Quando
Jesus Se apresentou na sinagoga de Nazaré (vd Lc 4,16-28), a terra onde se tinha criado, a
dizer que se cumprira em Si, naquele sábado, a profecia messiânica de Isaías, os olhos de todos na estavam fixos nele,
gostaram de ouvir a leitura das palavras do profeta e até ficaram encantados e
davam testemunho acerca dele.
Porém, houve um senão: o objetivo do Messias
passou a ser apenas a proclamação do ano da graça do Senhor, ficando remetida para
as calendas gregas o dia da vingança do nosso Deus. Era necessário apagar a
face tão arreigada, entre o povo, do Deus de Israel enquanto juiz que pune os
erros do povo e do homem, para fazer ressaltar o rosto do pai misericordioso e
próximo dos mais desfavorecidos.
Contra esta atitude de Jesus em prol dos
desprotegidos, vem logo o preconceito de família, a família pobre, iletrada,
dum simples carpinteiro: Não é este o
filho de José? Contudo, Jesus não desarmou e mencionou a existência de muitas
viúvas em Israel no tempo Elias, mas só uma, uma estrangeira foi liberta da
fome, como a existência de muitos leprosos em Israel no tempo de Eliseu, mas só
um estrangeiro foi curado.
De facto, os nazarenos esperavam que Jesus
fizesse ali os milagres que fizera em Cafarnaum para depois acreditarem. Mas Jesus
não lhes deu o gozo do milagre contra o preconceito de origem e,
especificamente de família. E, apesar de o expulsarem da cidade e o querem precipitar,
Ele passou por meio deles e seguiu o seu caminho.
Na verdade, aquela gente estava eivada de preconceitos
em relação a mulheres, crianças, estrangeiros, pecadores públicos (prostitutas e cobradores de impostos), famílias
pobres… Em relação a pobres nem havia motivo, pois consta que a sinagoga de
Nazaré era tão pobre que nem dinheiro tinha para comprar toda a Bíblia
hebraica, pelo que, só possuindo o Livro de Isaías, repetiam a sua leitura a ponto
de quase todos o saberem de cor.
Também
Mateus e Marcos relatam que, tendo ido para a sua terra natal, os ensinava nas
suas sinagogas, de modo que ficavam perplexos e diziam: ‘De onde lhe vem esta sabedoria e poderes? Não é o filho do carpinteiro?
Não se chama a sua mãe Maria e os seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E as
suas irmãs não estão todas entre nós?’. E escandalizavam-se com Ele. E Jesus,
lembrando que “um profeta não é desprezado senão na terra natal e na sua casa”,
não fez ali muitos prodígios por causa da falta de fé deles. (cf Mt 13,54-58; Mc 6,1-6a).
Por
outro lado, o Evangelho de João relata a escolha dos primeiros discípulos, com
menção dum facto que denota o preconceito de origem, mas geográfica ou
corográfica:
“Filipe encontrou Natanael e
disse-lhe: ‘Encontrámos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os
Profetas: Jesus, filho de José, de Nazaré’. Disse-lhe Natanael: ‘De Nazaré pode
vir algo de bom?’. Disse-lhe Filipe: ‘Vem e vê!’. Jesus viu Natanael, que vinha ter com Ele, e disse acerca dele: ‘Eis um
verdadeiro israelita, no qual não há falsidade’. Disse-lhe Natanael: ‘De onde
me conheces?’. Respondeu Jesus e disse-lhe: ‘Antes de Filipe te ter chamado,
quando estavas debaixo da figueira, Eu vi-te’. Respondeu-lhe Natanael: ‘Rabi,
Tu és o Filho de Deus, Tu és o rei de Israel!’.” (Jo 1,45-49).
De facto, Nazaré não tinha
boa fama entre os outros povos pela pobreza e pela iliteracia, como aliás a
Galileia era vista como região de costumes mais relaxados em relação à Torah,
mercê do contacto com povos de outras culturas e religiões. Todavia, aqui o
preconceito foi anulado pelo rasgo elogioso do Mestre, que suscitou uma bela
confissão de fé da parte do pré-discípulo Natanael, um verdadeiro israelita em
quem não há adulação.
