quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A guerra começa, mas Ucrânia não é construção de Lenine

 

Os primórdios

O assentamento humano na Ucrânia remonta a 6 450 AP. Entre 4.500-3.000 a.C., no Neolítico tardio, surge a Cultura Cucuteni-Trypillian cujas populações, na Idade do Cobre, passam a residir na porção oeste do que hoje é Ucrânia, localizando-se mais a leste a Cultura Sredny Stog, a que sucederam, no início da Idade do Bronze (por volta do III milénio a.C.), a Cultura Yama (Kurgan) das estepes e a Cultura Catacumba. Na Idade do Ferro, emergiram por ali os Dácios, Cimérios, Citas, Sármatas e outras tribos nómadas. O Reino Cita existiu ali entre 750-250 a.C. E, com as colónias da Grécia Antiga (do século VI a.C.), na costa nordeste do Mar Negro, as colónias de Tiras, Ólbia e Hermonassa continuaram como cidades dos impérios romano e bizantino até ao século VI. No século III (entre 250-375) chegaram ali os Godos a quem chamaram de Aujo, correspondente à cultura arqueológica Cherniacove. A partir de 350, fixaram-se nesta área os Ostrogodos sob a influência dos Hunos. Ao norte do reino dos Ostrogodos, havia a Cultura de Kiev, que floresceu entre os séculos II e V, até à expulsão pelos Hunos. E, após haverem ajudado a derrotar os Hunos na Batalha de Nedau em 454, puderam estabelecer-se na Panónia.

Com o vácuo criado entre o fim do governo Huno e Godo, terão emergido, a partir da Cultura de Kiev, as tribos eslavas, começando a expandir-se pelo atual território da Ucrânia no século V e pelos Balcãs no século VI. No século VII, o território da moderna Ucrânia era o centro do Estado dos Protobúlgaros (Grande Bulgária Antiga) com a capital na Fanagória. Em fins do século VII, a maior parte das tribos búlgaras migrou para diversas regiões e os que ficaram foram absorvidos pelos Cazares (povo seminómada da Ásia Central), que fundaram o Canato Cazar no sudeste do que hoje é parte da Europa, junto ao Cáucaso e Mar Cáspio, incluindo o oeste do Cazaquistão, parte do leste da Ucrânia, Azerbaijão, sul da Rússia e Crimeia. Por volta de 800, este reino converteu-se ao Judaísmo.

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A Rússia de Kiev, base da identidade da Ucrânia e demais nações eslavas orientais

Nos séculos X e XI, o território da Ucrânia tornou-se o centro dum poderoso e prestigioso Estado na Europa, a Rússia de Kiev, que estabeleceu, nos séculos subsequentes, a base das identidades nacionais da Ucrânia e demais nações eslavas orientais (Rússia, Ucrânia e Bielorrússia). A capital do principado era Kiev, conquistada aos Cazares por Ascoldo e Dir cerca de 860. Segundo a Crónica Nestoriana, a elite era, de início, formada por varegues provenientes da Escandinávia e mais tarde assimilados à população local de modo a formar a dinastia ruríquida.

A Rússia de Kiev era constituída por diversos domínios governados por príncipes ruríquidas aparentados. Kiev, o mais influente de todos, era cobiçado pelos diversos membros da dinastia, o que originava enfrentamentos sangrentos. A Era Dourada coincide com os reinados de Vladimir I, o Grande (r. 980-1015), que aproximou o Estado do cristianismo bizantino, e do filho Jaroslau I, o Sábio (r. 1019-1054), que viu o principado atingir o zénite militar e cultural. Porém, apesar dos esforços de Vladimir II Monómaco (r. 1113-1125) e do filho Mistilau I (r. 1125-1132), no século XII deu-se a fragmentação. O território desintegrou-se, com o surgimento de principados com sede em Kiev, Czernicóvia, Galícia e Vladimir-Susdália. E a invasão tártaro-mongol do século XII conferiu ao principado o golpe de misericórdia, do qual nunca se levantaria.

