sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

A SEDES quer um Governo só com 11 ministérios

 

Na iminência de o mais volumoso Governo de Portugal chegar ao termo das suas funções, por força das próximas eleições legislativas antecipadas, a SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) entrou no debate sobre a dimensão do Governo e propõe que haja, para lá do Primeiro-Ministro e, eventualmente, dum Vice-Primeiro-Ministro, apenas 11 ministérios, em linha com as orgânicas de Governo vigentes na União Europeia (UE). O Presidente da República apreciou a ideia e deu-lhe palco, destacando em público este tema da agenda política; e o recandidato a Primeiro-Ministro anunciou e confirmou a intenção de formar “uma equipa governativa mais curta”, caso vença a corrida eleitoral de 30 de janeiro.

Efetivamente António Costa é recordista neste aspeto. O atual secretário-geral do Partido Socialista formou o maior Governo da democracia portuguesa em 2019, o XXII Governo Constitucional, com 19 ministérios e 50 secretários de Estado, ultrapassando o Governo de Santana Lopes, que tinha 18 ministérios. Ao invés, o mais pequeno foi o de Passos Coelho, o XIX Governo Constitucional, que se iniciou com 12 ministérios, cabendo um deles ao Vice-Primeiro-Ministro, mas passou a contar, a meio do percurso, 13 ministérios, ficando o Vice-Primeiro-Ministro a coordenar toda a área económica, mas havendo um Ministro da Economia. Não obstante, o XX Governo Constitucional, também liderado por Pedro Passos Coelho e com Paulo Portas a Vice-Primeiro-Ministro, que durou 27 dias, já teve 15 ministérios.

E o segundo Governo menos volumoso foi o primeiro de Cavaco Silva, o X Governo Constitucional, que tinha 14 ministérios, dimensão semelhante ao Governo da Aliança Democrática liderada por Francisco Sá Carneiro.  

É de recordar que também o IV Governo Provisório teve 20 ministros, embora 4 fossem ministros sem pasta.

Seja como for, o maior Governo de sempre está à distância de 8 anos do mais pequeno e também neste caso a dimensão da equipa ministerial foi usada para ganho político. 

O Governo de Passos Coelho começou por fazer a junção de pastas, mas sem as desclassificar, apenas entregando várias ao mesmo titular. No entanto, há a da Cultura, que não lhe mereceu a categoria de ministério. Na altura, Passos Coelho usou a dimensão do executivo para sinalizar que a obrigação de cortar custos na era da austeridade era transversal: “O Governo com menos membros em ministros e secretários de Estado de que há memória em Portugal”, prometeu. O ex-Primeiro-Ministro viria a cumprir essa promessa, mas o Governo, ao longo da legislatura, foi ganhando tamanho com as remodelações e terminou em 2015 com 15 ministros.

Em reação às críticas aquando da apresentação do seu segundo Governo, Costa ripostou: “Os Governos não se medem em função do número de membros, mas devem ter uma orgânica ajustada ao programa do Governo e às prioridades do país”.

Na verdade, em 2019, o líder da oposição, Rui Rio, criticou fortemente aquela opção de Costa de formar o Governo “mais caro e o maior da história de Portugal”, dando a entender que um Governo seu seria bastante mais reduzido e estimando que aquele alargamento custaria mais de 50 milhões de euros aos contribuintes, pois multiplicaram-se os ministros e os secretários de Estado. Contando com o Primeiro-Ministro, o Governo totalizava 71 elementos até há pouco tempo. E o Chefe do Executivo justificava-se genericamente com o Programa do Governo e com as prioridades do país.

É óbvio que as palavras de Costa eram sábias. Resta saber por que motivo promete agora um executivo mais curto. Com efeito, não se crê num PS que reformule totalmente o seu Programa de Governo, nem parece que o país não tenha hoje prioridades menos pertinentes que em 2019. Ao invés, temos dificuldade em descolar da crise sanitária, que de pandémica se está a tornar endémica, há que partir para a retoma da economia e, sobretudo, é urgente promover o crescimento e criar riqueza para se incrementar o Estado social.   

O que fará parar António Costa e desistir dum megaexecutivo será a pressão da opinião pública, a verificação da impossibilidade de manter a alimentação dos boys do partido, bem como a crassa ineficiência e ineficácia de algumas pastas, que pouco mais foram que jarrões de flores.   

Agora a SEDES propões apenas 11 ministérios, restando perceber se sustenta a manutenção das categorias habituais das pastas e entregando várias a uma só personalidade ou se distingue entre pastas que merecem a categoria de ministérios e as que se ficam por secretarias de Estado ou mesmo direções-gerais.

