É
este Natal de cabeça e coração que desejo a todas as pessoas e comunidades,
obviamente com a minha natural predileção por familiares e amigos/as, porque,
se se costuma dizer que “a caridade começa por casa” (charity begins at home), também a solidariedade natalina
começa pelos mais chegados, mas sem parar aí. E, neste aspeto, quero recordar
velhas amizades de pessoas que já não vejo nem ouço há muito tempo, incluindo
aquelas que já se escaparam deste mundo ora de conforto ora de sofrimento.
Dizer nomes não os digo porque são mais que muitos.
É
meu desejo que o Natal seja vivido com a cabeça, porque é dever de todo o ser
humano andar no mundo, seja ele qual for e de que género for, de cabeça erguida
pela liberdade de pensamento, sentimento e expressão, estribada na dignidade
humana, com acesso a tudo o que os seres humanos têm direito e pelo qual deve
lutar sempre, porque os direitos não são conquista absoluta nem irreversível.
Depois, é importante que o cérebro não se deixe ofuscar pelo mundo que esquece
os deveres de humanidade, dignidade de todos os seres humanos, cidadania,
participação na vida coletiva nas suas diversas vertentes, nem se deixe invadir
pela onda vertiginosa do consumismo egoísta e pomposo, que faz esquecer aqueles
e aquelas que nada ou quase nada têm, podem ou sabem – muito em risco de também
“não serem”.
De
modo especial em tempo de pandemia, longe de estar controlada, parecendo mesmo
que se está a tornar endemia, o Natal de cabeça exige o maior cuidado em termos
da aglomeração de pessoas na rua e nos espaços de utilização coletiva. Mais do
que o instinto ou o impulso, importa a preservação da saúde pessoal e
comunitária, de modo que o inimigo comum não a leve a melhor ceifando vidas
humanas e debilitando ou quase inutilizando pessoas. Em todo o caso, pior que a
pandemia sanitária, poderá eclodir e persistir a pandemia do medo e do egoísmo,
que pode ditar situações de exploração, guetização e ostracismo – tudo males a
evitar, por maior e mais apelativa que seja a tentação de excluir em vez de
incluir, de banir em vez de integrar, de ignorar ou desprezar em vez de
respeitar.
A
par do Natal de cabeça, que nos habilita à ponderação e ao discernimento, à
descoberta e ao cultivo dos valores, quero para todos/as e em todos/as o Natal
de coração. E este prima pelo estabelecimento e consolidação fortalecedora de
laços de familiaridade, amizade, saída de si mesmo, altruísmo, solidariedade
sempre na senda da justiça acolitada eficazmente pela caridade. Ora, esta
justiça, que não se limita a dar a cada um/a só o que lhe pertence, mas se
preocupa por que a todos/as advenha tudo aquilo de que precisam para viverem de
cabeça erguida, pela de dignidade e liberdade, recebendo o justo salário que
seja plena compensação pelo trabalho, sirva de suficiente sustento da vida
familiar e permita, como salário e/ou como ou subsídio/pensão a situações de
doença, incapacidade e velhice ou, em alternativa, recebendo o necessário apoio
ao desenvolvimento da atividade em regime de trabalho por conta própria.
Obviamente que o Natal do Coração não se limita à tolerância, muito menos à
pena oca, mas postula a solidariedade, a interajuda e o sentido da comunidade
que faz questão de apostar a sério na partilha compassiva e verdadeiramente empática.
Um
Natal de cabeça e de coração dota-nos mãos para estender dando, pedindo,
emprestando, amparando como nos dá pés para ir ao encontro do outro, de quem
precisa e de quem não precisa. Mas é bom partilhar e sentir que a partilha
constitui a verdadeira Festa da Vida.
Depois,
contrariando a tentativa do predomínio da negação do Natal por entidades que
não se reveem neste perfil cultural (têm o direito de não o
ter, mas não direito de o aniquilar),
há que salientar a capacidade de o Natal se encastrar no coração da família e
deixar as suas marcas no grupo social, cultural ou profissional que integramos,
bem como de constituir um delicioso momento para o incremento da fraternidade
universal.
Com
efeito, contrapondo a génese cristã do Natal à excessiva e equívoca laicização
do mesmo, há que fazer apelo aos postulados práticos da fé. Na verdade, se o
Natal é mistério Graça (“Salve,
ó Cheia de Graça”: Lc 1,28)
e mistério da presença do Senhor (“O Senhor Contigo”: Lc 1,28) no
meio de nós (“E o Verbo Se
faz Carne e passou a habitar em nós”: Jo 1,14), urge que tenhamos presente este
ditame do ser cristão:
“O
que nós vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós
estejais em comunhão connosco. E nós estamos em comunhão com o Pai
e com seu Filho, Jesus Cristo.” (1Jo 1,3).
Por
consequência, o cristão que celebra o Natal de cabeça e coração tem de estar
aberto ao transcendente, mas de modo que tal abertura se apoie na análise apaixonada
da realidade humana e leve a intervir nela para a colocar sob a égide de Deus tornando
o homem mais homem e o mundo mais justo e fraterno de forma que, se Terêncio
dizia “Sou homem e nada do que é humano
julgo estranho a mim” (in “Adelphoe”), também qualquer cristão deve assumir,
em compromisso firmem as seguintes palavras da “Gaudium et Spes” (Constituição
Pastoral sobre Igreja no mundo contemporâneo):
“As
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje,
sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há
realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.
Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são
guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e
receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos.” (GS 1).
Enfim,
seja este o espírito da festa e do compromisso com que os cristãos em pessoa e
em Igreja celebram o Natal. Feliz e Santo Natal!
2021.12.21 – Louro de Carvalho
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