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 Da Comunidade Polaco-Lituana (1300-1600) ao*s cossacos (1600-1800)

Na região do hoje território da Ucrânia, sucederam à Rússia de Kiev os principados de Galícia e Volínia, posteriormente fundidos no Estado de Galícia-Volínia. Em meados do século XIV, o Estado foi tomado por Casimiro IV da Polónia, ao passo que o cerne da Rússia de Kiev (inclusive a cidade de Kiev) passou ao controlo do Grão-Ducado da Lituânia. O casamento do Grão-Duque Jagelão da Lituânia com a Rainha Edviges da Polónia pôs sob o controlo da Lituânia a maior parte do território ucraniano (Czernicóvia, Novogárdia Sevéria, Podólia, Kiev e grande parte da Volínia).

Então, a parte sul da Ucrânia (incluindo a Crimeia) era regida pelo Canato da Crimeia, enquanto as terras a oeste dos Cárpatos eram dominadas pelos magiares desde o século XI. No século XV, o povo ucraniano  distingue-se dos outros povos eslavos orientais que tiveram origem comum na Rússia de Kiev e era o povo que habitava a região da fronteira (krai) com os polacos.

A União de Lublim (1569), que criou a Comunidade Polaco-lituana, levou uma significativa porção do território ucraniano do controlo lituano para o da coroa da Polónia. Sob pressão deste processo de polonização, a maior parte da elite rutena (eslava ou eslavizada, mesmo a de origem lituana) converteu-se ao catolicismo. O povo, porém, manteve-se fiel à Igreja Ortodoxa, o que levou a tensões sociais manifestas, por exemplo, na União de Brest, de 1596, pela qual Sigismundo III Vasa tentou criar uma Igreja Católica Grega Ucraniana vinculada à Igreja Católica. A plebe ucraniana, desprotegida pela nobreza rutena (cada vez mais votada ao catolicismo), voltou-se para os cossacos (ortodoxos) em demanda de segurança.

Os cossacos originariamente eram servos fugitivos de origem russa ou polaca que se fixaram na ilha de Hortitsa (ou Khortytsia) no Rio Dniepre, entrando em constante conflito com os polacos.

Em meados do século XVII, já havia um quase-Estado cossaco, o Zaporozhian Sich, criado pelos cossacos do Dniepre e pelos camponeses rutenos que fugiam da servidão polaca. A Polónia não tinha o efetivo controlo daquela área, hoje no centro da Ucrânia, que se tornou Estado autónomo militarizado, aliado à Comunidade. Entretanto, a servidão do campesinato pela nobreza polaca, a ênfase da economia agrária da Comunidade na exploração da mão-de-obra servil e, talvez a razão mais importante, a supressão da fé ortodoxa acabaram por afastar os cossacos e a Polónia. Assim, os cossacos voltaram-se para a Igreja Ortodoxa Russa, o que levaria eventualmente à queda da Comunidade Polaco-Lituana. 

Em 1648, os cossacos, liderados por Bogdán Jmelnitski (ou Khmelnitski), iniciaram uma grande rebelião (Insurreição de Khmelnitski) contra o Rei João II Casimiro, que levou à partilha da Ucrânia entre a Polónia e a Rússia, consolidada com o tratado de Pereiaslav (1654), pelo qual o czar se comprometeu a proteger dos polacos o leste da Ucrânia.

Na segunda metade do século XVIII, o sul da Ucrânia tornou-se uma das principais fontes de trigo para o Império Russo. Em 1783, o Canato da Crimeia foi anexado pela Rússia, que encerrou a dominação tártara na região. Entre 1793 e 1795 ficou definida a partilha da Polónia entre Prússia, Áustria e Rússia, tendo esta ficado inicialmente com os territórios situados à leste do Rio Dniepre, enquanto a Áustria ficou com a Ucrânia Ocidental (com o nome de província da Galícia).

