Extremadas as
diversas posições, a falha da atividade diplomática dá em guerra. Se for
localizada, é grave, mas o mundo pode ser poupado; porém, se os interesses e negócios
das diversas potências falarem mais alto, será a catástrofe, sobretudo se não
se olhar a meios.
Começou o
ataque à Ucrânia num tempo em que uma guerra na Europa no século XXI parecia improvável
ou até impossível. Os riscos de degeneração são incalculáveis. Já há mortos e feridos entre militares e
civis. Se a guerra alastrar, falhará a UE, supostamente criada para reparar os
males da guerra e evitar novos conflitos bélicos, falhará toda a gestão
geopolítica do ocidente, designadamente o policiamento do mundo pelos
norte-americanos, como falhou a contenção putiniana e, sobretudo, falhará a
segurança oferecida pelas Nações Unidas.
Teme-se um
banho de sangue que atinge, além dos beligerantes formais, as costumeiras
vítimas inocentes e indefesas, que gostariam de viver em paz com os outros, com
todos, mesmo que tenham bandeira diferente. Os poderosos não se importam com os
fracos que sucumbem e o massacre dos inocentes não cessa. Após o sofrimento decorrente
da pandemia, já nos espreita o luto dum conflito que não sabemos como poderá
degenerar, a que a máscara não se opõe, que não se deixa mitigar nem conter. Pode
estar longe o risco de III Guerra Mundial, assim se espera, pois a humanidade,
se aprendeu com a história recente, não será louca o suficiente para cair
novamente numa guerra alargada, que é loucura, insensatez e génio demoníaco. Porém,
o diabo sabe inspirar a eficiente utilização de armas letais para destruir a
vida, destruir o mundo. Os sucessivos ataques informáticos a empresas e a organismos
dos Estados podem ser um sintoma e até já uma forma de destruir estruturas
virtuais das sociedades, uma forma de guerra a juntar à guerra comercial e
militar. Por tudo isto, não podemos tomar a paz no mundo como algo adquirido.
***
O anúncio
por parte de Moscovo duma operação para proteger o Donbass (a República Popular de Donetsk e a República Popular de
Luhansk, cuja independência Putin reconheceu) desencadeia uma série de condenações e reações
internacionais. O Presidente ucraniano falou à nação de ataques com mísseis
enquanto as primeiras explosões são ouvidas no país. Para Biden, a Rússia é
responsável pela destruição que este ataque trará. O Conselho de Segurança da
ONU renuiu de emergência, o Comité Cobra (Cabinet
Office Briefing Room) foi programado
para esta manhã em Londres e a reunião do Conselho da UE ocorreu neste dia 24. De
a noite, a Rússia lançou operações militares na Ucrânia para proteger o
Donbass. Foi Putin quem anunciou a invasão: explosões e sirenes de alarme
começaram a ser ouvidas ao amanhecer, também na capital, Kiev, onde se registaram
colunas de carros civis em fuga, sobretudo de áreas periféricas. O caos está por
todo o país, não só no sul e sudeste, mas também nas fronteiras com Belarus e
Polónia: Odessa, Kharvik, Mariupol e Lviv. O ataque parece poderoso e em grande
escala. E o Presidente russo usou termos precisos como “desnazificar”, “descomunizar”
e “desmilitarizar” a Ucrânia, isto é, torná-la inofensiva, pois a expansão da
NATO e o seu uso do território ucraniano são inaceitáveis. Assim, advertiu:
“Qualquer um que tente criar obstáculos e
interferir connosco sabe que a Rússia responderá com consequências sem
precedentes. Estamos preparados para tudo.”.
E, na ONU, Moscou
deixou claro que o alvo do ataque é “a junta no poder em Kiev”. Isto, na linha
do que afirmara antes, dizendo estar a responder a um pedido de ajuda de
líderes separatistas que, nas últimas horas, afirmaram ter conquistado dois
locais no Donbass.
A
presidência ucraniana, por seu turno, fala duma “guerra de agressão” e pedindo
ajuda ao mundo, em termos de sanções e isolamento da Rússia, assistência
financeira, militar e humanitária. Ao mesmo tempo, o Governo está a proteger a
população com a imposição da lei marcial. No seu Twitter, o Presidente Volodymyr
Zelensky escreveu a pedir que “detenham a guerra e Putin”. Há notícias da
destruição da defesa antiaérea de Kiev e a própria presidência difundiu as
primeiras imagens da guerra, uma explosão na capital com densa nuvem de fumaça,
perto dum parque. Por isso, Zelensky adverte que “a operação russa visa
destruir o Estado Ucraniano, tomar o seu território pela força e estabelecer
uma ocupação”.
São registadas,
nas primeiras horas após a ação militar russa, reações de condenação e
planeamento duma resposta unida por parte do mundo ocidental. Os EUA e o
presidente Biden falam de guerra premeditada e injustificada que trará “perdas
catastróficas de vidas e sofrimento”. O líder norte-americano falou com
Zelensky e anunciou novas e duras sanções contra Moscovo junto com os aliados.