O preconceito de origem, sobretudo corográfico-geográfica,
surge no dia de Pentecostes (vd At 2,1-13). Quando os apóstolos, cheios do Espírito Santo, enunciavam as
maravilhas Deus, as pessoas que os ouviam falar, provindas de todos os recantos
do mundo conhecido, ficaram perplexas e a pergunta preconceituosa aflora: “Acaso não são galileus todos estes
homens que estão a falar?” (At
2,7). E, pouco depois, a suposição: “Eles estão mas é bêbados!” (At 2,7).
Face a estes comentários preconceituosos e distorcidos,
Pedro desmente-os e considera que se está a realizar a promessa da efusão do
Espírito Santo enunciada pelo profeta Joel em virtude da ressurreição do Nazareno
a quem os chefes judaicos deram a morte e que Deus fez o único Senhor e Salvador,
o que acabou por concitar a adesão da multidão ao anúncio des Boa Nova.
***
O preconceito aninha-se nas mentalidades, assume várias
modalidades, é pernicioso e faz estragos por vezes irreparáveis. É uma opinião pré-construída sobre pessoas, factos
ou situações. Origina-se em juízo de valor determinado sem fundamento e
sem conhecimento do assunto, umas vezes por irreflexão e outras por maldade,
repugnância, ódio ou simples indiferença. É quase sempre baseado num
estereótipo negativo.
Há diversos tipos de preconceito, como: o racial; o social; o de género ou misoginia; o de religião; o cultural; o linguístico; o
atinente à orientação sexual; e o cultural.
Todos possuem raízes históricas profundas para o
seu desenvolvimento, que se refletem negativamente na sociedade e na vida dos indivíduos até
os dias de hoje. Podem gerar danos psicológicos e mesmo físicos para as suas
vítimas. Por isso, atualmente existem movimentos e leis contra os diversos
tipos de intolerância.
O preconceito racial é a ideia de que pessoas duma raça ou etnia são
superiores a outras. Configura principalmente o racismo; e uma das formas mais comuns da sua manifestação é a
relativa a pessoas negras, que historicamente são marginalizadas e
estereotipadas por brancos, o que não quer dizer que não exista também no sentido
contrário e mesmo entre os diversos subgrupos. Semelhante ao racismo emerge a
xenofobia, a repugnância pelo que é estrangeiro ou de lá tem origem. Mas aí há muita
seletividade, quer na aceitação, quer na repulsa.
O preconceito
social ou de classe está conexo como o mau tratamento ou estereótipo negativo
dado à pessoa pelo seu status social. Surge normalmente devido a diferenças de vida e privilégios sociais
entre ricos e pobres, pessoas dos grandes centros urbanos e pessoas ditas
de província. Todavia, pode ocorrer entre pessoas que pertencem a mesma classe
social. Resulta do sentimento de superioridade duma pessoa em relação a
outra. Pode manifestar-se através da intolerância e da dificuldade de
convivência com indivíduos que não possuem a mesma posição social e privilégios
financeiros. Pode estar relacionado com diversos aspetos, como: nível de escolaridade; padrão
social de vida; rendimento do trabalho;
volume de bens patrimoniais e não patrimoniais;
cargos profissionais ou políticos; acesso à cultura; local
de morada, capital de relação; e outros aspetos ligados a uma posição social.
O preconceito de religião ocorre quando há um sentimento de desprezo,
desvalorização ou sentimento de superioridade de uma pessoa ou agremiação relativamente
a outra que possui uma religião,
fé ou conjunto de crenças diferente. Manifesta-se em atitudes persecutórias,
de apoucamento, discriminação, de intolerância, de tentativa de invalidação da
crença, religião e rituais religiosos de outras pessoas ou querendo remeter as
crenças para o foro da intimidade e das consciências. O fenómeno é comumente
conhecido como intolerância
religiosa.
Esse tipo de preconceito, dependendo da intensidade que acontece, pode
gerar manifestações violentas, perseguições e guerras. Situações de conflitos
ocorridas em períodos antigos, como na Idade Média, e até casos mais atuais,
como o Holocausto dos judeus na Alemanha (1939-1945), são exemplos de preconceito de
religião.