Em 1796, a Rússia passou a dominar também territórios a oeste do Rio Dniepre, região que seria chamada Nova Rússia. E, pese o facto de que as promessas de autonomia da Ucrânia conferidas pelo tratado de Pereiaslav nunca se materializaram, os ucranianos tiveram importante papel no Império Russo, participando nas guerras contra as monarquias europeias orientais e o Império Otomano e ascendendo até aos mais altos postos da administração imperial e eclesiástica russa. Posteriormente, o regime tzarista passou a executar uma dura política de russificação, proibindo o uso da língua ucraniana nas publicações e em público.

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A partilha e o advento dos soviéticos

Pelo Tratado de Brest-Litovski, firmado no início de 1918, a União Soviética abriu mão do exercício de soberania sobre grande parte do território ucraniano, mas, com a derrota dos Impérios Centrais no fim da I Guerra Mundial, o território foi disputado na Guerra Polaco-Soviética.

O colapso dos impérios Russo e Austríaco após a I Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917 levaram ao ressurgimento do movimento nacional ucraniano para a autodeterminação em boa parte da Ucrânia. Já em fevereiro de 1917, com o fim do czarismo, o poder começou a ser disputado entre o Governo Provisório de São Petersburgo e a Rada Central de Kiev. Após a tomada do poder pelos bolcheviques, em dezembro, o primeiro Congresso dos Sovietes da Ucrânia proclamou o domínio sobre as regiões mais a leste da Ucrânia, com sede em Carcóvia; e a Rada aliou-se às tropas austro-alemãs que invadiram o país, na primavera de 1918.

Até 1920, a Ucrânia foi o campo de batalha da guerra entre o governo soviético e os seus inimigos internos e externos, com o fracasso polaco na Ofensiva de Kiev (1920), ato final da Guerra Polaco-Soviética, a que sucedeu a Paz de Riga, em março de 1921, entre a Polónia e os bolcheviques, que voltou a dividir a Ucrânia: a porção ocidental foi incorporada na nova II República Polaca e a parte maior, no centro e no leste, transformou-se na RSSU (República Socialista Soviética Ucraniana), posteriormente unida à URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), criada em dezembro de 1922.

O ideal nacional ucraniano sobreviveu nos primeiros anos sob os soviéticos. A cultura e a língua ucranianas conheceram um florescimento com a adoção da política soviética de nacionalidades, mas os seus ganhos foram postos a perder com as mudanças políticas dos anos 1930.

A industrialização soviética teve início na Ucrânia a partir do final dos anos 1920, o que levou a produção industrial do país a quadruplicar nos anos 1930. Contudo, o processo impôs elevado custo ao campesinato, demograficamente a espinha dorsal da nação ucraniana. E, para atender à necessidade de maiores suprimentos de alimentos e financiar a industrialização, Stálin gizou um programa de coletivização da agricultura pelo qual o Estado combinava as terras e rebanhos dos camponeses em fazendas coletivas. O processo era garantido pela atuação dos militares e da polícia soviética (OGPU): quem resistisse era preso e deportado. Os camponeses viam-se obrigados a lidar com os efeitos devastadores da coletivização sobre a produtividade agrícola e as exigências de quotas de produção ampliadas. Tendo em conta que os integrantes das fazendas coletivas não estavam autorizados a receber grãos até completarem as suas impossíveis quotas de produção, a fome tornou-se generalizada. O processo, denominado Holodomor, levou 7 milhões de pessoas (25% da população ucraniana) a morrer de fome. Os soviéticos acusaram a elite política e cultural ucraniana de desvios nacionalistas, quando as políticas de nacionalidades foram revertidas no início dos anos 1930. E duas ondas de expurgos (1929-1934 e 1936-1938) redundaram na eliminação de 4/5 da elite cultural da Ucrânia.

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II Guerra Mundial e anexação da Crimeia

Em setembro de 1939, em resultado de cláusulas secretas do pacto de não-agressão, de 1939, entre a Alemanha, a URSS e a Ucrânia Ocidental, e da invasão da Polónia pela Alemanha, que destruiu o poderio militar daquele país, ocorre também a invasão soviética da Polónia, que amplia o território da Ucrânia. E, na II Guerra Mundial, alguns membros do subterrâneo nacionalista ucraniano lutam indistintamente contra nazis e soviéticos, enquanto outros colaboram com ambos os lados. Em 1941, os invasores alemães e aliados do Eixo avançam contra o desesperado Exército Vermelho. No cerco de Kiev, a cidade é designada pelos soviéticos como Cidade Heroica pela feroz resistência do Exército Vermelho e da população local. Mais de 660 000 soldados soviéticos são capturados ali.