A NATO convocou embaixadores com o Secretário-Geral Stoltenberg e disse que
faria “o que fosse preciso para proteger os seus aliados”. Na reunião do
Conselho de Segurança da ONU, o Secretário-Geral Guterres declarou:
“Este é o momento mais triste do meu
mandato. O presidente Putin, em nome da humanidade, retire as tropas russas.
Este conflito deve parar agora, esta guerra não faz sentido e viola os
princípios da Carta da ONU.”.
A Europa
está ao lado de Kiev: os representantes permanentes dos Estados-membros
reuniram-se de manhã em Bruxelas para discutir a situação da segurança. A
presidente da Comissão da UE, Von der Leyen, referiu:
“Nessas horas escuras, os nossos pensamentos
estão com a Ucrânia e as mulheres, homens e crianças inocentes que enfrentam
esse ataque não provocado e temem pelas suas vidas. Responsabilizaremos o
Kremlin.”.
“Putin
escolheu o caminho do banho de sangue e da destruição”, atacou o Primeiro-Ministro
britânico Johnson, que disse estar horrorizado com os acontecimentos, “a Rússia
escolheu o banho de sangue para um ataque não provocado”. O Comité de
Emergência Cobra foi convocado de emergência em Londres nesta manhã.
Enquanto
isso, a população espera e tenta proteger-se da melhor maneira possível. Aos
microfones de Jean Charles Poutzulu o Padre Radko Vaolodymyr de Lviv:
“É a guerra, ouvimos notícias de bombardeios
de numerosos vilarejos e até de grandes cidades. O nosso Patriarca chamou-nos a
todos nesta manhã para nos convidar para a oração. Ainda estou na cidade de Lviv,
a cerca de 60 quilómetros da fronteira com a Polónia. Posso testemunhar que
durante alguns minutos as sirenes foram ouvidas. Não vamos ceder ao pânico. A
ativação das sirenes significa que temos que ser cautelosos e nos esconder. À
meia-noite, hora ucraniana, começou o estado de emergência, e esta manhã o Presidente
declarou o estado militar, portanto, a guerra aberta começou. Precisamos da
oração para nos ajudar a não ceder ao pânico e para manter a calma, na
esperança de que possamos vencer este mal.”.
Segundo o embaixador
francês na ONU, Nicolas de Rivière, “a Rússia fez a escolha da guerra” e “a França
condena nos termos mais fortes o lançamento dessas operações”, pois esta
decisão, “no preciso momento em que este Conselho está reunido (Conselho de
Segurança), ilustra o desprezo que a Rússia
tem pelo direito internacional e pelas Nações Unidas”. E o embaixador apelou:
“Exortamos a Rússia a respeitar o direito
humanitário internacional em todas as circunstâncias, pedimos a proteção e o
respeito de todos os civis, incluindo pessoas vulneráveis, mulheres e crianças,
e pessoal humanitário”.
Para o chanceler
alemão Olaf Scholz, a operação militar russa é “uma violação flagrante” do
direito internacional.
O Primeiro-Ministro
britânico Boris Johnson condenou os “horríveis acontecimentos na Ucrânia”
dizendo que o presidente russo Vladimir Putin “escolheu o caminho do
derramamento de sangue e da destruição ao lançar este ataque não provocado”.
Jens
Stoltenberg, Secretário-Geral da NATO, condenou o “ataque imprudente e não
provocado” da Rússia à Ucrânia, advertindo que isso coloca “inúmeras” vidas em
risco. Assim declarou:
“Condeno veementemente o ataque imprudente e
sem provocação da Rússia à Ucrânia, que coloca em risco inúmeras vidas civis.
Mais uma vez, apesar das nossas repetidas advertências e os esforços
incansáveis da diplomacia, a Rússia escolheu o caminho da agressão contra um
país soberano e independente.”.
E acrescentou:
“Os Aliados da NATO reunir-se-ão para
enfrentar as consequências das ações agressivas da Rússia. Estamos com o povo
ucraniano neste momento terrível. A NATO fará o que for preciso para proteger e
defender os aliados.”.
O Primeiro-Ministro
italiano Mario Draghi chamou o ataque da Rússia à Ucrânia de “injustificado e
injustificável” e disse que a UE e a NATO estavam a trabalhar numa resposta
imediata.
O Primeiro-Ministro
japonês Fumion Kishida disse que o ataque russo à Ucrânia “abala as bases da
ordem internacional”.
O Presidente
da República de Portugal, que convocou de emergência o Conselho Superior de
Defesa Nacional, em consonância com o Governo, condena veementemente a
flagrante violação do direito internacional pela Federação Russa e apoia a
declaração do Secretário-Geral da ONU expressando total solidariedade com o
Estado e o povo da Ucrânia.
