Por mandato do Senhor, a Igreja
procurou sempre de forma diversificada anunciar o Evangelho, a essência da sua
missão no mundo. No Concílio Vaticano II, a Igreja entendendo que a sua missão
primordial é ser luz para todo o género humano, impulsiona a Teologia Pastoral
a partir dum novo modelo eclesiológico. Reconhece a situação do mundo pela análise
dos sinais dos tempos e compreende o ser humano como ser digno, autónomo e
relacional, com base na sua imagem e semelhança com Deus. E percebe a missão
como serviço a toda humanidade, sendo todos os batizados responsáveis pela
missão de comunicar o Evangelho. Todas as suas ações, ad intra e ad
extra, são essencialmente ações de comunicação do Evangelho pela palavra
e/ou testemunho, compondo o leque de reflexões teológico-pastorais da Teologia
Pastoral.
A Teologia Pastoral é campo
relativamente novo no âmbito da teologia católica. Com o advento dum novo tempo
a partir do Vaticano II, cujas temáticas tiveram como foco a autoimagem da Igreja
e as suas relações com o mundo, há novo impulso para pensar (e
repensar) as ações
eclesiais e desenvolver a Teologia Pastoral. Assim, a reflexão
teológico-pastoral contempla um vasto leque de ações ad intra e ad
extra com o escopo de contribuir na edificação da Igreja e a ajuda-la a ser
presença significativa na sociedade. Porém, só o consegue se tiver a
perspicácia de reconhecer os apelos da sociedade moderna/pós-moderna. Algumas
atividades são ações de pastoral organizada, outras, de participação dos atores
pastorais em projetos e ações da sociedade em áreas alinhadas com os propósitos
das comunidades ou relevantes para a sua missão. Muitas ações eclesiais
implicam aspetos legais, outras propõem-se oferecer formação específica para
atuação efetiva e coerente na política, na economia e noutros setores da
sociedade relevantes para a promoção e garantia do bem comum.
Desde as origens, a Igreja
entendeu como a sua principal missão anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo,
conforme o preceito evangélico “Ide por
todo mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura” (Mc
16,15), missão
desenvolvida desde os primórdios e exercida em comunidade, através de ações
eclesiais que, segundo Floristán, são as formas de agir da Igreja, derivadas das
funções messiânicas de Jesus, isto é, profética, sacerdotal e régia, ou dos
três poderes da Igreja: ensino, santificação e governo.
Em conceção análoga à de ações eclesiais,
o mesmo autor refere as ações pastorais como as ações da Igreja e dos cristãos
a partir da práxis de Jesus, que se voltou para a implantação do reino de Deus
na sociedade, ações que se desenrolam em dois campos: ad intra, votadas
à construção da comunidade cristã; e ad extra, votadas à libertação da sociedade.
E deve ter-se em conta que a pastoral,
enquanto ação eclesial, sempre existiu na Igreja”, sendo relevante o volume das
ações eclesiais e a prática pastoral da Igreja na História.
O entendimento da
ação eclesial ao longo da História
Após o Pentecostes (cf
At 2.1-4), os
apóstolos começaram a anunciar a boa nova do Evangelho, focando-se no anúncio
da ressurreição do Senhor, o que enformava os primeiros atos pastorais. A Igreja,
encarnando-se na cultura de cada povo ao longo da sua existência histórica,
buscou (e
busca) responder de
diversas formas e com diferentes modelos eclesiológico aos sinais dos tempos,
anunciando o Evangelho. Nesses termos, a Igreja, como instituição divina e
humana, é também fator cultural. Consequentemente, a ação pastoral, embora
permeada pela graça e sob o dinamismo do Espírito Santo, é verdadeira ação
humana, sujeita às contingências de qualquer ação. E, no desenvolvimento histórico
da ação eclesial, é de mencionar como esta era entendida já pelos primeiros cristãos:
a Igreja, sendo apostólica, era una, pois Deus é um só e a unidade da
Igreja é ícone da unicidade divina. Porém, a Igreja é também diversa, rica em
dons e ministérios, e é realidade escatológica a viver a tensão entre “o já e o
ainda não”, estando no mundo como comunidade de convertidos, isto é, dos que
abraçam a fé pelo Batismo, na compreensão paulina, como morrer e ressuscitar
para a nova vida (cf Rm 6.3-14), e querem viver na prática do
amor a Deus e aos irmãos (cf 1Jo 4.8-20).
