No passado
dia 18 de fevereiro, Francisco recebeu em audiência, na Sala Clementina, no
Vaticano, os participantes na Assembleia Plenária da Congregação para as
Igrejas Orientais, a decorrer de 16 a 22 de fevereiro, no Augustinianum de Roma.
Após
agradecer ao Cardeal Leonardo Sandri, prefeito daquele Dicastério, as palavras
que lhe dirigira e às pessoas que vieram de longe a sua presença, o Pontífice
evocou a memória do Papa Bento XV, fundador da Congregação para as Igrejas
Orientais e do Pontifício Instituto Oriental, no centenário da sua morte,
destacando uma das suas asserções na Encíclica “Dei Providentis”:
“Na Igreja de Jesus Cristo, que não é nem
latina, nem grega, nem eslava, mas católica, não há discriminação entre os seus
filhos e que todos, latinos, gregos, eslavos e de outras nacionalidades têm a
mesma importância”.
Mais referiu
que Bento XV “denunciou a incivilidade da guerra como massacre inútil”, mas “a sua
advertência foi ignorada pelos Chefes das Nações envolvidas na I Guerra Mundial”,
aliás como veio a ser ignorado foi o apelo de São João Paulo II para evitar o
conflito no Iraque.
Frisando que
a humanidade retrocede no tecimento da paz, Francisco lamentou que, num momento
em que “há tantas guerras por toda parte”, não seja ouvido o apelo tanto dos Papas como dos homens e mulheres
de boa vontade. Ironicamente, parece que o maior prémio da paz deverá ser dado
às guerras, pois estamos tragicamente apegados a elas. E o Papa apontou que a
humanidade se orgulha de avançar na ciência, no pensamento, em tantas coisas
belas, mas retrocede na construção da paz, antes se torna “campeã em fazer
guerra”, o que é “uma vergonha para todos”, pelo que “devemos rezar e pedir
perdão por este comportamento”.
Na verdade, já o dia 16, no final da audiência geral, o Santo Padre recordou a celebração da memória
litúrgica, no dia 14 de fevereiro, de São Cirilo e São Metódio, padroeiros da
Europa, pedindo orações pelo continente. Neste sentido encorajou a que “rezemos a Deus para que, pela sua
intercessão, as nações deste continente, conscientes das suas raízes cristãs,
despertem o espírito de reconciliação, de fraternidade, de solidariedade e de
respeito, de cada país, pela liberdade de todos os países”.
Depois, no
dia 18, Francisco recordou os conflitos no Oriente Médio, na Síria, no Iraque e
no Tigrai, bem como os ventos ameaçadores que sopram nas estepes da Europa
Oriental, “acendendo estopins e fogos de armas, gelando os corações dos pobres
e inocentes”. E mencionou a continuidade do drama do Líbano, que deixa muitas
pessoas sem pão e jovens e vê adultos que, tendo perdido a esperança, deixaram
aquelas terras. Porém, assegurou que “eles são a pátria-mãe das Igrejas
Católicas Orientais”, que ali se desenvolveram preservando tradições milenares”,
sendo seus filhos e herdeiros alguns membros do Dicastério em referência.
Lembrou o
Papa argentino que “os católicos orientais vivem em continentes distantes há
décadas, cruzaram mares e oceanos e atravessaram planícies” de tal modo que já
foram estabelecidas Eparquias no Canadá, Estados Unidos, América Latina,
Europa, Oceânia e muitas outras, sendo confiadas, pelo menos por enquanto, aos
Bispos latinos que coordenam a ação pastoral através dos sacerdotes enviados
segundo os procedimentos dos respetivos Chefes das Igrejas, Patriarcas,
Arcebispos Maiores ou Metropolitas sui iuris.
E os seus trabalhos visam a evangelização, que “constitui a identidade da
Igreja em todas as suas partes”, aliás é a vocação de cada batizado, pelo que
em ordem à missão “devemos escutar mais a riqueza das várias tradições”.
Ao falar da
liturgia, Francisco recordou o percurso sinodal que “não é um parlamento, não é
nos dizer opiniões diferentes e depois fazer uma síntese ou uma votação”. Ao invés,
“é caminhar juntos sob a orientação do
Espírito Santo”; e os católicos orientais são testemunhas disso, pois têm, em
suas Igrejas, Sínodos e antigas tradições sinodais. De facto, na sinodalidade
há o Espírito; e, se não houver o Espírito na sinodalidade, haverá apenas parlamento
ou pesquisa de opinião. Ora, como afirma o Papa, esta experiência sinodal é o
céu na terra e espelha-se na liturgia acontece isso, mas “a beleza dos ritos
orientais está longe de ser um oásis de evasão ou conservação”. Antes, a
assembleia litúrgica reconhece-se como tal não tanto porque se convoca, mas
porque “escuta a voz de um Outro, permanecendo voltada para Ele”, pelo que “sente
a urgência de ir ao irmão e irmã levando o anúncio de Cristo”.
