Na iminência de o mais
volumoso Governo de Portugal chegar ao termo das suas funções, por força das próximas
eleições legislativas antecipadas, a SEDES (Associação para o
Desenvolvimento Económico e Social) entrou no debate sobre a dimensão do Governo e propõe que haja, para lá do
Primeiro-Ministro e, eventualmente, dum Vice-Primeiro-Ministro, apenas 11
ministérios, em linha com as orgânicas de Governo vigentes na União Europeia (UE). O Presidente da República
apreciou a ideia e deu-lhe palco, destacando em público este tema da agenda
política; e o recandidato a Primeiro-Ministro anunciou e confirmou a intenção de formar “uma equipa
governativa mais curta”, caso vença a corrida eleitoral de 30 de janeiro.
Efetivamente António Costa é recordista
neste aspeto. O atual secretário-geral do Partido Socialista formou o
maior Governo da democracia portuguesa em 2019, o XXII Governo Constitucional,
com 19 ministérios e 50 secretários de Estado, ultrapassando o Governo de Santana
Lopes, que tinha 18 ministérios. Ao invés, o mais pequeno foi o
de Passos Coelho, o XIX Governo Constitucional, que se iniciou com 12
ministérios, cabendo um deles ao Vice-Primeiro-Ministro, mas passou a contar, a
meio do percurso, 13 ministérios, ficando o Vice-Primeiro-Ministro a coordenar toda
a área económica, mas havendo um Ministro da Economia. Não obstante, o XX Governo
Constitucional, também liderado por Pedro Passos Coelho e com Paulo Portas a Vice-Primeiro-Ministro,
que durou 27 dias, já teve 15 ministérios.
E o segundo Governo menos volumoso foi o primeiro de Cavaco
Silva, o X Governo Constitucional, que tinha 14 ministérios, dimensão
semelhante ao Governo da Aliança Democrática liderada por Francisco Sá Carneiro.
É de recordar que também o IV Governo Provisório teve
20 ministros, embora 4 fossem ministros sem pasta.
Seja como for, o maior Governo de sempre está à
distância de 8 anos do mais pequeno e também neste caso a dimensão da equipa
ministerial foi usada para ganho político.
O Governo de Passos Coelho começou por fazer a junção de
pastas, mas sem as desclassificar, apenas entregando várias ao mesmo titular. No
entanto, há a da Cultura, que não lhe mereceu a categoria de ministério. Na
altura, Passos Coelho usou a dimensão do executivo para sinalizar que a
obrigação de cortar custos na era da austeridade era transversal: “O Governo com menos membros
em ministros e secretários de Estado de que há memória em Portugal”, prometeu. O ex-Primeiro-Ministro viria a cumprir essa promessa,
mas o Governo, ao longo da legislatura, foi ganhando tamanho com as
remodelações e terminou em 2015 com 15 ministros.
Em reação às críticas aquando da apresentação do seu
segundo Governo, Costa ripostou: “Os Governos não se medem em função do número de membros,
mas devem ter uma orgânica ajustada ao programa do Governo e às prioridades do
país”.
Na verdade, em 2019, o líder da oposição, Rui Rio,
criticou fortemente aquela opção de Costa de formar o Governo
“mais caro e o maior da história de Portugal”, dando a entender que um Governo
seu seria bastante mais reduzido e estimando que aquele alargamento
custaria mais de 50 milhões de euros aos contribuintes, pois multiplicaram-se os
ministros e os secretários de Estado. Contando com o Primeiro-Ministro, o
Governo totalizava 71 elementos até há pouco tempo. E o Chefe do Executivo
justificava-se genericamente com o Programa do Governo e com as prioridades do
país.
É óbvio que as palavras de Costa eram sábias. Resta saber
por que motivo promete agora um executivo mais curto. Com efeito, não se crê
num PS que reformule totalmente o seu Programa de Governo, nem parece que o
país não tenha hoje prioridades menos pertinentes que em 2019. Ao invés, temos dificuldade
em descolar da crise sanitária, que de pandémica se está a tornar endémica, há
que partir para a retoma da economia e, sobretudo, é urgente promover o crescimento
e criar riqueza para se incrementar o Estado social.
O que fará parar António Costa e desistir dum megaexecutivo
será a pressão da opinião pública, a verificação da impossibilidade de manter a
alimentação dos boys do partido, bem como a crassa ineficiência e ineficácia de
algumas pastas, que pouco mais foram que jarrões de flores.
Agora a SEDES propões apenas 11 ministérios, restando perceber se sustenta a
manutenção das categorias habituais das pastas e entregando várias a uma só personalidade
ou se distingue entre pastas que merecem a categoria de ministérios e as que se
ficam por secretarias de Estado ou mesmo direções-gerais.
