segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

“Alegrai-vos e exultai!”

 

É o primeiro desafio que Dom José Cordeiro, Arcebispo de Braga, lança aos participantes na celebração da Eucaristia a marcar o início do seu Ministério Pastoral na Arquidiocese, numa homilia que, “no olhar de Jesus Cristo”, interpela a Igreja bracarense sobre o que está a fazer da “proximidade fraterna” e se posiciona com “um coração que vê e escuta”.

As palavras de Jesus vertidas em epígrafe constituem um repto à esperança no início da atividade episcopal com os fiéis e para eles. Na verdade, Lucas mostra Jesus a descer do monte para falar a todos e, olhando face a face os discípulos proclama a quadratura das bem-aventuranças contrapondo-lhe a das imprecações, tendo como prática a cura dos doentes e a libertação do mal.

Sendo as bem-aventuranças sonho para os profetas, para Jesus são o hoje. Lucas apresenta quatro grupos de felizes: os pobres, os que choram, os famintos e os perseguidos. Os primeiros três, que “são elementos graves do sofrimento humano”, compaginam uma forma de pobreza feliz, ao passo que o último está conexo com as perseguições “por causa do Filho do Homem”.

Porém, o Arcebispo sustenta que não basta cultivar uma forma de ser pobre ou de aceitar ser perseguido para ser feliz, antes se requer um profundo trabalho para a simplicidade do coração, para o que se necessita da coragem “da alegria e da esperança”. Na verdade, como assegura, o Reino é para quem não vive do afã de ter e poder, não põe a razão de viver em si mesmo, mas que permanece aberto a Deus e disponível para Ele. A fé em Jesus é a da vocação de Jeremias e do salmista: “Feliz o homem que pôs a sua esperança no Senhor” (Sl 40,5; cf Sl 1,5; Jr 17,7).

Sendo essencial o Evangelho e só se evangelizando com o Evangelho, a pobreza evangélica é “fé, liberdade e leveza nos discípulos missionários”. Portanto, segundo Dom José, só quem é pobre é “amigo dos pobres, reclusos, doentes, peregrinos, migrantes, refugiados, vulneráveis, indigentes e marginalizados nas periferias existenciais, sociais e geográficas”. É, pois necessário olhar com olhos novos, os olhos de Cristo.

No quadro da proximidade fraterna da Igreja bracarense, o novo Pastor salienta que este é um tempo difícil, mas é o nosso hoje e o hoje de Deus, em que a esperança é Cristo. Por isso, é a hora da revisitação esperançosa das raízes, da história, dos trabalhos e dos cansaços, “para saborearmos o património de fé e cultura do Evangelho”. E, porque no dizer do Papa “o amanhã da Igreja habita sempre nas suas origens”, cabe-nos “caminhar juntos para o futuro”.

Considera o prelado bracarense que “todos somos poucos para sermos ministros do Evangelho para a esperança do mundo”, mas importa que sejamos, na linha augustiniana, “ministros bons e fiéis”, pois só assim “seremos verdadeiramente ministros”.

Evocando a história milenar da Arquidiocese, “hoje muito diversificada e enriquecida pelas suas gentes”, Dom José apontou “um povo que trabalha, nas fábricas, nos escritórios, no comércio, nas empresas, nos campos, nas oficinas, nas escolas e universidades, na saúde, na agricultura, na pesca e nos serviços domésticos”, para concordar com Fernando Pessoa no sentido de que “a realidade é o gesto visível das mãos invisíveis de Deus”, pois existe antes das ideias e ideologias e desafia “à coragem criativa, à confiança e à paciência para criar relação no encontro com os homens e as mulheres do nosso tempo, testemunhando que também hoje é possível, belo, bom e justo viver a existência humana à luz do Evangelho”. Nesta ótica, considerou-se no topo dos convocados “para a missão do essencial ao serviço de todo o povo de Deus” a si confiado. 

Aqui introduz a vertente da vocação à sinodalidade, que interpela uma Igreja sinodal que em conjunto anuncia o Evangelho e caminha. E o prelado interroga-se como operar “este caminhar juntos na Igreja diocesana” e que passos o Espírito nos impele a dar para crescermos neste sentido.

