quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Em pós-pandemia, guerra na Ucrânia constitui ameaça à humanidade

 

Extremadas as diversas posições, a falha da atividade diplomática dá em guerra. Se for localizada, é grave, mas o mundo pode ser poupado; porém, se os interesses e negócios das diversas potências falarem mais alto, será a catástrofe, sobretudo se não se olhar a meios.

Começou o ataque à Ucrânia num tempo em que uma guerra na Europa no século XXI parecia improvável ou até impossível. Os riscos de degeneração são incalculáveis. Já há mortos e feridos entre militares e civis. Se a guerra alastrar, falhará a UE, supostamente criada para reparar os males da guerra e evitar novos conflitos bélicos, falhará toda a gestão geopolítica do ocidente, designadamente o policiamento do mundo pelos norte-americanos, como falhou a contenção putiniana e, sobretudo, falhará a segurança oferecida pelas Nações Unidas.

Teme-se um banho de sangue que atinge, além dos beligerantes formais, as costumeiras vítimas inocentes e indefesas, que gostariam de viver em paz com os outros, com todos, mesmo que tenham bandeira diferente. Os poderosos não se importam com os fracos que sucumbem e o massacre dos inocentes não cessa. Após o sofrimento decorrente da pandemia, já nos espreita o luto dum conflito que não sabemos como poderá degenerar, a que a máscara não se opõe, que não se deixa mitigar nem conter. Pode estar longe o risco de III Guerra Mundial, assim se espera, pois a humanidade, se aprendeu com a história recente, não será louca o suficiente para cair novamente numa guerra alargada, que é loucura, insensatez e génio demoníaco. Porém, o diabo sabe inspirar a eficiente utilização de armas letais para destruir a vida, destruir o mundo. Os sucessivos ataques informáticos a empresas e a organismos dos Estados podem ser um sintoma e até já uma forma de destruir estruturas virtuais das sociedades, uma forma de guerra a juntar à guerra comercial e militar. Por tudo isto, não podemos tomar a paz no mundo como algo adquirido.

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O anúncio por parte de Moscovo duma operação para proteger o Donbass (a República Popular de Donetsk e a República Popular de Luhansk, cuja independência Putin reconheceu) desencadeia uma série de condenações e reações internacionais. O Presidente ucraniano falou à nação de ataques com mísseis enquanto as primeiras explosões são ouvidas no país. Para Biden, a Rússia é responsável pela destruição que este ataque trará. O Conselho de Segurança da ONU renuiu de emergência, o Comité Cobra (Cabinet Office Briefing Room) foi programado para esta manhã em Londres e a reunião do Conselho da UE ocorreu neste dia 24. De a noite, a Rússia lançou operações militares na Ucrânia para proteger o Donbass. Foi Putin quem anunciou a invasão: explosões e sirenes de alarme começaram a ser ouvidas ao amanhecer, também na capital, Kiev, onde se registaram colunas de carros civis em fuga, sobretudo de áreas periféricas. O caos está por todo o país, não só no sul e sudeste, mas também nas fronteiras com Belarus e Polónia: Odessa, Kharvik, Mariupol e Lviv. O ataque parece poderoso e em grande escala. E o Presidente russo usou termos precisos como “desnazificar”, “descomunizar” e “desmilitarizar” a Ucrânia, isto é, torná-la inofensiva, pois a expansão da NATO e o seu uso do território ucraniano são inaceitáveis. Assim, advertiu:

Qualquer um que tente criar obstáculos e interferir connosco sabe que a Rússia responderá com consequências sem precedentes. Estamos preparados para tudo.”.

E, na ONU, Moscou deixou claro que o alvo do ataque é “a junta no poder em Kiev”. Isto, na linha do que afirmara antes, dizendo estar a responder a um pedido de ajuda de líderes separatistas que, nas últimas horas, afirmaram ter conquistado dois locais no Donbass.

A presidência ucraniana, por seu turno, fala duma “guerra de agressão” e pedindo ajuda ao mundo, em termos de sanções e isolamento da Rússia, assistência financeira, militar e humanitária. Ao mesmo tempo, o Governo está a proteger a população com a imposição da lei marcial. No seu Twitter, o Presidente Volodymyr Zelensky escreveu a pedir que “detenham a guerra e Putin”. Há notícias da destruição da defesa antiaérea de Kiev e a própria presidência difundiu as primeiras imagens da guerra, uma explosão na capital com densa nuvem de fumaça, perto dum parque. Por isso, Zelensky adverte que “a operação russa visa destruir o Estado Ucraniano, tomar o seu território pela força e estabelecer uma ocupação”.

