sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Risco de pobreza em Portugal aumentou 2,2% face a 2019

 

Segundo os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) divulgados neste dia 17 de dezembro, a pandemia agravou a desigualdade no país, tendo o risco de pobreza aumentado para 18,4% em 2020, o que representa uma subida de 2,2% relativamente a 2019.

É de frisar que a taxa de risco de pobreza, que correspondia em 2020 à proporção de habitantes com rendimentos monetários líquidos por adulto equivalente inferiores a 6.653 euros (554 euros por mês), vinha a cair. No entanto, a pandemia levou à inversão da tendência, sendo que, em 2020, se registou a variação anual mais elevada da série. Assim, nesse ano, eram 1.893 milhares os residentes em risco de pobreza, mais 228 milhares que no ano anterior (1.665 milhares em 2019), segundo o INE. No geral, o aumento da pobreza afetou todos os grupos etários, especialmente adultos em idade ativa e população idosa. Foi nas mulheres que mais incidiu o crescimento do risco de pobreza, pois subiu de 16,7% em 2019 para 19,2% em 2020 (mais 2,5%). E verificou-se sobretudo nas idosas (de 19,5% para 22,5%: mais 3%). No atinente ao impacto da situação laboral, verificou-se uma subida no risco de pobreza para a população desempregada para 46,5% (mais 5,9%) em 2020. Já para a população empregada, o risco de pobreza aumentou para o valor mais elevado dos últimos 10 anos: 11,2%. Considerando um novo indicador da UE (União Europeia), em 2021, e tendo em conta os rendimentos de 2020, somavam 2.302 milhares as pessoas que, em Portugal, se encontravam em risco de pobreza ou exclusão social, ou seja, pessoas em risco de pobreza ou a viver em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa.

Quanto aos indicadores relativos à pandemia, percebe-se que os rendimentos das famílias foram bastante afetados. Com efeito, 16,4% das famílias referiram, entre maio e setembro de 2021,  a redução do rendimento familiar nos 12 meses anteriores, valor que se mantém bastante superior ao da pré-pandemia (10,3% em 2019); 27,5% das famílias com redução do rendimento familiar, indicaram como motivo a pandemia. Isto, apesar de as medidas extraordinárias do Governo terem chegado a alguns portugueses: 5% das famílias referiram ter recebido apoios monetários do Estado em 2020 conexos com o emprego dos trabalhadores por conta de outrem; 2,9% das famílias receberam apoios conexos com o trabalho por conta própria; e 2,4% das famílias receberam apoios monetários conexos com a família, as crianças e a habitação. Não obstante as transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social terem contribuído para a redução do risco de pobreza de 4,6 pontos percentuais (de 23% para 18,4%), este contributo foi inferior ao registado nos anos anteriores, como nota o INE. E, olhando a distribuição geográfica, “em 2020, considerando o limiar de pobreza nacional, o risco aumentou em todas as regiões do Continente, principalmente nas regiões Norte (mais 3%), Centro (mais 3,3%) e Algarve (3,9%), mas diminuiu nas regiões autónomas (menos 6,6% na Região Autónoma dos Açores e menos 2,1% na Região Autónoma da Madeira).

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Segundo a EAPN Portugal (Rede Europeia Antipobreza), define-se a pobreza como condição humana caraterizada por privação sustentada ou crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poder necessários para o gozo de um adequado padrão de vida e outros direitos civis, culturais, económicos, políticos e sociais (Comissão sobre Direitos Sociais, Económicos e Culturais, das Nações Unidas, 2001), ou seja, a privação das condições necessárias para termos acesso a uma vida digna.

Porém, não raro, limita-se o conceito de pobreza à dimensão monetária/financeira e transpõem-se para o conceito de exclusão social outras dimensões tais como o acesso aos direitos e aos serviços. Neste caso, dentro da UE, definiu-se uma fórmula de cálculo para definir quem estaria em situação de risco de pobreza. E a linha de pobreza é definida como “60% do rendimento mediano por adulto equivalente” (INE). Nestes termos, estaria em situação de risco de pobreza o adulto que, em 2014, tivesse um rendimento inferior a 422 euros por mês.

Esta definição de pobreza traz a mais-valia de contabilizar a proporção de pessoas em risco de pobreza, comparar países e captar a evolução ao longo do tempo. Contudo, sendo objetiva desse ponto de vista, torna-se muito subjetiva se pensarmos que 1€ pode fazer a diferença entre ser ou não considerado como estando em situação de pobreza. Além disso, não tem em conta fatores como a diferença do custo de vida entre diferentes cidades do país ou a possibilidade ou não de aceder a alojamento de forma gratuita. A pessoa que recebe 421€ e reside gratuitamente em espaço cedido ou herdado dum familiar está em situação de pobreza, mas a pessoa que recebe 425€ e paga 220€ de alojamento não é considerada nas estatísticas da pobreza.

