sábado, 18 de dezembro de 2021

Vermelho, encarnado, eritrófilo, escarlatino e rubro

 

 

Comummente usa-se o termo vermelho para identificar a cor do sangue, da papoila e do rubi; e encarnado para a cor escarlate (cor vermelha viva). Porém, mesmo na cor do sangue, há vários tipos de coloração como o sangue de boi. E há diferença de coloração entre o sague arterial e o sangue venoso. Ademais, quando uma pessoa se apresenta demasiado ruborizada dizemos que tem uma cor sanguínea.

Existem atualmente mais de 105 tons de vermelhos catalogados. O vermelho é muito mais do que aquela cor primária e quente que todos aprendemos nas escolas.

O vermelho foi a primeira cor a ser utilizada na história humana. Pinturas rupestres datadas de 3500 a.C. já utilizam a cor para narrar caçadas e outros eventos importantes do homem pré-histórico.

Os livros litúrgicos e os livros de contabilidade ainda hoje mantêm, a par do texto a negro, as rubricas – letras e sinais a vermelho ou rubro, que eram, na liturgia, as normas procedimentais da sequência ritual e, na contabilidade, a abertura de títulos, partes, capítulos, subcapítulos, secções e subsecções.

Professores e revisões de tipografia usam a cor vermelha para corrigir provas e outros trabalhos e autenticam a sua intervenção com uma breve assinatura, a rubrica (Nunca se diga rúbrica, que é feio!), que passou a uso comum com qualquer cor. 

Além do aspeto denotativo que lhe dá o significado direto, há conotações conexas com o vermelho, como: o fogo, o fogo do Espírito Santo, a guerra, o ardor apostólico ou político, o amor, a paixão, o martírio, o desejo, o pecado (que tanto pode ser negro como pode ser escarlate), aflição, vergonha, timidez… A partir da Comuna de Paris, em 1871, o vermelho passou a ser conhecido como a cor da esquerda revolucionária. Os anarquistas, após a cisão da I Internacional, associaram o vermelho ao negro como seu símbolo. Em Portugal, durante o período da ditadura, os benfiquistas passaram a ser conhecidos como “os encarnados”, palavra com conotação bem diferente de “vermelhos”, associada aos comunistas. Na fase do PREC, víamos as boinas vermelhas nas cabeças dos militares do COPCON e presentemente, como dantes, veem-se as boinas vermelhas nas cabeças dos militares comandos.

Ter a honra da passadeira vermelha é motivo de prestígio, relevância e triunfo.  

Ninguém na economia, na sociedade e na política quer ultrapassar as linhas vermelhas.

O código da estrada orla a vermelho os sinais de proibição (circulares) e os de perigo (triangulares). E são utilizados vulgarmente ícones a vermelho para indicar proibição, como se vê em espaços abertos ao público em tempo de pandemia. 

Nos semáforos, a cor vermelha implica a obrigação de parar.

Discotecas e algumas casas não de frequentar primam pela cor vermelha.

De uma situação complicada dizemos que está ao rubro. E a da pessoa fortemente irada ou a pessoa envergonhada dizemos que tem a face ruborizada ou corada.  

A cor do coração é também a cor que melhor representa conceitos como poder, liberdade, dinamismo e energia. Não é à toa que muitas bandeiras nacionais e partidos políticos tem a cor como representante maior.

O vermelho é cor de extremos. Com ela é tudo ou nada. Dificilmente se passar por um ambiente vermelho sem se ser atingido por ele. A cor tem o poder de elevar a pressão sanguínea e aumentar os batimentos cardíacos, pelo que os hipertensos devem evitar o contacto exagerado com o vermelho. Já alguns deprimidos poderão encontrar nesta cor uma grande aliada. Estudos vários comprovaram que pacientes depressivos se sentiram mais animados na presença da cor.

Outra caraterística da cor vermelha é que é a mais forte e visível ao olho humano do que qualquer outra, porque tem o maior comprimento de onda entre todas as do espectro visível.

Há várias tonalidades da cor vermelha. De entre as mais de 105, seguem apenas as seguintes, por mais utilizadas:

A alizarina é um tom de vermelho intenso e profundo obtido, originalmente, da raiz duma planta conhecida como garança. A alizarina, utilizada durante milénios, caiu em desuso em 1869 quando o tom passou a ser obtido sinteticamente em laboratórios.

O amaranto é um tom de rosa avermelhado que representa a flor da planta amaranto. Um dos primeiros registos desse tom de vermelho surgiu em 1969.

O bordô é considerado um dos tons mais elegantes e refinados de vermelho. A coloração desse tom situa-se numa gradação mais escura e fechada de vermelho. É assim designado pela conexão colora com os vinhos de Bordéus.