Na Idade Antiga, entre os séculos
II a meados do século VI, o modelo de ação eclesial é baseado em três ações que
norteiam a vida cristã: Martyria, testemunho de vida; Kerigma,
anúncio da ressurreição; e Didaskalia, ensino da palavra de Deus. Porém,
toda a prática cristã se centra no culto, com orações em comunidade e na celebração
da Eucaristia, sendo, com o Batismo, a mais importante prática da Igreja antiga
que se perpetua até hoje. Nesse período, a conceção de Igreja universal
e local está muito difundida, entendendo-se que a primazia duma Igreja local
não abole a consciência da comunhão universal na fé. Por volta do ano 200, os
cristãos deixam de viver em guetos e formam sólida união de fiéis, que jamais
pode ser ignorada. Se antes o pensamento na ação dos protocristãos não era um pensamento histórico – viviam na tensão
da parusia imediata –, agora o cristianismo é fator histórico e consolidado. É
nesse período que se a começa a desenvolver na prática cristã a consciência
histórica, o que gera preocupação mais acentuada com a consolidação da Igreja,
a Hierarquia e a constituição de normas e contribuiu para a união Igreja-Estado
no século VI. A doutrina eclesiástica está a ser definida e clarificada. E
nisso o movimento das heresias contribuiu, pois, na busca de salvar a sã
doutrina das heresias, os cristãos procuram, além dos escritos sagrados, na
filosofia, fundamento para clarificar o entendimento da doutrina cristã. Assim,
os primeiros cristãos viviam numa sociedade pagã, mas com muita seriedade e caridade,
como descreveu Teófilo no século IV:
“Entre eles encontra-se um sábio autodomínio: a continência é praticada,
a monogamia observada, a castidade guardada, a injustiça eliminada, o pecado
erradicado, a justiça praticada, a lei respeitada, a piedade é atestada pela ação,
Deus é louvado, e a verdade é estimada como o supremo bem” (Cf STOCKMEIER;
BAUER, 2006, p. 76).
Pelo fim da antiguidade, a Igreja,
que lançara raízes em outras culturas, apresenta diferenças na sua prática. Apresenta-se
mais plural ante a interferência de outras culturas, como, por exemplo, o
distanciamento da prática ocidental e oriental. E com tais peculiaridades lança-se
na Idade Média. Se antes tinha conquistado aos poucos a sua cidadania, agora cria
a cidadania. A ação eclesial é regida pelo império, o geográfico e as conceções
agostinianas de Civitas Dei, que deram suporte à reformulação das duas
dimensões da ação eclesial, ad intra e ad extra, configurando um
modelo de cristandade medieval, em que a Igreja recebia intervenções internas
do Estado e servia de suporte ideológico ao mesmo. A ação eclesial
desenvolve-se sobretudo em paróquias, mas é comum a fundação e construção de
conventos e mosteiros. E os principais agentes da ação pastoral são o clero, os
religiosos e os missionários. Nesse contexto, os leigos ouvem as pregações,
participam no culto, recebem os sacramentos e praticam as devoções populares:
peregrinações, devoção à paixão do Senhor, adoração ao SS.mo
Sacramento, culto a Maria e veneração dos santos e das suas relíquias. Todos
são exortados à prática da caridade.
Face ao protestantismo em
formação e à modernidade, a Igreja lança-se na Idade Moderna. Nesse período,
dois concílios, o Concílio de Trento e o Concílio Vaticano I, desenvolvem a
ação eclesial, ajudando a favorecer o retorno à escolástica, mas reformada.
Para valorizar e reafirmar a institucionalidade da Igreja Católica num contexto
confuso e tumultuado, a Igreja autoafirma-se como sociedade perfeita e exclusiva
depositária dos meios de salvação. A ação da Igreja, orientada por tais conceções
eclesiológicas, reafirma o valor do sacramento e da devoção popular, mas de forma
evoluída: por exemplo, desdobra a Eucaristia em devoção do Sagrado Coração de
Jesus e de Cristo Rei e desenvolve exponencialmente a devoção à Virgem Maria.
Apesar de a ação pastoral ser
quase uma repetição da ação eclesial da Idade Média, aqui inicia uma vontade de
renovação, que se concentra em pequenos círculos sociais de leigos cultos,
proporcionando muitas conversões para uma fé consciente. Surge, pois, na Igreja
uma ação dos leigos que se organizam em partidos católicos, participam na
imprensa e no ensino e até originam um movimento bíblico católico e litúrgico,
que ajudou o desenvolvimento da consciência laical no Vaticano II.
