sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

O diálogo é raiz e herança de todas as fés e o esteio da fraternidade

 

O Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso convidou a todos a unirem-se, de acordo com as modalidades que cada um julgar adequadas, à celebração do “II Dia Internacional da Fraternidade Humana”, das Nações Unidas, neste dia 4 de fevereiro, em torno do tema “Sob o mesmo céu”, como resposta à exortação do Papa Francisco e do Grão Imame Al-Tayyeb para trabalharmos juntos para a superação dos desafios que a humanidade enfrenta, esperando promover, apoiar e encorajar as comunidades e as pessoas em todo o mundo a serem verdadeiros mensageiros da unidade, solidariedade e fraternidade.

O evento celebrativo, que decorreu no Dubai tendo como relator o Cardeal Ayuso Guixot, presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, insere-se no contexto da Expo de Dubai 2020, no Pavilhão da Sustentabilidade, a algumas centenas de metros do Pavilhão da Santa Sé, e foi organizado conjuntamente pelo Ministério da Tolerância e da Coexistência dos Emiratos Árabes Unidos e pelo Comité para a Fraternidade Humana, com o apoio da Santa Sé e da Universidade de Al-Azhar, do Cairo.

O II Dia Internacional da Fraternidade Humana, das Nações Unidas, foi assinalado com duas videomensagens em torno do tema “Sob o mesmo céu” e pela “Mesa Redonda da Fraternidade Humana e da Aliança pela Tolerância Global”, o que enquadra uma campanha dos mass media para promover a tolerância e a coexistência pacífica nas escolas e órgãos governamentais.

A mesa redonda foi aberta às 10 horas locais com um vídeo sobre a “Fraternidade Humana e Tolerância”, seguido duma intervenção do xeique Nahayan Mabarak Al Nahyan, Ministro da Tolerância e da Coexistência dos Emirados Árabes Unidos. Depois, surgiram os discursos do Cardeal Ayuso Guixot, que também é presidente do Alto Comité, sobre “A Fraternidade humana para a promoção de iniciativas conjuntas e a coexistência pacífica”, do representante do Grão Imame de Al Azhar Muhammad Al Duwaini, intitulado “Rumo a um caminho de tolerância e compreensão guiado pelo conhecimento”, e do juiz Mohamed Abdelsalam, secretário-geral do Comité da Fraternidade Humana, intitulado “Na Fraternidade Humana promovemos sociedades inclusivas”. Seguiram-se ainda os discursos do delegado do Cardeal Gianfranco Ravasi, Dom Tomasz Trafny, do comissário-geral para a Austrália na Expo de Dubai, Justin McGowan, do norueguês Ole Johan Sandvaer, da canadense Marie-Genevieve Mounier, do italiano Paolo Glisenti e do finlandês Severi Keinala, bem como de Kahwla Barley, chefe das Olimpíadas Especiais dos Emirados, de Dena Assaf, coordenador das Nações Unidas para os Emirados e Michael Garin, diretor-geral da Autoridade criativa dos mass media de Abu Dhabi. Encerraram a mesa redonda o rabino David Shomo Rosen, Diretor Internacional de Assuntos Inter-Religiosos do Comité Judaico Americano, e três membros do Alto Comité da Fraternidade Humana: Irina Bokova (ex-Diretora-Geral da UNESCO e Secretária-Geral do Conselho Ecuménico de Igrejas), Ioan Sauca (teólogo ortodoxo romeno) e Mohamed Al Mahrasawi (Presidente da Universidade Al Azhar).

Vários representantes e autoridades dos Emirados Árabes Unidos, juntamente com representantes dos países representados na Expo, participaram numa marcha neste mesmo dia, concebida como momento de lembrança da responsabilidade de todos de se implementarem ações concretas de fraternidade.

Enquanto isso, como parte do “Festival da Fraternidade Humana” que se realiza até 5 de fevereiro na Expo de Dubai, foi apresentada uma campanha que será difundida pelos meios de comunicação de massa para alcançar diferentes grupos da sociedade com a participação de várias entidades dos setores público e privado para promover os princípios do “Documento da Fraternidade Humana”. Prevê-se a distribuição do Documento aos visitantes da Expo, escolas, universidades e agências governamentais, um vídeo introdutório sobre o Documento em vários idiomas, um segundo vídeo intitulado “Expo como uma verdadeira encarnação da Irmandade Humana”, e a iluminação de edifícios emblemáticos com os princípios do Documento assinado em Abu Dhabi há 3 anos, bem como notícias em rádio, televisão e outros media sociais.

E, entre as iniciativas, no final do mês retornará a cerimónia de entrega do Prémio Zayed para a Fraternidade Humana, que, em 2021, foi entregue a Latifa Ibn Ziaten, fundadora da Associação “Imad para a Juventude e Paz”, e a Antonio Guterres, Secretário-Geral da ONU.