Francisco
observou que o trabalho dos presentes nestes dias é “uma oportunidade para se
conhecer dentro das comissões litúrgicas das diferentes Igrejas sui iuris” e um convite a “caminhar
junto com o Dicastério e os seus Consultores segundo o caminho indicado pelo
Concílio Ecuménico Vaticano II”. A este respeito, considerou:
“Podemos perguntar-nos sobre a possível
introdução de edições da liturgia nas línguas dos países onde os fiéis se
difundiram, mas na forma da celebração é necessário viver a unidade de acordo
com o que foi estabelecido pelo Sínodos e aprovado pela Sé Apostólica, evitando
particularismos litúrgicos que, na realidade, manifestam divisões dentro das
respetivas Igrejas”.
E concluiu exortando
os participantes na assembleia plenária a estarem atentos “às experiências que
podem prejudicar o caminho rumo à unidade visível de todos os discípulos de
Cristo”, pois o mundo precisa do testemunho da comunhão. Ora, “se
escandalizarmos com as disputas litúrgicas, estamos no jogo daquele que é o
mestre da divisão” (o demónio).
***
Também os
participantes na Assembleia Plenária da Congregação para as Igrejas Orientais e
oito Patriarcas e Arcebispos-mores das Igrejas do Oriente recordaram as
palavras fortes de Bento XV, em favor da paz, em 1917, ante as “ameaças de
novos conflitos na tão sofrida Ucrânia”:
“A Europa correrá para o abismo, indo ao
encontro um verdadeiro suicídio? O mundo civilizado deverá ser reduzido a um
campo de extermínio?”.
E, inspirados
nestas questões, levantadas por Bento XV na “Carta aos líderes dos povos
beligerantes”, em agosto de 1917, fizeram um apelo para a Paz na Ucrânia, onde
ainda sopram ventos de guerra.
“Dirigimos o nosso pensamento e
coração aos nossos irmãos na Ucrânia”. Foi com estas palavras que o Cardeal Leonardo Sandri concluiu a
sua saudação ao Papa na audiência que concedeu aos participantes na Assembleia
Plenária do seu Dicastério, por ocasião do 25.º aniversário da Instrução “O Pai incompreensível”.
Entretanto,
o purpurado recordou que a Congregação para as Igrejas Orientais foi instituída,
por expresso desejo de Bento XV, a 1 de maio de 1917. Junto com os
participantes na nesta Assembleia Plenária, o Cardeal Sandri dirigiu o “seu
pensamento e coração aos irmãos na Ucrânia, sobretudo ao Arcebispo-mor da
Igreja Greco-Católica ucraniana, Sviatoslav Shevchuk, que, nestes dias, quis
ficar ao lado do seu povo, bem como aos filhos e filhas Greco-católicos,
Latino-católicos, Ortodoxos e de outras Confissões religiosas.
Assim, os
Patriarcas e Arcebispos-mores das Igrejas Orientais Católicas, presentes no
encontro com os delegados das suas Comissões litúrgicas e os membros do
Dicastério vaticano, retomaram as palavras de Bento XV e dos seus Sucessores
até Francisco, contra a “loucura universal”, que ameaça dominar a Europa:
“Diante das ameaças de novos sofrimentos e
conflitos, na tão sofrida Ucrânia elevamos, mais uma vez, nosso grito de paz e
renovamos um premente apelo aos que detêm nas mãos o destino das Nações”.
Segundo o
Cardeal Sandri, os líderes religiosos fazem o apelo movidos pelo dever de
consciência e ouvindo o grito da humanidade: “A guerra, nunca mais”.
Durante a
audiência papal, Sandri leu a mensagem dos participantes na Assembleia Plenária,
que recordam as palavras de Bento XV no seu apelo aos poderosos da terra:
“Vós tendes uma gravíssima responsabilidade
diante de Deus e dos homens; das vossas decisões dependem a paz e a alegria de
inúmeras famílias, a vida de milhares de jovens, a felicidade dos povos. Que o
Senhor, Rei da Justiça e da Paz possa inspirar-vos sábias decisões em prol da
humanidade apreensiva. Lembrem-se de que nada se perde com a paz, mas tudo se
perde com a guerra!”.