Ora esta Associação para o Desenvolvimento Económico e Social – não tendo caráter político, nem desenvolvendo “atividades que possam revestir aspeto partidário, propondo-se agir com acatamento dos princípios fundamentais da Constituição Política da República Portuguesa e de acordo com as leis vigentes” e tendo-se constituído “para o estudo, consulta, cooperação e promoção do desenvolvimento económico e social do País” (vd art 2.º dos Estatutos) – aparece com uma credibilidade incontestada face ao ziguezaguear dos partidos políticos.  

Talvez essa credibilidade lhe advenha dos fins estatutários e da coerência com eles. Os seus fins são: o estudo e o debate dos problemas do desenvolvimento económico e social e, em especial, do desenvolvimento português; o incentivo e apoio a iniciativas de desenvolvimento regional; o incentivo à criação de núcleos de documentação e informação, bem como a elaboração e difusão de publicações relacionadas com os problemas económicos e sociais do desenvolvimento; a cooperação com os setores público e privado nas atividades de planeamento e desenvolvimento, segundo as esferas de competência legais e estatutárias definidas para cada um; a cooperação e convivência dos seus associados, no sentido de lhes proporcionar, pelo trabalho em comum, a conceção e realização de iniciativas tendentes a promover o desenvolvimento económico e social; a organização de cursos, colóquios, ciclos e seminários respeitantes ao desenvolvimento económico e social; a análise de setores sociais e económicos, equacionando, propondo e divulgando soluções (vd art.º 4.º dos Estatutos).

Agora, a olhar para 2022, Costa promete aos portugueses “uma equipa governativa mais curta, mais ágil, renovada”, caso vença as eleições, introduzindo um “novo modelo de Governo”, “com competências mais transversais” e “mais adequado aos tempos desafiantes” que o país vive. E acrescentou que era isso que ia fazer após a aprovação do Orçamento para 2022, que os deputados rejeitaram acabando por provocar o ditame presidencial da dissolução do Parlamento.

E o socialista Álvaro Beleza, presidente da SEDES, vê nestas declarações do Primeiro-Ministro o “homem inteligente”, que esteve no congresso da associação no Porto e que “ouve o que lhe dizem”. E conclui: o país não precisa de um Governo grande, mesmo se for uma coligação”. E aponta os exemplos dos Estados Unidos, onde os ministérios “não mudam há 200 anos”, e da União Europeia onde há 10 formações diferentes do Conselho da União Europeia (cuja presidência rotativa coube a Portugal no 1.º semestre deste ano). A única diferença em relação à UE nas 11 pastas seria um ministério a mais para a defesa, tema que é da competência exclusiva de cada Estado-membro. Assim, para Beleza, a distribuição seria semelhante: Agricultura e Pescas; Ambiente; Assuntos económicos e financeiros; Assuntos Gerais; Competitividade; Educação, Juventude, Cultura e Desporto; Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores; Justiça e Assuntos Internos; Negócios Estrangeiros; Transportes, Telecomunicações e Energia.

Para o médico e político faz “sentido” juntar ministérios que estão separados, ao contrário do que sucede na “maior parte” dos países europeus. Já tivemos até 1983 juntas a Saúde e Segurança Social, sob a denominação de Assuntos Sociais, como tivemos a Educação com a Cultura – não faz sentido um ministério para a educação e outro para o Ensino Superior e a Ciência –, como tivemos juntas Finanças e Economia, com Vasco Vieira de Almeida e Joaquim Pina Moura; e agora está a Justiça e a Administração Interna (que com a demissão de Cabrita vão efetivamente ficar juntas temporariamente com Van Dunem).

No caso da junção da Economia com as Finanças, é claro que releva a Economia, a que as “Finanças têm de obedecer”, ao contrário do que acontece “há décadas”, o que exige a mudança de paradigma político e económico. Beleza considera que obviamente “tem de haver contas certas, mas o crescimento económico deve ser o foco do país”, sendo essa a forma mais eficaz de reduzir a dívida pública. E, para que tal aconteça, Beleza propõe uma redução da carga fiscal face a Espanha (e não subsídios do Estado) e o foco nas grandes empresas (principalmente indústria de valor acrescentado) e nos ganhos de escala.  

A predita reformulação da orgânica do Governo levaria à reorganização da política nacional em função da política europeia e pode implicar a transferência da Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus (atualmente no Ministério dos Negócios Estrangeiros) para a Presidência do Conselho de Ministros, “estando mais próxima da coordenação política e legislativa”.

Por outro lado, a SEDES sugere que se democratize a coordenação dos assuntos políticos em Bruxelas, “com dependência mais estrita da coordenação do Primeiro-Ministro” e redução da “sua componente diplomática”, e se democratizem “as posições políticas nacionais na UE, mais em função do alinhamento de famílias políticas escrutinadas eleitoralmente (família política dos governos democraticamente eleitos e dos programas políticos escrutinados nas eleições europeias) e menos em confrontos país-país, região-região”.

