O Pontifício
Conselho para o Diálogo Inter-religioso convidou a todos a unirem-se, de acordo
com as modalidades que cada um julgar adequadas, à celebração do “II Dia Internacional da Fraternidade Humana”,
das Nações Unidas, neste dia 4 de fevereiro, em torno do tema “Sob o mesmo céu”, como resposta à
exortação do Papa Francisco e do Grão Imame Al-Tayyeb para trabalharmos juntos
para a superação dos desafios que a humanidade enfrenta, esperando promover,
apoiar e encorajar as comunidades e as pessoas em todo o mundo a serem
verdadeiros mensageiros da unidade, solidariedade e fraternidade.
O evento celebrativo, que decorreu no Dubai
tendo como relator o Cardeal Ayuso Guixot, presidente do Pontifício
Conselho para o Diálogo Inter-religioso, insere-se no contexto da Expo de Dubai
2020, no Pavilhão da Sustentabilidade, a algumas centenas de metros do Pavilhão
da Santa Sé, e foi organizado conjuntamente pelo Ministério da Tolerância e da
Coexistência dos Emiratos Árabes Unidos e pelo Comité para a Fraternidade
Humana, com o apoio da Santa Sé e da Universidade de Al-Azhar, do Cairo.
O II Dia Internacional da Fraternidade Humana,
das Nações Unidas, foi assinalado com duas videomensagens em torno do tema “Sob o mesmo céu” e pela “Mesa Redonda da Fraternidade Humana e da
Aliança pela Tolerância Global”, o que enquadra uma campanha dos mass media para promover a tolerância e
a coexistência pacífica nas escolas e órgãos governamentais.
A mesa redonda
foi aberta às 10 horas locais com um vídeo sobre a “Fraternidade Humana e Tolerância”, seguido duma intervenção do xeique
Nahayan Mabarak Al Nahyan, Ministro da Tolerância e da Coexistência dos
Emirados Árabes Unidos. Depois, surgiram os discursos do Cardeal Ayuso Guixot,
que também é presidente do Alto Comité, sobre “A Fraternidade humana para a promoção de iniciativas conjuntas e a
coexistência pacífica”, do representante do Grão Imame de Al Azhar Muhammad
Al Duwaini, intitulado “Rumo a um caminho
de tolerância e compreensão guiado pelo conhecimento”, e do juiz Mohamed
Abdelsalam, secretário-geral do Comité da Fraternidade Humana, intitulado “Na Fraternidade Humana promovemos sociedades
inclusivas”. Seguiram-se ainda os discursos do delegado do Cardeal
Gianfranco Ravasi, Dom Tomasz Trafny, do comissário-geral para a Austrália na
Expo de Dubai, Justin McGowan, do norueguês Ole Johan Sandvaer, da canadense
Marie-Genevieve Mounier, do italiano Paolo Glisenti e do finlandês Severi
Keinala, bem como de Kahwla Barley, chefe das Olimpíadas Especiais dos
Emirados, de Dena Assaf, coordenador das Nações Unidas para os Emirados e Michael
Garin, diretor-geral da Autoridade criativa dos mass media de Abu Dhabi. Encerraram
a mesa redonda o rabino David Shomo Rosen, Diretor Internacional de Assuntos
Inter-Religiosos do Comité Judaico Americano, e três membros do Alto Comité da
Fraternidade Humana: Irina Bokova (ex-Diretora-Geral da UNESCO e
Secretária-Geral do Conselho Ecuménico de Igrejas), Ioan Sauca (teólogo ortodoxo romeno) e Mohamed Al Mahrasawi (Presidente da Universidade Al Azhar).
Vários
representantes e autoridades dos Emirados Árabes Unidos, juntamente com
representantes dos países representados na Expo, participaram numa marcha neste
mesmo dia, concebida como momento de lembrança da responsabilidade de todos de
se implementarem ações concretas de fraternidade.
Enquanto
isso, como parte do “Festival da
Fraternidade Humana” que se realiza até 5 de fevereiro na Expo de Dubai,
foi apresentada uma campanha que será difundida pelos meios de comunicação de
massa para alcançar diferentes grupos da sociedade com a participação de várias
entidades dos setores público e privado para promover os princípios do “Documento da Fraternidade Humana”.
Prevê-se a distribuição do Documento aos visitantes da Expo, escolas,
universidades e agências governamentais, um vídeo introdutório sobre o
Documento em vários idiomas, um segundo vídeo intitulado “Expo como uma verdadeira encarnação da Irmandade Humana”, e a
iluminação de edifícios emblemáticos com os princípios do Documento assinado
em Abu Dhabi há 3 anos, bem como notícias em rádio, televisão e outros media
sociais.
E, entre as
iniciativas, no final do mês retornará a cerimónia de entrega do Prémio Zayed
para a Fraternidade Humana, que, em 2021, foi entregue a Latifa Ibn Ziaten,
fundadora da Associação “Imad para a Juventude e Paz”, e a Antonio Guterres,
Secretário-Geral da ONU.
