Pela Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio “Fidem Servare”, que entrou em vigor no dia
14 de fevereiro, Francisco modificou a estrutura interna da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), o dicastério cuja tarefa principal e critério último
a seguir na vida da Igreja é “guardar a fé”, importante compromisso que a CDF desempenha
assumindo as competências doutrinais e disciplinares, do modo como lhe foram
atribuídas pelos diversos Santos Padres.
Este
dicastério, com a atual designação ou as anteriores, é a congregação mais
antiga da Cúria Romana.
Em 1542,
Paulo III instituiu, pela Bula “Licet ab initio”, de 21 de julho, uma Comissão de
seis Cardeais para velar pelas questões da fé. Conhecida pelo nome de Santa
Inquisição Romana e Universal, tinha no início exclusivamente caráter de
Tribunal para as causas de heresia e cisma.
A partir de
1555, Paulo IV ampliou notavelmente o seu campo de ação ao fazê-la competente
para julgar também questões morais de índole diversa. Em 1571, São Pio V criou
a Congregação para a reforma do Índice dos Livros Proibidos. Tal
competência, inicialmente atribuída à inquisição, foi exercida por este novo
Dicastério até à sua supressão em 1917. E, na sequência da reforma da Cúria,
realizada por Sisto V pela Bula “Immensa aeterni Dei”, de 22 de janeiro de 1588, a
atividade da inquisição estendeu-se a tudo o que pudesse referir-se direta ou
indiretamente à fé e à moral.
São Pio X,
pela Constituição Apostólica “Sapienti consilio”, de 29 de junho de 1908,
reorganizou a Congregação mudando o seu antigo nome para Sagrada
Congregação do Santo Ofício.
Mais tarde,
Bento XV, pelo Motu Proprio “Alloquentes”, de 25 de março de 1917, suprimiu a Sagrada Congregação do
Índice, transferindo novamente a relativa competência para o Santo Ofício, ao
mesmo tempo que retirava deste Dicastério a competência em matéria de
indulgências.
Em 1965, São Paulo
VI, pelo Motu Proprio “Integrae Servandae”,
de 7 de dezembro de 1965, realizou uma nova reforma da Congregação. Mudou o seu
nome para Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, atualizando os
métodos usados no exame das doutrinas: o caráter positivo de correção dos
erros, juntamente com o de defesa, preservação e promoção da fé, passou a prevalecer
sobre o caráter punitivo; e foi abolido também o Índice dos Livros Proibidos.
São João
Paulo II, com a Constituição Apostólica “Pastor Bonus”, de 28 de junho de 1988, dispôs uma nova
organização de toda a Cúria Romana, na qual se determinava melhor a função, as
competências e as normas da Congregação para a Doutrina da Fé. A Sua função
passou a expressar-se em “promover e tutelar a doutrina sobre a fé e os costumes
em todo o mundo católico” (art.º
48). A seguir a esta
reforma, no dia 29 de junho de 1997, foi aprovada a nova “Agendi ratio in doctrinarum examine”.
Com o Motu Proprio “Por mais de trinta anos”,
de 17 de janeiro de 2019, o Santo Padre Francisco suprimiu a Pontifícia
Comissão Ecclesia Dei e atribuiu integralmente as suas tarefas
à CDF.
Nas matérias
que o exigem a Congregação procede também como Tribunal: “julga os delitos
contra a fé e os delitos mais graves cometidos tanto contra a moral como na
celebração dos Sacramentos” (art.º 52). Já com
o Motu Proprio “Sacramentorum sanctitatis
tutela”, de 30 de abril de 2001, São João Paulo II promulgou
novas normas processuais em relação a alguns delitos graves de competência
exclusiva da Congregação. E Bento XVI, no dia 21 de maio de 2010, promulgou uma
versão atualizada destas normas.
A Congregação,
no estado imediatamente anterior à reconfiguração em referência, era
constituída por um Colégio de Membros (Cardeais e Bispos), tendo como Chefe o Prefeito, coadjuvado pelo Secretário,
pelo Subsecretário e pelo Promotor de Justiça. Prestam serviços na Congregação
diversos Oficiais que, sob a coordenação dos respetivos Chefes de Seção, cuidavam
das questões relativas à própria competência e às várias exigências da mesma. A
Congregação compreendia três Ofícios: a Seção Doutrinal, para as matérias conexas com
a promoção e a tutela da doutrina da fé e da moral; a Seção Disciplinar para
os delitos contra a fé e os delitos mais graves cometidos contra a moral e na
celebração dos sacramentos, bem como outros problemas atinentes à disciplina da
fé; e a Seção Matrimonial,
para se ocupar de quanto concerne ao privilegium fidei. Assim,
interessava-se pelas causas de dissolução do matrimónio in favorem
fidei e de outros aspetos do vínculo matrimonial ligados à validade do
Sacramento.