Como resposta a tais preocupações, anuncia que, em breve e em sinodalidade com os organismos de comunhão, iniciará o roteiro da grande peregrinação por toda a Arquidiocese nas suas 552 paróquias (551+1 Pemba, em Moçambique), 14 arciprestados e serviços de proximidade, escudado na asserção do Arcebispo São Bartolomeu dos Mártires segundo o qual “a visitação é quase a alma do governo episcopal porque é por ela que o pastor se desfaz e consome em benefício e utilidade de todas as suas ovelhas”. 

Depois, fala da exigência do cuidado: a Igreja sinodal samaritana é a Igreja que escuta, olha, cuida e acompanha, como o Bom Samaritano que “chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão(Lc 10,33), pois onde há amor há o olhar que aproxima (“aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho”: (Lc 10,34); nascem gestos (“colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele”: Lc 10,34); “aí habita Deus!...”.

A seguir, retoma a grande demanda do plano pastoral arquidiocesano: “Desejamos uma Igreja pobre e livre? Que rosto de Deus encontra quem bate à porta da Igreja?”. E sobre estas questões, esconjura o medo, porque a vocação cristã “é a esperança”, e o seu maior obstáculo é o medo. Por isso, o grande apelo do Pastor é ao contágio “pela imaginação e criatividade”, com que se entrosa o estilo de Deus, que “é proximidade, compaixão e ternura!...”. 

Todo este dinamismo pastoral postula, segundo o discurso arquiepiscopal, conversão pessoal, pastoral e missionária, esperando e sonhando “em grande” como Francisco:

Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (Evangelii gaudium 27).

Para tanto, com o presbitério, o Arcebispo agendará os encontros nos 14 arciprestados, cujas designações explicitou. E apontou que “o presbitério não é a soma dos presbíteros” duma diocese, que “não são os presbíteros que fazem o presbitério”, mas que “é o presbitério que faz os presbíteros”. Sustenta que nascem do mistério de Cristo, que é “comunhão” e “missão”; e sustenta que o Bispo não é pensável sem os presbíteros, “os primeiros e indispensáveis colaboradores”, dos quais deseja ser irmão e amigo e a quem pede que o ajudem a ser “pai e pastor”.

Quer encontrar-se com os diáconos, pessoas consagradas, movimentos e organismos eclesiais, autoridades, instituições de solidariedade social, famílias, reclusos, doentes, jovens, os mais velhos e os mais pobres. 

Evocou o XXX Dia Mundial do Doente celebrado no dia 11 para lembrar a ideia do Papa sobre a relevância de se pôr ao lado de quem sofre “num caminho de caridade”, pedindo uma misericórdia que é “força e ternura”.

Depois, assegurou que tudo na Igreja (da liturgia à caridade, da catequese à piedade popular e ao testemunho de vida) “deve tornar visível e reconhecível o rosto de Cristo, a centralidade do mistério integral de Cristo”, sendo a audácia da esperança o que nos faz “peregrinos de novos caminhos e de novas linguagens na fidelidade criativa do Evangelho”. E, porque a Igreja é para evangelizar, Dom José Cordeiro, na senda de São Paulo VI, na “Evangelii Nuntiandi”, exortou à conservação do “fervor do espírito” e da “suave e reconfortante alegria de evangelizar”, de modo que o nosso mundo, “que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos lábios (…) de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor”, uma vez que são quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo e os que aceitam arriscar a vida para que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo, mostrando “os surpreendentes mistérios de Cristo, nossa Páscoa e nossa Paz”.

Na postura do coração que vê e escuta, o Arcebispo aponta na iconografia de Santa Maria de Braga o Menino ao colo a acalentar “o coração da Mãe, que n’Ele fixa o olhar com um sorriso materno e contemplativo”.  Esta imagem expressiva e bela ostenta “um medalhão florido no lugar do coração, que dá amor por amor” ou, como escreveu Dante, “No ventre teu reacendeu-se amor / e em paz eterna fez que germinasse / a seu calor assim tão bela flor”. E conclui que “Maria, Mãe da Igreja, é um coração que escuta”, porquanto o filho ou a filha “é o coração da Mãe”. 

Aos arquidiocesanos e amigos de outros espaços e circunstâncias, o prelado agradeceu as mensagens recebidas (de solicitude e hospitalidade) desde 3 de dezembro de 2021, a que respondeu pessoalmente, e frisou que muitas foram as felicitações. Porém, ele não se limitou a ouvir ou ler, pois é preciso “ouvir com o coração”. 

