quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

MP mandou deter Manuel Pinho por temer fuga

 

Embora sob a medida de coação TIR (termo de identidade e residência), Manuel Pinho, ex-Ministro da Economia do Governo de José Sócrates (2005-2009), reside em Alicante, na Espanha, e tem viajado, nos últimos anos, pelos EUA, China e Austrália. Porém, acaba de ser detido por o MP (Ministério Público) entender, entre outros argumentos, que há perigo de fuga do ex-governante, arguido no processo EDP há 4 anos (desde 2017).

Tem o MP do arguido suspeitas conexas com a existência de património em contas detidas por sociedades offshore e a transmissão de imóveis a terceiros, somadas às suspeitas, conhecidas há vários anos, de que Pinho terá sido corrompido pela EDP entre 2007 e 2010 para a beneficiar a empresa no regime CMEC (Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual), acabando por ser contratado pela Universidade de Columbia ao abrigo de patrocínio da EDP.

A detenção, neste dia 14 de dezembro, incluiu uma revista em que as autoridades verificaram que o arguido não tinha consigo quaisquer cartões bancários nem passaporte.

Instado pelos jornalistas no Campus da Justiça, o seu advogado Ricardo Sá Fernandes, garantiu que não foi a revista ao ex-Ministro à entrada do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) que determinou a detenção: “a decisão de o manter detido foi antes da revista”, pois os mandados de detenção já estavam feitos. Sobre o putativo perigo de fuga, o causídico disse não querer discutir o assunto, assegurando estar à espera da promoção do MP e do interrogatório do juiz Carlos Alexandre a Alexandra Pinho, mulher de Pinho, que decorreu durante a tarde deste dia 14. E recordou que a audição no DCIAP de Manuel, às 10 horas, e de Alexandra, às 14 horas, estava marcada desde 4 de novembro.

Só às 11 horas foram informados de que houvera alteração, havendo mandados de detenção para os dois membros do casal e que foram apreendidos o telemóvel e o iPad de Manuel Pinho.

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A averiguação sobre a privatização de 2011 da EDP redundou em extenso inquérito que deixou sob suspeita muitos dos protagonistas do setor energético nacional dos últimos 15 anos. Manuel Pinho, António Mexia, João Manso Neto, João Conceição, Rui Cartaxo, Artur Trindade, Miguel Barreto, todos, a que falta juntar outros (ao todo mais que a dezena), são arguidos num processo do DCIAP que se arrasta há anos, sem acusação.

O processo tem o número 184/12, o que indica o ano em que arrancou, 2012, tendo começado por uma averiguação preventiva sobre o processo de privatização da EDP de final de 2011. O inquérito começou por uma investigação que pouco tinha a ver com aquilo em que se tornou. Em junho de 2017, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto tiveram um momento decisivo na investigação, com buscas à EDP, REN e Boston Consulting Group, que permitiram a apreensão de documentos e a constituição de arguidos sonantes, como Mexia, então presidente executivo da EDP e que fora, antes disso, presidente da GALP e Ministro das obras Públicas, Transportes e Comunicações do Governo liderado por Pedro Santana Lopes.

O processo fez já mais de uma dezena de arguidos, alguns dos quais se mantêm no ativo.

Assim, Manuel Pinho, de 67 anos, o principal rosto do Processo EDP, é alvo de várias suspeitas do MP e indiciado por crimes de corrupção e branqueamento de capitais.

Alto funcionário do Banco Espírito Santo (BES), donde saltou para o Governo e para onde voltou (BES África) após demissão subsequente ao célebre gesto no Parlamento dirigido ao deputado comunista Bernardino Soares, é suspeito de ter sido corrompido pela EDP e pelo GES (Grupo Espírito Santo). As suspeitas são de que Pinho atuara, enquanto Ministro da Economia, para beneficiar os interesses económicos da EDP (mormente no regime dos CMEC) e do GES (em dossiês como os da Herdade do Pinheirinho e da Brisa), percebendo, como contrapartidas, a partir de 2010 a remuneração da Universidade de Columbia (garantida por patrocínio da EDP) e a avença mensal do GES, de cerca de 15 mil euros, enquanto era Ministro, depositada numa conta bancária titulada por uma offshore do Panamá controlada por si. Arguido no processo EDP desde julho de 2017, foi chamado várias vezes para interrogação no DCIAP, mas invocou uma série de expedientes jurídicos para não falar, até que, no final de julho, foi efetivamente interrogado. A viver há vários anos em Alicante e afastado de Columbia, Pinho lançou em agosto um site na Internet para se defender publicamente das suspeitas de que é objeto.  

António Mexia, de 64 anos, arguido no mesmo processo desde junho de 2017, por ter sido o presidente executivo da EDP quando a empresa foi beneficiada pelas decisões do governante, era próximo do ex-governante já antes de chegar à EDP. São compadres.