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Na véspera do II Dia Internacional da Fraternidade Humana, o Cardeal Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, apresentou o Pavilhão da Santa Sé na Exposição de Dubai, um espaço para conhecer as iniciativas do seu dicastério para divulgar os conteúdos da Declaração assinada pelo Papa Francisco e o Grão Imame Al-Azhar há três anos, dizendo:

Estamos a pensar numa espécie de ‘Pátio dos Gentios’ sobre o tema do silêncio, comum à meditação árabe, mas também budista”.

O Pavilhão da Santa Sé é um itinerário projetado para levar os visitantes experimentarem o que significa fraternidade, amizade, diálogo, encontro e o poder dos intercâmbios culturais. Em 4 de fevereiro, a principal celebração do II Dia Internacional da Fraternidade Humana decorreu no grande Pavilhão da Sustentabilidade, no 3.º aniversário da assinatura do Documento fundador.

O ponto de partida da instalação – projetada por Dom Tomasz Trafny, vice-comissário do Pavilhão e responsável pelo Departamento de Ciência e Fé do Pontifício Conselho para  Cultura, e pelo arquiteto Giuseppe Di Nicola – é o encontro entre São Francisco e o Sultão Malik Al-Kāmil em 1219, enquanto a chegada é o encontro do Papa Francisco com o Grão Imame de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, a 4 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi, para a assinatura do “Documento sobre a Fraternidade Humana”.

Gianfranco Ravasi falou das mensagens do Pavilhão e do compromisso do seu dicastério com a difusão da cultura da Fraternidade. Apontou a via para as grandes religiões do mundo retornarem ao seu importante património, comum e diferente, e dialogarem entre si, “para um maior impacto na sociedade contemporânea”, a fim de se deter o declínio cultural e moral do planeta.

Segundo o purpurado, no Pavilhão há uma representação visual, contínua e filmada da assinatura do “Documento sobre a Fraternidade Humana” e uma presença especial: o palimpsesto, manuscrito em pergaminho, da grande Biblioteca e Universidade criada no século IX em Bagdad, com um texto árabe, a ilustrar o esforço da cultura da época para tornar o conhecimento de outros povos e culturas acessível ao mundo islâmico, um testemunho emblemático deste diálogo cultural e religioso. Este é um dos objetos mais procurados e pelo qual muitos árabes vêm visitar o Pavilhão, um símbolo fundamental, como a tradução latina dum Tratado árabe de matemática, em que o texto de Fibonacci é transmitido ao Oriente e onde o Ocidente aprendeu a numeração árabe.

Tendo, no documento assinado em Abu Dhabi, o Papa Francisco e o Grão Imame Al-Tayyeb lançado um apelo contra o declínio cultural e moral do mundo e questionado o Cardeal sobre o modo como as religiões podem concretamente agir juntas a este respeito, Ravasi disse que o podem fazer por duas vias. Uma via quase centrípeta é a da volta à sua grande herança. Por exemplo, a herança filosófica, médica científica e literária do Oriente chegou ao Ocidente nos últimos séculos, embora cada um com a sua própria visão, de tal modo que, por exemplo, Tomás de Aquino terá aprender mais sobre Aristóteles pela contribuição de Averróis, um filósofo muçulmano. Nesta ótica, “o primeiro grande movimento é o de voltar à grande herança comum e até às diferentes heranças que temos, que são muito fecundas”. E a segunda via, quase centrífuga, é chegar ao presente para identificar os caminhos fundamentais, como os indicados no Documento, para um diálogo e uma maior incidência na sociedade contemporânea. Nestes termos, Ravasi alerta para o significado do diálogo inter-religioso, da paz, da fraternidade, bem como da “verdadeira tolerância que não seja apenas externa, mas seja também encontro”.

O Papa Francisco apelou repetidamente a que o Documento fosse divulgado e estudado o mais amplamente possível. Interpelado face a este apelo papal e sobre o que o seu dicastério está a fazer e a planear, Ravasi assegura que tal estudo e divulgação podem ser feitos precisamente no aspeto da cultura, a par do que faz o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, mais focado nas conexões estritamente religiosas. Assim, o Pontifício Conselho para a Cultura pensa criar uma espécie de “Pátio dos Gentios” dedicado ao tema do silêncio, tão caraterístico não só do mundo da meditação árabe, mas também da antiga tradição budista, sendo, por isso, “um diálogo muito amplo”. Valorizará também esta dimensão científica, sobretudo levando em conta a cultura dos países árabes na antropologia, uma das questões mais sensíveis, constantemente estimulada nos dias de hoje pela inteligência artificial, e um tema que explode certas categorias que são codificadas, que devem ser reescritas levando em conta a grande evolução da ciência. E o diálogo científico, como era no passado, pode ser um das vias privilegiadas para o encontro entre as diversidades, na aspiração comum duma visão profundamente humanista e humana.