***
Na véspera
do II Dia Internacional da Fraternidade
Humana, o Cardeal Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura,
apresentou o Pavilhão da Santa Sé na Exposição de Dubai, um espaço para
conhecer as iniciativas do seu dicastério para divulgar os conteúdos da
Declaração assinada pelo Papa Francisco e o Grão Imame Al-Azhar há três anos,
dizendo:
“Estamos a pensar numa espécie de ‘Pátio dos
Gentios’ sobre o tema do silêncio, comum à meditação árabe, mas também budista”.
O Pavilhão
da Santa Sé é um itinerário projetado para levar os visitantes experimentarem o
que significa fraternidade, amizade, diálogo, encontro e o poder dos
intercâmbios culturais. Em 4 de fevereiro, a principal celebração do II Dia Internacional da Fraternidade Humana
decorreu no grande Pavilhão da Sustentabilidade, no 3.º aniversário da
assinatura do Documento fundador.
O ponto de
partida da instalação – projetada por Dom Tomasz Trafny, vice-comissário do
Pavilhão e responsável pelo Departamento de Ciência e Fé do Pontifício Conselho
para Cultura, e pelo arquiteto Giuseppe Di Nicola – é o encontro entre
São Francisco e o Sultão Malik Al-Kāmil em 1219, enquanto a chegada é o encontro
do Papa Francisco com o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, a 4 de
fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, para a assinatura do “Documento sobre a Fraternidade Humana”.
Gianfranco Ravasi falou das
mensagens do Pavilhão e do compromisso do seu dicastério com a difusão da
cultura da Fraternidade. Apontou a via para as grandes religiões do mundo
retornarem ao seu importante património, comum e diferente, e dialogarem entre
si, “para um maior impacto na sociedade contemporânea”, a fim de se deter o
declínio cultural e moral do planeta.
Segundo o purpurado, no Pavilhão
há uma representação visual, contínua e filmada da assinatura do “Documento sobre a Fraternidade Humana” e
uma presença especial: o palimpsesto, manuscrito em pergaminho, da grande Biblioteca
e Universidade criada no século IX em Bagdad, com um texto árabe, a ilustrar o
esforço da cultura da época para tornar o conhecimento de outros povos e
culturas acessível ao mundo islâmico, um testemunho emblemático deste diálogo
cultural e religioso. Este é um dos
objetos mais procurados e pelo qual muitos árabes vêm visitar o Pavilhão, um
símbolo fundamental, como a tradução latina dum Tratado árabe de matemática, em
que o texto de Fibonacci é transmitido ao Oriente e onde o Ocidente aprendeu a numeração
árabe.
Tendo, no documento assinado em Abu Dhabi, o Papa Francisco e o Grão
Imame Al-Tayyeb lançado um apelo contra o declínio cultural e moral do mundo e
questionado o Cardeal sobre o modo como as religiões podem concretamente agir
juntas a este respeito, Ravasi disse que o podem fazer por duas vias. Uma via
quase centrípeta é a da volta à sua grande
herança. Por exemplo, a herança filosófica, médica científica e literária do Oriente
chegou ao Ocidente nos últimos séculos, embora cada um com a sua própria visão,
de tal modo que, por exemplo, Tomás de Aquino terá aprender mais sobre
Aristóteles pela contribuição de Averróis, um filósofo muçulmano. Nesta ótica, “o
primeiro grande movimento é o de voltar à grande herança comum e até às
diferentes heranças que temos, que são muito fecundas”. E a segunda via, quase
centrífuga, é chegar ao presente para identificar os caminhos fundamentais,
como os indicados no Documento, para um diálogo e uma maior incidência na sociedade
contemporânea. Nestes termos, Ravasi alerta para o significado do diálogo
inter-religioso, da paz, da fraternidade, bem como da “verdadeira tolerância
que não seja apenas externa, mas seja também encontro”.
O Papa Francisco apelou repetidamente a que o Documento fosse divulgado
e estudado o mais amplamente possível. Interpelado face a este apelo papal e
sobre o que o seu dicastério está a fazer e a planear, Ravasi assegura que tal
estudo e divulgação podem ser feitos precisamente no aspeto da cultura, a par
do que faz o Pontifício
Conselho para o Diálogo Inter-religioso, mais focado nas conexões estritamente
religiosas. Assim, o Pontifício Conselho para a Cultura pensa criar uma espécie
de “Pátio dos Gentios” dedicado ao tema do silêncio, tão caraterístico não só
do mundo da meditação árabe, mas também da antiga tradição budista, sendo, por
isso, “um diálogo muito amplo”. Valorizará também esta dimensão científica,
sobretudo levando em conta a cultura dos países árabes na antropologia, uma das
questões mais sensíveis, constantemente estimulada nos dias de hoje pela
inteligência artificial, e um tema que explode certas categorias que são
codificadas, que devem ser reescritas levando em conta a grande evolução da
ciência. E o diálogo científico, como era no passado, pode ser um das vias
privilegiadas para o encontro entre as diversidades, na aspiração comum duma
visão profundamente humanista e humana.
