quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Máscaras descartáveis e plásticos geram “pandemia ambiental”

 

Para alertar para o problema ambiental criado pela pandemia de covid-19, Ana Catarina Santos, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) fez uma experiência de campo: pegou em máscaras descartáveis, quer cirúrgicas, quer do tipo N95 (ou FFP2), e depositou-as no solo, deixando-as assim durante um ano. O resultado foi o previsto: as máscaras permaneciam completamente inalteradas. Isto quer dizer que, para obviar à pandemia sanitária de covid-19, se criou uma epidemia ambiental de impacto talvez ainda maior para o planeta a longo prazo.

A contaminação provocada pelos muitos milhares de toneladas de máscaras descartáveis deitadas ao lixo comum ou abandonadas a céu aberto é fatura a ser cobrada por muitos anos. Nem os alertas da OMS e de diversas associações ambientalistas bastam para alterar comportamentos.

A ora mestre, com o objetivo de perceber o conhecimento e os comportamentos das pessoas face à utilização de máscaras de proteção efetuou um inquérito em formato online, entre dezembro de 2020 e maio de 2021, tendo recolhido 1475 questionários válidos. E, se os resultados mostram que as pessoas se mostram preocupadas com o problema e até motivadas para mudar comportamentos, também evidenciam preocupante nível de desconhecimento face a diferentes aspetos, desde a composição das máscaras até ao seu destino final após o descarte.

As pessoas estão preocupadas, mas desinformadas, o que é um dos granes entraves à resolução do problema. Por exemplo, segundo Catarina Santos, grande parte dos inquiridos não sabia que materiais compõem as máscaras descartáveis, o que revela a falta de relação que as pessoas estabelecem entre este problema e o da crise plástica com que nos debatemos.

Quanto à forma de descartar as máscaras, os participantes no inquérito estão informados e conscientes de que devem ser descartadas no lixo orgânico, conforme recomendam as autoridades sanitárias. Porém, esse é um dos pontos do problema, como adverte Ruth Pereira, professora da FCUP, que orientou o projeto, com Joana Lourenço, do CESAM da Universidade de Aveiro. Trata-se de lixo biológico e o receio de contaminação fez com que a forma mais fácil que as autoridades tiveram de lidar com isto tenha sido o encaminhamento para o lixo orgânico e do orgânico para aterro ou incineração. Bastava que o material estivesse imobilizado durante algum tempo ou sujeito a alta temperatura para que tal risco biológico deixasse de existir. Podia ser até material de interesse para reciclagem e reutilização. Mas, segundo a bióloga, optou-se pela solução mais fácil.

Estamos a lidar com milhões de toneladas, como advertiu a OMS, que surgiram e se manterão por anos. Na verdade, o mais recente relatório da OMS estima que aproximadamente 87 mil toneladas de equipamento de proteção pessoal (EPP) adquirido entre março de 2020 e novembro de 2021 acabaram por ser descartadas. Assim, Catarina Santos e Ruth Pereira não duvidam de que a pegada ecológica da pandemia deixará maior impacto que a pandemia em si, não direto porventura e não percecionável, no imediato, mas brutal nos ecossistemas. E indiretamente chegará a nós, como reforça a professora da FCUP, para quem é urgente introduzir o fator ambiental na comunicação sobre a pandemia, com uma nova abordagem da DGS à semelhança do que faz a OMS, ou seja, recomendando às pessoas a que olhem para outro tipo de máscaras, reutilizáveis.

As máscaras comunitárias são opção muito mais sustentável e a sua utilização devia ser fomentada pelas autoridades. Catarina Santos sustenta que há alternativas de máscaras, como as de tecido certificadas, que permitem ter garantia de segurança. Embora o nível de eficácia seja um pouco menor que o das máscaras cirúrgicas, são boa opção para o cidadão comum, que não faça parte de grupos e contextos de risco. Aliás, parece ser esta a perceção da maioria dos portugueses, de acordo com os resultados do inquérito, mas a prática é muito diferente. De facto, as máscaras cirúrgicas são notoriamente as mais utilizadas (75,2% dos inquiridos) e a eficácia e segurança das máscaras foi o atributo mais valorizado, seguido do conforto, sustentabilidade, preço e a intenção de combinar com a roupa usada em determinado dia. As reutilizáveis são usadas por menos inquiridos (53,4%). Mas, questionados sobre o melhor tipo de máscara à luz de critérios de proteção, sustentabilidade ambiental, custo e conveniência no uso, a opção mais referida é a máscara de tecido certificada, o que revela incoerência entre perceção e comportamento, talvez – penso eu – porque em hospitais e clínicas nos obrigam ao uso da máscara descartável.