O tom borgonha, também conhecido como vermelho vinho, é assim designado por estar diretamente associado à cor dos vinhos da região da Borgonha, na França. O tom escuro e fechado é muito similar ao bordô.

O tom vermelho cardeal ou purpúreo refere-se a uma graduação intensa e mais forte de vermelho, usada, sobretudo, pelos líderes da Igreja Católica, como forma de lembrar o sangue de Cristo derramado na cruz.

O carmesim é um tom de vermelho forte, brilhante e profundo com cambiantes de azul, fazendo-o a chegar a um certo grau de proximidade com o tom púrpura. O corante carmesim era obtido através do corpo seco dum inseto conhecido como Kermes Vermilio, mas acabou por cair em desuso após a ascensão do corante carmim.

O carmim é um dos tons de vermelho mais conhecidos e utilizados pela indústria. O tom forte e vibrante é obtido a partir da cochinilha do carmim, um inseto parecido com o pulgão. O uso desse corante tem provocado reações em grupos de defesa animal, já que, para produzir meio quilo de corante, é necessário sacrificar cerca de setenta mil insetos.

O tom cereja é tom de vermelho com forte ligação com o rosa. O nome faz referência ao fruto.

O vermelho cornalina é um tom que puxa para o marrom e o alaranjado. O nome está relacionado a pedra de mesmo nome que possui essa coloração devido aos pigmentos de óxido de ferro encontrados em seu interior.

O tom magenta é um tom de vermelho que abriga também tons de azul na sua composição. Erroneamente, esse tom muitas vezes é confundido com fúcsia, rosa vivido ou carmim. Uma curiosidade do magenta é que não existe no espectro de cores, o tom é ilusão do olho humano.

O marsala é um tom de vermelho profundo e intenso que está em alta principalmente na moda.

O orange red, vibrante e muito dinâmico, é a mistura entre vermelho e laranja, resultando em uma combinação que esbanja euforia e calor.

O persian red ou vermelho persa é um tom terra avermelhado com toque de laranja. O tom profundo e intenso é conhecido também como vermelho artificial. O primeiro registo desta cor é datado de 1895.

O tom rubi faz menção a pedra preciosa que tem o vermelho fechado como cor principal.

O red shine é um tom de vermelho quente e profundo muito próximo de tonalidades como o amaranto e o carmesim.

O vermelho coral é um tom de laranja avermelhado, intenso e quente. A cor faz referência a uma espécie de cobra.

O vermelho falu tem origem na cidade sueca do mesmo nome e possui uma história interessante. A tinta usada para pintar as casas da cidade eram produzidas com restos de pigmentos de ferros oriundos das mineradoras locais. Os pigmentos acabavam conferindo a tinta um aspeto levemente enferrujado é a cor passou a ser conhecida como vermelho falu em homenagem à cidade.

O vermelho puro ou escarlate, como também é conhecido, é uma entre as três cores primárias. Profundo, quente, intenso, o vermelho puro é a primeira onda do espectro de cores e a mais visível aos olhos humanos. O vermelho é uma das cores mais fáceis de encontra na natureza. Ela colore pedras, animais, insetos, flores, escamas, pelos e penas. No universo, o vermelho está presente dando cor a planetas e estrelas.

***

No Dicionário Etimológico de J. Pedro Machado encarnado é algo que tem que ver com a carne, e vermelho é derivado de vermículo, vermezinho, e passou a denominar a cor por causa da cochinilha, inseto vulgarmente chamado piolho-dos-vegetais, de que se extrai uma tinta escarlate, o carmim.

Em latim, usualmente a cor vermelha era designada pelo adjetivo “ruber, a, um”, bem como pelos adjetivos, “rubellus, a, um”, “rubeus, a, um” (há a doença da rubéola), rubicundulus, a, um”, “rubicundus, a, um” (o galo é rubicundo), “rubidus, a, um”, “rubiginosus, a, um” e “russus, a, um”. A vermelhidão era designada pelos nomes “rubor, oris”, “rubigo, rubiginis” e “rubrica”. Para a ação de tornar vermelho, tínhamos os verbos “rubefacio”, “rubeo”, “rubesço”, “rubrico”. E era frequentemente usado como adjetivo o termo “rubens, rubentis”, particípio presente de “rubeo”. No latim vulgar, usava-se o adjetivo “burrus, a, um”. Assim, o animal que nós temos como burro designava-se por “asinus burrus”, à letra, asno vermelho. Em duas línguas românicas ou novilatinas a expressão truncou-se e os portugueses dizem “o burro” e a fêmea “burra”, deixando o asno em paz, enquanto os franceses ficaram com o “âne” e a fêmea “anesse”, que “perdeu” a cor “rubra”. Entretanto, para gáudio do animal, lá vamos também dizendo “Ah, seu asno!”. Já a asna usa-se na arquitetura.

