Embora sob a medida de coação TIR (termo de identidade e residência), Manuel Pinho, ex-Ministro da Economia do Governo de José Sócrates (2005-2009), reside em Alicante, na Espanha, e tem viajado, nos últimos anos, pelos
EUA, China e Austrália. Porém, acaba de ser detido por o MP (Ministério Público) entender, entre outros argumentos, que há perigo de fuga do ex-governante,
arguido no processo EDP há 4 anos (desde 2017).
Tem o MP do arguido suspeitas conexas com a existência
de património em contas detidas por sociedades offshore e
a transmissão de imóveis a terceiros, somadas às suspeitas, conhecidas há
vários anos, de que Pinho terá sido corrompido pela EDP entre 2007 e 2010 para a
beneficiar a empresa no regime CMEC (Custos para a
Manutenção do Equilíbrio Contratual), acabando por ser contratado pela Universidade de Columbia ao abrigo de
patrocínio da EDP.
A detenção, neste dia 14 de dezembro, incluiu uma
revista em que as autoridades verificaram que o arguido não tinha consigo
quaisquer cartões bancários nem passaporte.
Instado pelos jornalistas no Campus da Justiça, o seu advogado
Ricardo Sá Fernandes, garantiu que não foi a revista ao ex-Ministro à entrada
do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) que determinou a detenção: “a decisão
de o manter detido foi antes da revista”, pois os mandados de detenção já
estavam feitos. Sobre o putativo perigo de fuga, o causídico disse não querer discutir
o assunto, assegurando estar à espera da promoção do MP e do interrogatório do
juiz Carlos Alexandre a Alexandra Pinho, mulher de Pinho, que decorreu durante
a tarde deste dia 14. E recordou que a audição no DCIAP de Manuel, às 10 horas,
e de Alexandra, às 14 horas, estava marcada desde 4 de novembro.
Só às 11 horas foram informados de que houvera
alteração, havendo mandados de detenção para os dois membros do casal e que
foram apreendidos o telemóvel e o iPad de Manuel Pinho.
***
A averiguação sobre a privatização de 2011 da EDP
redundou em extenso inquérito que deixou sob suspeita muitos dos protagonistas
do setor energético nacional dos últimos 15 anos. Manuel Pinho, António Mexia,
João Manso Neto, João Conceição, Rui Cartaxo, Artur Trindade, Miguel Barreto, todos,
a que falta juntar outros (ao todo mais que a dezena), são arguidos num processo do DCIAP que
se arrasta há anos, sem acusação.
O processo tem o número 184/12, o que indica o ano em
que arrancou, 2012, tendo começado por uma averiguação preventiva sobre o
processo de privatização da EDP de final de 2011. O inquérito começou por uma
investigação que pouco tinha a ver com aquilo em que se tornou. Em junho de
2017, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto tiveram um momento decisivo
na investigação, com buscas à EDP, REN e Boston Consulting Group, que
permitiram a apreensão de documentos e a constituição de arguidos sonantes,
como Mexia, então presidente executivo da EDP e que fora, antes disso,
presidente da GALP e Ministro das obras Públicas, Transportes e Comunicações do
Governo liderado por Pedro Santana Lopes.
O processo fez já mais de uma dezena de arguidos,
alguns dos quais se mantêm no ativo.
Assim, Manuel
Pinho, de 67 anos, o principal rosto do Processo EDP, é alvo de várias
suspeitas do MP e indiciado por crimes de corrupção e branqueamento de
capitais.
Alto funcionário do Banco Espírito Santo (BES), donde saltou para o
Governo e para onde voltou (BES África) após demissão subsequente ao célebre gesto
no Parlamento dirigido ao deputado comunista Bernardino Soares, é suspeito de
ter sido corrompido pela EDP e pelo GES (Grupo Espírito Santo). As suspeitas são de que Pinho atuara,
enquanto Ministro da Economia, para beneficiar os interesses económicos da EDP (mormente no regime dos CMEC) e do GES (em dossiês como os da Herdade do Pinheirinho e da
Brisa), percebendo, como
contrapartidas, a partir de 2010 a remuneração da Universidade de Columbia (garantida por patrocínio da EDP) e a avença mensal do GES, de cerca de 15 mil euros, enquanto era Ministro,
depositada numa conta bancária titulada por uma offshore do
Panamá controlada por si. Arguido no processo EDP desde julho de 2017, foi
chamado várias vezes para interrogação no DCIAP, mas invocou uma série de
expedientes jurídicos para não falar, até que, no final de julho, foi
efetivamente interrogado. A viver há vários anos em Alicante e afastado de
Columbia, Pinho lançou em agosto um site na Internet para se defender
publicamente das suspeitas de que é objeto.
António Mexia, de 64 anos, arguido no mesmo processo desde
junho de 2017, por ter sido o presidente executivo da EDP quando a empresa foi
beneficiada pelas decisões do governante, era próximo do ex-governante já antes
de chegar à EDP. São compadres.
