sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Nenhum profeta é aceite na sua terra

 

Quando Jesus Se apresentou na sinagoga de Nazaré (vd Lc 4,16-28), a terra onde se tinha criado, a dizer que se cumprira em Si, naquele sábado, a profecia messiânica de Isaías, os olhos de todos na estavam fixos nele, gostaram de ouvir a leitura das palavras do profeta e até ficaram encantados e davam testemunho acerca dele.

Porém, houve um senão: o objetivo do Messias passou a ser apenas a proclamação do ano da graça do Senhor, ficando remetida para as calendas gregas o dia da vingança do nosso Deus. Era necessário apagar a face tão arreigada, entre o povo, do Deus de Israel enquanto juiz que pune os erros do povo e do homem, para fazer ressaltar o rosto do pai misericordioso e próximo dos mais desfavorecidos.

Contra esta atitude de Jesus em prol dos desprotegidos, vem logo o preconceito de família, a família pobre, iletrada, dum simples carpinteiro: Não é este o filho de José? Contudo, Jesus não desarmou e mencionou a existência de muitas viúvas em Israel no tempo Elias, mas só uma, uma estrangeira foi liberta da fome, como a existência de muitos leprosos em Israel no tempo de Eliseu, mas só um estrangeiro foi curado.

De facto, os nazarenos esperavam que Jesus fizesse ali os milagres que fizera em Cafarnaum para depois acreditarem. Mas Jesus não lhes deu o gozo do milagre contra o preconceito de origem e, especificamente de família. E, apesar de o expulsarem da cidade e o querem precipitar, Ele passou por meio deles e seguiu o seu caminho.  

Na verdade, aquela gente estava eivada de preconceitos em relação a mulheres, crianças, estrangeiros, pecadores públicos (prostitutas e cobradores de impostos), famílias pobres… Em relação a pobres nem havia motivo, pois consta que a sinagoga de Nazaré era tão pobre que nem dinheiro tinha para comprar toda a Bíblia hebraica, pelo que, só possuindo o Livro de Isaías, repetiam a sua leitura a ponto de quase todos o saberem de cor.

Também Mateus e Marcos relatam que, tendo ido para a sua terra natal, os ensinava nas suas sinagogas, de modo que ficavam perplexos e diziam: ‘De onde lhe vem esta sabedoria e poderes? Não é o filho do carpinteiro? Não se chama a sua mãe Maria e os seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E as suas irmãs não estão todas entre nós?’. E escandalizavam-se com Ele. E Jesus, lembrando que “um profeta não é desprezado senão na terra natal e na sua casa”, não fez ali muitos prodígios por causa da falta de fé deles. (cf Mt 13,54-58; Mc 6,1-6a).

Por outro lado, o Evangelho de João relata a escolha dos primeiros discípulos, com menção dum facto que denota o preconceito de origem, mas geográfica ou corográfica:

Filipe encontrou Natanael e disse-lhe: ‘Encontrámos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas: Jesus, filho de José, de Nazaré’. Disse-lhe Natanael: ‘De Nazaré pode vir algo de bom?’. Disse-lhe Filipe: ‘Vem e vê!’. Jesus viu Natanael, que vinha ter com Ele, e disse acerca dele: ‘Eis um verdadeiro israelita, no qual não há falsidade’. Disse-lhe Natanael: ‘De onde me conheces?’. Respondeu Jesus e disse-lhe: ‘Antes de Filipe te ter chamado, quando estavas debaixo da figueira, Eu vi-te’. Respondeu-lhe Natanael: ‘Rabi, Tu és o Filho de Deus, Tu és o rei de Israel!’.” (Jo 1,45-49). 

De facto, Nazaré não tinha boa fama entre os outros povos pela pobreza e pela iliteracia, como aliás a Galileia era vista como região de costumes mais relaxados em relação à Torah, mercê do contacto com povos de outras culturas e religiões. Todavia, aqui o preconceito foi anulado pelo rasgo elogioso do Mestre, que suscitou uma bela confissão de fé da parte do pré-discípulo Natanael, um verdadeiro israelita em quem não há adulação.