Catarina Santos propõe a melhoria da comunicação institucional e a insistência em mais ações de divulgação e educação ambiental, quando, como frisa Ruth Pereira, nos confrontamos com um problema de dimensão ainda maior: os testes. Este é um problema ainda menos percetível para as pessoas, porquanto as máscaras infelizmente ainda se veem por todo o lado, no lixo, na rua, ao passo que o lixo dos testes não é visível.

Acresce referir, além da experiência de campo efetuada com as máscaras, a exposição fotográfica, em colaboração com a Faculdade de Belas-Artes do Porto, que está patente no Departamento de Biologia da FCUP até 18 de fevereiro.

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Porém, nem só o lixo de testes e máscaras – é um feio testemunho contra o tão propalado civismo dos portuguese a profusão de máscaras descartáveis que se topam a cada passo – impacta de forma negativa o ambiente. Um relatório relativo ao período de abril a setembro de 2020 fornece uma visão geral dos impactos ambientais e climáticos de máscaras faciais e luvas descartáveis usadas para proteção contra a covid-19, bem como de embalagens plásticas usadas no comércio eletrónico e entregas de comida, fenómeno crescente com a pandemia.

A pandemia trouxe múltiplos desafios e problemas nas sociedades em todo o mundo. Além de gravosas consequências económicas e de saúde, de longo alcance, também tem impactos sobre o ambiente e o clima. Para reduzir os riscos de infeção, os governos impuseram bloqueios, introduziram medidas de permanência em casa e recomendaram ou obrigaram o uso de equipamentos de proteção individual, do que resultou o aumento do uso de produtos plásticos descartáveis, como máscaras, luvas e embalagens descartáveis.

A principal mensagem do relatório vem no sentido de que as respostas à covid-19 redundaram no aumento do uso de produtos como máscaras, luvas e certos tipos de embalagens feitas de plásticos descartáveis de longa duração, produzindo gases de efeito estufa adicionais e outras emissões. Alguns desses materiais espalham resíduos pelo ambiente terrestre e marinho em toda a Europa, vindo a prejudicar ecossistemas e animais. À luz da pandemia, torna-se necessário repensar a produção de plástico de uso único, o consumo e práticas de gestão de resíduos na Europa a fim de tornar as nossas sociedades mais bem preparadas para os impactos contínuos desta pandemia e para os impactos potenciais de futuras pandemias e outras perturbações eventos.

A 31 março 2021, as Nações Unidas e parceiros sugeriram medidas para redução significativa, ou até eliminação da quantidade de plásticos descartados em cada ano. 

Na verdade, a pandemia do novo coronavírus levou ao aumento no uso de máscaras descartáveis, luvas e outros itens de proteção, afetando potencialmente o combate à poluição marítima. Ora, a poluição dos oceanos, um problema já tão grave, pode tomar proporções ainda maiores por causa dos hábitos criados com a pandemia. Para promover a conscientização,  um guia da ONU destaca alguns pontos sobre a poluição promovida por máscaras e objetos plásticos. 

- Aumento da poluição causada pelo grande consumo de máscaras, luvas e outros produtos. Os dados da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) indicam que as vendas de máscaras foram de US$ 166 mil milhões em 2020. Um ano antes, foram de US$ 800 milhões. 

A quantidade de máscaras que foram parar aos oceanos assustou especialistas em conservação marinha e proteção ambiental. Vídeos mostram mergulhadores profissionais na Riviera Francesa a recolher máscaras e luvas para chamarem a atenção para a poluição dos oceanos, problema que precisa de ver redobrado o esforço coletivo de solução: líderes políticos, governos e população. 

Se o lixo hospitalar, em grande parte feito de plástico, não for administrado de modo adequado, pode ocorrer o despejo descontrolado.