***
Também o
Cardeal Michael Czerny prefeito interino do Dicastério para o Serviço do
Desenvolvimento Humano Integral sublinhou a necessidade de promover, a todos os
níveis, uma cultura centrada na dignidade das pessoas, assegurando que “todos
podem fazer alguma coisa”, e apontou que o fenómeno da migração é minado por
ideologias e retóricas negativas.
Lembrou que o
Documento de 4 de fevereiro de 2019, assinado por Francisco e pelo Imame Ahmad
al-Tayyeb, faz parte dum caminho marcado por outros documentos produzidos neste
campo, como as declarações finais dos 4 seminários do “Fórum Católico-Islâmico” realizados em 2008, 2011, 2014 e 2017. A
peculiaridade do que aconteceu há três anos – no contexto da viagem apostólica
de Francisco aos Emirados Árabes Unidos – reside em a declaração não ter sido
assinada pelas delegações, mas pelo Pontífice e por um líder islâmico, o grão
imame da mesquita-universidade al-Azhar, instituição muito influente religiosa e
academicamente.
O caminho da
construção duma autêntica fraternidade entre povos de diferentes religiões tem as
suas raízes na Gaudium et Spes, onde o trabalho das instituições
internacionais é apreciado como instrumento de desenvolvimento e reconciliação
e se expressa ajuda tanto aos que acreditam em Deus como aos que explicitamente
não O reconhecem, para que “possam tornar o mundo mais conforme à dignidade
eminente do homem, aspirar a uma fraternidade universal apoiada em bases mais
profundas, e responder, sob o impulso do amor, com um esforço generoso e unido
aos apelos mais urgentes de nosso tempo”. O conceito da dignidade dada por Deus
a toda a criação, em virtude da qual somos chamados a proteger e promover os nossos
semelhantes, é o fundamento em que se apoia o “Documento sobre a Fraternidade
Humana”. Enquanto as experiências desumanas de pobreza e guerra – geradas por terreno
fértil para a degradação social, ética e política onde se alastra o terrorismo –
assolam o tempo presente, os dois líderes convidam todos os fiéis a trabalharem
juntos em prol de uma cultura do respeito.
E Czerny
frisou que o “Documento sobre a
Fraternidade Humana” tem a ver com a promoção duma cultura, a todos os
níveis, focada na dignidade dos indivíduos, comunidades e povos.
Mais refere
que o nome do seu Dicastério, “Desenvolvimento
Humano Integral”, é uma tradução ou reformulação da expressão “fraternidade
humana”. Por isso, trata de todos os fatores sociais, públicos, económicos e
políticos que podem ser obstáculo ou ajuda ao desenvolvimento humano integral,
sendo esse desenvolvimento o que queremos, cada um para si e para os outros.
Isso postula a criação das condições duma vida digna, rica em esperança e com
um horizonte de esperança. E, se não podemos fazer tudo, podem todos fazer
alguma coisa. De facto, há muitas áreas da vida em que se deve progredir, quer
na fraternidade humana, quer no desenvolvimento humano integral. Assim, este
dia é um dia de festa, um aniversário e torna-se “uma oportunidade para
celebrar e rezar por aquilo que trabalhamos”.
O documento defende a plena cidadania de todos nas sociedades, o fim do
uso discriminatório do termo “minorias” e a importância da assistência aos refugiados.
Neste sentido, o purpurado foi interpelado sobre a relevância deste desafio
para com os irmãos refugiados. Ora, para
Czerny, o desafio é importante porque o movimento humano é um fator na vida
desde o início e, mercê dos sistemas de comunicação, temos mais consciência
desses movimentos, bem como da capacidade de todos poderem fazer algo para
acolher esses irmãos que vêm chegando. É pena esta realidade ter sido minada
pela retórica e ideologia negativa, pois é uma oportunidade de crescimento como
pessoa e como povo, uma oportunidade de abrir os corações, mãos e vidas para
acolher alguém que precisa. Jesus deixou claro que, se fizermos isso com eles,
é como se o fizéssemos com Ele.
Por fim, enquanto membro da comissão internacional independente que
entregará no fim deste mês o Prémio Zayed 2022 da Fraternidade Humana, diz esperar que a concessão do Prémio abra os nossos
olhos para as muitas outras pessoas ao nosso redor, mesmo em outras partes do
mundo, que são uma fonte de esperança, mesmo no contexto da covid-19, cujo
efeito mais terrível terá sido a falta de esperança. Assim, “esperamos que a
celebração [do Dia da Fraternidade Humana] e o Prémio
sejam oportunidade para reabrirmos os nossos corações e mentes e vermos que o
futuro nos espera com grande promessa”.
***
A fraternidade
é apanágio e consequência das religiões, cultiva-se no diálogo que sustenta as
fés e valoriza a dignidade da pessoa humana e o seu enquadramento comunitário.
2022.02.04 – Louro de Carvalho
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