Até ao Vaticano II, pode falar-se
de ação eclesial, mas não dum pensamento sistematizado e disseminado sobre ela.
Portanto, o marco e referência da Teologia Pastoral, no âmbito católico, é a
obra Handbuch der Pastoraltheologie (Manual da Teologia
Pastoral, 1964-1972),
em 5 tomos, sendo autores: Karl Rahner, Franz Xaver Arnold, Ferdinand
Klostermann, Viktor Schurr, Leonhard M. Weber. Vislumbra a nova Igreja em
perspetiva na época. De especial relevância é o livro de Karl Rahner Selbstvollzug
der Kirche (Autorrealização da Igreja, 1972), que expõe o fundamento
eclesiológico da Teologia Pastoral. Não faz referências a documentos específicos
do Vaticano II, pois já estariam suficientemente contemplados. E reconhece a
importância do desenvolvimento da Teologia Prática na igreja luterana para a
atual reflexão teológico-pastoral na Igreja Católica. Depois dessa relevante obra
dos autores alemães, surgiram outros expoentes da área como Casiano Floristán, Mário
Midali, Kathleen A. Cahalan, João Batista Libânio, entre outros. Todos têm como
referência a eclesiologia do Vaticano II e as suas implicações na ação eclesial
e reconhecem o “Manual de Teologia Pastoral”
como marco no desenvolvimento da Teologia Pastoral da Igreja Católica. Autores católicos,
sobretudo em países europeus e EUA, adotam a terminologia Teologia Prática
para facilitar o diálogo entre as diferentes Igrejas cristãs e afirmar a
ação eclesial como ação de todos os batizados tendo como horizonte de ação
todas as realidades humanas. Documentos oficiais e alguns outros teólogos
preferem a dupla terminologia Teologia Pastoral ou Prática em respeito
ao desenvolvimento nos diferentes contextos e regiões.
O Concílio Ecuménico Vaticano II
é, com razão, tido como “concílio pastoral-eclesiológico”, conforme defendeu (entre
outros) Dom Aloísio Lorscheiter.
Nessa ótica, tem especial relevância a constituição dogmática Lumen Gentium (1964) e a constituição pastoral Gaudium
et Spes (1965).
Todo o género humano e as suas realidades passam a ser o foco da ação eclesial.
A Igreja sente-se real e intimamente
ligada ao género humano e à sua história. O Vaticano II deu um grande
impulso à Teologia Pastoral na medida em que afirmou um novo modelo
eclesiológico, a Igreja Povo de Deus, acentuando o sacerdócio comum de todos, que
inclui os leigos como protagonistas. A Igreja reconhece a sua missão como serviço
a toda a humanidade, a sua posição centralizadora, detentora única da verdade e
de privilégios dá lugar aos traços da comunidade cristã nascente, atualizada no
contexto atual. O impacto na ação eclesial dá-se a partir dos novos olhares do
mundo (sinais dos tempos), da pessoa e da comunidade, ou
seja, dos elementos mais relevantes no desenvolvimento da Teologia Pastoral.
***
Pressupostos
Para cumprir a sua missão, a
Igreja está atenta aos desafios de cada tempo e lugar, o que só consegue se
souber identificar os sinais dos tempos. Deve, pois, em todas as épocas perscrutar
os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho para oferecer, de forma
apropriada ao modo de ser de cada geração, respostas às grandes questões
humanas a respeito do sentido de vida presente e futura. Francisco, que abraça de
forma nova e integral a Igreja do Vaticano II, reafirma a importância de
identificar e analisar os sinais dos tempos, por se tratar de grave responsabilidade,
pois algumas realidades hodiernas, se não encontrarem boas soluções, podem
desencadear processos de desumanização de difícil reversibilidade. Os sinais
dos tempos de que a Igreja fala não são análises antropológicas e socioeconómicas
meramente técnicas, embora necessárias e relevantes. Mais que isso, a Igreja precisa
de elevada ‘sensibilidade kairológica’, na atenção aos sinais dos tempos,
percebendo o que Deus espera de cada tempo.