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Também o Cardeal Michael Czerny prefeito interino do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral sublinhou a necessidade de promover, a todos os níveis, uma cultura centrada na dignidade das pessoas, assegurando que “todos podem fazer alguma coisa”, e apontou que o fenómeno da migração é minado por ideologias e retóricas negativas.

Lembrou que o Documento de 4 de fevereiro de 2019, assinado por Francisco e pelo Imame Ahmad al-Tayyeb, faz parte dum caminho marcado por outros documentos produzidos neste campo, como as declarações finais dos 4 seminários do “Fórum Católico-Islâmico” realizados em 2008, 2011, 2014 e 2017. A peculiaridade do que aconteceu há três anos – no contexto da viagem apostólica de Francisco aos Emirados Árabes Unidos – reside em a declaração não ter sido assinada pelas delegações, mas pelo Pontífice e por um líder islâmico, o grão imame da mesquita-universidade al-Azhar, instituição muito influente religiosa e academicamente.

O caminho da construção duma autêntica fraternidade entre povos de diferentes religiões tem as suas raízes na Gaudium et Spes, onde o trabalho das instituições internacionais é apreciado como instrumento de desenvolvimento e reconciliação e se expressa ajuda tanto aos que acreditam em Deus como aos que explicitamente não O reconhecem, para que “possam tornar o mundo mais conforme à dignidade eminente do homem, aspirar a uma fraternidade universal apoiada em bases mais profundas, e responder, sob o impulso do amor, com um esforço generoso e unido aos apelos mais urgentes de nosso tempo”. O conceito da dignidade dada por Deus a toda a criação, em virtude da qual somos chamados a proteger e promover os nossos semelhantes, é o fundamento em que se apoia o “Documento sobre a Fraternidade Humana”. Enquanto as experiências desumanas de pobreza e guerra – geradas por terreno fértil para a degradação social, ética e política onde se alastra o terrorismo – assolam o tempo presente, os dois líderes convidam todos os fiéis a trabalharem juntos em prol de uma cultura do respeito.

E Czerny frisou que o “Documento sobre a Fraternidade Humana” tem a ver com a promoção duma cultura, a todos os níveis, focada na dignidade dos indivíduos, comunidades e povos.

Mais refere que o nome do seu Dicastério, “Desenvolvimento Humano Integral”, é uma tradução ou reformulação da expressão “fraternidade humana”. Por isso, trata de todos os fatores sociais, públicos, económicos e políticos que podem ser obstáculo ou ajuda ao desenvolvimento humano integral, sendo esse desenvolvimento o que queremos, cada um para si e para os outros. Isso postula a criação das condições duma vida digna, rica em esperança e com um horizonte de esperança. E, se não podemos fazer tudo, podem todos fazer alguma coisa. De facto, há muitas áreas da vida em que se deve progredir, quer na fraternidade humana, quer no desenvolvimento humano integral. Assim, este dia é um dia de festa, um aniversário e torna-se “uma oportunidade para celebrar e rezar por aquilo que trabalhamos”.

O documento defende a plena cidadania de todos nas sociedades, o fim do uso discriminatório do termo “minorias” e a importância da assistência aos refugiados. Neste sentido, o purpurado foi interpelado sobre a relevância deste desafio para com os irmãos refugiados. Ora, para Czerny, o desafio é importante porque o movimento humano é um fator na vida desde o início e, mercê dos sistemas de comunicação, temos mais consciência desses movimentos, bem como da capacidade de todos poderem fazer algo para acolher esses irmãos que vêm chegando. É pena esta realidade ter sido minada pela retórica e ideologia negativa, pois é uma oportunidade de crescimento como pessoa e como povo, uma oportunidade de abrir os corações, mãos e vidas para acolher alguém que precisa. Jesus deixou claro que, se fizermos isso com eles, é como se o fizéssemos com Ele.

Por fim, enquanto membro da comissão internacional independente que entregará no fim deste mês o Prémio Zayed 2022 da Fraternidade Humana, diz esperar que a concessão do Prémio abra os nossos olhos para as muitas outras pessoas ao nosso redor, mesmo em outras partes do mundo, que são uma fonte de esperança, mesmo no contexto da covid-19, cujo efeito mais terrível terá sido a falta de esperança. Assim, “esperamos que a celebração [do Dia da Fraternidade Humana] e o Prémio sejam oportunidade para reabrirmos os nossos corações e mentes e vermos que o futuro nos espera com grande promessa”.

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A fraternidade é apanágio e consequência das religiões, cultiva-se no diálogo que sustenta as fés e valoriza a dignidade da pessoa humana e o seu enquadramento comunitário.

2022.02.04 – Louro de Carvalho

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