É
o primeiro desafio que Dom José Cordeiro, Arcebispo de Braga, lança aos
participantes na celebração da Eucaristia a marcar o início do seu Ministério
Pastoral na Arquidiocese, numa homilia que, “no olhar de Jesus Cristo”, interpela a Igreja bracarense
sobre o que está a fazer da “proximidade fraterna” e se posiciona com “um
coração que vê e escuta”.
As
palavras de Jesus vertidas em epígrafe constituem um repto à esperança no
início da atividade episcopal com os fiéis e para eles. Na verdade, Lucas
mostra Jesus a descer do monte para falar a todos e, olhando face a face os
discípulos proclama a quadratura das bem-aventuranças contrapondo-lhe a das
imprecações, tendo como prática a cura dos doentes e a libertação do mal.
Sendo
as bem-aventuranças sonho para os profetas, para Jesus são o hoje. Lucas
apresenta quatro grupos de felizes: os pobres, os que choram, os famintos e os
perseguidos. Os primeiros três, que “são elementos graves do sofrimento
humano”, compaginam uma forma de pobreza feliz, ao passo que o último está
conexo com as perseguições “por causa do Filho do Homem”.
Porém,
o Arcebispo sustenta que não basta cultivar uma forma de ser pobre ou de aceitar
ser perseguido para ser feliz, antes se requer um profundo trabalho para a
simplicidade do coração, para o que se necessita da coragem “da alegria e da
esperança”. Na verdade, como assegura, o Reino é para quem não vive do afã de
ter e poder, não põe a razão de viver em si mesmo, mas que permanece aberto a
Deus e disponível para Ele. A fé em Jesus é a da vocação de Jeremias e do
salmista: “Feliz o homem que pôs a sua esperança no Senhor” (Sl
40,5; cf Sl 1,5; Jr 17,7).
Sendo
essencial o Evangelho e só se evangelizando com o Evangelho, a pobreza
evangélica é “fé, liberdade e leveza nos discípulos missionários”. Portanto,
segundo Dom José, só quem é pobre é “amigo dos pobres, reclusos, doentes,
peregrinos, migrantes, refugiados, vulneráveis, indigentes e marginalizados nas
periferias existenciais, sociais e geográficas”. É, pois necessário olhar com
olhos novos, os olhos de Cristo.
No quadro da proximidade fraterna da Igreja
bracarense, o novo Pastor salienta que este é um tempo difícil, mas é o nosso hoje e o hoje de
Deus, em que a esperança é Cristo. Por isso, é a hora da revisitação
esperançosa das raízes, da
história, dos trabalhos e dos cansaços, “para saborearmos o património de fé e
cultura do Evangelho”. E, porque no dizer do Papa “o amanhã da Igreja habita
sempre nas suas origens”, cabe-nos “caminhar juntos para o futuro”.
Considera
o prelado bracarense que “todos somos poucos para sermos ministros do Evangelho
para a esperança do mundo”, mas importa que sejamos, na linha augustiniana, “ministros
bons e fiéis”, pois só assim “seremos verdadeiramente ministros”.
Evocando
a história milenar da Arquidiocese, “hoje muito diversificada e enriquecida
pelas suas gentes”, Dom José apontou “um povo que trabalha, nas fábricas, nos
escritórios, no comércio, nas empresas, nos campos, nas oficinas, nas escolas e
universidades, na saúde, na agricultura, na pesca e nos serviços domésticos”,
para concordar com Fernando Pessoa no sentido de que “a realidade é o gesto
visível das mãos invisíveis de Deus”, pois existe antes das ideias e
ideologias e desafia “à coragem criativa, à confiança e à paciência para
criar relação no encontro com os homens e as mulheres do nosso tempo,
testemunhando que também hoje é possível, belo, bom e justo viver a existência
humana à luz do Evangelho”. Nesta ótica, considerou-se no topo dos
convocados “para a missão do essencial ao serviço de todo o povo de Deus” a si
confiado.
Aqui
introduz a vertente da vocação à sinodalidade, que interpela uma Igreja
sinodal que em conjunto anuncia o Evangelho e caminha. E o prelado interroga-se
como operar “este caminhar juntos na Igreja diocesana” e que passos o Espírito
nos impele a dar para crescermos neste sentido.
Como
resposta a tais preocupações, anuncia que, em breve e em sinodalidade com os
organismos de comunhão, iniciará o roteiro da grande peregrinação por toda a
Arquidiocese nas suas 552 paróquias (551+1 Pemba, em
Moçambique), 14
arciprestados e serviços de proximidade, escudado na asserção do Arcebispo São
Bartolomeu dos Mártires segundo o qual “a visitação é quase a alma do
governo episcopal porque é por ela que o pastor se desfaz e consome em
benefício e utilidade de todas as suas ovelhas”.
