Surgiu em
2002 por iniciativa da ONU, precisamente a 12 de fevereiro, dia em que passou a
celebrar-se, com a instituição do “Protocolo
Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança”, assinado por mais de
100 países, com o objetivo de pedir a todos os líderes políticos e militares
para deixarem de recrutar crianças para a guerra.
O
recrutamento de crianças e adolescentes para a guerra é uma realidade em vários
países do mundo, surgindo a data como uma chamada de atenção internacional para
esta situação.
Apesar da
existência de convenções internacionais contra o uso de crianças na guerra,
estima-se que o número de crianças soldados espalhadas pelo mundo ande entre
300 e 500 mil, entre as quais um terço são raparigas.
Durante a última década, travou-se e
trava-se a guerra em várias geografias do globo como Síria, Iémen, Somália, Sudão
do Sul, Nigéria, República Centro-Africana. E, apesar de os conflitos serem
diferentes, têm uma terrível realidade em comum: as crianças pegam em armas e
nascem meninos-soldados.
Um grupo armado chamado “Mayi-Mayi”
apanhou, através de emboscada, um miúdo com os pais que vinham dos campos. Ameaçaram
e espancaram os dois adultos e levaram a criança para longe de mãe e pai, para
a floresta. Esta passou 2 anos nas mãos das milícias da República Democrática
do Congo, país onde as crianças são muito utilizadas como escudos humanos nos
conflitos.
Os momentos mais difíceis são durante
o combate, quando têm de lutar, mas também é muito difícil encontrar algo para
comer ou encontrar um lugar para dormir, a que se junta o problema real da
falta de cuidados médicos. Quando adoecem, não podem ir a um hospital, sendo
necessário encontrar coisas na floresta para se curarem.
Em todo o mundo, estima-se que uma em
cada 6 crianças é afetada por conflitos e o número das forçadas a entrar
ativamente na guerra continua a aumentar.
Camille
Romain des Boscs, diretora executiva da Associação “Vision du Monde”, refere que “houve um aumento de 75% no número de
crianças-soldados nos últimos anos”, sendo a pobreza extrema “uma das
principais explicações do recrutamento de crianças porque os grupos armados
prometem às crianças e às suas famílias que lhes será fornecida comida, que
lhes será dada uma educação” – promessas que podem aliciar as famílias e atrair
as crianças.
Um antigo
comandante ugandês do LRA foi considerado culpado de crimes de guerra. O TPI (Tribunal Penal Internacional) rejeitou as alegações da defesa de
que Dominic Ongwen – recrutado aos 9 anos de idade – era ele próprio uma
vítima. Para Camille Romain des Boscs, “isto ilustra todo o mal que é feito a
estas crianças” e mostra como se destrói a infância e a criança passa de vítima
a agressora. Por isso, é urgente “pôr fim à prática destas crianças-soldados”.
Estes milhares de crianças não podem
continuar presas num ciclo infinito de violência. Assim, esta efeméride tem em vista
alertar para a utilização de crianças em
conflitos armados e para a necessidade de as proteger das várias violações dos
seus direitos. Pretende-se também alertar e mobilizar a sociedade civil para a
importância do cumprimento das leis internacionais relativas à proibição do seu
recrutamento.
Em 2021, Virgínia
Gamba, representante especial do secretário-geral da ONU para Crianças e
Conflitos Armados, realçava haver menores “usados como combustível descartável
na guerra”.
O
pronunciamento lançado com o alto representante da UE, Josep Borrell,
destacava que “apesar dos compromissos e esforços globais, as crianças em todo
o mundo continuam a sofrer as consequências dos conflitos”. E enfatizava
que forças e grupos armados continuam a recrutar e a usar menores,
separando-os das famílias e comunidades, destruindo-lhes cruelmente a dignidade,
as vidas e o futuro. Nesse cenário, apenas uma pequena fração dos que
são libertados beneficia de programas de reintegração.