- Assunção da gestão de resíduos como um serviço público essencial. Cerca de 75% das máscaras descartadas, bem como outros resíduos relacionados com a pandemia vão para aterros sanitários ou flutuam nos mares. O PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) estima que, além dos danos ambientais, o custo financeiro, em áreas como turismo e pesca, será de cerca de US$ 40 mil milhões. Com a crise, o lixo hospitalar aumentou consideravelmente, sendo grande parte composta de plástico descartável. As possíveis consequências incluem riscos para a saúde pública por máscaras usadas e infetadas e a incineração descontrolada de máscaras, resultando na libertação de toxinas no meio ambiente e transmissão secundária de doenças aos seres humanos. 

Temendo os danos à saúde e ao meio ambiente, a predita agência da ONU pede que os governos considerem a gestão de resíduos (incluindo resíduos médicos e nocivos) como serviço público essencial, pois o manuseio seguro e a disposição final são vitais para resposta de emergência eficaz.  

Pamela Coke-Hamilton, diretora de comércio internacional da Unctad, frisa que a poluição por plásticos já era uma das maiores ameaças ao planeta, mas o aumento repentino do uso diário de certos produtos que mantêm as pessoas seguras e previnem as doenças está a piorar esse quadro. 

- Redução da poluição por plástico em 80%. Foi publicado por The Pew Charitable Trusts e o think tank Systemiq um relatório abrangente sobre resíduos de plástico e endossado pela diretora-executiva do Pnuma, Inger Andersen. Prevê que, se não forem tomadas as medidas cabíveis, a quantidade de plásticos no oceano triplicará em 2040 (passarão de 11 milhões para os 29 milhões toneladas por ano). No entanto, cerca de 80% da poluição produzida pelo plástico podia ser eliminada com a substituição duma regulamentação inadequada, ou seja, mudando o modelo de negócios e introduzindo incentivos que levem à redução da produção de plásticos. 

Além disso, é de projetar produtos e embalagens mais facilmente recicláveis e aumentar a recolha de lixo, especialmente em países de baixo rendimento. De facto, a poluição por plástico está totalmente descoordenada e é preciso unir esforços. 

- Necessidade duma aliança global. Em julho de 2020, num estudo atinente a plásticos, sustentabilidade e desenvolvimento, a Unctad concluiu que as políticas comerciais globais podem desempenhar importante papel na redução da poluição. Embora na última década muitos países tenham introduzido regulamentações relacionadas com a poluição causada por plásticos, um indicador da crescente preocupação com este tema, segundo a dita análise é que, para essas políticas serem realmente eficazes, são necessárias regras coordenadas e globais. 

Coke-Hamilton afirma que o modo como os países têm usado s políticas comerciais para combater a poluição por plástico está amplamente descoordenado, limitando a eficácia de seus esforços. 

- Promoção alternativas respeitadoras do planeta e do emprego. Embora a aplicação dessas medidas possa reduzir a poluição por plásticos até 2040, prevê-se que, mesmo no melhor dos casos, continuarão a despejar-se anualmente no oceano 5 milhões de toneladas de plástico. 

Os autores do estudo referenciado sublinham que, para enfrentar o problema de forma abrangente, urge o aumento drástico em inovação e investimentos que se traduzam em avanços tecnológicos. 

A Unctad pede que os governos promovam o uso de substâncias não tóxicas, biodegradáveis ou facilmente recicláveis, como fibras naturais, cascas de arroz e borracha natural. 

Como os países em desenvolvimento são fornecedores-chave desses produtos mais ecológicos, a substituição do plástico pode trazer um benefício adicional: a criação de novos empregos. 

Bangladesh é o principal fornecedor mundial de exportações de juta, enquanto a Tailândia e a Cote d’Ivoire (Costa do Marfim) respondem pela maioria das exportações de borracha natural. 

O vice-presidente para o meio ambiente da Pew, Tom Dillon diz não haver solução única para a poluição do lixo plástico do oceano: mas só uma ação rápida e coordenada romperá este círculo de poluição. É possível investir num futuro com menos desperdício, melhores resultados de saúde, maior criação de emprego e ambiente mais limpo e resistente para as pessoas e para a natureza. 

2022.02.15 – Louro de Carvalho

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