De início, os alemães são recebidos como libertadores por muitos ucranianos, especialmente na Ucrânia Ocidental, que é ocupada pelos soviéticos apenas em 1939. Entretanto, o controlo alemão sobre os territórios ocupados não se preocupa em explorar o descontentamento ucraniano com a política soviética; antes, mantém as fazendas coletivas, executa uma política de genocídio contra judeus e de deportação para trabalhar na Alemanha. Dessa forma, a maioria da população nos territórios ocupados passa a opor-se aos nazistas.

As perdas totais civis durante a guerra e a ocupação alemã na Ucrânia são estimadas em entre 5 e 8 milhões de pessoas, inclusive mais de meio milhão de judeus. Dos 11 milhões de soldados soviéticos mortos em batalha, cerca de 1/4 são ucranianos étnicos.

Com o fim da II Guerra Mundial, as fronteiras da Ucrânia soviética são ampliadas na direção oeste, unindo a maior parte dos ucranianos sob uma única entidade política. A população não-ucraniana dos territórios anexados é deportada. E a Ucrânia torna-se membro da ONU.

No final de 1953, inicia-se a construção dum sistema de irrigação levando a água do lago da hidroelétrica de Kakhovka para o norte da Crimeia, sugerindo-se que, para facilitar a sua administração, a Crimeia passe a integrar a RSSU. E, em fevereiro de 1954, Khrushchev, por ocasião das comemorações dos 300 anos do Tratado de Pereiaslav, aceita que a Crimeia deixe de integrar a República Socialista Federada Soviética da Rússia para integrar a RSSU.

A 26 abril de 1986, ocorre o acidente nuclear de Chernobil, a 130 km ao norte de Kiev, tido como o mais grave acidente nuclear da história, que afetou fortemente com 600 mil habitantes. Até 1993, pelo menos 7 000 mortes são atribuídas às elevadas doses de radiação recebida. Além disso, 135.000 pessoas foram evacuadas. O reator passa a ser revestido por uma camada de betão de vários metros de espessura, formando uma estrutura de sarcófago. A nuvem radioativa de Chernobil afeta a Ucrânia, a Bielorrússia, a Rússia, a Polónia e partes da Suécia e da Finlândia. Nos anos seguintes, pesquisadores estrangeiros na área registam um aumento de casos de cancro e outras doenças associadas à radioatividade.

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A independência

Após 1985, a subida de Mikhail Gorbachev ao comando da URSS, iniciou a Perestroika, e nacionalistas ucranianos e comunistas fundaram o MPUP (Movimento Popular Ucraniano pela Perestroika), que reivindicava maior autonomia económica e política e venceu as eleições legislativas de março de 1990. A 16 de julho, o Soviete Supremo da Ucrânia (Parlamento) proclamou a soberania da república. E, a 24 de agosto de 1991, foi aprovada a Declaração de Independência e convocado um plebiscito para a ratificar, que ocorreu em dezembro de 1991, no qual 90% dos votos foram favoráveis à ratificação. No mesmo dia, Leonid Kravchuk (ex-primeiro-secretário do Partido Comunista da Ucrânia) foi eleito presidente com 60% dos votos.

Em 8 de dezembro de 1991, os presidentes da Ucrânia, da Federação Russa e da Bielorrússia declararam o fim da URSS e estabeleceram a Comunidade dos Estados Independentes (CEI).

No início de 1992, o Governo anunciou a liberalização de preços, criou nova moeda e lançou incentivos para o investimento estrangeiro.