Foi administrador do BES Investimento, entre 1992 e
1998, e presidente da Gás de Portugal e Transgás, de 1998 a 2000. Em 2001,
chegou a presidente executivo da Galp Energia, cargo que trocou em 2004 pelo de
ministro do breve Governo de Santana Lopes. Em 2006, tornou-se presidente
executivo da EDP, cargo que ocupou até julho de 2020, quando foi suspenso por
determinação do juiz Carlos Alexandre (juiz de instrução do
processo 184/12), que também o privou do passaporte e de viagens para fora do país. Em
novembro de 2020, Mexia anunciaria indisponibilidade para prosseguir na gestão
da EDP em novo mandato (2021-2023), pela incerteza sobre até quando
durariam as medidas de coação. Está sem trabalho desde então e está remetido ao
silêncio. Contudo, em 2021 recuperou o passaporte e viu as medidas de coação
aliviadas para o que vigorava desde 2017, isto é, o TIR.
João Manso Neto, de 63 anos, outro arguido do processo
EDP, é suspeito de atuação decisiva para levar o Governo a aprovar em 2007 o
desenho final dos CMEC e os termos da extensão das concessões do domínio
hídrico, que terão beneficiado a EDP, embora a empresa alegue, desde 2017, que
não, socorrendo-se da análise da Comissão Europeia sobre tais dossiês. Nos
autos estão, aliás, cópias de várias trocas de correspondência de Manso Neto e Mexia
com o Governo entre 2006 e 2007, a respeito dos CMEC e de outros aspetos do
enquadramento jurídico do setor energético, o que os gestores da EDP sempre
defenderam ter sido a normal interação da empresa com o Estado em assuntos que
a envolviam diretamente.
Manso Neto, que esteve no BCP entre 1995 e 2002 e no BPN
(Banco Português de Negócios) entre 2002 e 2003, chegou à EDP em 2003 (antes de Mexia), como administrador da EDP Produção,
passando a integrar o executivo de Mexia em junho de 2006, onde permaneceu até
julho de 2020, quando foi suspenso por Carlos Alexandre e proibido de viajar
para fora do país. Em novembro, manifestou indisponibilidade para novo mandato.
Todavia, no início de 2021, Paulo Fernandes (acionista da Cofina e
da Altri) convida-o para liderar o projeto
de autonomização e expansão dos negócios de energia da Altri, presidindo à
Greenvolt. Embora arguido no processo EDP, levou a Greenvolt para a bolsa e
para o principal índice português, o PSI-20.
João Conceição, arguido no processo EDP desde julho de
2017, quando a REN foi alvo de buscas, pela ligação ao gabinete de Pinho enquanto
Ministro da Economia, foi seu consultor entre 2007 e 2008, assessorando-o em
vários dossiês na área da energia (incluindo matérias
envolvendo a EDP), embora continuasse a ser remunerado pela Boston Consulting Group, a consultora
de onde vinha. Em 2009, foi eleito pelos acionistas da REN (Redes Energéticas Nacionais) como seu administrador e membro da comissão executiva, funções que mantém.
O processo revelou pormenores da sua passagem pelo
Ministério da Economia e da sua saída. Deixou o gabinete de Pinho em 2008, após
pedir ajuda a Mexia para novas funções, requerendo a remuneração mensal de 10
mil euros. Mexia e Manso Neto enviaram o pedido ao BCP (de que a EDP era acionista), que contratou Conceição (setembro de 2008 a maio de 2009), embora nunca tenha sido visto nas
instalações do banco.
Rui Cartaxo, de 69 anos, é outro arguido do
processo EDP, pelas suspeitas que o MP tem de que, enquanto assessor do
Ministério da Economia, colaborou com Pinho no favorecimento da EDP pela
legislação e enquadramento jurídico dos CMEC e extensão das concessões do
domínio hídrico. Trabalhou com Mexia no final dos anos 1990 na Transgás e foi
administrador da Galp de 2002 a 2006, ano em que passou a adjunto do Ministro Pinho,
até 2007, ano em que foi nomeado administrador financeiro da REN (maioritariamente detida pelo Estado). E, em 2009, ascendeu a presidente da comissão executiva, ocupando o lugar
vago pela saída de José Penedos (acusado de corrupção no “Face Oculta”). Permaneceu na liderança da REN até
2014. Depois, trabalhou como consultor do Banco de Portugal (por onde passara na década de 1980); e, em 2017, ocupou por alguns meses a presidência não executiva do Novo
Banco. Entretanto, reformou-se.
Miguel Barreto foi diretor-geral de Energia e Geologia
(DGEG) entre 2004 e 2008 (vindo da Boston Consulting Group, por onde também passou Conceição) e a sua intervenção em alguns dossiês
do sistema elétrico nacional levou o DCIAP à suspeição, tornando-o arguido em
2017. Um dos pontos contestados foi a aprovação duma licença sem prazo para a
central termoelétrica de Sines, que o DCIAP considera vantagem para a EDP e que
Miguel defende ser a aplicação de disposições previstas há anos na legislação
do setor elétrico (as licenças de produção são concedidas
sem prazo).