As propostas da SEDES não se limitam à formação do Governo. O documento da associação critica a “enorme dimensão do aparelho do Governo”. Ou seja, o problema não está só no número de ministérios mas também no número de assessores dos ministros e dos secretários de Estado. Cada gabinete ministerial “é composto em média por 17 pessoas, não se considerando as secretarias de Estado adstritas, o que comporta um custo anual aos cofres públicos de dezenas de milhões de euros”. Face a isso, importa  reduzir o pessoal político para “dotar a ação governativa de maior eficácia e credibilidade”.

Além disso, como diz o presidente da SEDES, “há agências do Estado a mais e a mandar em tudo e ninguém acaba por mandar”. Para cada decisão é preciso “recorrer a vários ministérios”, o que gera “redundância nas instituições do Estado”, porque se criaram “mais agências para arranjar lugar para mais gente e não se acabou com as antigas”, situação que é preciso mudar.

A solução para os vários problemas que se identificam no Estado e na economia passa, na ótica de Beleza, por um “acordo ao centro”, isto é, um “bloco central reformista”. Por consequência, Beleza sustenta que, das eleições de 30 de janeiro, deve resultar uma coligação de PS e PSD num Governo, à semelhança do que aconteceu com a CDU e o SPD na Alemanha (hipótese rejeitada pelos dois partidos), não bastando um acordo parlamentar porque à primeira oportunidade o que está de fora rói a corda. Diz o médico e político que “a coligação dá controlo mútuo e a partilha de poder é positiva”; e rejeita a ideia de que os extremos beneficiem do bloco central, já que os eleitores portugueses são maioritariamente “moderados”.

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A dimensão do Governo tem sido utilizada para ganhos políticos: os minimalistas argumentam com as poupanças para o Estado; e os mais ambiciosos referem as muitas prioridades do país.

O maior Governo de sempre e o mais pequeno estão separados por poucos anos e ambos foram utilizados para ganhos políticos. O primeiro é o atual Executivo, o 22.º Governo Constitucional da República portuguesa, liderado por Costa. Além do Primeiro-ministro, há 19 Ministérios compostos por 19 ministros e 51 secretários de Estado. No total, o atual Governo tem 71 membros e foi apelidado desde logo como o maior da democracia portuguesa.

O Primeiro-Ministro, além da justificação genérica acima referida, explicou em concreto a autonomização em ministério de assuntos como o planeamento, a coesão territorial, a modernização e administração pública. Porém, as medidas tomadas por cada um dos titulares dessas pastas foram insuficientes ou ineficazes e algumas personalidades ficaram na penumbra.

Se recuarmos 11 anos, encontraremos, segundo alguns, o Governo mais pequeno de sempre: o de Passos Coelho e Portas, com o PSD em coligação com o CDS. Assim o prometera Passos Coelho na campanha das legislativas de 2011, sinalizando que a obrigação de cortar custos vinha também do Executivo. Cumpriu a promessa, mas o Governo foi ganhando tamanho com as remodelações e terminou com 15 ministros.

Agora António Costa promete Governo “mais curto” e “mais ágil” se vencer as legislativas. Diz que “era o que tinha pensado fazer imediatamente depois do OE, mas não faz sentido fazê-lo agora, a dois meses das eleições”,. E experimentou já a junção da Administração Interna com a Justiça sob a batuta de Francisca Van Dunem, solução que julga sólida, mas de transição até às eleições”. Só não clarificou a asserção de que Dunem “é uma mulher com larga experiência na Administração Interna”. Com efeito, o currículo da Ministra circunscreve-a ao Ministério Público. A não ser que a justiça seja uma área do território nacional. Mas aí temos várias, como educação, saúde, economia, segurança social, ambiente, finanças, coesão territorial, etc.

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Enfim, o erro não está, do meu ponto de vista, na composição do Governo em si, mas nas escolhas de personalidades com capacidade política. Por norma um elenco governativo muito extenso só traz problemas. Porém, se determinada matéria se afigura prioritária, há que a tratar como tal, alcandorando-a a pasta ministerial ou não; e convém evitar pastas decorativas ou criadas em função do perfil deste ou daquele político.

Seja como for, o cancro do despesismo governativo reside nos gabinetes ministeriais onde pululam alegados especialistas em tudo, que é nada, representando grandes encargos para o Estado, mas ficando os assuntos relevantes de assessoria técnica para escritórios de advogados, economistas, engenheiros, arquitetos, gestores, etc. E há várias agências que se sobrepõem aos gabinetes ministeriais ou trabalham em paralelo com eles.

Há muito desperdício. Acabe-se com ele e deixemo-nos de demagogias!   

2021.12.10 – Louro de Carvalho

 

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