFT integra 291 membros russos, que representam 1,5% dos fluxos e são o 6.º maior país em termos de mensagens enviadas através da plataforma. Este investidor que acompanha de perto o setor financeiro estima que isso equivale a 800 mil milhões de dólares em transações por ano que seriam atingidos por esta sanção. Por exemplo, as empresas de energia russas teriam muito mais dificuldades nas suas vendas de petróleo ou gás natural para o exterior, nomeadamente para a Europa.

Contudo, a economia russa não ficaria totalmente isolada, pois as instituições poderiam continuar a realizar operações internacionais, mas através de sistemas mais antiquados como o fax e e-mail, o que tornaria todo o processo mais lento e oneroso. Além disso, como lembra Johannes Borgen, seria preciso convencer os bancos ocidentais a usar estes sistemas também.

Não há consenso em torno da aplicação desta medida. O Presidente dos EUA, questionado sobre a razão por que os aliados não avançaram imediatamente com esta sanção, enquanto as tropas russas iam diretamente para Kiev para tomar controlo da capital ucraniana, disse: 

É sempre uma opção. Mas neste momento não é a posição que o resto da Europa deseja tomar.”.

Porém, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Dmytro Kuleba, fez um apelo internacional para remover a Rússia do SWIFT, tal como o fizeram Estónia, Letónia e Lituânia.

Embora a entidade destaque a sua neutralidade, pois foi constituída para “o benefício coletivo da sua comunidade de mais de 11.000 instituições em 200 países”, também frisa que “qualquer decisão de impor sanções a países ou entidades individuais cabe exclusivamente aos órgãos governamentais competentes e aos legisladores aplicáveis”. Foi o que sucedeu em 2012, quando expulsou bancos iranianos sancionados pela UE – muitos foram religadas ao sistema em 2016, depois do levantamento das sanções. Mas a questão é mais sensível, pelo que a Rússia representa económica e energeticamente para a Europa (não representa o Irão), o que explica as reticências de alguns países, designadamente a Alemanha. A isto, o chanceler alemão, Olaf Scholz disse:

É muito importante que concordemos com as medidas que foram preparadas – e guardemos tudo o resto para uma situação em que possa ser necessário ir além disso”.

A Rússia é o 5.º maior parceiro comercial da UE, representando 4,8% do total do comércio internacional com o mundo em 2020. As trocas comerciais entre os dois blocos atingiram os 174,3 mil milhões de euros. Os Estados-membros vendem sobretudo máquinas e equipamentos de transporte, produtos químicos e produtos manufaturados aos russos; e compram muito gás natural e petróleo aos russos. A Rússia é a origem de 26% das importações de petróleo da UE e 40% das importações de gás da UE. Os efeitos da guerra já se estão a fazer sentir nos preços energéticos e bloquear o SWIFT aos russos poderia tornar tudo isso mais caro e difícil. Além disso, é possível que a Rússia encontre formas de contornar a proibição do SWIFT: o banco central russo desenvolveu o seu próprio sistema SFPS (System for Transfer of Financial Messages), integrando sobretudo bancos russos e do bloco CIS.

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Christine Lagarde, expressando a solidariedade do conselho do BCE com o povo ucraniano “num momento sombrio para a Europa”, assegurou, a 25 de fevereiro, que o este banco central está preparado para todas as medidas que forem necessárias para a estabilidade dos preços e financeira da Zona Euro face ao impacto da guerra na Ucrânia.

Lagarde diz que a instituição “está a acompanhar de perto a evolução da situação” e que vai realizar “uma avaliação abrangente das perspetivas económicas, incluindo já estes últimos desenvolvimentos, e que constituirá a base da sua reunião de política de 10 de março”, data da próxima reunião de política monetária. Com efeito, o desenrolar do conflito no Leste da Europa, após a incursão militar russa na Ucrânia, os preços da energia dispararam, com o Brent a subir para mais de 100 dólares por barril e o gás natural a disparar para mais de 100 dólares por MWh. E, dos preços de outras matérias-primas, desde metais (o alumínio atingiu máximos históricos) a bens agrícolas (Ucrânia e Rússia são dos maiores produtores mundiais de cereais), subiram significativamente. É uma escalada que terá impacto generalizado nos preços ao consumidor, num momento em que a taxa de inflação regista valores históricos na região, e deverá atrasar a retoma da economia após a crise pandémica gerando uma dilema na instituição de Frankfurt no atinente ao rumo e ritmo dos juros e estímulos dos próximos meses. Para já, segundo Lagarde, o BCE garante “condições de liquidez suaves e acesso dos cidadãos ao dinheiro” e implementará “todas as sanções que foram decididas pela UE e pelos Governos europeus.

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Entretanto, a UE já tem a concordância da Alemanha para expulsar a Rússia do SWIFT. Porém, a posição do BCE poderá minimizar as consequências para a zona do euro, mas não evitará as dificuldades de abastecimento, a subida de preços e outras constrições. E, se a Rússia entrar em estrita economia de guerra, criará mais dificuldades a terceiros e sobreviverá com os seus sistemas e subsistemas, mesmo à custa de sacrifícios do povo.

2022.02.27 – Louro de Carvalho

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