São registadas, nas primeiras horas após a ação militar russa, reações de condenação e planeamento duma resposta unida por parte do mundo ocidental. Os EUA e o presidente Biden falam de guerra premeditada e injustificada que trará “perdas catastróficas de vidas e sofrimento”. O líder norte-americano falou com Zelensky e anunciou novas e duras sanções contra Moscovo junto com os aliados. A NATO convocou embaixadores com o Secretário-Geral Stoltenberg e disse que faria “o que fosse preciso para proteger os seus aliados”. Na reunião do Conselho de Segurança da ONU, o Secretário-Geral Guterres declarou:

Este é o momento mais triste do meu mandato. O presidente Putin, em nome da humanidade, retire as tropas russas. Este conflito deve parar agora, esta guerra não faz sentido e viola os princípios da Carta da ONU.”.

A Europa está ao lado de Kiev: os representantes permanentes dos Estados-membros reuniram-se de manhã em Bruxelas para discutir a situação da segurança. A presidente da Comissão da UE, Von der Leyen, referiu:

Nessas horas escuras, os nossos pensamentos estão com a Ucrânia e as mulheres, homens e crianças inocentes que enfrentam esse ataque não provocado e temem pelas suas vidas. Responsabilizaremos o Kremlin.”.

“Putin escolheu o caminho do banho de sangue e da destruição”, atacou o Primeiro-Ministro britânico Johnson, que disse estar horrorizado com os acontecimentos, “a Rússia escolheu o banho de sangue para um ataque não provocado”. O Comité de Emergência Cobra foi convocado de emergência em Londres nesta manhã.

Enquanto isso, a população espera e tenta proteger-se da melhor maneira possível. Aos microfones de Jean Charles Poutzulu o Padre Radko Vaolodymyr de Lviv:

É a guerra, ouvimos notícias de bombardeios de numerosos vilarejos e até de grandes cidades. O nosso Patriarca chamou-nos a todos nesta manhã para nos convidar para a oração. Ainda estou na cidade de Lviv, a cerca de 60 quilómetros da fronteira com a Polónia. Posso testemunhar que durante alguns minutos as sirenes foram ouvidas. Não vamos ceder ao pânico. A ativação das sirenes significa que temos que ser cautelosos e nos esconder. À meia-noite, hora ucraniana, começou o estado de emergência, e esta manhã o Presidente declarou o estado militar, portanto, a guerra aberta começou. Precisamos da oração para nos ajudar a não ceder ao pânico e para manter a calma, na esperança de que possamos vencer este mal.”.

Segundo o embaixador francês na ONU, Nicolas de Rivière, “a Rússia fez a escolha da guerra” e “a França condena nos termos mais fortes o lançamento dessas operações”, pois esta decisão, “no preciso momento em que este Conselho está reunido (Conselho de Segurança), ilustra o desprezo que a Rússia tem pelo direito internacional e pelas Nações Unidas”. E o embaixador apelou:

Exortamos a Rússia a respeitar o direito humanitário internacional em todas as circunstâncias, pedimos a proteção e o respeito de todos os civis, incluindo pessoas vulneráveis, mulheres e crianças, e pessoal humanitário”.

Para o chanceler alemão Olaf Scholz, a operação militar russa é “uma violação flagrante” do direito internacional.

O Primeiro-Ministro britânico Boris Johnson condenou  os “horríveis acontecimentos na Ucrânia” dizendo que o presidente russo Vladimir Putin “escolheu o caminho do derramamento de sangue e da destruição ao lançar este ataque não provocado”.

Jens Stoltenberg, Secretário-Geral da NATO, condenou o “ataque imprudente e não provocado” da Rússia à Ucrânia, advertindo que isso coloca “inúmeras” vidas em risco. Assim declarou:

Condeno veementemente o ataque imprudente e sem provocação da Rússia à Ucrânia, que coloca em risco inúmeras vidas civis. Mais uma vez, apesar das nossas repetidas advertências e os esforços incansáveis da diplomacia, a Rússia escolheu o caminho da agressão contra um país soberano e independente.”.

E acrescentou:

Os Aliados da NATO reunir-se-ão para enfrentar as consequências das ações agressivas da Rússia. Estamos com o povo ucraniano neste momento terrível. A NATO fará o que for preciso para proteger e defender os aliados.”.

O Primeiro-Ministro italiano Mario Draghi chamou o ataque da Rússia à Ucrânia de “injustificado e injustificável” e disse que a UE e a NATO estavam a trabalhar numa resposta imediata.

O Primeiro-Ministro japonês Fumion Kishida disse que o ataque russo à Ucrânia “abala as bases da ordem internacional”.

O Presidente da República de Portugal, que convocou de emergência o Conselho Superior de Defesa Nacional, em consonância com o Governo, condena veementemente a flagrante violação do direito internacional pela Federação Russa e apoia a declaração do Secretário-Geral da ONU expressando total solidariedade com o Estado e o povo da Ucrânia.