E o Cardeal
concluiu:
“Que no futuro, vós possais ser chamados bem-aventurados,
porque construístes a paz e transformastes as armas de hoje em foices e
ferramentas de prosperidade e bem-estar para os povos”.
No término
da audiência aos participantes na Assembleia, o Cardeal Leonardo Sandri
agradeceu ao Pontífice “por ser, para nós e nossas Igrejas Orientais Católicas,
Pai e arquiteto da paz e da reconciliação”. E recordou que a Assembleia está na
esperança de que “o espírito de partilha e de escuta possa caraterizar, não
apenas estes dias, mas o quotidiano do nosso ser Igreja”.
***
Entre as diversas posições de apelo à paz por parte dos episcopados
europeus sobressai a do Conselho Pan-Ucraniano de
Igrejas e de Organizações Religiosas que pediu, em 17 de fevereiro, à Rússia e
à Ucrânia que demonstrem “boa vontade”, implementando efetivamente o acordo
sobre a troca de prisioneiros, nas condições previamente acordadas no formato
Normandia. Na verdade, o texto do apelo do Conselho de Igrejas aos presidentes
da Rússia e da Ucrânia, Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, respetivamente,
reza:
“Exortando todos os participantes no processo a mostrarem determinação e
a fazerem os esforços necessários para a troca de pessoas, detidas devido ao
conflito, como um primeiro passo na implementação da estratégia geral de
distensão do conflito, dirigimo-nos a vós com o pedido de tomardes, sem mais
tardar, todas as ações necessárias para a libertação de todos os detidos, por
misericórdia e em vista de considerações humanitárias”.
Os responsáveis religiosos apelam ao
diálogo diplomático para “evitar o terrível derramamento de sangue” e promover
“uma paz duradoura e justa”. E o bispo católico de rito latino de Kiev e
Zhytomyr, Dom Vitalii Kryvytskyi, pediu à comunidade internacional que não use
a Ucrânia para “resolver os seus próprios problemas”. Em declarações aos jornalistas
na Catedral de Santo Alexandre, na capital ucraniana, o bispo disse que “a Ucrânia
deve permanecer totalmente independente, rejeitando os pensamentos e desejos
imperialistas de todo e qualquer vizinho”.
Kryvytskyi, de 49 anos, natural da cidade
ucraniana de Odessa, observou que a Ucrânia precisa do apoio a “vários níveis
daqueles que estão envolvidos na política”, mas advertiu que, como Igreja, vê
que “hoje em cada discurso informativo há também muitas mentiras”.
O bispo, sustentando que os conflitos só
dão origem a novos conflitos, evocou os acontecimentos de 2014, desde a anexação
da Crimeia pela Rússia, e desenvolveu:
“Enquanto, por um lado, não vemos razões políticas para o início de uma
guerra, existem aqueles que afirmam que a guerra já começou, embora possam ser
os mesmos meios de comunicação que há um ou dois anos negavam que houvesse um
conflito na Ucrânia, que na verdade começou há oito anos”.
No dizer do prelado, a consequência deste
conflito é que a Ucrânia e o seu povo “já estão a sofrer” e aos muitos
migrantes que deixaram o país de leste no passado “poderiam agora juntar-se
outros que já estão a pensar em deixar o país”. O bispo deu como exemplo os
confrontos entre o exército e os rebeldes separatistas na região ucraniana de
Donbass que, segundo estimativas da ONU, causaram até agora pelo menos 14 mil
vítimas e sete mil feridos.
A partir da Catedral de Santo Alexandre,
local de referência para o quase milhão de católicos de rito latino da Ucrânia,
Dom Vitalii Kryvytskyi salientou que o diálogo para “um processo de paz parece
continuar” e acredita “muito que a guerra não está a começar” e lamentou que “também
vejamos os investidores a tentar tirar o capital do país, as companhias aéreas
estejam a fechar voos e muitas embaixadas a retirar os seus funcionários”.
***
Enfim, a pré-guerra que já faz sofrer
muita gente e que está na iminência de se transformar em guerra cruel cujas
consequências são incalculáveis. Pede-se o reforço e a persistência da
diplomacia, postula-se a oração confiante e perseverante dos crentes e a generosidade
das pessoas boa vontade, que mais numerosas, embora humanamente menos
poderosas, que os semeadores da discórdia.
2022.02.20 – Louro de
Carvalho
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