Quando utilizamos este conceito mais restrito de pobreza, é importante que se lhe associe sempre o conceito de exclusão social. Na verdade, podemos estar em situação de exclusão social apesar de termos uma situação económica favorável. Por exemplo, a pessoa com determinada deficiência pode nascer e viver numa família rica, no entanto, pode ter dificuldade em aceder ao mercado de trabalho, frequentar determinados espaços, ser discriminada num conjunto de situações, etc. No entanto, se a condição económica influencia a capacidade de acesso a bens e serviços, o acesso a esses bens e serviços tem impacto na condição económica. Tal pode exemplificar-se com a criança obrigada a abandonar a escola devido às condições económicas em que vive; ou com a criança que não consegue ter sucesso escolar, mercê de problemas de nutrição, ou pela impossibilidade de os pais acompanharem a sua aprendizagem, quer por falta de conhecimentos, quer por impossibilidade de pagar apoio escolar extracurricular, ou por problemas de saúde crónicos, ou devido às condições do alojamento, etc. Por sua vez, o baixo nível de escolaridade de crianças nestas situações terá impacto no leque de oportunidades que terá ao entrar no mercado de trabalho e obviamente no rendimento mensal enquanto adulto.

A pobreza absoluta ou extrema designa a situação em que as pessoas não veem satisfeitas as necessidades básicas de sobrevivência. Assim, passam fome, não têm água potável, habitação condigna, roupas suficientes ou medicamentos e têm de lutar para se manterem vivas. Esta situação é mais comum nos países em desenvolvimento, mas algumas pessoas na UE, como os sem-abrigo ou as comunidades ciganas, continuam a viver nesta situação de pobreza extrema.

A pobreza relativa designa a situação em que o estilo de vida e o rendimento das pessoas se situa a um nível bastante abaixo do nível de vida do país ou da região em que vivem, a ponto de terem de lutar para conseguirem ter uma vida normal e participarem nas atividades económicas, sociais e culturais. Esta realidade difere de país para país dependendo do nível de vida da maioria da população. Embora não tão extrema como a pobreza absoluta, a relativa é ainda bastante preocupante e prejudicial.

No seio da UE, a pobreza é normalmente medida em função dos limiares de pobreza monetária relativa, o que implica calcular os rendimentos médios equivalentes dos agregados familiares dum determinado país. Assim, a linha da pobreza é estabelecida de modo a corresponder a uma percentagem desse rendimento médio. Normalmente, estas linhas de pobreza variam entre os 40% e os 70% do agregado familiar, o que nos dá uma ideia geral da taxa de risco de pobreza, mas estes valores podem ser também desagregados por idade, sexo, tipo de agregado familiar e situação profissional para dar uma visão mais detalhada de quem está realmente em risco. Isto quer dizer que se pode examinar a situação de grupos específicos como crianças, idosos ou desempregados. Na UE, a população que dispõe de um rendimento anual líquido abaixo dos 60% do rendimento mediano encontra-se “em risco de pobreza”.

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Para Acácio Catarino (conheci-o pessoalmente), antigo presidente da Cáritas Portuguesa, falecido em setembro, a erradicação da pobreza não consiste em acabar com ela rapidamente, mas em atuar, ao melhor ritmo possível, na realidade, atenuando-a, e nas suas causas, tendendo para a sua eliminação. Seria desejável eliminá-la dum dia para o outro, mas não há requisitos para isso, apesar de não faltar quem pense que sim. Contudo, não se podem perder de vista as diferentes tentativas, em prol dessa erradicação, que surgiram ao longo da história, tais como: tradições e experiências comunitárias; teorias e experiências socializantes ou estatizantes na antiguidade; o cristianismo; várias utopias; movimentos milenaristas; revoluções; o marxismo; os socialismos; a democracia e o Estado social; a investigação; novos movimentos sociais... Apesar destes contributos e de tantos esforços, “continuamos paupérrimos perante a pobreza”.