Foi administrador do BES Investimento, entre 1992 e 1998, e presidente da Gás de Portugal e Transgás, de 1998 a 2000. Em 2001, chegou a presidente executivo da Galp Energia, cargo que trocou em 2004 pelo de ministro do breve Governo de Santana Lopes. Em 2006, tornou-se presidente executivo da EDP, cargo que ocupou até julho de 2020, quando foi suspenso por determinação do juiz Carlos Alexandre (juiz de instrução do processo 184/12), que também o privou do passaporte e de viagens para fora do país. Em novembro de 2020, Mexia anunciaria indisponibilidade para prosseguir na gestão da EDP em novo mandato (2021-2023), pela incerteza sobre até quando durariam as medidas de coação. Está sem trabalho desde então e está remetido ao silêncio. Contudo, em 2021 recuperou o passaporte e viu as medidas de coação aliviadas para o que vigorava desde 2017, isto é, o TIR.

João Manso Neto, de 63 anos, outro arguido do processo EDP, é suspeito de atuação decisiva para levar o Governo a aprovar em 2007 o desenho final dos CMEC e os termos da extensão das concessões do domínio hídrico, que terão beneficiado a EDP, embora a empresa alegue, desde 2017, que não, socorrendo-se da análise da Comissão Europeia sobre tais dossiês. Nos autos estão, aliás, cópias de várias trocas de correspondência de Manso Neto e Mexia com o Governo entre 2006 e 2007, a respeito dos CMEC e de outros aspetos do enquadramento jurídico do setor energético, o que os gestores da EDP sempre defenderam ter sido a normal interação da empresa com o Estado em assuntos que a envolviam diretamente.

Manso Neto, que esteve no BCP entre 1995 e 2002 e no BPN (Banco Português de Negócios) entre 2002 e 2003, chegou à EDP em 2003 (antes de Mexia), como administrador da EDP Produção, passando a integrar o executivo de Mexia em junho de 2006, onde permaneceu até julho de 2020, quando foi suspenso por Carlos Alexandre e proibido de viajar para fora do país. Em novembro, manifestou indisponibilidade para novo mandato. Todavia, no início de 2021, Paulo Fernandes (acionista da Cofina e da Altri) convida-o para liderar o projeto de autonomização e expansão dos negócios de energia da Altri, presidindo à Greenvolt. Embora arguido no processo EDP, levou a Greenvolt para a bolsa e para o principal índice português, o PSI-20.

João Conceição, arguido no processo EDP desde julho de 2017, quando a REN foi alvo de buscas, pela ligação ao gabinete de Pinho enquanto Ministro da Economia, foi seu consultor entre 2007 e 2008, assessorando-o em vários dossiês na área da energia (incluindo matérias envolvendo a EDP), embora continuasse a ser remunerado pela Boston Consulting Group, a consultora de onde vinha. Em 2009, foi eleito pelos acionistas da REN (Redes Energéticas Nacionais) como seu administrador e membro da comissão executiva, funções que mantém.

O processo revelou pormenores da sua passagem pelo Ministério da Economia e da sua saída. Deixou o gabinete de Pinho em 2008, após pedir ajuda a Mexia para novas funções, requerendo a remuneração mensal de 10 mil euros. Mexia e Manso Neto enviaram o pedido ao BCP (de que a EDP era acionista), que contratou Conceição (setembro de 2008 a maio de 2009), embora nunca tenha sido visto nas instalações do banco.

Rui Cartaxo, de 69 anos, é outro arguido do processo EDP, pelas suspeitas que o MP tem de que, enquanto assessor do Ministério da Economia, colaborou com Pinho no favorecimento da EDP pela legislação e enquadramento jurídico dos CMEC e extensão das concessões do domínio hídrico. Trabalhou com Mexia no final dos anos 1990 na Transgás e foi administrador da Galp de 2002 a 2006, ano em que passou a adjunto do Ministro Pinho, até 2007, ano em que foi nomeado administrador financeiro da REN (maioritariamente detida pelo Estado). E, em 2009, ascendeu a presidente da comissão executiva, ocupando o lugar vago pela saída de José Penedos (acusado de corrupção no “Face Oculta”). Permaneceu na liderança da REN até 2014. Depois, trabalhou como consultor do Banco de Portugal (por onde passara na década de 1980); e, em 2017, ocupou por alguns meses a presidência não executiva do Novo Banco. Entretanto, reformou-se.

Miguel Barreto foi diretor-geral de Energia e Geologia (DGEG) entre 2004 e 2008 (vindo da Boston Consulting Group, por onde também passou Conceição) e a sua intervenção em alguns dossiês do sistema elétrico nacional levou o DCIAP à suspeição, tornando-o arguido em 2017. Um dos pontos contestados foi a aprovação duma licença sem prazo para a central termoelétrica de Sines, que o DCIAP considera vantagem para a EDP e que Miguel defende ser a aplicação de disposições previstas há anos na legislação do setor elétrico (as licenças de produção são concedidas sem prazo).