Biden reforça as sanções e a presença militar contra o Kremlin.
Francisco,
repleto de angústia e preocupação, pede oração e jejum pela paz. Nestes termos,
falou no final da Audiência Geral do passado dia 23:
“A fraqueza da oração contra o poder das
armas. Quem vai querer acreditar nisso? Quem oporá a ascese mansa do jejum
contra a força dos canhões? A oração une-nos ao Pai e faz-nos irmãos, o jejum tira-nos
algo para compartilhá-lo com os outros: mesmo que o outro seja um inimigo. A
oração é a verdadeira revolução que muda o mundo porque muda os corações. Temos
poucos recursos contra as guerras porque, sem eximir-nos de qualquer
responsabilidade, o diabo as fomenta, com ódio, astúcia, maldade. Jesus diz: ‘Este
tipo de demónios não pode ser expulso de nenhuma maneira, a não ser através da
oração’.”.
****
A Caritas Internacional, confederação nascida em
1951, considera que a Ucrânia corre o risco de catástrofe humanitária. Segundo esta
instituição, deve garantir-se
a proteção e o acesso à assistência humanitária, bem como a liberdade de
movimento para quem foge do conflito. Eis as palavras da presidente da Caritas
Ucrânia, Tetiana Stawnychy, após o ataque das primeiras horas:
“Os eventos que começaram esta manhã
inevitavelmente levarão a uma colossal catástrofe humanitária. É impossível acreditar
que em pleno século XXI, no centro da Europa, as pessoas tenham que acordar às
5 da manhã com as explosões e o som das sirenes de ataque aéreo.”.
A Caritas
está muito preocupada com o impacto da intervenção na população ucraniana, que se
encontra em condições críticas 8 anos após o início da crise que causou a morte
de 14 mil pessoas e o deslocamento de 1 milhão e 500 mil pessoas. Por isso, lança
um apelo de emergência para apoiar o trabalho da Caritas Ucraniana. Há que
ajudar as pessoas afetadas pelo conflito com alimentos, água potável,
alojamentos seguros e kits de higiene, além de garantir transporte seguro para
as pessoas vulneráveis chegarem aos seus entes queridos e áreas seguras. É preciso
apoio para responder à crise humanitária e ajudar as pessoas afetadas por ela.
Já desde o
final do verão de 2021, sobretudo no leste da Ucrânia, a Caritas preparou a
resposta humanitária para a possível escalada do conflito, fortalecendo a sua
rede e aumentando a sua capacidade, bem como formando funcionários e
voluntários. Além disso, foram temporariamente montados centros de acolhimento para
acolher e assistir aos deslocados internos, cujo número aumentará após o início
da intervenção militar. Os números de emergência já são dramáticos: “antes do
ataque, em ambos os lados da linha de contacto, já havia pelo menos 2 milhões e
900 mil pessoas a precisar de assistência humanitária. Agora os números tendem
a aumentar.
A Caritas
Ucraniana é apoiada por 36 organizações da Confederação Caritas, pois não se podem
“ignorar as trágicas implicações humanitárias desta guerra”, disse o
secretário-geral da Caritas Internacional, Aloysius John, que frisou:
“É dever da Comunidade internacional
proteger o povo ucraniano e garantir que tenha acesso à assistência humanitária.
Todos somos chamados a agir. O que
está a acontecer na Ucrânia põe em perigo a estabilidade e a paz internacional
e, como sublinhou o Santo Padre, está a desacreditar o direito internacional.”.
A Caritas
Internacional reitera a necessidade de todas as pessoas, sobretudo as mais
vulneráveis, terem acesso à assistência humanitária e de lhes ser garantida a
liberdade de movimento.
***
Por sua vez, o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa
Sé, considera que “ainda há tempo para a boa vontade, ainda há tempo para a
negociação”. Na verdade, o Papa falou em ‘grande dor’, ‘angústia e preocupação’ e convidou as
partes envolvidas a ‘absterem-se
de qualquer ação que provoque ainda mais sofrimento às populações’,
‘desestabilize a convivência pacífica’ e desacredite o direito internacional’.
E este é, segundo Parolin, um apelo que adquire dramática urgência após o
início das operações militares russas na Ucrânia. O cardeal salienta que “ainda
há tempo para o exercício duma sabedoria que impeça o prevalecer dos interesses
de parte, tutele as legítimas aspirações de cada um e poupe o mundo da loucura
e dos horrores da guerra”.
Com efeito, “nós
fiéis não perdemos a esperança num vislumbre de consciência dos que têm o
destino do mundo em suas mãos”; e “continuamos a rezar e jejuar pela paz na
Ucrânia e no mundo inteiro”, pois o Papa solicita que se oponha ao poder das
armas a fraqueza da oração.
2022.02.24 – Louro de Carvalho
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