Na tradição cristã, o ser
humano é imagem de Deus – imago Dei – “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à
imagem de Deus, criou o homem e
a mulher” (Gn 1,26).
Não se pode, então, falar de Deus sem falar do homem e vice-versa. A Gaudium
et Spes (GS) e suas interpretações
concentram-se na apresentação do ser humano à luz de seu ser imagem de
Deus. Na verdade, o homem na sua totalidade
é criado à imagem de Deus. Essa perspetiva exclui as interpretações que fazem residir a imago Dei neste ou naquele aspeto da natureza
humana.
No modo como tal condição carateriza
o homem na sua experiência histórica, cabe ressaltar:
A
dignidade humana. A
conceção do ser humano como imagem de Deus tem por consequência ver o ser
humano como um valor em si. Pela sua dignidade pessoal, o ser humano é um valor
em si e por si, e exige ser considerado e tratado como tal, nunca ser considerado
e tratado como objeto que se usa, um instrumento, uma coisa.
Liberdade
– autonomia:
A verdadeira liberdade
é a marca mais extraordinária da imagem de Deus no ser humano. É expressão da
sua dignidade que o ser humano possa agir por opção consciente e livre,
induzida e movida pessoalmente, livre de coação externa e de pressão interna. A
consciência é expressão singular da dignidade humana, ela é “a intimidade
secreta, o sacrário da pessoa, em que se encontra a sós com Deus e onde lhe
ouve intimamente a voz” (GS 16), permitindo à pessoa protagonizar a sua própria
história. Só na liberdade se exerce a plena autonomia humana. Medard Kehl, no
contexto das múltiplas relações da condição humana, usa a expressão “autonomia condicionada
pelas relações” para definir o modo de experiência e expressão da autonomia. A
experiência humana acontece num contexto concreto que não pode ser percebido
como mero delimitador de possibilidades individuais, mas que, à luz da fé
cristã, é espaço de partilha e comunhão, própria de complexa teia de relações;
A
unicidade
(“corpore
et anima unus”).
Superar a dicotomia corpo-alma é basilar para o novo tempo da Igreja. Promover todos
os homens e o homem todo é consequência desse paradigma. Perceber o ser humano
como uno implica ampliar o leque de ação onde nenhuma realidade humana lhe é
indiferente (ou fora da
sua responsabilidade),
devendo contemplar todas as dimensões da vida humana e suas interconexões com o
ambiente. Com esta dimensão contrasta a do ser
humano dividido e redimido.
A dimensão da vulnerabilidade é relevante para a perceção e cuidado
do ser humano integral, da sua rede de relações e dos seus valores. O ser
humano está dividido e sobre essa experiência faz sentido lançar luzes do amor
misericordioso de Deus.
No
âmbito da comunidade, é
preciso considerar o ser humano como um ser de múltiplas relações: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn
2,18). A vida em comunhão
é necessidade vital do que é criado à imagem de Deus, que traz em si a marca da
comunhão Trinitária. Portanto, é pessoa / identidade e comunhão de vida e
destino. Ser comunidade eclesial expressa,
antes de mais, comunhão arraigada no seio da Trindade e, fundada nela, com o
próximo. Por isso, com o Vaticano II, a Igreja assume um caráter de comunidade,
Povo de Deus. As estruturas físicas e administrativas em todas as esferas da Igreja
só têm razão de ser como serviço e garantia da missão da comunidade. Por isso,
é necessário um empenho para se evitarem estruturas eclesiais condicionadoras do
dinamismo evangelizador. E, no quadro da Teologia Pastoral, a reflexão sobre a
comunidade não pode ser reduzida à denúncia, embora necessária, de estruturas (muitas
vezes caducas)
ao serviço do poder, e não da sua real missão. E ela deve refletir sobre as
possibilidades e propostas para a realização da missão da comunidade, o que
postula ousadia e criatividade. A reflexão teológico-pastoral sobre o modo de
ser Igreja e do agir da Igreja hoje contempla a comunidade, a paróquia como
âmbito para escuta da Palavra, crescimento da vida cristã, diálogo, anúncio,
caridade generosa, adoração e celebração.
