sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Nova Reconfiguração da Congregação para a Doutrina da Fé

 

Pela Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio “Fidem Servare”, que entrou em vigor no dia 14 de fevereiro, Francisco modificou a estrutura interna da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), o dicastério cuja tarefa principal e critério último a seguir na vida da Igreja é “guardar a fé”, importante compromisso que a CDF desempenha assumindo as competências doutrinais e disciplinares, do modo como lhe foram atribuídas pelos diversos Santos Padres.

Este dicastério, com a atual designação ou as anteriores, é a congregação mais antiga da Cúria Romana.

Em 1542, Paulo III instituiu, pela Bula “Licet ab initio, de 21 de julho, uma Comissão de seis Cardeais para velar pelas questões da fé. Conhecida pelo nome de Santa Inquisição Romana e Universal, tinha no início exclusivamente caráter de Tribunal para as causas de heresia e cisma.

A partir de 1555, Paulo IV ampliou notavelmente o seu campo de ação ao fazê-la competente para julgar também questões morais de índole diversa. Em 1571, São Pio V criou a Congregação para a reforma do Índice dos Livros Proibidos. Tal competência, inicialmente atribuída à inquisição, foi exercida por este novo Dicastério até à sua supressão em 1917. E, na sequência da reforma da Cúria, realizada por Sisto V pela Bula “Immensa aeterni Dei, de 22 de janeiro de 1588, a atividade da inquisição estendeu-se a tudo o que pudesse referir-se direta ou indiretamente à fé e à moral.

São Pio X, pela Constituição Apostólica “Sapienti consilio, de 29 de junho de 1908, reorganizou a Congregação mudando o seu antigo nome para Sagrada Congregação do Santo Ofício.

Mais tarde, Bento XV, pelo Motu Proprio “Alloquentes, de 25 de março de 1917, suprimiu a Sagrada Congregação do Índice, transferindo novamente a relativa competência para o Santo Ofício, ao mesmo tempo que retirava deste Dicastério a competência em matéria de indulgências.

Em 1965, São Paulo VI, pelo Motu Proprio “Integrae Servandae”, de 7 de dezembro de 1965, realizou uma nova reforma da Congregação. Mudou o seu nome para Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, atualizando os métodos usados no exame das doutrinas: o caráter positivo de correção dos erros, juntamente com o de defesa, preservação e promoção da fé, passou a prevalecer sobre o caráter punitivo; e foi abolido também o Índice dos Livros Proibidos.

São João Paulo II, com a Constituição Apostólica “Pastor Bonus”, de 28 de junho de 1988, dispôs uma nova organização de toda a Cúria Romana, na qual se determinava melhor a função, as competências e as normas da Congregação para a Doutrina da Fé. A Sua função passou a expressar-se em “promover e tutelar a doutrina sobre a fé e os costumes em todo o mundo católico” (art.º 48). A seguir a esta reforma, no dia 29 de junho de 1997, foi aprovada a nova “Agendi ratio in doctrinarum examine.

Com o Motu Proprio “Por mais de trinta anos”, de  17 de janeiro de 2019, o Santo Padre Francisco suprimiu a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei e atribuiu integralmente as suas tarefas à CDF.

Nas matérias que o exigem a Congregação procede também como Tribunal: “julga os delitos contra a fé e os delitos mais graves cometidos tanto contra a moral como na celebração dos Sacramentos” (art.º 52). Já com o Motu Proprio “Sacramentorum sanctitatis tutela”, de 30 de abril de 2001, São João Paulo II promulgou novas normas processuais em relação a alguns delitos graves de competência exclusiva da Congregação. E Bento XVI, no dia 21 de maio de 2010, promulgou uma versão atualizada destas normas.

A Congregação, no estado imediatamente anterior à reconfiguração em referência, era constituída por um Colégio de Membros (Cardeais e Bispos), tendo como Chefe o Prefeito, coadjuvado pelo Secretário, pelo Subsecretário e pelo Promotor de Justiça. Prestam serviços na Congregação diversos Oficiais que, sob a coordenação dos respetivos Chefes de Seção, cuidavam das questões relativas à própria competência e às várias exigências da mesma. A Congregação compreendia três Ofícios: a Seção Doutrinal, para as matérias conexas com a promoção e a tutela da doutrina da fé e da moral; a Seção Disciplinar para os delitos contra a fé e os delitos mais graves cometidos contra a moral e na celebração dos sacramentos, bem como outros problemas atinentes à disciplina da fé; e a Seção Matrimonial, para se ocupar de quanto concerne ao privilegium fidei. Assim, interessava-se pelas causas de dissolução do matrimónio in favorem fidei e de outros aspetos do vínculo matrimonial ligados à validade do Sacramento.