O preconceito em relação à orientação sexual é o julgamento e intolerância
em relação às pessoas que pertencem à comunidade LGBTQIA+. Nesse grupo incluem-se:
lésbicas; gays; bissexuais; queers; assexuais; e outros.
Este preconceito, chamado homofobia ou LGBTQIA+fobia, é o sentimento
de repulsa, aversão ou ódio a
pessoas de diferentes identidades de género e sexualidade. Muitas vezes
pode ter motivações religiosas ou culturais e ter como consequência atos de
intolerância e de violência contra pessoas com diferentes identidades de género.
Há também a transfobia, o
preconceito destinado e direcionado transexuais \ transgéneros, ou seja,
pessoas que não se identificam com o seu género biológico, como transexuais,
travestis e intersexuais.
Os crimes decorrentes do preconceito de identidade de género ou orientação
sexual são tidos como violação (desrespeito) dos direitos humanos.
Para ajudar a combater esse preconceito, a ONU (Organização das Nações Unidas) criou o Dia Internacional contra a
Homofobia, assinalado a 17 de maio.
Já o preconceito de género é a ideia de que uma pessoa, por pertencer a um
determinado género, possui menos valores ou capacidades do que outras. É muito
comum em relação às mulheres,
sendo especificamente chamado de misoginia.
A misoginia é o sentimento de ódio ou de desprezo em relação às mulheres,
fundamentado na ideia de que mulheres possuem capacidades inferiores às dos homens, seja no trabalho, seja
em qualquer outro aspeto da vida cotidiana. É responsável por grande parte dos
crimes de feminicídio, que é a nomenclatura criminal dada aos homicídios em que
as vítimas são mulheres.
Há feminicídio quando há a comprovação de que as causas que motivaram o
crime são conexas com a condição de mulher ou com outras questões de género.
O preconceito linguístico é intolerância para com determinadas formas de utilização de um mesmo idioma.
Assim, um grupo é compreendido como o detentor das regras e do modo padrão da
língua, enquanto as outras maneiras passam a ser desqualificadas. Pode manifestar-se
como desrespeito pelo sotaque, pela forma de articulação da linguagem, pelos ditos
erros gramaticais ou pelo uso de expressões regionais. Por exemplo, apesar de
haver inúmeros sotaques e modos de falar, devido às diferentes nacionalidades e
regionalidades, não se pode dizer que o português falado num país ou região
seja mais correto do que outro.
É importante saber que todos os idiomas possuem variações entre as pessoas
que o falam, em razão do país, da região, do grupo social, do tipo de educação
escolar, da profissão ou da idade.
Estas diferenças devem ser consideradas e compreendidas e não representam,
necessariamente, que exista a predominância de um formato linguístico sobre
outro.
Porém, segundo o linguista Marcos Bagno, que escreveu o livro “Preconceito
Linguístico: o que é, como se faz”,
este preconceito motiva o aumento da exclusão social. Ora, a língua cumpre a
função de comunicar. Se uma mensagem transmitida pôde ser recebida e
compreendida e é passível de retorno, a comunicação está completa e não houve
nenhum prejuízo.
O preconceito cultural ocorre com a discriminação da origem cultural de uma
pessoa, onde a cultura de um indivíduo é considerada melhor que a outra.
O preconceito sofrido por estrangeiros que residem em país diferente do seu
local de nascimento (os imigrantes) é considerado um tipo de preconceito
cultural, denominado de xenofobia.
Neste caso, o preconceito cultural tem como consequência a discriminação de
pessoas ou mesmo países que possuem uma cultura, vivência e costumes
diferentes.
***
Enfim, há preconceito em todos os grupos, sociedades, regiões e povos. Também
existe nas Igrejas em relação pessoas, comunidades e mesmo figuras hierárquicas.
O próprio São Paulo teve de enfrentar o preconceito dos que não o consideravam apóstolo
como os outros (cf Gl 1,11 – 2,16). Temos que aceitar mais e incluir mais, abjurando dos
erros, mas acolhendo as pessoas.
2022.02.11 – Louro de
Carvalho
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