Para alertar para o problema ambiental criado pela
pandemia de covid-19, Ana Catarina Santos, da Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto (FCUP) fez uma
experiência de campo: pegou em máscaras descartáveis, quer cirúrgicas, quer do
tipo N95 (ou FFP2), e depositou-as no solo, deixando-as assim durante um
ano. O resultado foi o previsto: as máscaras permaneciam completamente
inalteradas. Isto quer dizer que, para obviar à pandemia sanitária de covid-19,
se criou uma epidemia ambiental de impacto talvez ainda maior para o planeta a
longo prazo.
A contaminação provocada pelos muitos milhares de
toneladas de máscaras descartáveis deitadas ao lixo comum ou abandonadas a céu
aberto é fatura a ser cobrada por muitos anos. Nem os alertas da OMS e de
diversas associações ambientalistas bastam para alterar comportamentos.
A ora mestre, com o objetivo de perceber o conhecimento
e os comportamentos das pessoas face à utilização de máscaras de proteção efetuou
um inquérito em formato online, entre dezembro de 2020 e maio de 2021, tendo
recolhido 1475 questionários válidos. E, se os resultados mostram que as pessoas
se mostram preocupadas com o problema e até motivadas para mudar
comportamentos, também evidenciam preocupante nível de desconhecimento face a
diferentes aspetos, desde a composição das máscaras até ao seu destino final
após o descarte.
As pessoas estão preocupadas, mas desinformadas, o que é
um dos granes entraves à resolução do problema. Por exemplo, segundo Catarina
Santos, grande parte dos inquiridos não sabia que materiais compõem as máscaras
descartáveis, o que revela a falta de relação que as pessoas estabelecem entre
este problema e o da crise plástica com que nos debatemos.
Quanto à forma de descartar as máscaras, os
participantes no inquérito estão informados e conscientes de que devem ser
descartadas no lixo orgânico, conforme recomendam as autoridades sanitárias.
Porém, esse é um dos pontos do problema, como adverte Ruth Pereira, professora
da FCUP, que orientou o projeto, com Joana Lourenço, do CESAM da Universidade
de Aveiro. Trata-se de lixo biológico e o receio de contaminação fez com que a
forma mais fácil que as autoridades tiveram de lidar com isto tenha sido o
encaminhamento para o lixo orgânico e do orgânico para aterro ou incineração. Bastava
que o material estivesse imobilizado durante algum tempo ou sujeito a alta
temperatura para que tal risco biológico deixasse de existir. Podia ser até
material de interesse para reciclagem e reutilização. Mas, segundo a bióloga, optou-se
pela solução mais fácil.
Estamos a lidar com milhões de toneladas, como advertiu a
OMS, que surgiram e se manterão por anos. Na verdade, o mais recente relatório
da OMS estima que aproximadamente 87 mil toneladas de equipamento de proteção
pessoal (EPP) adquirido entre março de 2020 e novembro de 2021 acabaram
por ser descartadas. Assim, Catarina Santos e Ruth Pereira não duvidam de que a
pegada ecológica da pandemia deixará maior impacto que a pandemia em si, não
direto porventura e não percecionável, no imediato, mas brutal nos
ecossistemas. E indiretamente chegará a nós, como reforça a professora da FCUP,
para quem é urgente introduzir o fator ambiental na comunicação sobre a
pandemia, com uma nova abordagem da DGS à semelhança do que faz a OMS, ou seja,
recomendando às pessoas a que olhem para outro tipo de máscaras, reutilizáveis.
As máscaras comunitárias são opção muito mais
sustentável e a sua utilização devia ser fomentada pelas autoridades. Catarina
Santos sustenta que há alternativas de máscaras, como as de tecido certificadas,
que permitem ter garantia de segurança. Embora o nível de eficácia seja um
pouco menor que o das máscaras cirúrgicas, são boa opção para o cidadão comum,
que não faça parte de grupos e contextos de risco. Aliás, parece ser esta a
perceção da maioria dos portugueses, de acordo com os resultados do inquérito,
mas a prática é muito diferente. De facto, as máscaras cirúrgicas são
notoriamente as mais utilizadas (75,2% dos
inquiridos) e a eficácia e segurança das máscaras foi o atributo
mais valorizado, seguido do conforto, sustentabilidade, preço e a intenção de
combinar com a roupa usada em determinado dia. As reutilizáveis são usadas por
menos inquiridos (53,4%). Mas,
questionados sobre o melhor tipo de máscara à luz de critérios de proteção,
sustentabilidade ambiental, custo e conveniência no uso, a opção mais referida
é a máscara de tecido certificada, o que revela incoerência entre perceção e comportamento,
talvez – penso eu – porque em hospitais e clínicas nos obrigam ao uso da
máscara descartável.