Quanto ao “encarnado”, tudo vem do nome latino “caro, carnis”, a significar “carne”. Quem nunca viu uma ferida em “carne viva”? O verbo “incarno” significa tornar carne e, na voz passivam significa fazer-se carne ou ser feito carne. E a “incarnatio, onis” é a ação ou o facto de transformação em carne. Assim, o Filho de Deus “encarnou” (ou “incarnou”; deu-se o mistério da “encarnação” ou “incarnação”) e uma doença de pele ou um ferimento faz que uma zona corporal pareça carne sem pele, com a cor típica da carne. E, se tem mais semelhança com o sangue, dizemos que tem um aspeto sanguíneo (do adjetivo latino “sanguineus, a, um”, derivado do nome “sanguis, sanguinis”: sangue). Também os abades não raro mandam encarnar imagens santas, ou seja, dar-lhes a cor da carne ou do sangue nas zonas corporais em que tal é devido. Todavia, nada supõe que as meninas e senhoras que têm o nome de Encarnação sejam vermelhas ou coradas ou pintem o cabelo de vermelho, mas a Bandeira Nacional é encarnada na zona oposta à tralha e verde na zona adjacente à tralha. E, quase ao centro, tem a esfera armilar com armilas em amarelo dourado com o escudo nacional, de fundo branco inscrito, orlado a vermelho e tendo os sete castelos a amarelo; o escudo é crivado de 5 besantes, que, dizia-se, representam as 5 chagas de Jesus Cristo.

Do escarlate, só digo que vem do persa  säqirlāt (cor da chama e do sangue).

O nosso termo “vermelho” e os derivados “vermelhidão”, “avermelhar” e “vermelhusco” provêm do diminutivo latino “uermiculus, i” (bibhinho, pequeno verme, cochinilha, escarlate), de “uermis, is”, em razão da cor. Da família desta palavra são, por exemplo, “uermesco” (verbo), “uermiculate” (advérbio), “uermiculatio, onis” (nome), uermiculatus (particípio passado de “uermiculor”), “uermiculor” (verbo), “uermina” (nome do plural), “uerminatio, onis (nome), “uermino” (verbo), “uerminor” (verbo) e “uerminosus, a, um” (adjetivo).

E o purpúreo vem do adjetivo latino “purpureus, a, um” (purpúreo, vermelho, encarnado, da cor da púrpura, tingido de púrpura), derivado do nome “purpura, ae”. Da família desta palavra são, por exemplo “purpuraria, ae” (nome), “purpurarius, a, um” (adjetivo), “purpurarius, ii” (nome), purpurasco (verbo), “purpuratus, a um” (adjetivo), “purpuratus, i” (nome), “purpurissatus, a, um” (adjetivo), “purpurissimum, i” (nome) e “purpuro” (verbo).

Se quisermos falar de “vermelho” em grego, termos o adjetivo “erytrós, á, ón” (vg: em “Erytrthrà Thálassa” – Mar Vermelho) de cuja família fazem parte, por exemplo, “erythraínô (verbo: fazer corar), “erythraîos, a, on” (adjetivo), “erythriáô” (verbo: envergonhar-se, corar), “erytrodáktylos, on” (adjetivo: de dedos vermelhos) e “erytrópous, oun” (adjetivo: de pés vermelhos). Assim, temos o eritema (congestão cutânea que faz vermelhidão na pele), a eritrina ou eritrosina (substância corante vermelha que se obtém pela ação do iodo sobre a fluoresceína), a eritrodermia (vermelhidão natural da pele), a eritrofilia (substância vermelha que colora as folhas vegetais), a eritroide (adjetivo uniforme: que tem cor avermelhada), a eritropsia (ação mórbida que faz ver tudo vermelho) e as eritroxiláceas (plantas dicotiledóneas polipétalas), os eritrócitos (glóbulos vermelhos).

Falando de sangue em grego, temos o nome “haîma, atos” (sangue). Daí temos, por exemplo, a hematologia e o hematologista, o hematoma, as hemácias, a hemoglobina, a hemorragia, as hemorroidas, as hemoptises. Da família de “haîma” temos, por exemplo, “haimakoría, as” ou “haimakouría, as” (sacrifício de sangue), “haimaktós, ê, ón” (ensanguentado), “haimás, ádos” (efusão de sangue), “haimássô” (ensanguentar), “haimatenkhysía, as” (efusão de sangue), “haimatêrós, á, ón” (ensanguentado), “haimatóeis, óessa, ón” (coberto de sangue, sangrento, sanguíneo), “haimatízô” e “haimatóô” (ensanguentar) e “haimatôdês, es” (sanguíneo).

E, assim, vermelhuscos ou envergonhados, aflitos ou entusiasmados, cautelosos ou doridos, mártires ou discretos, cá vamos no nosso itinerário que não queremos que tenha retorno.

2021.12.18 – Louro de Carvalho

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