A UE vem dedicando atenção sistemática à pobreza e exclusão social, desde sempre, mas sobretudo a partir dos anos 70 do século XX. Todavia, utiliza mais as palavras “combate” e “luta” que “erradicação”, que não correspondem a opção, mas à evolução natural neste domínio, baseada nas enormes dificuldades a vencer, com tendência para se agravarem. De facto, a erradicação da pobreza debate-se, além do mais, com dificuldades ancestrais, socioeconómicas, políticas e tecnocientíficas. Nas ancestrais, incluem-se: a contingência humana e suas vicissitudes quotidianas; a força dos mais fortes; a avareza e o egoísmo, agravados pelo receio do futuro; o sentimento atávico de que é natural haver pobreza e pobres... Nas socioeconómicas, figuram: o peso dos sistemas económicos; a força de determinados grupos, empresas e pessoas; a complexidade incontrolável das realidades em presença; divergências de interesses; conflitos laborais; dialética da harmonização entre sustentabilidade económica e justiça social; articulação entre curto, médio e longo prazos... Nas políticas, sobressaem: o condicionamento do poder político por todas as dificuldades ora referidas e outras; a impossibilidade de o poder político satisfazer todas as necessidades e reivindicações; a consciência subliminar, muito propalada, segundo a qual os recursos financeiros são, ou têm que ser, ilimitados; o peso dos extremismos, fundamentalismos e populismos, com seus diferentes matizes; as divergências entre partidos, dentro deles, contra eles e à sua margem; a falta de soluções adequadas e aceites de maneira pacífica para muitos problemas... Nas tecnocientíficas, basta referir: as limitações financeiras e outras, com que se debate a investigação científica e tecnológica; o não aproveitamento de alguns dos resultados; a insuficiência da investigação e da difusão dos seus resultados nos domínios relacionados com as dificuldades ora sumariadas e, especificamente, com a erradicação da pobreza.

Dizem observadores que o processo de erradicação da pobreza ainda não foi assumido entre nós e até se verificam omissões graves na execução de medidas políticas já adotadas, que poderiam contribuir para a tal erradicação, como: direitos sociais consagrados na Constituição (CRP); planos de desenvolvimento económico e social, aí consagrados; resoluções da Assembleia da República (AR) não levadas à prática; medidas governamentais só executadas em parte ou não executadas; e menosprezo da luta pela subsistência ou pela vida.

Todos os governos e todos os partidos dão prioridade aos direitos sociais, mas não se procedeu à estimativa regular dos montantes financeiros necessários para os assegurar, com dignidade razoável, a toda a população, sem exclusões. Tal estimativa constituiria um quadro de referência a ter em conta. A CRP estabelece, no art.º 90.º, planos de desenvolvimento económico e social, para o “desenvolvimento harmonioso e integrado” do país, que não têm sido elaborados, embora tenham sido adotadas “as leis das grandes opções” que lhes serviriam de base. Esta omissão vem tornando impossível o quadro político indispensável para a erradicação da pobreza e para a solução de outros problemas fundamentais. Em 2008, a AR aprovou resoluções destinadas a atuar nas situações de pobreza e a contribuir para a sua erradicação mediante a ação do Estado e da sociedade civil, mas nenhuma foi executada.

Enfim, desde 1974 foram adotadas várias medidas e linhas de rumo com incidência na atenuação e erradicação da pobreza, que não foram executadas ou só o foram em parte; e não se procedeu à sua articulação, atualização e enquadramento. Estão no caso, por exemplo, a promoção do emprego, a manutenção e criação de postos de trabalho; o emprego protegido; as iniciativas locais de criação de emprego; a promoção do artesanato; o mercado social de emprego (diferente do mercado de emprego social); os clubes de emprego; o desenvolvimento sociolocal; a rede social (que não chegou a todos os concelhos e freguesias, nem originou a consciência coletiva dos problemas sociais, a partir da base, com vista às respetivas soluções).

A luta pela subsistência e por uma vida condigna acompanhou toda a história da humanidade, através do trabalho diário e da entreajuda de proximidade. E a sabedoria popular desempenhou aí papel relevante, consagrando, em provérbios e outras expressões, a aprendizagem nessa luta e integrando saberes de outras fontes. Na modernidade, o Estado social promoveu, em vários países, políticas diversificadas a favor de proteção mais completa que a tradicional; porém o nosso país menosprezou bastante a luta pela subsistência e as relações de proximidade em que se integra. Ora, o Estado, em vez de a menosprezar, podia adotar algumas providências pouco dispendiosas e simples como: reconhecer os grupos de voluntariado social de proximidade e apoiar a sua criação nas localidades onde não existem e a melhor qualificação deles; promover a estreita articulação de cada um com as instituições particulares de solidariedade social e com os serviços de ação social de autarquias e Instituto da Segurança Social; cooperar no apuramento e difusão de estatísticas dos casos sociais atendidos, para atenuação e erradicação de situações de pobreza; promover a avaliação anual das situações de pobreza e exclusão social, para melhoria da atuação de famílias e cidadãos, bem como das instituições (públicas, privadas e dos setores social e solidário); facilitar a economia de subsistência (trabalho por conta própria e de outrem, pequena agricultura, oficinas, pequenos estabelecimentos, micro e pequenas empresas em geral...).

Porém, o Estado configura-se mais estatizante que servidor, mais controlador que cooperante. Mas não é inevitável que assim continue. Basta a vontade política e o espírito de serviço!

2021.12.17 – Louro de Carvalho

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