Na América Latina, na sequência
do Vaticano II, aprimoraram-se as comunidades eclesiais de base (CEB) com a proposta de serem Igreja à
luz das primeiras comunidades cristãs, inteiramente inseridas nas realidades
atuais. As CEB são escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com a
sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha a entrega
generosa, até derramar o sangue, de muitos dos seus membros. A teologia da libertação
(TdL) exerceu forte impacto em todos
os âmbitos da prática eclesial e a pastoral de conjunto, que não nasce de mero planeamento,
mas da conjugação de ações diferentes e complementares que se dão nas bases. E carateriza-se
pelo protagonismo laical sempre mais consciente da sua missão, sobretudo nas
esferas do povo à margem da sociedade, ou seja, na concretização da opção pelos
diversos rostos de pobres e excluídos. Antes, durante e depois do Vaticano II
desenvolveram-se muitas formas de participação dos leigos na vida da comunidade
local. Essa, ao assumir com mais ênfase caraterísticas de comunhão e missão,
vê-se ante o desafio de articular todas as forças vitais ao serviço do
Evangelho. A comunidade de comunidades, a comunidade paroquial, reúne a
diversidade de expressões de participação e experiência da fé em comunhão com a
Igreja local e global. Reconhece-se a vitalidade da Igreja peregrina na América
Latina e no Caribe, a sua opção pelos pobres, as paróquias, as comunidades, as
associações, os movimentos eclesiais, as novas comunidades e os múltiplos
serviços sociais e educativos.
A
comunicação do Evangelho é ação pastoral fundamental. O foco eclesiológico e pastoral
do Vaticano II levanta a questão da razão de ser da Igreja. Segundo Mette, a
palavra-chave é comunicação do Evangelho: A Igreja não foi enviada a não ser
para anunciar o Evangelho a todas as pessoas (Cf Mc 16.13). aqui perpassa a reflexão da
pastoral, pois a prática de que se ocupa só é ação pastoral quando enraizada em e orientada para a sua missão
última. O anúncio não acontece só por palavras, mas também por ações, as que
cumprem a palavra e as que são depois interpretadas pela palavra. Tudo o que a
Igreja faz e diz, interna ou externamente, é anúncio.
A comunicação do Evangelho sustentada
no testemunho autêntico de quem comunica possibilita o encontro real com
Cristo, experiência que gera novos missionários. A missão não se limita a um
programa ou projeto, mas compartilha a experiência do encontro com Cristo,
testemunha-o e anuncia-o de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da
Igreja a todos os confins do mundo (cf At 1,8). A comunicação do Evangelho, segundo
Mette, acontece em diálogo onde todos são evangelizadores e evangelizados. É processo
aberto e recíproco, não transmissão unilateral de conteúdos a recetores
passivos. Deus comunica-Se, é autorrevelação. Quem tem a missão de comunicar o
Evangelho só o pode fazer em profunda consciência de que a comunicação
transcende o seu ato de comunicar e que ela resulta numa permanente interpelação
recíproca. Por isso, Mette sustenta que, antes de se preocupar com os métodos,
é preciso testemunhar a Palavra anunciada em atitude permanente de escuta e
humildade.
Falar em ação implica que
haja atores. Nesse sentido, Mette questiona se a Igreja pode agir de facto ou
se não seriam os sujeitos que agem e quem são, então, os sujeitos que agem como
Igreja. No cerne desse questionamento ressalta a missão da Igreja em tempos de
esforços para a plena inclusão dos leigos. Ser igreja não é experiência
abstrata, mas comunhão de pessoas, que são sujeitos da ação e razão última do
agir da comunidade eclesial. E o agir da Igreja é o agir da comunidade para a
comunidade. Portanto, também os leigos são protagonistas, e não membros
passivos ao serviço da hierarquia ou simples executores de ordens provenientes
do alto.
***
Teologia
Pastoral: possibilidades e contornos
O leque das ações da Igreja é tão
vasto e complexo que uma delimitação é um grande desafio. Trata-se aqui apenas
de algumas dimensões essenciais comuns uma vez que a vasta extensão das ações
não permite uma visibilidade completa. Para Libânio, a Teologia Pastoral (Teologia
Prática), como disciplina,
não conseguiu muita clareza quanto ao seu objeto. Ora tratava de determinadas
práticas pastorais, ora se convertia em resumo de toda a teologia, sobretudo da
eclesiologia, com um toque pastoral, ora se subdividia em inúmeras disciplinas
auxiliares. Se, dum lado, a práxis da Igreja se tornou mais complexa, de outro,
procurou-se uma definição mais precisa para a Teologia Pastoral de forma a não
se perder o foco e a razão de ser da própria reflexão científica sobre a
prática. Na opinião de Libânio, Teologia Pastoral, como uma disciplina temática
especial, é o conjunto de disciplinas teológicas que buscam avaliação crítica,
fundamentação teórica e planeamento da prática cristã. O método
ver-julgar-agir, amplamente desenvolvido na América Latina, proposto também por
teólogos da área, afirmou-se também nesse âmbito. As demandas para a Teologia
Pastoral advêm da vida interna da Igreja e da sua presença no mundo.