Depois,
fala da exigência do cuidado: a Igreja sinodal samaritana é a Igreja que escuta,
olha, cuida e acompanha, como o Bom Samaritano que “chegou ao pé dele e,
vendo-o, encheu-se de compaixão” (Lc 10,33), pois onde há amor há o
olhar que aproxima (“aproximou-se, ligou-lhe as
feridas, deitando nelas azeite e vinho”: (Lc 10,34); nascem gestos (“colocou-o
sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele”: Lc
10,34); “aí habita
Deus!...”.
A
seguir, retoma a grande demanda do plano pastoral arquidiocesano: “Desejamos
uma Igreja pobre e livre? Que rosto de Deus encontra quem bate à
porta da Igreja?”. E sobre estas questões, esconjura o medo, porque a vocação
cristã “é a esperança”, e o seu maior obstáculo é o medo. Por isso, o
grande apelo do Pastor é ao contágio “pela imaginação e criatividade”, com que
se entrosa o estilo de Deus, que “é proximidade, compaixão e ternura!...”.
Todo
este dinamismo pastoral postula, segundo o discurso arquiepiscopal, conversão
pessoal, pastoral e missionária, esperando e sonhando “em
grande” como Francisco:
“Sonho com uma opção missionária capaz de
transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e
toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização
do mundo atual que à autopreservação” (Evangelii gaudium 27).
Para
tanto, com o presbitério, o Arcebispo agendará os encontros nos 14
arciprestados, cujas designações explicitou. E apontou que “o presbitério não é
a soma dos presbíteros” duma diocese, que “não são os presbíteros que fazem o
presbitério”, mas que “é o presbitério que faz os presbíteros”. Sustenta que
nascem do mistério de Cristo, que é “comunhão” e “missão”; e sustenta que o
Bispo não é pensável sem os presbíteros, “os primeiros e indispensáveis
colaboradores”, dos quais deseja ser irmão e amigo e a quem pede que o ajudem a
ser “pai e pastor”.
Quer
encontrar-se com os diáconos, pessoas consagradas, movimentos e organismos eclesiais,
autoridades, instituições de solidariedade social, famílias, reclusos, doentes,
jovens, os mais velhos e os mais pobres.
Evocou
o XXX Dia Mundial do Doente celebrado
no dia 11 para lembrar a ideia do Papa sobre a relevância de se pôr ao lado de quem
sofre “num caminho de caridade”, pedindo uma misericórdia que é “força
e ternura”.
Depois,
assegurou que tudo na Igreja (da liturgia à caridade, da
catequese à piedade popular e ao testemunho de vida) “deve tornar visível e
reconhecível o rosto de Cristo, a centralidade do mistério integral de Cristo”,
sendo a audácia da esperança o que nos faz “peregrinos de novos caminhos e de
novas linguagens na fidelidade criativa do Evangelho”. E, porque a Igreja é
para evangelizar, Dom José Cordeiro, na senda de São Paulo VI, na “Evangelii
Nuntiandi”, exortou à conservação do “fervor do espírito” e da “suave
e reconfortante alegria de evangelizar”, de modo que o nosso mundo, “que
procura, ora na angústia, ora com esperança, possa receber a Boa Nova dos
lábios (…)
de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor”, uma vez que são quem
recebeu primeiro em si a alegria de Cristo e os que aceitam arriscar a vida para
que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio do mundo, mostrando “os surpreendentes
mistérios de Cristo, nossa Páscoa e nossa Paz”.
Na postura do coração que vê e escuta, o
Arcebispo aponta na iconografia
de Santa Maria de Braga o Menino ao colo a acalentar “o coração da Mãe, que
n’Ele fixa o olhar com um sorriso materno e contemplativo”. Esta imagem expressiva
e bela ostenta “um medalhão florido no lugar do coração, que dá amor por amor”
ou, como escreveu Dante, “No ventre teu reacendeu-se amor / e em paz
eterna fez que germinasse / a seu calor assim tão bela flor”. E
conclui que “Maria, Mãe da Igreja, é um coração que escuta”, porquanto o
filho ou a filha “é o coração da Mãe”.
Aos
arquidiocesanos e amigos de outros espaços e circunstâncias, o prelado
agradeceu as mensagens recebidas (de solicitude e
hospitalidade) desde
3 de dezembro de 2021, a que respondeu pessoalmente, e frisou que muitas foram
as felicitações. Porém, ele não se limitou a ouvir ou ler, pois é preciso “ouvir
com o coração”.