Ora esta Associação para o Desenvolvimento Económico e
Social – não tendo caráter político, nem desenvolvendo “atividades que possam
revestir aspeto partidário, propondo-se agir com acatamento dos princípios
fundamentais da Constituição Política da República Portuguesa e de acordo com
as leis vigentes” e tendo-se constituído “para o estudo, consulta, cooperação e
promoção do desenvolvimento económico e social do País” (vd art 2.º dos Estatutos) – aparece com uma credibilidade
incontestada face ao ziguezaguear dos partidos políticos.
Talvez essa credibilidade lhe advenha dos fins estatutários e da coerência
com eles. Os seus fins são: o estudo e o debate dos problemas do
desenvolvimento económico e social e, em especial, do desenvolvimento
português; o incentivo e apoio a iniciativas de desenvolvimento regional; o
incentivo à criação de núcleos de documentação e informação, bem como a
elaboração e difusão de publicações relacionadas com os problemas económicos e
sociais do desenvolvimento; a cooperação com os setores público e privado nas atividades
de planeamento e desenvolvimento, segundo as esferas de competência legais e
estatutárias definidas para cada um; a cooperação e convivência dos seus
associados, no sentido de lhes proporcionar, pelo trabalho em comum, a conceção
e realização de iniciativas tendentes a promover o desenvolvimento económico e
social; a organização de cursos, colóquios, ciclos e seminários respeitantes ao
desenvolvimento económico e social; a análise de setores sociais e económicos,
equacionando, propondo e divulgando soluções (vd art.º 4.º dos Estatutos).
Agora, a olhar para 2022, Costa promete aos portugueses
“uma equipa governativa mais curta, mais ágil, renovada”, caso vença as
eleições, introduzindo um “novo modelo de Governo”, “com
competências mais transversais” e “mais adequado aos tempos desafiantes” que o
país vive. E acrescentou que era isso que ia fazer após a aprovação do
Orçamento para 2022, que os deputados rejeitaram acabando por provocar o ditame
presidencial da dissolução do Parlamento.
E o socialista Álvaro Beleza, presidente da SEDES, vê
nestas declarações do Primeiro-Ministro o “homem inteligente”, que esteve no
congresso da associação no Porto e que “ouve o que lhe dizem”. E conclui: o país não precisa de um
Governo grande, mesmo se for uma coligação”. E aponta os exemplos
dos Estados Unidos, onde os ministérios “não mudam há 200 anos”, e da União
Europeia onde há 10 formações diferentes do Conselho da União Europeia (cuja presidência rotativa coube a Portugal no 1.º semestre deste ano). A única diferença em relação à UE nas
11 pastas seria um ministério a mais para a defesa, tema que é da competência
exclusiva de cada Estado-membro. Assim, para Beleza, a distribuição seria
semelhante: Agricultura e Pescas; Ambiente; Assuntos económicos e
financeiros; Assuntos Gerais; Competitividade; Educação, Juventude, Cultura e
Desporto; Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores; Justiça e Assuntos
Internos; Negócios Estrangeiros; Transportes, Telecomunicações e Energia.
Para o médico e político faz “sentido” juntar
ministérios que estão separados, ao contrário do que sucede na “maior parte”
dos países europeus. Já tivemos até 1983 juntas a Saúde e Segurança Social, sob a denominação de
Assuntos Sociais, como tivemos a Educação com a Cultura – não faz sentido um ministério
para a educação e outro para o Ensino Superior e a Ciência –, como tivemos
juntas Finanças e Economia, com Vasco Vieira de Almeida e Joaquim Pina Moura; e
agora está a Justiça e a Administração Interna (que com a demissão de
Cabrita vão efetivamente ficar juntas temporariamente com Van Dunem).
No caso da junção da Economia com as Finanças, é claro que releva a Economia, a que as “Finanças têm de
obedecer”, ao contrário do que acontece “há décadas”, o que exige a
mudança de paradigma político e económico. Beleza considera que obviamente “tem
de haver contas certas, mas o crescimento económico deve ser o foco do país”, sendo
essa a forma mais eficaz de reduzir a dívida pública. E, para que tal aconteça,
Beleza propõe uma redução da carga fiscal face a Espanha (e não subsídios do Estado) e o foco nas grandes empresas (principalmente
indústria de valor acrescentado) e nos ganhos de escala.
A predita reformulação da orgânica do Governo levaria
à reorganização da política nacional em função da política europeia e pode implicar a transferência da Secretaria de Estado dos Assuntos
Europeus (atualmente no Ministério dos Negócios
Estrangeiros) para a
Presidência do Conselho de Ministros, “estando mais próxima da coordenação
política e legislativa”.
Por outro lado, a SEDES sugere que se democratize a
coordenação dos assuntos políticos em Bruxelas, “com dependência mais estrita
da coordenação do Primeiro-Ministro” e redução da “sua componente diplomática”,
e se democratizem “as posições políticas nacionais na UE, mais em função do alinhamento de famílias políticas escrutinadas
eleitoralmente (família política dos governos
democraticamente eleitos e dos programas políticos escrutinados nas eleições
europeias) e menos em confrontos
país-país, região-região”.