Para os seus
estudos, a Congregação é assistida por um grupo de Consultores. As reuniões dos
mesmos são feitas periodicamente. As questões tratadas e os pareceres dos
Consultores são discutidos pela Sessão Ordinária (Feria Quarta) da Congregação com voto deliberativo. A seguir, as decisões
são submetidas à aprovação do Sumo Pontífice, na respetiva Audiência.
Junto da CDF
são constituídas também a Pontifícia Comissão Bíblica e a Comissão Teológica
Internacional, as quais, sob a presidência do Prefeito, operam segundo as
normas próprias. A Congregação tem também o seu Arquivo
histórico, regido pelo respetivo Regulamento, ao qual podem ter acesso
os estudiosos qualificados.
Considerando
que a atual configuração da Congregação foi disposta por São Paulo VI que
mudou, com o Motu Proprio “Integrae servandae”, o nome do Dicastério para
“Congregação para a Doutrina da Fé”, e por São João Paulo II, que especificou
as suas competências na Constituição Apostólica “Pastor Bonus”, Francisco
observa que “a experiência amadurecida pela Congregação ao longo deste
tempo em vários âmbitos de trabalho e a exigência de lhe dar uma configuração
mais adequada ao cumprimento das funções que lhe são próprias, é oportuno
estabelecer-lhe algumas alterações na estrutura interna.
Estipula que
a CDF abrange duas Secções, Doutrinal e Disciplinar, cada uma coordenada por um
Secretário (só havia um
secretário; agora há dois) que coadjuva o Prefeito no âmbito específico da sua competência, com a
colaboração do Subsecretário e dos respetivos Chefes de Gabinete, o que
representa uma reconfiguração na divisão de trabalho e no estabelecimento de
uma certa autonomia de cada uma das secções, que de três passam a duas.
A Secção
Doutrinal, através do Gabinete Doutrinal, ocupa-se de matérias relacionadas com
a promoção e a salvaguarda da doutrina da fé e da moral e favorece os estudos
destinados a aumentar a compreensão e a transmissão da fé ao serviço da
evangelização, para que a sua luz seja critério para compreender o significado
da existência, sobretudo face às interrogações levantadas pelo progresso das
ciências e pelo desenvolvimento da sociedade.
No atinente à
fé e costumes, predispõe o exame dos documentos a publicar por outros
Dicastérios, bem como de escritos e opiniões que parecem problemáticos para a
reta fé, favorecendo o diálogo com os autores e propondo os remédios idóneos de
acordo com as normas da Agendi ratio in doctrinarum examine. Mais: a esta Secção é confiada a
tarefa de estudar as questões relativas aos Ordinariatos pessoais instituídos
mediante a Constituição Apostólica “Anglicanorum coetibus”.
Da Secção
Doutrinal depende o Gabinete Matrimonial (era uma secção autónoma), instituído para examinar, tanto em linha de direito como de
facto, as questões relativas ao “privilegium
fidei” (por exemplo, examina a dissolução de matrimónios
entre dois não batizados ou entre um batizado e um não batizado, “em favor da
fé”).
A Secção
Disciplinar, através do Gabinete Disciplinar, ocupa-se dos delitos reservados à
Congregação e por ela tratados mediante a jurisdição do Supremo Tribunal Apostólico
nela instituído. Tem a tarefa de predispor e elaborar os procedimentos
previstos pelas normas canónicas, para que a Congregação, nas suas várias
instâncias (Prefeito,
Secretários, Promotor de Justiça, Congresso, Sessão Ordinária, Colégio para o
exame dos recursos em matéria de delicta graviora), possa promover uma correta
administração da justiça. Para tanto, a Secção promove apropriadas iniciativas
de formação que a Congregação oferece aos Ordinários e aos profissionais do
direito, para favorecer a reta compreensão e aplicação das normas canónicas
relativas ao próprio âmbito de competência.
A Congregação
dispõe de um Arquivo corrente para a conservação e consulta dos documentos, que
gere também os Arquivos históricos das antigas Congregações do Santo Ofício e
do Índex.
Por fim, o
Pontífice determina que tudo o que é deliberado com esta Carta Apostólica entre
em vigor de modo firme e estável, “não obstante qualquer coisa em contrário,
mesmo que digno de menção especial, e que seja promulgado pela publicação
em L’Osservatore Romano , entrando em vigor a 14 de fevereiro
e publicado, depois, no comentário oficial das Acta Apostolicae Sedis”.
Espera-se que esta reconfiguração retire da CDF a marca de polícia da
doutrina e lhe confira o múnus da promoção e incremento da doutrina da fé mais
sólida, mais inteligível e mais fruto do estudo em vez de daquilo que sempre se
disse e fez. Enfim, que absorva de forma crítica, mas construtiva, todos os contributos
dos teólogos.
2022.02.17
– Louro de Carvalho
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