Ação
pastoral intraeclesial. A
Igreja sempre desenvolveu de algum modo a ação pastoral, com o objetivo
comunicar o Evangelho. Hoje a Igreja não pode ser diferente, continua a sua
ação buscando levar a todos o conhecimento do Evangelho de Cristo, pois, como
dizia São João Paulo II, a ação pastoral destina-se por sua natureza a animar a
Igreja que é essencialmente mistério, comunhão e missão. Entende hoje que a sua
prática seja refletida e planeada em vista da sua missão. Ao referir-se à
formação dos sacerdotes, ele explicita que se exige-se o estudo de uma
verdadeira e autêntica disciplina teológica, a teologia pastoral ou
prática, que é uma reflexão científica sobre a Igreja no seu edificar-se
quotidiano, com a força do Espírito, na história, portanto, sobre a Igreja como
“sacramento universal da salvação”, como sinal e instrumento vivo da salvação de
Jesus Cristo na Palavra, nos Sacramentos e no serviço da Caridade. A pastoral
não é só uma arte nem um complexo de exortações, de experiências ou de métodos;
possui uma plena dignidade teológica, porque recebe da fé os princípios e
critérios de ação pastoral da Igreja na história, da Igreja que se gera em cada
dia a si mesma. Hoje a Igreja continua com o desafio de transformar as paróquias
em verdadeiras comunidades, onde todos os batizados são responsáveis. O
protagonismo dos leigos acontece efetivamente na Igreja local. Por isso, o
pároco, além de possuir autêntica sensibilidade de pastor, precisa de estar pronto
para escutar o parecer dos leigos, considerando com interesse fraterno as suas
aspirações e aproveitando a sua experiência e competência nos diversos campos
da atividade humana, de modo a poder juntamente com eles reconhecer os sinais
dos tempos. Assim, ressaltam, entre outros, como empenho comum na edificação da
Igreja: a catequese, a liturgia, a missão. A catequese, para
crianças, jovens ou adultos, tem por finalidade ensinar a doutrina cristã de modo
orgânico e sistemático, iniciando-os na plenitude da vida cristã, intimamente
ligada com toda a vida da Igreja, participando das duas dinâmicas da sua ação
eclesial ad intra e ad extra. O seu conteúdo parte da comunicação do
Evangelho para suscitar a fé, buscar razões para crer e proporcionar a
experiência da vida cristã com a celebração dos sacramentos, a integração na
comunidade eclesial e o testemunho missionário. Na liturgia, a
Igreja celebra sobretudo o mistério pascal pelo qual Cristo realizou a obra da
nossa salvação. É esse mistério que a Igreja anuncia e celebra na liturgia, a
fim de que os fiéis vivam e deem testemunho dele no mundo exprimindo e
manifestando aos outros o mistério de Cristo e da salvação. Porém, com a liturgia
a Igreja não esgota a sua ação. Essa, além de ser o ápice para que tende a ação
da Igreja, tem de ser precedida e completada pela evangelização, ou seja, pelo
testemunho diário, já que todos somos chamados a anunciar o Cristo ressuscitado
aos irmãos. A missão surge depois da catequese e da celebração litúrgica, como
fruto dessas duas ações da Igreja, configurando-se como a terceira ação, mas
que acontece em simultâneo com as outras. A missão, impulsionada pelo amor de
Cristo (cf
2Co 14), é atribuída
a todos os fiéis que dela tiram proveito para a sua formação, a partir do conhecimento
e da prática dos irmãos não cristãos. O ser missionário é inerente à adesão a
Cristo. E Francisco diz aos cristãos que “a Igreja ‘em saída’ é uma Igreja com
as portas abertas” e que “sair em direção aos outros para chegar às periferias
humanas não significa correr pelo mundo sem direção nem sentido”. Portanto o
caráter missionário implica ir ao encontro do outro, comunicando o Evangelho,
em primeiro lugar, pelo testemunho.