Biden reforça as sanções e a presença militar contra o Kremlin.

Francisco, repleto de angústia e preocupação, pede oração e jejum pela paz. Nestes termos, falou no final da Audiência Geral do passado dia 23:

A fraqueza da oração contra o poder das armas. Quem vai querer acreditar nisso? Quem oporá a ascese mansa do jejum contra a força dos canhões? A oração une-nos ao Pai e faz-nos irmãos, o jejum tira-nos algo para compartilhá-lo com os outros: mesmo que o outro seja um inimigo. A oração é a verdadeira revolução que muda o mundo porque muda os corações. Temos poucos recursos contra as guerras porque, sem eximir-nos de qualquer responsabilidade, o diabo as fomenta, com ódio, astúcia, maldade. Jesus diz: ‘Este tipo de demónios não pode ser expulso de nenhuma maneira, a não ser através da oração’.”.

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A Caritas Internacional, confederação nascida em 1951, considera que a Ucrânia corre o risco de catástrofe humanitária. Segundo esta instituição, deve garantir-se a proteção e o acesso à assistência humanitária, bem como a liberdade de movimento para quem foge do conflito. Eis as palavras da presidente da Caritas Ucrânia, Tetiana Stawnychy, após o ataque das primeiras horas:

Os eventos que começaram esta manhã inevitavelmente levarão a uma colossal catástrofe humanitária. É impossível acreditar que em pleno século XXI, no centro da Europa, as pessoas tenham que acordar às 5 da manhã com as explosões e o som das sirenes de ataque aéreo.”.

A Caritas está muito preocupada com o impacto da intervenção na população ucraniana, que se encontra em condições críticas 8 anos após o início da crise que causou a morte de 14 mil pessoas e o deslocamento de 1 milhão e 500 mil pessoas. Por isso, lança um apelo de emergência para apoiar o trabalho da Caritas Ucraniana. Há que ajudar as pessoas afetadas pelo conflito com alimentos, água potável, alojamentos seguros e kits de higiene, além de garantir transporte seguro para as pessoas vulneráveis ​​chegarem aos seus entes queridos e áreas seguras. É preciso apoio para responder à crise humanitária e ajudar as pessoas afetadas por ela.

Já desde o final do verão de 2021, sobretudo no leste da Ucrânia, a Caritas preparou a resposta humanitária para a possível escalada do conflito, fortalecendo a sua rede e aumentando a sua capacidade, bem como formando funcionários e voluntários. Além disso, foram temporariamente montados centros de acolhimento para acolher e assistir aos deslocados internos, cujo número aumentará após o início da intervenção militar. Os números de emergência já são dramáticos: “antes do ataque, em ambos os lados da linha de contacto, já havia pelo menos 2 milhões e 900 mil pessoas a precisar de assistência humanitária. Agora os números tendem a aumentar.

A Caritas Ucraniana é apoiada por 36 organizações da Confederação Caritas, pois não se podem “ignorar as trágicas implicações humanitárias desta guerra”, disse o secretário-geral da Caritas Internacional, Aloysius John, que frisou:

É dever da Comunidade internacional proteger o povo ucraniano e garantir que tenha acesso à assistência humanitária. Todos somos chamados a agir. O que está a acontecer na Ucrânia põe em perigo a estabilidade e a paz internacional e, como sublinhou o Santo Padre, está a desacreditar o direito internacional.”.

A Caritas Internacional reitera a necessidade de todas as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis, terem acesso à assistência humanitária e de lhes ser garantida a liberdade de movimento.

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Por sua vez, o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, considera que “ainda há tempo para a boa vontade, ainda há tempo para a negociação”. Na verdade, o Papa falou em ‘grande dor’, ‘angústia e preocupação’ e convidou as partes envolvidas a ‘absterem-se de qualquer ação que provoque ainda mais sofrimento às populações’, ‘desestabilize a convivência pacífica’ e desacredite o direito internacional’. E este é, segundo Parolin, um apelo que adquire dramática urgência após o início das operações militares russas na Ucrânia. O cardeal salienta que “ainda há tempo para o exercício duma sabedoria que impeça o prevalecer dos interesses de parte, tutele as legítimas aspirações de cada um e poupe o mundo da loucura e dos horrores da guerra”.

Com efeito, “nós fiéis não perdemos a esperança num vislumbre de consciência dos que têm o destino do mundo em suas mãos”; e “continuamos a rezar e jejuar pela paz na Ucrânia e no mundo inteiro”, pois o Papa solicita que se oponha ao poder das armas a fraqueza da oração.

2022.02.24 – Louro de Carvalho

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