Outra
questão importante é a insegurança, que “impede que milhares de
crianças tenham acesso a educação e saúde de qualidade, enquanto escolas e
hospitais continuam a ser alvos de ataques”.
Apesar
de serem vítimas desta prática, as crianças continuam
ilegalmente em locais de detenção por alegações ou real associação com forças e
grupos armados.
Em tempos de
pandemia, o impacto desses atos sobre os menores é assustador, pois
sofrem com o aumento da pobreza e a falta de oportunidades. Por
isso, agravam-se os fatores de incentivo e atração para o recrutamento e
uso de crianças pelas forças armadas e grupos armados, bem como violência
sexual ou raptos.
As
oportunidades de educação, já interrompidas pela guerra e
deslocamento, escasseiam ainda mais em pandemia e “as
crianças vêm pagando o preço mais alto de uma forma
trágica”.
O apelo às
partes envolvidas nessa prática é que assumam em conjunto a responsabilidade “de
construir um sistema sustentável que proteja todas as crianças em todos os
momentos”.
***
Neste
Dia Internacional contra o Uso de
Crianças-Soldado, o Papa recorda num tweet o drama de tantos menores,
vítimas de violência.
Ao longo dos anos, Francisco sempre
fez ouvir a sua voz sobre a terrível chaga das crianças-soldado, tornando-se o
intérprete da dor de muitos menores, arrancados da infância e obrigados a pegar
em armas, tornando-se instrumentos de morte. Num tweet da conta @Pontifex, adrede
publicado, o Santo Padre escreveu:
“Crianças-soldado são
roubadas à sua infância, à sua inocência, ao seu futuro e, muitas vezes, à própria
vida. Cada uma delas é um grito que se eleva a Deus e que acusa os adultos que
colocaram as armas em suas pequenas mãos.”.
Crianças são usadas como combatentes
ou cozinheiras, porteiros, guardas, mensageiros. Meninas estão envolvidas em
várias atividades, como transporte, assistência médica, cozinha, limpeza e
cuidado de outras crianças, mas podem tornar-se parte ativa do conflito, como
na África, onde quase 40% das meninas recrutadas por forças ou grupos armados
participam diretamente nas hostilidades, ou no Oriente Médio onde há unidades
femininas para o uso de armas táticas. No entanto, em ambos os casos, são
vítimas de sequestros, ameaças, manipulações. Algumas são movidas pela pobreza,
obrigadas a gerar renda para suas famílias. Outras ainda unem forças para
sobreviver ou proteger as suas comunidades. Independentemente do tipo do seu
envolvimento, o recrutamento e utilização de crianças por forças armadas constitui,
segundo a UNICEF, grave violação dos direitos da criança e do direito internacional
humanitário.
A ONU frisa que só em 2020 havia mais
de 8.500 crianças-soldados recrutadas e usadas em zonas de guerra, um aumento
em relação aos 7.750 casos registados em 2019. Mais de 93.000 crianças-soldados
entre 2005 e 2020. Apenas 2 anos atrás a ONU verificara 26.425 violações
graves.
Quase 75% dos conflitos envolvem o
recrutamento de crianças e bem mais da metade destas são meninas. O que as
crianças sofrem são formas extensas de exploração e abuso que também se tornam
sexuais no caso das meninas. O casamento precoce é outra ferramenta preferida
por algumas partes em conflito: as meninas são forçadas a casar com combatentes
adultos do sexo masculino e vivem sob seu controlo, muitas vezes submetidas à
violência sexual diária.
***
Já
a 28 de dezembro de 2021, festa dos santos Inocentes Mártires (lembra as crianças de
Belém de até 2 anos, mortas pelo Rei Herodes para eliminar o Menino Jesus,
anunciado pelos profetas como o Messias e novo rei de Israel), Francisco denunciava
os novos Herodes, que destroem a inocência das crianças sob o peso do trabalho
escravo, da prostituição e da exploração, das guerras e da emigração forçada.