As propostas da SEDES não se limitam à formação do
Governo. O documento da associação critica a “enorme dimensão do aparelho
do Governo”. Ou seja, o problema não está só no número de ministérios
mas também no número de assessores dos ministros e dos secretários de Estado. Cada gabinete ministerial “é composto em média por 17 pessoas,
não se considerando as secretarias de Estado adstritas, o que comporta um custo
anual aos cofres públicos de dezenas de milhões de euros”. Face a isso, importa
reduzir o pessoal político para “dotar a ação governativa de maior
eficácia e credibilidade”.
Além disso, como diz o presidente da SEDES, “há agências do Estado a mais e a mandar em tudo e ninguém acaba por
mandar”. Para cada decisão é preciso “recorrer a vários ministérios”, o
que gera “redundância nas instituições do Estado”, porque se criaram “mais
agências para arranjar lugar para mais gente e não se acabou com as antigas”, situação
que é preciso mudar.
A solução para os vários problemas que se identificam no
Estado e na economia passa, na ótica de Beleza, por um “acordo ao centro”, isto
é, um “bloco central reformista”. Por consequência, Beleza sustenta que, das eleições de 30 de janeiro,
deve resultar uma coligação de PS e PSD num Governo, à semelhança do que aconteceu
com a CDU e o SPD na Alemanha (hipótese rejeitada pelos dois partidos), não bastando um acordo parlamentar
porque à primeira oportunidade o que está de fora rói a corda. Diz o médico e
político que “a coligação dá controlo mútuo e a partilha de poder é positiva”;
e rejeita a ideia de que os extremos beneficiem do bloco central, já que os
eleitores portugueses são maioritariamente “moderados”.
***
A dimensão do Governo tem sido
utilizada para ganhos políticos: os minimalistas argumentam com as poupanças
para o Estado; e os mais ambiciosos referem as muitas prioridades do país.
O maior Governo de sempre e o mais pequeno estão separados por
poucos anos e ambos foram utilizados para ganhos políticos. O primeiro é o atual
Executivo, o 22.º Governo Constitucional da República portuguesa, liderado por Costa.
Além do Primeiro-ministro, há 19 Ministérios compostos por 19 ministros e 51
secretários de Estado. No total, o atual Governo tem 71 membros e foi apelidado
desde logo como o maior da democracia portuguesa.
O Primeiro-Ministro, além da justificação genérica acima
referida, explicou em concreto a autonomização em ministério de assuntos como o
planeamento, a coesão territorial, a modernização e administração pública.
Porém, as medidas tomadas por cada um dos titulares dessas pastas foram
insuficientes ou ineficazes e algumas personalidades ficaram na penumbra.
Se recuarmos 11 anos, encontraremos, segundo alguns, o Governo mais pequeno de sempre: o de Passos Coelho e Portas, com o
PSD em
coligação com o CDS. Assim o prometera Passos
Coelho na campanha das legislativas de 2011, sinalizando que a obrigação de
cortar custos vinha também do Executivo. Cumpriu a promessa, mas o Governo foi
ganhando tamanho com as remodelações e terminou com 15 ministros.
Agora António Costa promete Governo “mais
curto” e “mais ágil” se vencer as legislativas. Diz que “era o que tinha pensado fazer
imediatamente depois do OE, mas não faz sentido fazê-lo agora,
a dois meses das eleições”,. E experimentou já a junção da Administração
Interna com a Justiça sob a batuta de Francisca Van Dunem, solução que julga
sólida, mas de transição até às eleições”. Só não clarificou a asserção
de que Dunem “é uma mulher com larga experiência na Administração Interna”. Com
efeito, o currículo da Ministra circunscreve-a ao Ministério Público. A não ser
que a justiça seja uma área do território nacional. Mas aí temos várias, como educação,
saúde, economia, segurança social, ambiente, finanças, coesão territorial, etc.
***
Enfim, o erro não está, do meu ponto de vista, na composição do
Governo em si, mas nas escolhas de personalidades com capacidade política. Por norma
um elenco governativo muito extenso só traz problemas. Porém, se determinada matéria
se afigura prioritária, há que a tratar como tal, alcandorando-a a pasta
ministerial ou não; e convém evitar pastas decorativas ou criadas em função do
perfil deste ou daquele político.
Seja como for, o cancro do despesismo governativo reside nos
gabinetes ministeriais onde pululam alegados especialistas em tudo, que é nada,
representando grandes encargos para o Estado, mas ficando os assuntos relevantes
de assessoria técnica para escritórios de advogados, economistas, engenheiros,
arquitetos, gestores, etc. E há várias agências que se sobrepõem aos
gabinetes ministeriais ou trabalham em paralelo com eles.
Há muito desperdício. Acabe-se com ele e deixemo-nos de
demagogias!
2021.12.10 – Louro de Carvalho
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