O preconceito de origem, sobretudo corográfico-geográfica, surge no dia de Pentecostes (vd At 2,1-13). Quando os apóstolos, cheios do Espírito Santo, enunciavam as maravilhas Deus, as pessoas que os ouviam falar, provindas de todos os recantos do mundo conhecido, ficaram perplexas e a pergunta preconceituosa aflora: “Acaso não são galileus todos estes homens que estão a falar?(At 2,7). E, pouco depois, a suposição: “Eles estão mas é bêbados! (At 2,7).

Face a estes comentários preconceituosos e distorcidos, Pedro desmente-os e considera que se está a realizar a promessa da efusão do Espírito Santo enunciada pelo profeta Joel em virtude da ressurreição do Nazareno a quem os chefes judaicos deram a morte e que Deus fez o único Senhor e Salvador, o que acabou por concitar a adesão da multidão ao anúncio des Boa Nova.

***

O preconceito aninha-se nas mentalidades, assume várias modalidades, é pernicioso e faz estragos por vezes irreparáveis. É uma opinião pré-construída sobre pessoas, factos ou situações. Origina-se em juízo de valor determinado sem fundamento e sem conhecimento do assunto, umas vezes por irreflexão e outras por maldade, repugnância, ódio ou simples indiferença. É quase sempre baseado num estereótipo negativo.

Há diversos tipos de preconceito, como: o racial; o social; o de género ou misoginia; o de religião; o cultural; o linguístico; o atinente à orientação sexual; e o cultural.

Todos possuem raízes históricas profundas para o seu desenvolvimento, que se refletem negativamente na sociedade e na vida dos indivíduos até os dias de hoje. Podem gerar danos psicológicos e mesmo físicos para as suas vítimas. Por isso, atualmente existem movimentos e leis contra os diversos tipos de intolerância.

O preconceito racial é a ideia de que pessoas duma raça ou etnia são superiores a outras. Configura principalmente o racismo; e uma das formas mais comuns da sua manifestação é a relativa a pessoas negras, que historicamente são marginalizadas e estereotipadas por brancos, o que não quer dizer que não exista também no sentido contrário e mesmo entre os diversos subgrupos. Semelhante ao racismo emerge a xenofobia, a repugnância pelo que é estrangeiro ou de lá tem origem. Mas aí há muita seletividade, quer na aceitação, quer na repulsa.

O preconceito social ou de classe está conexo como o mau tratamento ou estereótipo negativo dado à pessoa pelo seu status social. Surge normalmente devido a diferenças de vida e privilégios sociais entre ricos e pobres, pessoas dos grandes centros urbanos e pessoas ditas de província. Todavia, pode ocorrer entre pessoas que pertencem a mesma classe social. Resulta do sentimento de superioridade duma pessoa em relação a outra. Pode manifestar-se através da intolerância e da dificuldade de convivência com indivíduos que não possuem a mesma posição social e privilégios financeiros. Pode estar relacionado com diversos aspetos, como: nível de escolaridade; padrão social de vida; rendimento do trabalho; volume de bens patrimoniais e não patrimoniais; cargos profissionais ou políticos; acesso à cultura; local de morada, capital de relação; e outros aspetos ligados a uma posição social.

O preconceito de religião ocorre quando há um sentimento de desprezo, desvalorização ou sentimento de superioridade de uma pessoa ou agremiação relativamente a outra que possui uma religião, fé ou conjunto de crenças diferente. Manifesta-se em atitudes persecutórias, de apoucamento, discriminação, de intolerância, de tentativa de invalidação da crença, religião e rituais religiosos de outras pessoas ou querendo remeter as crenças para o foro da intimidade e das consciências. O fenómeno é comumente conhecido como intolerância religiosa.

Esse tipo de preconceito, dependendo da intensidade que acontece, pode gerar manifestações violentas, perseguições e guerras. Situações de conflitos ocorridas em períodos antigos, como na Idade Média, e até casos mais atuais, como o Holocausto dos judeus na Alemanha (1939-1945), são exemplos de preconceito de religião.

