terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O Rijomax, mesmo parado, quer ser património da humanidade

 

A Loja Interativa de Turismo de Tabuaço, no distrito de Viseu, é a montra pública do relógio, de nome Rijomax, o mais completo do mundo e que demorou mais de 28 anos a ser construído. Dentro desta obra misteriosa cabe o mundo inteiro. Com efeito, o título “Uma obra misteriosa, o mundo inteiro dentro de um relógio”, que está em destaque num dos topos do Rijomax, sintetiza o rol dos segredos e funcionalidades deste objeto, criado por um relojoeiro no século XX, naquela vila.

Foi no ano 2000 que a Câmara Municipal de Tabuaço comprou o relógio mais completo do planeta. Porém, só dois anos mais tarde, com a morte do seu criador, é que a autarquia o foi buscar à oficina onde se encontrava e foi desde essa altura que nunca mais funcionou.

Não obstante, desde 2002 a autarquia tem patente na Loja Interativa de Turismo da sede do concelho a verdadeira obra de arte que foi criada, toda ela, a partir de materiais reciclados.

Rijomax é o mais complexo, exótico, insólito e completo relógio que demorou a ser construído mais de vinte e oito anos, perfeitos em cerca de dezasseis mil horas de trabalho. E, por todas as particularidades que o caraterizam, deixa perplexa qualquer pessoa.

Foi construído, entre 1945 e 1973, por Amândio José Ribeiro, natural do concelho de Pinhel, que se constituiu como o rosto que está por trás da célebre obra que tinha múltiplas funções.

“Rijomax” é acrónimo do nome do criador do relógio: “Ri” de Ribeiro, “Jo” de José, “Ma” de Amândio e o X é para dar aquela pronúncia de marcas de relógio como Timex e Rolex.

O objeto é composto por quatro módulos, tem dois metros de altura e mais de 16 mil algarismos e letras. Dispõe, ao todo, de 36 funcionalidades.

Assim, com mais de dezasseis algarismos e letras, indicava os movimentos patentes do sol e os reais da lua. Marcava também os segundos, os minutos, as horas (24 horas), a hora universal, a hora lunar, os dias, os meses, os semestres, os semestres, os anos bissextos (suprimindo automaticamente 24 anos de 128 em 128), o nascer e o pôr do sol. Mais ainda, o tempo dos dias e das noites diariamente, as estações do ano, os signos e os dias dos signos, os solstícios e equinócios, bem como, as datas das fases da lua.

No cômputo do tempo, indicava as semanas e os dias da semana; os meses, os dias dos meses e quantos dias faltavam para o fim do mês; os anos, os dias dos anos e quantos faltavam para o fim do ano; as estações e os dias das estações; os signos e os dias dos signos; os semestres, os trimestres e a indicação em que dia da semana começa cada mês, e outra se o ano fosse bissexto; as datas das fases da Lua e a mudança de tempo.

Como se não bastasse, indicava ainda os números do Ciclo Solar, do Número Áureo, da Epacta, Letra Dominical, as eras Cronológicas, os dias da era de Cristo e os séculos. Assinalava, por fim, os feriados, os dias Santos e as festas móveis.

Faziam parte das suas ferramentas extra o barómetro e termómetro e o mostrador dos pontos cardeais. Despertava com música à escolha, tinha campainha e acendia, também, a luz a toda a hora desejada. Contava as horas, corrigindo a diferença horária existente entre o calendário gregoriano em uso no Mundo Ocidental e o tempo solar, fazia uma oração/saudação em termos religiosos, sem esquecer o acerto da hora para os vários pontos do globo.

Com o relógio era também possível fazer a previsão do tempo e saber sobre os eventos mais marcantes a nível nacional e internacional, como a data em que foi realizado o primeiro voo de aviação, a construção do primeiro telefone sem fios, assim como o rádio gravador e o detetor de chamadas. Tinha, ainda, um aparelho que chamava o dono da casa.

Relata Marco Penela, técnico superior do Município que, quando o foram buscar, ainda funcionava, mas, após o transporte para o Posto de Turismo, numa distância de cerca de 500 metros, uma vez colocado e religado à eletricidade, nunca mais trabalhou. Obviamente, penso eu, não terá sido por ter passado ao estatuto de funcionário municipal, como se diz dum bode que um município expropriara, mas que, depois, cessou de exercer as suas funções.