Catarina Santos propõe a melhoria da comunicação
institucional e a insistência em mais ações de divulgação e educação ambiental,
quando, como frisa Ruth Pereira, nos confrontamos com um problema de dimensão
ainda maior: os testes. Este é um problema ainda menos percetível para as
pessoas, porquanto as máscaras infelizmente ainda se veem por todo o lado, no
lixo, na rua, ao passo que o lixo dos testes não é visível.
Acresce referir, além da experiência de campo efetuada
com as máscaras, a exposição fotográfica, em colaboração com a Faculdade de
Belas-Artes do Porto, que está patente no Departamento de Biologia da FCUP até
18 de fevereiro.
***
Porém, nem só o lixo de testes e máscaras – é um
feio testemunho contra o tão propalado civismo dos portuguese a profusão de
máscaras descartáveis que se topam a cada passo – impacta de forma negativa o ambiente. Um relatório relativo ao período
de abril a setembro de 2020 fornece uma visão geral dos impactos ambientais e
climáticos de máscaras faciais e luvas descartáveis usadas para proteção contra
a covid-19, bem como de embalagens plásticas usadas no comércio eletrónico e
entregas de comida, fenómeno crescente com a pandemia.
A
pandemia trouxe múltiplos desafios e problemas nas sociedades em todo o mundo.
Além de gravosas consequências económicas e de saúde, de longo alcance, também
tem impactos sobre o ambiente e o clima. Para reduzir os riscos de infeção, os
governos impuseram bloqueios, introduziram medidas de permanência em casa e
recomendaram ou obrigaram o uso de equipamentos de proteção individual, do que
resultou o aumento do uso de produtos plásticos descartáveis, como máscaras,
luvas e embalagens descartáveis.
A
principal mensagem do relatório vem no sentido de que as respostas à covid-19
redundaram no aumento do uso de produtos como máscaras, luvas e certos tipos de
embalagens feitas de plásticos descartáveis de longa duração, produzindo gases
de efeito estufa adicionais e outras emissões. Alguns desses materiais espalham
resíduos pelo ambiente terrestre e marinho em toda a Europa, vindo a prejudicar
ecossistemas e animais. À luz da pandemia, torna-se necessário repensar a
produção de plástico de uso único, o consumo e práticas de gestão de resíduos
na Europa a fim de tornar as nossas sociedades mais bem preparadas para os
impactos contínuos desta pandemia e para os impactos potenciais de futuras
pandemias e outras perturbações eventos.
A 31 março 2021, as Nações
Unidas e parceiros sugeriram medidas para redução significativa, ou até
eliminação da quantidade de plásticos descartados em cada ano.
Na verdade, a pandemia do novo coronavírus levou ao aumento no uso de
máscaras descartáveis, luvas e outros itens de proteção, afetando
potencialmente o combate à poluição marítima. Ora, a poluição dos oceanos, um problema já tão grave, pode
tomar proporções ainda maiores por causa dos hábitos criados com a pandemia.
Para promover a conscientização, um guia da ONU destaca alguns pontos
sobre a poluição promovida por máscaras e objetos plásticos.
- Aumento da poluição causada pelo
grande consumo de máscaras, luvas e outros produtos. Os dados da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento) indicam que
as vendas de máscaras foram de US$ 166 mil milhões em 2020. Um ano antes, foram
de US$ 800 milhões.
A quantidade
de máscaras que foram parar aos oceanos assustou especialistas em conservação
marinha e proteção ambiental. Vídeos mostram mergulhadores profissionais na
Riviera Francesa a recolher máscaras e luvas para chamarem a atenção para a
poluição dos oceanos, problema que precisa de ver redobrado o esforço coletivo
de solução: líderes políticos, governos e população.
Se o lixo
hospitalar, em grande parte feito de plástico, não for administrado de modo
adequado, pode ocorrer o despejo descontrolado.