Para os seus estudos, a Congregação é assistida por um grupo de Consultores. As reuniões dos mesmos são feitas periodicamente. As questões tratadas e os pareceres dos Consultores são discutidos pela Sessão Ordinária (Feria Quarta) da Congregação com voto deliberativo. A seguir, as decisões são submetidas à aprovação do Sumo Pontífice, na respetiva Audiência.

Junto da CDF são constituídas também a Pontifícia Comissão Bíblica e a Comissão Teológica Internacional, as quais, sob a presidência do Prefeito, operam segundo as normas próprias. A Congregação tem também o seu Arquivo histórico, regido pelo respetivo Regulamento, ao qual podem ter acesso os estudiosos qualificados.

Considerando que a atual configuração da Congregação foi disposta por São Paulo VI que mudou, com o Motu Proprio “Integrae servandae”, o nome do Dicastério para “Congregação para a Doutrina da Fé”, e por São João Paulo II, que especificou as suas competências na Constituição Apostólica “Pastor Bonus”, Francisco observa que “a experiência amadurecida pela Congregação ao longo deste tempo em vários âmbitos de trabalho e a exigência de lhe dar uma configuração mais adequada ao cumprimento das funções que lhe são próprias, é oportuno estabelecer-lhe algumas alterações na estrutura interna.

Estipula que a CDF abrange duas Secções, Doutrinal e Disciplinar, cada uma coordenada por um Secretário (só havia um secretário; agora há dois) que coadjuva o Prefeito no âmbito específico da sua competência, com a colaboração do Subsecretário e dos respetivos Chefes de Gabinete, o que representa uma reconfiguração na divisão de trabalho e no estabelecimento de uma certa autonomia de cada uma das secções, que de três passam a duas.

A Secção Doutrinal, através do Gabinete Doutrinal, ocupa-se de matérias relacionadas com a promoção e a salvaguarda da doutrina da fé e da moral e favorece os estudos destinados a aumentar a compreensão e a transmissão da fé ao serviço da evangelização, para que a sua luz seja critério para compreender o significado da existência, sobretudo face às interrogações levantadas pelo progresso das ciências e pelo desenvolvimento da sociedade.

No atinente à fé e costumes, predispõe o exame dos documentos a publicar por outros Dicastérios, bem como de escritos e opiniões que parecem problemáticos para a reta fé, favorecendo o diálogo com os autores e propondo os remédios idóneos de acordo com as normas da Agendi ratio in doctrinarum examine. Mais: a esta Secção é confiada a tarefa de estudar as questões relativas aos Ordinariatos pessoais instituídos mediante a Constituição Apostólica “Anglicanorum coetibus.

Da Secção Doutrinal depende o Gabinete Matrimonial (era uma secção autónoma), instituído para examinar, tanto em linha de direito como de facto, as questões relativas ao privilegium fidei(por exemplo, examina a dissolução de matrimónios entre dois não batizados ou entre um batizado e um não batizado, “em favor da fé”).

A Secção Disciplinar, através do Gabinete Disciplinar, ocupa-se dos delitos reservados à Congregação e por ela tratados mediante a jurisdição do Supremo Tribunal Apostólico nela instituído. Tem a tarefa de predispor e elaborar os procedimentos previstos pelas normas canónicas, para que a Congregação, nas suas várias instâncias (Prefeito, Secretários, Promotor de Justiça, Congresso, Sessão Ordinária, Colégio para o exame dos recursos em matéria de delicta graviora), possa promover uma correta administração da justiça. Para tanto, a Secção promove apropriadas iniciativas de formação que a Congregação oferece aos Ordinários e aos profissionais do direito, para favorecer a reta compreensão e aplicação das normas canónicas relativas ao próprio âmbito de competência.

A Congregação dispõe de um Arquivo corrente para a conservação e consulta dos documentos, que gere também os Arquivos históricos das antigas Congregações do Santo Ofício e do Índex.

Por fim, o Pontífice determina que tudo o que é deliberado com esta Carta Apostólica entre em vigor de modo firme e estável, “não obstante qualquer coisa em contrário, mesmo que digno de menção especial, e que seja promulgado pela publicação em L’Osservatore Romano , entrando em vigor a 14 de fevereiro e publicado, depois, no comentário oficial das Acta Apostolicae Sedis”.

Espera-se que esta reconfiguração retire da CDF a marca de polícia da doutrina e lhe confira o múnus da promoção e incremento da doutrina da fé mais sólida, mais inteligível e mais fruto do estudo em vez de daquilo que sempre se disse e fez. Enfim, que absorva de forma crítica, mas construtiva, todos os contributos dos teólogos.

2022.02.17 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário