sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

A Ação Pastoral enquanto ser e missão da Igreja

 

Por mandato do Senhor, a Igreja procurou sempre de forma diversificada anunciar o Evangelho, a essência da sua missão no mundo. No Concílio Vaticano II, a Igreja entendendo que a sua missão primordial é ser luz para todo o género humano, impulsiona a Teologia Pastoral a partir dum novo modelo eclesiológico. Reconhece a situação do mundo pela análise dos sinais dos tempos e compreende o ser humano como ser digno, autónomo e relacional, com base na sua imagem e semelhança com Deus. E percebe a missão como serviço a toda humanidade, sendo todos os batizados responsáveis pela missão de comunicar o Evangelho. Todas as suas ações, ad intra e ad extra, são essencialmente ações de comunicação do Evangelho pela palavra e/ou testemunho, compondo o leque de reflexões teológico-pastorais da Teologia Pastoral.

A Teologia Pastoral é campo relativamente novo no âmbito da teologia católica. Com o advento dum novo tempo a partir do Vaticano II, cujas temáticas tiveram como foco a autoimagem da Igreja e as suas relações com o mundo, há novo impulso para pensar (e repensar) as ações eclesiais e desenvolver a Teologia Pastoral. Assim, a reflexão teológico-pastoral contempla um vasto leque de ações ad intra e ad extra com o escopo de contribuir na edificação da Igreja e a ajuda-la a ser presença significativa na sociedade. Porém, só o consegue se tiver a perspicácia de reconhecer os apelos da sociedade moderna/pós-moderna. Algumas atividades são ações de pastoral organizada, outras, de participação dos atores pastorais em projetos e ações da sociedade em áreas alinhadas com os propósitos das comunidades ou relevantes para a sua missão. Muitas ações eclesiais implicam aspetos legais, outras propõem-se oferecer formação específica para atuação efetiva e coerente na política, na economia e noutros setores da sociedade relevantes para a promoção e garantia do bem comum.

Desde as origens, a Igreja entendeu como a sua principal missão anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo, conforme o preceito evangélico “Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura(Mc 16,15), missão desenvolvida desde os primórdios e exercida em comunidade, através de ações eclesiais que, segundo Floristán, são as formas de agir da Igreja, derivadas das funções messiânicas de Jesus, isto é, profética, sacerdotal e régia, ou dos três poderes da Igreja: ensino, santificação e governo.

Em conceção análoga à de ações eclesiais, o mesmo autor refere as ações pastorais como as ações da Igreja e dos cristãos a partir da práxis de Jesus, que se voltou para a implantação do reino de Deus na sociedade, ações que se desenrolam em dois campos: ad intra, votadas à construção da comunidade cristã; e ad extra, votadas à libertação da sociedade.

E deve ter-se em conta que a pastoral, enquanto ação eclesial, sempre existiu na Igreja”, sendo relevante o volume das ações eclesiais e a prática pastoral da Igreja na História.

 

O entendimento da ação eclesial ao longo da História

Após o Pentecostes (cf At 2.1-4), os apóstolos começaram a anunciar a boa nova do Evangelho, focando-se no anúncio da ressurreição do Senhor, o que enformava os primeiros atos pastorais. A Igreja, encarnando-se na cultura de cada povo ao longo da sua existência histórica, buscou (e busca) responder de diversas formas e com diferentes modelos eclesiológico aos sinais dos tempos, anunciando o Evangelho. Nesses termos, a Igreja, como instituição divina e humana, é também fator cultural. Consequentemente, a ação pastoral, embora permeada pela graça e sob o dinamismo do Espírito Santo, é verdadeira ação humana, sujeita às contingências de qualquer ação. E, no desenvolvimento histórico da ação eclesial, é de mencionar como esta era entendida já pelos primeiros cristãos: a Igreja, sendo apostólica, era una, pois Deus é um só e a unidade da Igreja é ícone da unicidade divina. Porém, a Igreja é também diversa, rica em dons e ministérios, e é realidade escatológica a viver a tensão entre “o já e o ainda não”, estando no mundo como comunidade de convertidos, isto é, dos que abraçam a fé pelo Batismo, na compreensão paulina, como morrer e ressuscitar para a nova vida (cf Rm 6.3-14), e querem viver na prática do amor a Deus e aos irmãos (cf 1Jo 4.8-20).

Na Idade Antiga, entre os séculos II a meados do século VI, o modelo de ação eclesial é baseado em três ações que norteiam a vida cristã: Martyria, testemunho de vida; Kerigma, anúncio da ressurreição; e Didaskalia, ensino da palavra de Deus. Porém, toda a prática cristã se centra no culto, com orações em comunidade e na celebração da Eucaristia, sendo, com o Batismo, a mais importante prática da Igreja antiga que se perpetua até hoje. Nesse período, a conceção de Igreja universal e local está muito difundida, entendendo-se que a primazia duma Igreja local não abole a consciência da comunhão universal na fé. Por volta do ano 200, os cristãos deixam de viver em guetos e formam sólida união de fiéis, que jamais pode ser ignorada. Se antes o pensamento na ação dos protocristãos não era um pensamento histórico – viviam na tensão da parusia imediata –, agora o cristianismo é fator histórico e consolidado. É nesse período que se a começa a desenvolver na prática cristã a consciência histórica, o que gera preocupação mais acentuada com a consolidação da Igreja, a Hierarquia e a constituição de normas e contribuiu para a união Igreja-Estado no século VI. A doutrina eclesiástica está a ser definida e clarificada. E nisso o movimento das heresias contribuiu, pois, na busca de salvar a sã doutrina das heresias, os cristãos procuram, além dos escritos sagrados, na filosofia, fundamento para clarificar o entendimento da doutrina cristã. Assim, os primeiros cristãos viviam numa sociedade pagã, mas com muita seriedade e caridade, como descreveu Teófilo no século IV:

Entre eles encontra-se um sábio autodomínio: a continência é praticada, a monogamia observada, a castidade guardada, a injustiça eliminada, o pecado erradicado, a justiça praticada, a lei respeitada, a piedade é atestada pela ação, Deus é louvado, e a verdade é estimada como o supremo bem” (Cf STOCKMEIER; BAUER, 2006, p. 76).

Pelo fim da antiguidade, a Igreja, que lançara raízes em outras culturas, apresenta diferenças na sua prática. Apresenta-se mais plural ante a interferência de outras culturas, como, por exemplo, o distanciamento da prática ocidental e oriental. E com tais peculiaridades lança-se na Idade Média. Se antes tinha conquistado aos poucos a sua cidadania, agora cria a cidadania. A ação eclesial é regida pelo império, o geográfico e as conceções agostinianas de Civitas Dei, que deram suporte à reformulação das duas dimensões da ação eclesial, ad intra e ad extra, configurando um modelo de cristandade medieval, em que a Igreja recebia intervenções internas do Estado e servia de suporte ideológico ao mesmo. A ação eclesial desenvolve-se sobretudo em paróquias, mas é comum a fundação e construção de conventos e mosteiros. E os principais agentes da ação pastoral são o clero, os religiosos e os missionários. Nesse contexto, os leigos ouvem as pregações, participam no culto, recebem os sacramentos e praticam as devoções populares: peregrinações, devoção à paixão do Senhor, adoração ao SS.mo Sacramento, culto a Maria e veneração dos santos e das suas relíquias. Todos são exortados à prática da caridade.

Face ao protestantismo em formação e à modernidade, a Igreja lança-se na Idade Moderna. Nesse período, dois concílios, o Concílio de Trento e o Concílio Vaticano I, desenvolvem a ação eclesial, ajudando a favorecer o retorno à escolástica, mas reformada. Para valorizar e reafirmar a institucionalidade da Igreja Católica num contexto confuso e tumultuado, a Igreja autoafirma-se como sociedade perfeita e exclusiva depositária dos meios de salvação. A ação da Igreja, orientada por tais conceções eclesiológicas, reafirma o valor do sacramento e da devoção popular, mas de forma evoluída: por exemplo, desdobra a Eucaristia em devoção do Sagrado Coração de Jesus e de Cristo Rei e desenvolve exponencialmente a devoção à Virgem Maria. 

Apesar de a ação pastoral ser quase uma repetição da ação eclesial da Idade Média, aqui inicia uma vontade de renovação, que se concentra em pequenos círculos sociais de leigos cultos, proporcionando muitas conversões para uma fé consciente. Surge, pois, na Igreja uma ação dos leigos que se organizam em partidos católicos, participam na imprensa e no ensino e até originam um movimento bíblico católico e litúrgico, que ajudou o desenvolvimento da consciência laical no Vaticano II.

Até ao Vaticano II, pode falar-se de ação eclesial, mas não dum pensamento sistematizado e disseminado sobre ela. Portanto, o marco e referência da Teologia Pastoral, no âmbito católico, é a obra Handbuch der Pastoraltheologie (Manual da Teologia Pastoral, 1964-1972), em 5 tomos, sendo autores: Karl Rahner, Franz Xaver Arnold, Ferdinand Klostermann, Viktor Schurr, Leonhard M. Weber. Vislumbra a nova Igreja em perspetiva na época. De especial relevância é o livro de Karl Rahner Selbstvollzug der Kirche (Autorrealização da Igreja, 1972), que expõe o fundamento eclesiológico da Teologia Pastoral. Não faz referências a documentos específicos do Vaticano II, pois já estariam suficientemente contemplados. E reconhece a importância do desenvolvimento da Teologia Prática na igreja luterana para a atual reflexão teológico-pastoral na Igreja Católica. Depois dessa relevante obra dos autores alemães, surgiram outros expoentes da área como Casiano Floristán, Mário Midali, Kathleen A. Cahalan, João Batista Libânio, entre outros. Todos têm como referência a eclesiologia do Vaticano II e as suas implicações na ação eclesial e reconhecem o “Manual de Teologia Pastoral” como marco no desenvolvimento da Teologia Pastoral da Igreja Católica. Autores católicos, sobretudo em países europeus e EUA, adotam a terminologia Teologia Prática para facilitar o diálogo entre as diferentes Igrejas cristãs e afirmar a ação eclesial como ação de todos os batizados tendo como horizonte de ação todas as realidades humanas. Documentos oficiais e alguns outros teólogos preferem a dupla terminologia Teologia Pastoral ou Prática em respeito ao desenvolvimento nos diferentes contextos e regiões.

O Concílio Ecuménico Vaticano II é, com razão, tido como “concílio pastoral-eclesiológico”, conforme defendeu (entre outros) Dom Aloísio Lorscheiter. Nessa ótica, tem especial relevância a constituição dogmática Lumen Gentium (1964) e a constituição pastoral Gaudium et Spes (1965). Todo o género humano e as suas realidades passam a ser o foco da ação eclesial. A Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história. O Vaticano II deu um grande impulso à Teologia Pastoral na medida em que afirmou um novo modelo eclesiológico, a Igreja Povo de Deus, acentuando o sacerdócio comum de todos, que inclui os leigos como protagonistas. A Igreja reconhece a sua missão como serviço a toda a humanidade, a sua posição centralizadora, detentora única da verdade e de privilégios dá lugar aos traços da comunidade cristã nascente, atualizada no contexto atual. O impacto na ação eclesial dá-se a partir dos novos olhares do mundo (sinais dos tempos), da pessoa e da comunidade, ou seja, dos elementos mais relevantes no desenvolvimento da Teologia Pastoral.

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Pressupostos

Para cumprir a sua missão, a Igreja está atenta aos desafios de cada tempo e lugar, o que só consegue se souber identificar os sinais dos tempos. Deve, pois, em todas as épocas perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho para oferecer, de forma apropriada ao modo de ser de cada geração, respostas às grandes questões humanas a respeito do sentido de vida presente e futura. Francisco, que abraça de forma nova e integral a Igreja do Vaticano II, reafirma a importância de identificar e analisar os sinais dos tempos, por se tratar de grave responsabilidade, pois algumas realidades hodiernas, se não encontrarem boas soluções, podem desencadear processos de desumanização de difícil reversibilidade. Os sinais dos tempos de que a Igreja fala não são análises antropológicas e socioeconómicas meramente técnicas, embora necessárias e relevantes. Mais que isso, a Igreja precisa de elevada ‘sensibilidade kairológica’, na atenção aos sinais dos tempos, percebendo o que Deus espera de cada tempo.

Na tradição cristã, o ser humano é imagem de Deusimago Dei – “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher(Gn 1,26). Não se pode, então, falar de Deus sem falar do homem e vice-versa. A Gaudium et Spes (GS) e suas interpretações concentram-se na apresentação do ser humano à luz de seu ser imagem de Deus. Na verdade, o homem na sua totalidade é criado à imagem de Deus. Essa perspetiva exclui as interpretações que fazem residir a imago Dei neste ou naquele aspeto da natureza humana.

No modo como tal condição carateriza o homem na sua experiência histórica, cabe ressaltar:

A dignidade humana. A conceção do ser humano como imagem de Deus tem por consequência ver o ser humano como um valor em si. Pela sua dignidade pessoal, o ser humano é um valor em si e por si, e exige ser considerado e tratado como tal, nunca ser considerado e tratado como objeto que se usa, um instrumento, uma coisa.

Liberdade – autonomia: A verdadeira liberdade é a marca mais extraordinária da imagem de Deus no ser humano. É expressão da sua dignidade que o ser humano possa agir por opção consciente e livre, induzida e movida pessoalmente, livre de coação externa e de pressão interna. A consciência é expressão singular da dignidade humana, ela é “a intimidade secreta, o sacrário da pessoa, em que se encontra a sós com Deus e onde lhe ouve intimamente a voz” (GS 16), permitindo à pessoa protagonizar a sua própria história. Só na liberdade se exerce a plena autonomia humana. Medard Kehl, no contexto das múltiplas relações da condição humana, usa a expressão “autonomia condicionada pelas relações” para definir o modo de experiência e expressão da autonomia. A experiência humana acontece num contexto concreto que não pode ser percebido como mero delimitador de possibilidades individuais, mas que, à luz da fé cristã, é espaço de partilha e comunhão, própria de complexa teia de relações;

A unicidade (“corpore et anima unus”). Superar a dicotomia corpo-alma é basilar para o novo tempo da Igreja. Promover todos os homens e o homem todo é consequência desse paradigma. Perceber o ser humano como uno implica ampliar o leque de ação onde nenhuma realidade humana lhe é indiferente (ou fora da sua responsabilidade), devendo contemplar todas as dimensões da vida humana e suas interconexões com o ambiente. Com esta dimensão contrasta a do ser humano dividido e redimido. A dimensão da vulnerabilidade é relevante para a perceção e cuidado do ser humano integral, da sua rede de relações e dos seus valores. O ser humano está dividido e sobre essa experiência faz sentido lançar luzes do amor misericordioso de Deus.

No âmbito da comunidade, é preciso considerar o ser humano como um ser de múltiplas relações: “Não é bom que o homem esteja só(Gn 2,18). A vida em comunhão é necessidade vital do que é criado à imagem de Deus, que traz em si a marca da comunhão Trinitária. Portanto, é pessoa / identidade e comunhão de vida e destino. Ser comunidade eclesial expressa, antes de mais, comunhão arraigada no seio da Trindade e, fundada nela, com o próximo. Por isso, com o Vaticano II, a Igreja assume um caráter de comunidade, Povo de Deus. As estruturas físicas e administrativas em todas as esferas da Igreja só têm razão de ser como serviço e garantia da missão da comunidade. Por isso, é necessário um empenho para se evitarem estruturas eclesiais condicionadoras do dinamismo evangelizador. E, no quadro da Teologia Pastoral, a reflexão sobre a comunidade não pode ser reduzida à denúncia, embora necessária, de estruturas (muitas vezes caducas) ao serviço do poder, e não da sua real missão. E ela deve refletir sobre as possibilidades e propostas para a realização da missão da comunidade, o que postula ousadia e criatividade. A reflexão teológico-pastoral sobre o modo de ser Igreja e do agir da Igreja hoje contempla a comunidade, a paróquia como âmbito para escuta da Palavra, crescimento da vida cristã, diálogo, anúncio, caridade generosa, adoração e celebração.

Na América Latina, na sequência do Vaticano II, aprimoraram-se as comunidades eclesiais de base (CEB) com a proposta de serem Igreja à luz das primeiras comunidades cristãs, inteiramente inseridas nas realidades atuais. As CEB são escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com a sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos dos seus membros. A teologia da libertação (TdL) exerceu forte impacto em todos os âmbitos da prática eclesial e a pastoral de conjunto, que não nasce de mero planeamento, mas da conjugação de ações diferentes e complementares que se dão nas bases. E carateriza-se pelo protagonismo laical sempre mais consciente da sua missão, sobretudo nas esferas do povo à margem da sociedade, ou seja, na concretização da opção pelos diversos rostos de pobres e excluídos. Antes, durante e depois do Vaticano II desenvolveram-se muitas formas de participação dos leigos na vida da comunidade local. Essa, ao assumir com mais ênfase caraterísticas de comunhão e missão, vê-se ante o desafio de articular todas as forças vitais ao serviço do Evangelho. A comunidade de comunidades, a comunidade paroquial, reúne a diversidade de expressões de participação e experiência da fé em comunhão com a Igreja local e global. Reconhece-se a vitalidade da Igreja peregrina na América Latina e no Caribe, a sua opção pelos pobres, as paróquias, as comunidades, as associações, os movimentos eclesiais, as novas comunidades e os múltiplos serviços sociais e educativos.

A comunicação do Evangelho é ação pastoral fundamental. O foco eclesiológico e pastoral do Vaticano II levanta a questão da razão de ser da Igreja. Segundo Mette, a palavra-chave é comunicação do Evangelho: A Igreja não foi enviada a não ser para anunciar o Evangelho a todas as pessoas (Cf Mc 16.13). aqui perpassa a reflexão da pastoral, pois a prática de que se ocupa só é ação pastoral quando enraizada em e orientada para a sua missão última. O anúncio não acontece só por palavras, mas também por ações, as que cumprem a palavra e as que são depois interpretadas pela palavra. Tudo o que a Igreja faz e diz, interna ou externamente, é anúncio.

A comunicação do Evangelho sustentada no testemunho autêntico de quem comunica possibilita o encontro real com Cristo, experiência que gera novos missionários. A missão não se limita a um programa ou projeto, mas compartilha a experiência do encontro com Cristo, testemunha-o e anuncia-o de pessoa a pessoa, de comunidade a comunidade e da Igreja a todos os confins do mundo (cf At 1,8). A comunicação do Evangelho, segundo Mette, acontece em diálogo onde todos são evangelizadores e evangelizados. É processo aberto e recíproco, não transmissão unilateral de conteúdos a recetores passivos. Deus comunica-Se, é autorrevelação. Quem tem a missão de comunicar o Evangelho só o pode fazer em profunda consciência de que a comunicação transcende o seu ato de comunicar e que ela resulta numa permanente interpelação recíproca. Por isso, Mette sustenta que, antes de se preocupar com os métodos, é preciso testemunhar a Palavra anunciada em atitude permanente de escuta e humildade.

Falar em ação implica que haja atores. Nesse sentido, Mette questiona se a Igreja pode agir de facto ou se não seriam os sujeitos que agem e quem são, então, os sujeitos que agem como Igreja. No cerne desse questionamento ressalta a missão da Igreja em tempos de esforços para a plena inclusão dos leigos. Ser igreja não é experiência abstrata, mas comunhão de pessoas, que são sujeitos da ação e razão última do agir da comunidade eclesial. E o agir da Igreja é o agir da comunidade para a comunidade. Portanto, também os leigos são protagonistas, e não membros passivos ao serviço da hierarquia ou simples executores de ordens provenientes do alto.

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Teologia Pastoral: possibilidades e contornos

O leque das ações da Igreja é tão vasto e complexo que uma delimitação é um grande desafio. Trata-se aqui apenas de algumas dimensões essenciais comuns uma vez que a vasta extensão das ações não permite uma visibilidade completa. Para Libânio, a Teologia Pastoral (Teologia Prática), como disciplina, não conseguiu muita clareza quanto ao seu objeto. Ora tratava de determinadas práticas pastorais, ora se convertia em resumo de toda a teologia, sobretudo da eclesiologia, com um toque pastoral, ora se subdividia em inúmeras disciplinas auxiliares. Se, dum lado, a práxis da Igreja se tornou mais complexa, de outro, procurou-se uma definição mais precisa para a Teologia Pastoral de forma a não se perder o foco e a razão de ser da própria reflexão científica sobre a prática. Na opinião de Libânio, Teologia Pastoral, como uma disciplina temática especial, é o conjunto de disciplinas teológicas que buscam avaliação crítica, fundamentação teórica e planeamento da prática cristã. O método ver-julgar-agir, amplamente desenvolvido na América Latina, proposto também por teólogos da área, afirmou-se também nesse âmbito. As demandas para a Teologia Pastoral advêm da vida interna da Igreja e da sua presença no mundo.

Ação pastoral intraeclesial. A Igreja sempre desenvolveu de algum modo a ação pastoral, com o objetivo comunicar o Evangelho. Hoje a Igreja não pode ser diferente, continua a sua ação buscando levar a todos o conhecimento do Evangelho de Cristo, pois, como dizia São João Paulo II, a ação pastoral destina-se por sua natureza a animar a Igreja que é essencialmente mistério, comunhão e missão. Entende hoje que a sua prática seja refletida e planeada em vista da sua missão. Ao referir-se à formação dos sacerdotes, ele explicita que se exige-se o estudo de uma verdadeira e autêntica disciplina teológica, a teologia pastoral ou prática, que é uma reflexão científica sobre a Igreja no seu edificar-se quotidiano, com a força do Espírito, na história, portanto, sobre a Igreja como “sacramento universal da salvação”, como sinal e instrumento vivo da salvação de Jesus Cristo na Palavra, nos Sacramentos e no serviço da Caridade. A pastoral não é só uma arte nem um complexo de exortações, de experiências ou de métodos; possui uma plena dignidade teológica, porque recebe da fé os princípios e critérios de ação pastoral da Igreja na história, da Igreja que se gera em cada dia a si mesma. Hoje a Igreja continua com o desafio de transformar as paróquias em verdadeiras comunidades, onde todos os batizados são responsáveis. O protagonismo dos leigos acontece efetivamente na Igreja local. Por isso, o pároco, além de possuir autêntica sensibilidade de pastor, precisa de estar pronto para escutar o parecer dos leigos, considerando com interesse fraterno as suas aspirações e aproveitando a sua experiência e competência nos diversos campos da atividade humana, de modo a poder juntamente com eles reconhecer os sinais dos tempos. Assim, ressaltam, entre outros, como empenho comum na edificação da Igreja: a catequese, a liturgia, a missão. A catequese, para crianças, jovens ou adultos, tem por finalidade ensinar a doutrina cristã de modo orgânico e sistemático, iniciando-os na plenitude da vida cristã, intimamente ligada com toda a vida da Igreja, participando das duas dinâmicas da sua ação eclesial ad intra e ad extra. O seu conteúdo parte da comunicação do Evangelho para suscitar a fé, buscar razões para crer e proporcionar a experiência da vida cristã com a celebração dos sacramentos, a integração na comunidade eclesial e o testemunho missionário. Na liturgia, a Igreja celebra sobretudo o mistério pascal pelo qual Cristo realizou a obra da nossa salvação. É esse mistério que a Igreja anuncia e celebra na liturgia, a fim de que os fiéis vivam e deem testemunho dele no mundo exprimindo e manifestando aos outros o mistério de Cristo e da salvação. Porém, com a liturgia a Igreja não esgota a sua ação. Essa, além de ser o ápice para que tende a ação da Igreja, tem de ser precedida e completada pela evangelização, ou seja, pelo testemunho diário, já que todos somos chamados a anunciar o Cristo ressuscitado aos irmãos. A missão surge depois da catequese e da celebração litúrgica, como fruto dessas duas ações da Igreja, configurando-se como a terceira ação, mas que acontece em simultâneo com as outras. A missão, impulsionada pelo amor de Cristo (cf 2Co 14), é atribuída a todos os fiéis que dela tiram proveito para a sua formação, a partir do conhecimento e da prática dos irmãos não cristãos. O ser missionário é inerente à adesão a Cristo. E Francisco diz aos cristãos que “a Igreja ‘em saída’ é uma Igreja com as portas abertas” e que “sair em direção aos outros para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direção nem sentido”. Portanto o caráter missionário implica ir ao encontro do outro, comunicando o Evangelho, em primeiro lugar, pelo testemunho.