- Assunção da gestão de resíduos
como um serviço público essencial. Cerca de 75% das máscaras descartadas, bem como outros resíduos
relacionados com a pandemia vão para aterros sanitários ou flutuam nos
mares. O PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) estima que, além dos danos ambientais, o custo
financeiro, em áreas como turismo e pesca, será de cerca de US$ 40 mil milhões. Com
a crise, o lixo hospitalar aumentou consideravelmente, sendo grande parte
composta de plástico descartável. As possíveis consequências incluem riscos
para a saúde pública por máscaras usadas e infetadas e a incineração
descontrolada de máscaras, resultando na libertação de toxinas no meio ambiente
e transmissão secundária de doenças aos seres humanos.
Temendo os
danos à saúde e ao meio ambiente, a predita agência da ONU pede que os governos
considerem a gestão de resíduos (incluindo resíduos médicos e nocivos) como serviço público essencial, pois o manuseio
seguro e a disposição final são vitais para resposta de emergência
eficaz.
Pamela
Coke-Hamilton, diretora de comércio internacional da Unctad, frisa que a
poluição por plásticos já era uma das maiores ameaças ao planeta, mas o aumento
repentino do uso diário de certos produtos que mantêm as pessoas seguras e
previnem as doenças está a piorar esse quadro.
- Redução da poluição por plástico em
80%. Foi
publicado por The Pew Charitable Trusts e o think tank Systemiq um relatório
abrangente sobre resíduos de plástico e endossado pela diretora-executiva do
Pnuma, Inger Andersen. Prevê que, se não forem tomadas as medidas cabíveis, a
quantidade de plásticos no oceano triplicará em 2040 (passarão de
11 milhões para os 29 milhões toneladas por ano). No entanto, cerca de 80% da poluição produzida pelo plástico podia
ser eliminada com a substituição duma regulamentação inadequada, ou seja, mudando
o modelo de negócios e introduzindo incentivos que levem à redução da produção
de plásticos.
Além disso,
é de projetar produtos e embalagens mais facilmente recicláveis e
aumentar a recolha de lixo, especialmente em países de baixo rendimento. De
facto, a poluição por plástico está totalmente descoordenada e é preciso unir
esforços.
- Necessidade
duma aliança global. Em
julho de 2020, num estudo atinente a plásticos, sustentabilidade e
desenvolvimento, a Unctad concluiu que as políticas comerciais globais podem
desempenhar importante papel na redução da poluição. Embora na última
década muitos países tenham introduzido regulamentações relacionadas com a
poluição causada por plásticos, um indicador da crescente preocupação com este
tema, segundo a dita análise é que, para essas políticas serem realmente
eficazes, são necessárias regras coordenadas e globais.
Coke-Hamilton
afirma que o modo como os países têm usado s políticas comerciais para combater
a poluição por plástico está amplamente descoordenado, limitando a eficácia de
seus esforços.
- Promoção alternativas respeitadoras
do planeta e do emprego. Embora a aplicação
dessas medidas possa reduzir a poluição por plásticos até 2040, prevê-se que, mesmo
no melhor dos casos, continuarão a despejar-se anualmente no oceano 5 milhões
de toneladas de plástico.
Os autores
do estudo referenciado sublinham que, para enfrentar o problema de forma
abrangente, urge o aumento drástico em inovação e investimentos que se traduzam
em avanços tecnológicos.
A Unctad
pede que os governos promovam o uso de substâncias não tóxicas, biodegradáveis
ou facilmente recicláveis, como fibras naturais, cascas de arroz e borracha
natural.
Como os
países em desenvolvimento são fornecedores-chave desses produtos mais
ecológicos, a substituição do plástico pode trazer um benefício adicional: a
criação de novos empregos.
Bangladesh é
o principal fornecedor mundial de exportações de juta, enquanto a Tailândia e a
Cote d’Ivoire (Costa do Marfim) respondem
pela maioria das exportações de borracha natural.
O
vice-presidente para o meio ambiente da Pew, Tom Dillon diz não haver solução
única para a poluição do lixo plástico do oceano: mas só uma ação rápida e
coordenada romperá este círculo de poluição. É possível investir num futuro com
menos desperdício, melhores resultados de saúde, maior criação de emprego e
ambiente mais limpo e resistente para as pessoas e para a natureza.
2022.02.15 – Louro de Carvalho
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