O processo EDP permitiu revelar quanto Barreto
arrecadou quando, em 2010, vendeu à EDP a sua participação na empresa Home
Energy: 1,4 milhões de euros, defendendo que o valor de venda não foi decidido
por si, mas pela Martifer, acionista maioritária da Home Energy. E, deixada a
empresa, Barreto avançou com o seu negócio na área de serviços de energia, com
a Gesto Energy, que permanece ativa, e tem apostado no desenvolvimento e
licenciamento de projetos de centrais solares de larga escala (tendo conseguido vender alguns à Galp, por exemplo), sendo um dos principais empresários
portugueses em atividade nessa área.
Artur Trindade é um dos mais recentes arguidos do
processo EDP, tendo adquirido tal estatuto só em 2020, com os procuradores a
suspeitarem de que a atuação como Secretário de Estado da Energia (de 2012 a 2015, no Governo de Passos) terá favorecido a EDP. Para o DCIAP, Trindade é suspeito de corrupção
passiva por ter beneficiado a EDP ao redesenhar a CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético), menos lesiva para a EDP que a projetada
por Henrique Gomes, o antecessor. Tal contribuição foi defendida pela troika,
mas o modelo de Gomes (entre final de 2011 e início de 2012) previa arrecadação de receita maior
junto da EDP, ao passo que o desenho final da CESE distribuiu os pagamentos por
mais empresas. Segundo o DCIAP, Trindade terá tirado partido dessa atuação de
duas formas: mais tarde, a EDP e REN fizeram-no vice-presidente do OMIP (operador de contratos futuros do mercado ibérico de eletricidade); e o pai (já falecido) foi nomeado consultor da EDP (a partir de 2013) para assuntos relacionados com autarquias.
Após abandonar o Governo, em 2015, Trindade regressou
à ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), onde trabalhava antes de ir para o Executivo de
Passos, sendo depois apontado à vice-presidência do OMIP (por EDP e REN, acionistas portuguesas dessa plataforma, com o aval do Secretário
de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches). Em outubro de 2020 a CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) deliberou suspendê-lo do cargo que tinha no OMIP (meses depois de Mexia e Manso Neto terem sido suspensos da EDP, mas então
por decisão de Carlos Alexandre). E Trindade tem desde então participado em algumas conferências sobre
energia.
***
Saiba-se lá porquê Pinho é o principal rosto do
processo. E a detenção, de que o MP pretende que resulte uma medida de coação
mais gravosa (poderá passar pela prisão preventiva) na sequência do interrogatório,
ocorre quando Carlos Alexandre volta a receber o processo EDP, depois
de o juiz de instrução titular, Ivo Rosa, ter ficado em exclusivo com o caso
BES.
Os procuradores entendem que,
passada mais duma década de investigação, é a altura indicada para deter
o ex-ministro socialista, pois Carlos Alexandre, que tende aplicar a prisão
preventiva aos arguidos mediáticos investigados por crimes económicos,
retomou o processo. Ou seja, para Ricardo Sá Fernandes, o MP “sente-se mais
confiante com a figura de Carlos Alexandre”.
O juiz poderá aceitar a medida de coação requerida
pelo MP pelo facto de Pinho e a mulher não terem residência atual em Portugal,
mas em Alicante, acreditando o MP no perigo de fuga. Alexandra, que deveria ter
comparecido, na manhã deste dia 14, nas instalações do DCIAP para o
interrogatório que estava marcado desde o dia 4 de novembro, faltou com a justificação médica, tal como em novembro. Manuel,
que foi ao DCIAP prestar declarações, acabou detido. E há mandado para deter
a mulher, o que o advogado considera “um abuso de poder”.
O processo tem também como arguidos os acima referidos
e Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes
energéticas. Contudo, presentemente só Manuel Pinho está na berlinda e teve de esperar uma hora para ser
informado de que iria ser detido.
Querendo ou não, o MP baralha tudo em véspera de
eleições, deixando transparecer para a opinião pública um propósito de conveniente
agenda política: as coincidentes, useiras e vezeiras, são mais que muitas. Porém,
no caso, ainda que pareça que há um determinado partido em exposição (Manuel Pinho em destaque), o que se passa é estar, de momento, em evidência, o pior do pior do bloco
central político e económico de interesses. Paulo Campos e Carlos Pina, que há
anos uma procuradora quis constituir arguidos, mas a que se opôs a hierarquia
do MP, e foram agora constituídos arguidos, são apenas mais dois vasos de flores
neste mal adornado altar da Justiça. Com efeito, no âmbito dos crimes de
corrupção e quejandos em que o Estado é gravemente lesado, deveriam ser
julgados e, se fosse de justiça, punidos tanto os que se deixam corromper como
os que criam condições para a corrupção e os que praticam a corrupção ativa.
E como é possível estes processos demorarem tanto
tempo a ver a sua conclusão? Correm o risco de prescrever ou de ser varridos da
memória coletiva. Depois, em compensação, a justiça-espetáculo faz na praça
pública a condenação que os tribunais não são capazes de fazer.
Pinho está na berlinda e mais alguns, mas, por motivos
de equidade, a justiça não devia deixar ninguém para trás. Não?!
2021.12.14 – Louro de
Carvalho
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