A ação eclesial na sociedade contemporânea. As pastorais sociais e outras formas de ação da Igreja são espaços de ação eclesial do cuidado e participação em diferentes esferas sociais e políticas, cuja ação nasce do coração do Evangelho e, de forma mais expressiva e abrangente, testemunha a autêntica caridade. Para a Igreja, a caridade não é atividade de assistência social que se possa deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua essência. Como dimensão essencial, a caridade toma novas formas de expressão em cada época e lugar. A resposta de amor aos desafios atuais não pode ser entendida apenas como soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns necessitados, o que poderia constituir uma “caridade por receita”, uma série de ações destinadas a tranquilizar a própria consciência.

A proposta é o Reino de Deus (cf Lc 4.43); trata-se de amar a Deus, que reina no mundo. Não se trata só dos desafios da pobreza material, mas também das outras formas de carência e exclusão, que requerem nova atenção para o rosto sofrido dos irmãos. A Igreja, com a Pastoral Social, acolhe e acompanha as pessoas excluídas nas respetivas esferas. A missão profética da Igreja na sociedade dá-se pela sua postura crítica das estruturas, e pela participação e protagonismo dos leigos nas diferentes esferas sociais e políticas. Um urgente desafio (embora antigo) avolumou-se de tal modo nos últimos anos que a comunidade internacional e as forças das Igrejas não o conseguem atender de forma satisfatória e que merece especial atenção: a violência e as consequentes migrações. Milhares de pessoas deixam os seus países em busca de vida digna, mas as fronteiras fecham-se e não há política internacional que resolva o problema. Mette cita como motivos para o deslocamento humano a opressão política, o desrespeito aos direitos humanos, as tensões raciais, éticas e religiosas, mas reconhece o empenho das Igrejas (lembre-se a Pastoral dos Migrantes) pelo acolhimento, acompanhamento e apoio nas instâncias legais e políticas.

Grande avanço para ação pastoral foi a compreensão da sua missão profética no âmbito da sustentabilidade, isto é, a partir do cuidado global, que abrange as questões de justiça social, as económicas e as ecológicas de forma integrada. Karl Bopp reclama a total ausência dos temas ecológicos na Teologia Prática e defende o princípio sustentabilidade como um dos seus temas centrais. A questão ecológica vai além da mera proteção da natureza e culmina, em última análise, na questão ético-teológica dum estilo de vida conforme à criação e correspondentes estruturas sociais e económicas. Para a reflexão teológico-pastoral não bastam os aspetos técnicos, é relevante ocupar-se do tema à luz da fé cristã, que vai além dos grandes problemas da área, pois apresenta, ao mesmo tempo, sinais de esperança para sua superação e transforma o discurso catastrófico em discurso de esperança”.

Outro relevante desafio pastoral são os meios de comunicação. Segundo Mette, eles produzem uma nova ordem simbólica do mundo e da vida, são promotores de sentido de vida, opiniões, estilos e costumes; e são espaços de evangelização por excelência. Porém, para se sustentarem, sujeitam-se aos critérios do mercado mediático. Eventos eclesiais e celebrações podem acentuar mais o show que a efetiva comunicação do Evangelho e a repercussão da vida eclesial.

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Concluindo

Não se pensa a edificação da Igreja sem a relação direta com a ação eclesial. Nesse aspeto, a ação eclesial esteve sempre em pauta. Porém, o Concílio Vaticano II contribuiu de modo particular para a reflexão científica sobre o agir da Igreja. Daí a relevância da Teologia Pastoral para o atual modelo eclesiológico, que postula a transformação das paróquias em autênticas comunidades. Há a valorização da Igreja local sem perda da identidade católica. Esse modo de ser Igreja desafia a Teologia Pastoral. Os novos paradigmas implicam um longo processo para se consolidar o novo tempo eclesial. Por isso, as comunidades devem estar em estado de conversão pastoral para realizar de forma consistente e ampla esse projeto. Cabe à Teologia Pastoral fundamentar as ações da Igreja e dialogar com os diferentes saberes e expressões religiosas para as ações serem significativas e proféticas para todo o género humano.

2021.12.02 – Louro de Carvalho

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