O preconceito em relação à orientação sexual é o julgamento e intolerância em relação às pessoas que pertencem à comunidade LGBTQIA+. Nesse grupo incluem-se: lésbicas; gays; bissexuais; queers; assexuais; e outros.

Este preconceito, chamado homofobia ou LGBTQIA+fobia, é o sentimento de repulsa, aversão ou ódio a pessoas de diferentes identidades de género e sexualidade. Muitas vezes pode ter motivações religiosas ou culturais e ter como consequência atos de intolerância e de violência contra pessoas com diferentes identidades de género. Há também a transfobia, o preconceito destinado e direcionado transexuais \ transgéneros, ou seja, pessoas que não se identificam com o seu género biológico, como transexuais, travestis e intersexuais.

Os crimes decorrentes do preconceito de identidade de género ou orientação sexual são tidos como violação (desrespeito) dos direitos humanos.

Para ajudar a combater esse preconceito, a ONU (Organização das Nações Unidas) criou o Dia Internacional contra a Homofobia, assinalado a 17 de maio.

Já o preconceito de género é a ideia de que uma pessoa, por pertencer a um determinado género, possui menos valores ou capacidades do que outras. É muito comum em relação às mulheres, sendo especificamente chamado de misoginia.

A misoginia é o sentimento de ódio ou de desprezo em relação às mulheres, fundamentado na ideia de que mulheres possuem capacidades inferiores às dos homens, seja no trabalho, seja em qualquer outro aspeto da vida cotidiana. É responsável por grande parte dos crimes de feminicídio, que é a nomenclatura criminal dada aos homicídios em que as vítimas são mulheres.

Há feminicídio quando há a comprovação de que as causas que motivaram o crime são conexas com a condição de mulher ou com outras questões de género.

O preconceito linguístico é intolerância para com determinadas formas de utilização de um mesmo idioma. Assim, um grupo é compreendido como o detentor das regras e do modo padrão da língua, enquanto as outras maneiras passam a ser desqualificadas. Pode manifestar-se como desrespeito pelo sotaque, pela forma de articulação da linguagem, pelos ditos erros gramaticais ou pelo uso de expressões regionais. Por exemplo, apesar de haver inúmeros sotaques e modos de falar, devido às diferentes nacionalidades e regionalidades, não se pode dizer que o português falado num país ou região seja mais correto do que outro.

É importante saber que todos os idiomas possuem variações entre as pessoas que o falam, em razão do país, da região, do grupo social, do tipo de educação escolar, da profissão ou da idade.

Estas diferenças devem ser consideradas e compreendidas e não representam, necessariamente, que exista a predominância de um formato linguístico sobre outro.

Porém, segundo o linguista Marcos Bagno, que escreveu o livro “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz, este preconceito motiva o aumento da exclusão social. Ora, a língua cumpre a função de comunicar. Se uma mensagem transmitida pôde ser recebida e compreendida e é passível de retorno, a comunicação está completa e não houve nenhum prejuízo.

O preconceito cultural ocorre com a discriminação da origem cultural de uma pessoa, onde a cultura de um indivíduo é considerada melhor que a outra.

O preconceito sofrido por estrangeiros que residem em país diferente do seu local de nascimento (os imigrantes) é considerado um tipo de preconceito cultural, denominado de xenofobia.

Neste caso, o preconceito cultural tem como consequência a discriminação de pessoas ou mesmo países que possuem uma cultura, vivência e costumes diferentes.

***

Enfim, há preconceito em todos os grupos, sociedades, regiões e povos. Também existe nas Igrejas em relação pessoas, comunidades e mesmo figuras hierárquicas. O próprio São Paulo teve de enfrentar o preconceito dos que não o consideravam apóstolo como os outros (cf Gl 1,11 – 2,16). Temos que aceitar mais e incluir mais, abjurando dos erros, mas acolhendo as pessoas.

2022.02.11 – Louro de Carvalho     

Sem comentários:

Enviar um comentário