Observando
que a Igreja sinodal samaritana não pode ser mero slogan, evento
ou “fazer por fazer”, mas “o estilo essencial do Evangelho da Esperança, que é
o primado da graça na urgência de testemunhar a santidade, o rosto mais belo da
Igreja”, recordou que, na sua primeira saudação à Arquidiocese, a primeira palavra
foi de “fé humilde”, pois o seu desejo é aprender com os diocesanos a
configurar-se com a palavra de Jesus: “Estou no meio de vós como
aquele que serve” (Lc 22, 27). Está entre o desafio e a
alegria, disposto a, por graça divina, servir o Evangelho da Esperança: na
proximidade com Deus, com o Papa, o colégio episcopal, o presbitério e o Povo
santo de Deus, na compaixão e na ternura.
Como
na véspera, mencionou o caso do jovem que lhe pedira que seja “pastor com cheiro
a ovelhas (…) firme na esperança e na confiança (...) e não se esqueça dos
pobres e dos jovens”.
Sendo
Braga a cidade e a região mais jovem de Portugal e havendo muitos sonhos e
críticas onde há jovens, propõe caminharem juntos no dinamismo eclesial da JMJ,
Lisboa 2023, “para construir uma Igreja de portas escancaradas para todos e um
mundo melhor”.
Enfatiza
a eucaristia como a alegria e esperança da peregrinação sublinhando que a
Arquidiocese é expressão da eucaristia crida, celebrada, adorada (lausperene
quaresmal, congressos eucarísticos, testemunhos da Beata Alexandrina, do Padre
Abílio Correia, do jovem Bernardo de Vasconcelos e de muitos outros), mas que não nos podemos limitar
a celebrar a eucaristia nem só a crer e adorar a eucaristia, mas a ser
eucaristia viva a partir do domingo. Com efeito, “a liturgia é o cume para
onde converge toda a harmonia da atividade da Igreja” (catequese,
culto e caridade) e
a fonte (cf
SC 10) da sua vida (oração, lectio
divina, mistagogia, espiritualidade, conversão e testemunho) e a oração é a «intérprete
da esperança» (S. Tomás de Aquino).
Interrogando-se
sobre o principal dever que lhe é pedido como bispo, pensa que “é o serviço da
oração e da evangelização”: deve rezar por todo o povo e irradiar, pela palavra
e obras, “o amor gratuito de Jesus Cristo, o Pastor por excelência”. Atendendo
a que “a oração litúrgica é a voz da esposa ao Esposo e é a gramática da oração
e a epifania do mistério na dimensão contemplativa da vida pastoral”, pede “a
Deus um coração que escute os sinais dos tempos e os desafios que neles se
manifestam, para ser um humilde servidor da Beleza, da Verdade, do Amor e da
Alegria” para os diocesanos e com eles. E, tendo em conta que a Igreja é para
evangelizar e se reconhece “em estado permanente de conversão e missão”,
implora de Maria, a mulher da Esperança e Senhora Mãe de Braga, que “mostre o
único Mistério que nos reveste das Bem-aventuranças”.
***
Por
fim, agradeceu a todas as entidades presentes de Portugal e da Galiza,
destacando que “a continuidade na renovação” do múnus de ensinar, santificar e governar
na Igreja bracarense “é feita de infinitos recomeços”, dando, por isso, graças
a Deus por Dom Jorge Ferreira da Costa Ortiga, Arcebispo Emérito, e recordando
com grata memória Dom Eurico Dias Nogueira e todos os antecessores. Revelou ter
já peregrinado aos santos pastores (Bartolomeu dos
Mártires, Martinho de Dume, Frutuoso, Geraldo e muitos outros sepultados nesta
igreja Catedral, a mais antiga de Portugal) e ter-lhes pedido a bênção.
Evocou
a ordenação episcopal de Dom António Rafael neste mesmo dia, há 45 anos, o
bispo que lhe impôs as mãos por três vezes no ministério ordenado (diácono,
presbítero e bispo).
Recordou a páscoa, neste dia, há 17 anos, da Serva de Deus Irmã Lúcia, crismada
na nesta Arquidiocese a 24 de agosto de 1925. Saudou Dom Nuno e recordou tantos
bispos auxiliares em Braga que dali partiram para outras igrejas locais, como
lembrou os bispos oriundos da Arquidiocese.
E
invocou como em Dume, “São Martinho, protege o teu povo!”.
***
Um
bom programa. Uma boa postura pastoral. Prosit!
2022.02.14 – Louro de Carvalho
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