Observando que a Igreja sinodal samaritana não pode ser mero slogan, evento ou “fazer por fazer”, mas “o estilo essencial do Evangelho da Esperança, que é o primado da graça na urgência de testemunhar a santidade, o rosto mais belo da Igreja”, recordou que, na sua primeira saudação à Arquidiocese, a primeira palavra foi de “fé humilde”, pois o seu desejo é aprender com os diocesanos a configurar-se com a palavra de Jesus: “Estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22, 27). Está entre o desafio e a alegria, disposto a, por graça divina, servir o Evangelho da Esperança: na proximidade com Deus, com o Papa, o colégio episcopal, o presbitério e o Povo santo de Deus, na compaixão e na ternura.

Como na véspera, mencionou o caso do jovem que lhe pedira que seja pastor com cheiro a ovelhas (…) firme na esperança e na confiança (...) e não se esqueça dos pobres e dos jovens”. 

Sendo Braga a cidade e a região mais jovem de Portugal e havendo muitos sonhos e críticas onde há jovens, propõe caminharem juntos no dinamismo eclesial da JMJ, Lisboa 2023, “para construir uma Igreja de portas escancaradas para todos e um mundo melhor”.

Enfatiza a eucaristia como a alegria e esperança da peregrinação sublinhando que a Arquidiocese é expressão da eucaristia crida, celebrada, adorada (lausperene quaresmal, congressos eucarísticos, testemunhos da Beata Alexandrina, do Padre Abílio Correia, do jovem Bernardo de Vasconcelos e de muitos outros), mas que não nos podemos limitar a celebrar a eucaristia nem só a crer e adorar a eucaristia, mas a ser eucaristia viva a partir do domingo. Com efeito, “a liturgia é o cume para onde converge toda a harmonia da atividade da Igreja” (catequese, culto e caridade) e a fonte (cf SC 10) da sua vida (oração, lectio divina, mistagogia, espiritualidade, conversão e testemunho) e a oração é a «intérprete da esperança» (S. Tomás de Aquino).

Interrogando-se sobre o principal dever que lhe é pedido como bispo, pensa que “é o serviço da oração e da evangelização”: deve rezar por todo o povo e irradiar, pela palavra e obras, “o amor gratuito de Jesus Cristo, o Pastor por excelência”. Atendendo a que “a oração litúrgica é a voz da esposa ao Esposo e é a gramática da oração e a epifania do mistério na dimensão contemplativa da vida pastoral”, pede “a Deus um coração que escute os sinais dos tempos e os desafios que neles se manifestam, para ser um humilde servidor da Beleza, da Verdade, do Amor e da Alegria” para os diocesanos e com eles. E, tendo em conta que a Igreja é para evangelizar e se reconhece “em estado permanente de conversão e missão”, implora de Maria, a mulher da Esperança e Senhora Mãe de Braga, que “mostre o único Mistério que nos reveste das Bem-aventuranças”. 

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Por fim, agradeceu a todas as entidades presentes de Portugal e da Galiza, destacando que “a continuidade na renovação” do múnus de ensinar, santificar e governar na Igreja bracarense “é feita de infinitos recomeços”, dando, por isso, graças a Deus por Dom Jorge Ferreira da Costa Ortiga, Arcebispo Emérito, e recordando com grata memória Dom Eurico Dias Nogueira e todos os antecessores. Revelou ter já peregrinado aos santos pastores (Bartolomeu dos Mártires, Martinho de Dume, Frutuoso, Geraldo e muitos outros sepultados nesta igreja Catedral, a mais antiga de Portugal) e ter-lhes pedido a bênção. 

Evocou a ordenação episcopal de Dom António Rafael neste mesmo dia, há 45 anos, o bispo que lhe impôs as mãos por três vezes no ministério ordenado (diácono, presbítero e bispo). Recordou a páscoa, neste dia, há 17 anos, da Serva de Deus Irmã Lúcia, crismada na nesta Arquidiocese a 24 de agosto de 1925. Saudou Dom Nuno e recordou tantos bispos auxiliares em Braga que dali partiram para outras igrejas locais, como lembrou os bispos oriundos da Arquidiocese.

E invocou como em Dume, “São Martinho, protege o teu povo!”.

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Um bom programa. Uma boa postura pastoral. Prosit!

2022.02.14 – Louro de Carvalho

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