A
ação eclesial na sociedade contemporânea. As pastorais sociais e outras formas de ação da Igreja são
espaços de ação eclesial do cuidado e participação em diferentes esferas
sociais e políticas, cuja ação nasce do coração do Evangelho e, de forma mais
expressiva e abrangente, testemunha a autêntica caridade. Para a Igreja, a
caridade não é atividade de assistência social que se possa deixar a outros,
mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua essência. Como
dimensão essencial, a caridade toma novas formas de expressão em cada época e
lugar. A resposta de amor aos desafios atuais não pode ser entendida apenas como
soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns necessitados, o que poderia
constituir uma “caridade por receita”, uma série de ações destinadas a
tranquilizar a própria consciência.
A proposta é o Reino de Deus
(cf
Lc 4.43); trata-se
de amar a Deus, que reina no mundo. Não se trata só dos desafios da pobreza
material, mas também das outras formas de carência e exclusão, que requerem
nova atenção para o rosto sofrido dos irmãos. A Igreja, com a Pastoral Social, acolhe
e acompanha as pessoas excluídas nas respetivas esferas. A missão profética da
Igreja na sociedade dá-se pela sua postura crítica das estruturas, e pela
participação e protagonismo dos leigos nas diferentes esferas sociais e
políticas. Um urgente desafio (embora antigo) avolumou-se de tal modo nos
últimos anos que a comunidade internacional e as forças das Igrejas não o conseguem
atender de forma satisfatória e que merece especial atenção: a violência e as
consequentes migrações. Milhares de pessoas deixam os seus países em busca de
vida digna, mas as fronteiras fecham-se e não há política internacional que
resolva o problema. Mette cita como motivos para o deslocamento humano a
opressão política, o desrespeito aos direitos humanos, as tensões raciais,
éticas e religiosas, mas reconhece o empenho das Igrejas (lembre-se
a Pastoral dos Migrantes)
pelo acolhimento, acompanhamento e apoio nas instâncias legais e políticas.
Grande avanço para ação pastoral
foi a compreensão da sua missão profética no âmbito da sustentabilidade, isto é,
a partir do cuidado global, que abrange as questões de justiça social, as económicas
e as ecológicas de forma integrada. Karl Bopp reclama a total ausência dos
temas ecológicos na Teologia Prática e defende o princípio sustentabilidade
como um dos seus temas centrais. A questão ecológica vai além da mera proteção
da natureza e culmina, em última análise, na questão ético-teológica dum estilo
de vida conforme à criação e correspondentes estruturas sociais e económicas.
Para a reflexão teológico-pastoral não bastam os aspetos técnicos, é relevante
ocupar-se do tema à luz da fé cristã, que vai além dos grandes problemas da
área, pois apresenta, ao mesmo tempo, sinais de esperança para sua superação e
transforma o discurso catastrófico em discurso de esperança”.
Outro relevante desafio pastoral
são os meios de comunicação. Segundo Mette, eles produzem uma nova ordem
simbólica do mundo e da vida, são promotores de sentido de vida, opiniões,
estilos e costumes; e são espaços de evangelização por excelência. Porém, para se
sustentarem, sujeitam-se aos critérios do mercado mediático. Eventos eclesiais
e celebrações podem acentuar mais o show que a efetiva comunicação do
Evangelho e a repercussão da vida eclesial.
***
Concluindo
Não se pensa a edificação da Igreja
sem a relação direta com a ação eclesial. Nesse aspeto, a ação eclesial esteve sempre
em pauta. Porém, o Concílio Vaticano II contribuiu de modo particular para a
reflexão científica sobre o agir da Igreja. Daí a relevância da Teologia
Pastoral para o atual modelo eclesiológico, que postula a transformação das
paróquias em autênticas comunidades. Há a valorização da Igreja local sem perda
da identidade católica. Esse modo de ser Igreja desafia a Teologia Pastoral. Os
novos paradigmas implicam um longo processo para se consolidar o novo tempo
eclesial. Por isso, as comunidades devem estar em estado de conversão
pastoral para realizar de forma consistente e ampla esse projeto. Cabe à
Teologia Pastoral fundamentar as ações da Igreja e dialogar com os diferentes
saberes e expressões religiosas para as ações serem significativas e proféticas
para todo o género humano.
2021.12.02
– Louro de Carvalho
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