O processo EDP permitiu revelar quanto Barreto arrecadou quando, em 2010, vendeu à EDP a sua participação na empresa Home Energy: 1,4 milhões de euros, defendendo que o valor de venda não foi decidido por si, mas pela Martifer, acionista maioritária da Home Energy. E, deixada a empresa, Barreto avançou com o seu negócio na área de serviços de energia, com a Gesto Energy, que permanece ativa, e tem apostado no desenvolvimento e licenciamento de projetos de centrais solares de larga escala (tendo conseguido vender alguns à Galp, por exemplo), sendo um dos principais empresários portugueses em atividade nessa área.

Artur Trindade é um dos mais recentes arguidos do processo EDP, tendo adquirido tal estatuto só em 2020, com os procuradores a suspeitarem de que a atuação como Secretário de Estado da Energia (de 2012 a 2015, no Governo de Passos) terá favorecido a EDP. Para o DCIAP, Trindade é suspeito de corrupção passiva por ter beneficiado a EDP ao redesenhar a CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético), menos lesiva para a EDP que a projetada por Henrique Gomes, o antecessor. Tal contribuição foi defendida pela troika, mas o modelo de Gomes (entre final de 2011 e início de 2012) previa arrecadação de receita maior junto da EDP, ao passo que o desenho final da CESE distribuiu os pagamentos por mais empresas. Segundo o DCIAP, Trindade terá tirado partido dessa atuação de duas formas: mais tarde, a EDP e REN fizeram-no vice-presidente do OMIP (operador de contratos futuros do mercado ibérico de eletricidade); e o pai (já falecido) foi nomeado consultor da EDP (a partir de 2013) para assuntos relacionados com autarquias.

Após abandonar o Governo, em 2015, Trindade regressou à ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), onde trabalhava antes de ir para o Executivo de Passos, sendo depois apontado à vice-presidência do OMIP (por EDP e REN, acionistas portuguesas dessa plataforma, com o aval do Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches). Em outubro de 2020 a CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) deliberou suspendê-lo do cargo que tinha no OMIP (meses depois de Mexia e Manso Neto terem sido suspensos da EDP, mas então por decisão de Carlos Alexandre). E Trindade tem desde então participado em algumas conferências sobre energia.

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Saiba-se lá porquê Pinho é o principal rosto do processo. E a detenção, de que o MP pretende que resulte uma medida de coação mais gravosa (poderá passar pela prisão preventiva) na sequência do interrogatório, ocorre quando Carlos Alexandre volta a receber o processo EDP, depois de o juiz de instrução titular, Ivo Rosa, ter ficado em exclusivo com o caso BES.

Os procuradores entendem que, passada mais duma década de investigação, é a altura indicada para deter o ex-ministro socialista, pois Carlos Alexandre, que tende aplicar a prisão preventiva aos arguidos mediáticos investigados por crimes económicos, retomou o processo. Ou seja, para Ricardo Sá Fernandes, o MP “sente-se mais confiante com a figura de Carlos Alexandre”.

O juiz poderá aceitar a medida de coação requerida pelo MP pelo facto de Pinho e a mulher não terem residência atual em Portugal, mas em Alicante, acreditando o MP no perigo de fuga. Alexandra, que deveria ter comparecido, na manhã deste dia 14, nas instalações do DCIAP para o interrogatório que estava marcado desde o dia 4 de novembro, faltou com a justificação médica, tal como em novembro. Manuel, que foi ao DCIAP prestar declarações, acabou detido. E há mandado para deter a mulher, o que o advogado considera “um abuso de poder”.

O processo tem também como arguidos os acima referidos e Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas. Contudo, presentementeManuel Pinho está na berlinda e teve de esperar uma hora para ser informado de que iria ser detidoIronicamente, o homem com TIR que andou fora do país só agora é que pode fugir!

Querendo ou não, o MP baralha tudo em véspera de eleições, deixando transparecer para a opinião pública um propósito de conveniente agenda política: as coincidentes, useiras e vezeiras, são mais que muitas. Porém, no caso, ainda que pareça que há um determinado partido em exposição (Manuel Pinho em destaque), o que se passa é estar, de momento, em evidência, o pior do pior do bloco central político e económico de interesses. Paulo Campos e Carlos Pina, que há anos uma procuradora quis constituir arguidos, mas a que se opôs a hierarquia do MP, e foram agora constituídos arguidos, são apenas mais dois vasos de flores neste mal adornado altar da Justiça. Com efeito, no âmbito dos crimes de corrupção e quejandos em que o Estado é gravemente lesado, deveriam ser julgados e, se fosse de justiça, punidos tanto os que se deixam corromper como os que criam condições para a corrupção e os que praticam a corrupção ativa.

E como é possível estes processos demorarem tanto tempo a ver a sua conclusão? Correm o risco de prescrever ou de ser varridos da memória coletiva. Depois, em compensação, a justiça-espetáculo faz na praça pública a condenação que os tribunais não são capazes de fazer.

Pinho está na berlinda e mais alguns, mas, por motivos de equidade, a justiça não devia deixar ninguém para trás. Não?!

2021.12.14 – Louro de Carvalho

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