Para
concluir que hoje, como no passado, os Herodes são muitos e há muitas armas que
usam para destruir a inocência das crianças. Segundo o último relatório da OIT (Organização
Internacional do Trabalho), publicado em março de 2021, ainda há 152 milhões de
crianças e adolescentes, 64 milhões são meninas e 88 milhões são meninos,
vítimas do trabalho infantil. Metade, ou seja, 73 milhões, é obrigada a trabalhos
perigosos que lhes põem em risco a saúde, a segurança e o desenvolvimento
moral; muitos vivem em contextos de guerra e desastres naturais onde lutam para
sobreviver, revistando nos destroços ou trabalhando nas ruas; e outros são
recrutados como crianças soldados para lutar em guerras travadas por adultos.
É
um fenómeno dramático e inaceitável contra o qual o próprio Papa levantou a voz
em 2016, em Carta aos bispos publicada em 28 de dezembro daquele ano. Nela
convidava os prelados a terem a coragem de defender os menores de tudo o que devora
a sua inocência e recordava que “milhares das nossas crianças caíram nas mãos
de bandidos, máfias, comerciantes da morte que só exploram as suas necessidades”.
Francisco citou os milhões de crianças sem instrução, vítimas do “tráfico
sexual”, menores obrigados a “viver fora doa seus países por causa do
deslocamento forçado”, crianças que morrem de desnutrição e vítimas do trabalho
escravo.
“Se
a situação mundial não mudar”, escrevia o Papa, citando estimativas do UNICEF, “em
2030 haverá 167 milhões de crianças que viverão na pobreza extrema, 69 milhões
de crianças menores de 5 anos que morrerão até 2030 e 60 milhões de crianças
que não poderão frequentar a escola primária”. E não esqueceu “o sofrimento, a
história e a dor dos menores abusados sexualmente por sacerdotes”, “um pecado
que nos envergonha”, que devemos “deplorar profundamente” e pelo qual “pedimos
perdão”. Daí o apelo do Pontífice a “renovar todos os nossos compromissos para
que estas atrocidades não aconteçam mais entre nós”.
As
palavras de Francisco em 2016 repisam as da mensagem Urbi et Orbi do Natal de 2014, na qual o Pontífice voltou o
pensamento para “todas as crianças mortas e maltratadas hoje, as que são antes
de verem a luz, privadas do amor generoso dos pais e sepultadas no egoísmo duma
cultura que não ama a vida, as crianças deslocadas por guerras e perseguições,
abusadas e exploradas diante de nossos olhos e de nosso silêncio cúmplice; e as
crianças massacradas sob os bombardeios, inclusive onde nasceu o filho de
Deus”. “Ainda hoje o seu silêncio impotente grita sob a espada de tantos
Herodes”, sublinhava o Papa, e “a sombra de Herodes está presente sobre o seu
sangue”.
Porém,
há uma coisa que todos podem fazer em resposta “à tragédia da matança de seres
humanos indefesos, ao horror do poder que despreza e reprime a vida”: a oração.
De facto, como explicou na Audiência Geral de 4 de janeiro de 2017, realmente
não sabe o que responder, quando lhe perguntam porque sofrem as crianças, mas
sugere que olhemos para o Crucifixo. Na verdade, “Deus deu-nos o seu Filho. Ele
sofreu#. E talvez ali encontraremos uma resposta, pois “só olhando para o amor
de Deus que dá o seu Filho, que oferece a sua vida por nós, ele pode indicar
alguma forma de consolo; a sua Palavra é palavra de consolo, porque nasce do
pranto”.
***
Porém,
rezar impõe o compromisso contra pactos de silêncio e de cumplicidades; impõe atitude
proativa pela causa de Deus, pela causa do homem.
2022.02.12 –
Louro de Carvalho
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