A 5 de maio de 1992, a Crimeia declarou a independência, mas, cedendo às pressões de Kiev, cancelou a declaração em troca da concessão de autonomia económica. Em junho, a Rússia cancelou o decreto de 1954 que cedeu a Crimeia para a Ucrânia e exigiu a sua devolução.

Em junho de 1993, a Rada Suprema decidiu que pertenceria à Ucrânia todo o arsenal nuclear da extinta URSS estacionado naquele país e a Ucrânia tornou-se a 3.ª potência nuclear do mundo. Nessa época de crise económica, Leonid Kutchma renunciou ao cargo de primeiro-ministro. Em setembro, a Ucrânia cedeu à Rússia a sua parte da Frota do Mar Negro como pagamento de dívidas por fornecimento de petróleo e gás. E foi firmado um convénio de cooperação para desmontar os poderosos mísseis intercontinentais que a Ucrânia queria manter em garantia contra projetos expansionistas russos, convénio que a oposição denunciou em Kiev.

A 26 de junho (1.ª volta) e 10 de julho de 1994 (2.ª volta) ocorreram as primeiras eleições presidenciais na era pós-soviética, em que o ex-primeiro-ministro Leonid Kutchma derrotou o presidente Leonid Kravchuk com 52 % dos votos e confirmou a sua intenção de reforçar os laços com a Rússia e ingressar na união económica da CEI.

Em 1997, entre denúncias de corrupção Pavlo Lazrenko renuncia ao cargo de primeiro-ministro, e é substituído por Valery Pustovoytenko. Nas eleições parlamentares de março de 1998, o Partido Comunista da Ucrânia ganha 113 assentos (24,7%), obtendo a maioria parlamentar para a esquerda e centro-esquerda. A 14 de dezembro de 1999, Kuchma foi reeleito na 2.ª volta das eleições presidenciais com 56% dos votos, com a promessa de continuar as reformas de mercado e a aproximação ao ocidente, para o que designou primeiro-ministro Viktor Yushchenko, chefe do Banco Nacional da Ucrânia. Em fevereiro de 2000, Yushchenko prometeu reestruturar a dívida através duma política fiscal austera e um decidido programa de privatizações. E, em abril de 2000 foi abolida a pena de morte, em convergência com as diretrizes do Conselho Europeu.

Em abril de 2001, o Parlamento substituiu o primeiro-ministro Yushchenko por Anatoly Khinakh.

Em novembro de 2004, a Comissão Eleitoral Central da Ucrânia declarou que o candidato pró- russo Viktor Yanukóvytch vencera as eleições presidenciais por 49,6% dos votos, mas a maioria dos observadores denunciou irregularidades no processo eleitoral. Na sequência de protestos em massa de partidários de Yushchenko (Revolução Laranja), a 3 de dezembro, o Supremo Tribunal declarou inválidos os resultados da 2.ª volta e determinou nova votação a 26 de dezembro de 2004, que foi vencida por Viktor Yushchenko. E, em setembro de 2005, a primeira-ministra Yulia Timoshenko foi substituída por Yurii Yekhanurov.

Em janeiro de 2006, a Rússia cortou o fornecimento de gás à Ucrânia, por não aceitar um aumento de 460%, o que era, para os ucranianos, retaliação por tentativas de se tornar mais independente de Moscovo e desenvolver laços mais estreitos com a UE. E, em março de 2006, houve eleições parlamentares, em que o Partido das Regiões, liderado por Víktor Yanukóvytch conquistou 186 assentos do total de 450. Em segundo ficou o “Bloco Timoshenko”, com 129 assentos, enquanto o Nossa Ucrânia, de Yushchenko, obteve 81 assentos. Em agosto, Yanukóvytch foi nomeado primeiro-ministro à frente duma coligação pró-russa.