Pelos vistos, logo na altura se fizeram várias tentativas com alguns relojoeiros antigos que eram colegas de Amândio José, mas ninguém conseguiu voltar a pôr a trabalhar o relógio. A última tentativa foi há seis ou sete anos. Veio um relojoeiro suíço que disse que era muito complicado colocar o relógio a funcionar porque era um mecanismo muito complexo.

Apesar de o relógio estar avariado, quem passa por Tabuaço não deixa de dar uma saltada ao Posto de Turismo para apreciar aquele que já é considerado um “ex-líbris” do concelho.

Clara Martins, funcionária da autarquia, observando que os turistas “ficam perplexos com a complexidade do relógio”, considera que este tem sido motivo da vinda a Tabuaço por parte de muitos visitantes e turistas que passam a palavra sobre o Rijomax e as pessoas acabam por voltar. E o interesse crescente por este património levou a Câmara Municipal de Tabuaço a avançar com o restauro e limpeza do objeto, numa operação que está a ser realizada por técnicos do Museu do Douro. Desde o início de fevereiro que, uma vez por semana, dois profissionais andam à volta do relógio. Já fizeram uma primeira limpeza, mais geral, e agora estão a realizar trabalhos mais “afinados”.

Carlos Mota esclarece que “a limpeza não é só limpar o pó” e salienta que, nesta operação, os técnicos têm que ter em atenção os materiais usados para limpar, para não danificar a obra de arte. Além disso, estão a ser colados os elementos que se soltaram com o passar do tempo. Está, pois, em curso uma limpeza mais afinada: em algumas zonas, está a ser utilizada uma mistura de solventes; noutras, uma borracha vulcanizada. Porém, verifica-se que é muito difícil avançar com uma intervenção nesta diversidade de materiais: há acrílicos, metal, papel, plásticos, vidro, madeira, aglomerado. Trata-se, na verdade, de um objeto complexo.

Depois de concluída a intervenção em curso, orçada em 15 mil euros, a ideia do município é deslocar o Rijomax para o Museu do Imaginário Duriense, também no centro da vila de Tabuaço, onde ganhará outro protagonismo.

A Câmara Municipal sonha ainda colocar o relógio na lista de património mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), estando já a trabalhar para isso. E Marco Penela, já referido, revela que este “é um dos principais objetivos do atual executivo”, que está a tentar uma candidatura, esperando ter o apoio da Direção Regional da Cultura do Norte. É um processo que ainda vai ser demorado, mas, pela obra em apreço, acha que podem tentar e esperam ter resultados.

***

Esta obra de relojoaria, uma espécie de almanaque vivo, foi um sonho do seu criador, que desde criança sonhava construir o relógio mais completo do mundo. Tem a capacidade para desenvolver 34 funções através de todos os seus componentes, podendo funcionar durante milhares de anos, com margens de erro mínimas. Dividido por quatro armários, o Rijomax pesa mais de 150 quilos e tem mais de 2 metros de altura. Construído entre os anos de 1945 e 1973, entrou no Guinness Book of Records com a patente número 12931. O nome Rijomax vem, como se disse, do acrónimo de Amândio José Ribeiro e, em cima do nome gravado no relógio, encontra-se “Aruasi”, acrónimo, do nome da sua esposa Isaura.

Todos os conhecimentos para a construção do Rijomax foram adquiridos através de livros e de observação direta, pelo auxílio de material rudimentar, como recortes de jornais, revistas, entre outros. Nem mesmo a esposa de Amândio tinha conhecimento do projeto, que foi desenvolvido em total segredo.

Vários foram os relojoeiros de todo o mundo que tentaram contactar Amândio, que se tornou uma espécie de Gaudí dos relógios, com o objetivo de comprarem esta peça de arte. Contudo, o mesmo nunca se desfez do Rijomax.

Mais tarde, foi vendido ainda por Amândio José Ribeiro à Câmara Municipal de Tabuaço, que considerou o Rijomax como obra que deveria integrar o Património do Concelho, podendo ser visitado, na Loja Interativa de Turismo de Tabuaço, já indicada.

Para os mais curiosos, está agora disponível em versão de folheto a história que outrora foi contada na primeira pessoa, gravada numa fita pelo próprio Mestre, “porque já a contei tantas vezes que achei melhor fazer uma gravação”, dizia o artista, que sublinhava que “é também mais engraçado, parece que é o Rijomax que a conta”.

O grande objetivo da autarquia é de voltar a colocar o Rijomax a funcionar. Entretanto, trabalha por o guindar a património da humanidade.

É bom que tinja os dois objetivos.

2021.12.20 – Louro de Carvalho

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