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Protestos do Euromaidan e Guerra Civil no Leste

O protestos do Euromaidan começaram em novembro de 2013, quando os cidadãos ucranianos exigiram maior integração do país com na UE. As manifestações foram provocadas pela recusa do governo ucraniano em assinar um acordo de associação com a UE, que Yanukovych descreveu como desvantajoso para a Ucrânia. Com o tempo, o movimento Euromaidan promoveu uma onda de grandes manifestações e agitação civil por todo o país, que evoluiu para incluir clamores pela renúncia do presidente Yanukovich e do seu governo. A violência intensificou-se depois de 16 de janeiro de 2014, quando o Governo aceitou as leis Bondarenko-Oliynyk, conhecidas como leis-antiprotesto. Os manifestantes antigoverno ocuparam edifícios do centro de Kiev, incluindo o prédio do Ministério da Justiça, e os tumultos deixaram 98 mortos e milhares de feridos entre 18 e 20 fevereiro. A 22 de fevereiro, o Parlamento da Ucrânia destituiu Yanukovych por o considerar incapaz de cumprir os seus deveres e definiu uma eleição para 25 de maio para selecionar o seu substituto. Os resultados da eleição foram considerados pelo The New York Times como “uma vitória decisiva na eleição presidencial ucraniana” para Petro Poroshenko, que venceu com uma plataforma pró-União Europeia, ganhando com mais de 50% dos votos, portanto, sem a necessidade de 2.ª volta com Yulia Timochenko, que na eleição só foi capaz de reunir menos de um terço de seu número de votos. Poroshenko anunciou que as suas prioridades imediatas seriam tomar medidas no conflito civil no leste da Ucrânia e reatar os laços diplomáticos com a Rússia.

Após o colapso do governo de Yanukóvytch e a subsequente revolução, em fevereiro de 2014, começou a crise de secessão na Crimeia, território ucraniano com significativo número de russófonos. A 1 de março o presidente exilado, Viktor Yanukóvytch, pediu que a Rússia usasse forças militares para estabelecer a legitimidade, a paz, a lei e a ordem para defender o povo da Ucrânia. Nesse dia, Putin pediu e recebeu autorização da Parlamento russo para implantar tropas militares na Ucrânia e assumiu o controlo da Crimeia. Além disso, a NATO foi considerada pela maioria dos russos invasora de suas fronteiras nacionais, o que pesou na decisão de Moscovo de tomar medidas para proteger o seu porto do Mar Negro, na Crimeia.

A 6 de março, o Parlamento da Crimeia aprovou a decisão de entrar para a Federação Russa, com os direitos duma entidade da Federação Russa e, mais tarde, fez um referendo perguntando à população local se queria juntar-se ao território russo como uma unidade federal ou restaurar a constituição de 1992 da Crimeia e seu status como parte da Ucrânia.

Embora aprovada por esmagadora maioria, a votação não foi monitorada por terceiros e os resultados são contestados por vários países. Crimeia e Sevastopol declararam formalmente a sua independência política sob o nome de República da Crimeia e pediram admissão como membros constituintes da Federação Russa. A 18 de março, a Rússia e a Crimeia assinaram um tratado de adesão da República da Crimeia e de Sevastopol à Federação Russa, apesar de a Assembleia Geral da ONU ter votado uma declaração não vinculativa para se opor a anexação russa da península.

Também começou a agitação popular nas regiões leste e sul do país. Em várias cidades, como Donetsk e Lugansk, homens armados declararam-se como milícia local e ocuparam prédios do Governo e delegacias policiais. E, em Genebra, UE, Rússia, Ucrânia e EUA produziram uma declaração diplomática conjunta – o Pacto de Genebra de 2014 –, em que as partes solicitaram que as milícias ilegais depusessem as armas e desocupassem os prédios públicos tomados e estabeleceram um diálogo político para outorgar maior autonomia às regiões ucranianas.

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Enfim, a guerra começou. Todavia, Putin não pode invocar razões históricas, cujas vicissitudes, oscilações e emaranhados não lhe conferirão legitimidade. Idem a propósito do invocado dado religioso (a oscilação é análoga). Por seu turno, os ocidentais não têm moral para contestar as ambições da Rússia, porque a nível estratégicos, económico, militar e político ambos lados fazem o seu jogo de interesses e tentam manipular a Ucrânia, que será quem mais sofrerá com a guerra.

2022.02.24 – Louro de Carvalho

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