domingo, 12 de dezembro de 2021

Leão explicou circunstâncias do OE 2022 e governação por duodécimos

 

A 25 de novembro, o Ministro das Finanças deu uma entrevista à “Renascença” e ao “Público”, em que explica as circunstâncias da elaboração da proposta do Orçamento para 2022 (OE 2022), que o Parlamento rejeitou, e como conseguirá governar em duodécimos até maio, data em que prevê que possa haver OE 2022, se o PS ganhar as eleições. Além disso, garante que é possível injetar 990 milhões na TAP, admite que é difícil o entendimento com PSD, fala da relação com Pedro Nuno Santos e assume que o mecanismo do IVaucher se pode estender a outras áreas.

Questionado se, conhecido o desfecho do OE 2022 que redundou em dissolução do Parlamento, teria feito algo de diferente na preparação e negociação da proposta, deixa entender que teria feito tudo na mesma, visto que a preparação do OE 2022 visou enfrentar a pandemia e promover a recuperação económica, tendo sido nesse âmbito que foram reiteradamente auscultadas as preocupações dos principais partidos que têm viabilizado os OE.

Confrontado com a hipótese de as eleições de 30 de janeiro de 2022 darem vitória ao PS e com a questão de, nesse caso, haver condições de confiança suficientes para negociar com PCP e BE, o entrevistado tenta esquivar-se à resposta direta perorando sobre a importância de “assegurar boas condições de governabilidade e estabilidade para o país”. Vinca, em especial, a “fase crítica de recuperação económica”, prevê “um crescimento superior a 10% nos próximos dois anos” e julga fundamental para a estabilidade que o PS tenha uma maioria reforçada que dê condições de governabilidade, por ser o PS, a seu ver, o melhor partido que está em melhores condições de o fazer. Porém, em todo o caso, considera que a relação com o BE e o PCP ficou afetada, uma vez que reconhece significado à reprovação do OE. Na verdade, do seu ponto de vista, aliás como da direção do seu partido, “em 2019, os portugueses mostraram que queriam que este caminho se mantivesse”, mas a reprovação do OE postula que se veja “como se assegura a governabilidade e estabilidade num momento crítico”.

Instado a pronunciar-se sobre a possibilidade de a governabilidade ser assegurada com PCP e BE, observa que melhor para o país será “uma maioria reforçada do PS”. Não a conseguindo, entende que é necessária abertura para governar prosseguindo o que foram os resultados obtidos desde 2015. Seja como for, importa ouvir os portugueses e criar condições de governabilidade em função disso. Contudo, para haver um entendimento como o que houve até aqui, “é preciso que todos estejam com abertura para tal”.

À declaração de Rui Rio de disponibilização para viabilizar os dois primeiros OE do próximo governo socialista, contrapõe que “a vontade do Governo e do PS será no sentido de manter a trajetória que foi conseguida nos últimos anos, virar a página de austeridade, melhorando ano a ano a vida dos portugueses, e criar condições para o crescimento da economia”. Aduz que em muitas áreas PS e PSD têm visões diferentes, não sendo fácil chegar a entendimentos com o PSD. E recorda que, “ainda no ano passado, a forma de enfrentar a crise pelo PSD foi muito diferente” da do PS: achava que se estava a dar tudo a todos e “tinha uma lógica de austeridade para enfrentar a crise”.

Com a dissolução do Parlamento o país fica a viver em duodécimos. Perante este facto, foi perguntado a João Leão quando haverá OE 2022 se o PS ganhar as eleições. A isso respondeu que “é possível apresentar um OE ainda durante o mês de março”. Ora, sendo “apresentado em março e aprovado no final de abril ou ainda em maio”, entrará em vigor por essa altura.

Confrontado com o facto de não ter sido esclarecido a que gaveta orçamental recorrerá para, em regime de duodécimos, prosseguir nos aumentos salariais da função pública, explicou assim:

Podemos executar 1/12 em cada mês. Esperamos tomar no início do ano as medidas que são habituais tomar: atualização de salários, pensões e medidas sobre o salário mínimo. No que toca a prestações sociais, como as pensões, a Lei de Enquadramento Orçamental dá uma flexibilidade no sentido da antecipação de duodécimos. No que toca a despesas com pessoal, aplicamos 1/12 em cada mês, sabendo que, devido aos subsídios de férias e de Natal, aplica-se menos do que 1/12, o que nos dá aqui a margem necessária para fazer a atualização regular dos salários (0,9%) em função do valor da inflação e que representa 225 milhões de euros.”.

Questionado sobre se um agravamento da pandemia, em regime de duodécimos, dificultará a gestão, por exemplo, em mais apoios a empresas ou em alargar o layoff, diz que se parte do OE 2021, que tinha capacidade de responder a esse nível face à pandemia. E discorre a propósito dos últimos números da conjuntura económica sobre Portugal, ainda bastante positivos:

Há um desafio que não podemos ignorar: em toda a Europa, o número de casos de covid-19 está a aumentar significativamente e há países da zona central e de leste que estão a adotar medidas de confinamento que afetam a economia. Em Portugal, temos uma taxa de vacinação muito alta, o que cria a expectativa de que não venham a ser necessárias medidas que afetem muito a atividade económica.”.

Porém, o Governo adotará medidas mais relacionadas com a necessidade do uso da máscara, da vacinação, do certificado, da garantia de que as pessoas cheguem a Portugal sem covid. Por outro lado, há apoios preparados em função das medidas que forem tomadas. Não se antecipa a necessidade dessas medidas, mas, se a pandemia começar a afetar a atividade das empresas e a receita, as medidas estão em vigor e têm, nalguns casos, mecanismos automáticos, de reforço desses apoios, como o apoio à retoma progressiva e o layoff.

Considera que, nesta fase, não são necessárias restrições a horários de comércio e a expectativa é que não se adotem medidas que afetem significativamente a atividade, mas sim o uso de máscara, mais testes e, nalguns casos, medidas especiais, como a dupla exigência (certificado e teste), dado o cuidado adicional com o contágio, em circunstâncias muito específicas.

Questionado se não ficam em causa as primeiras metas de reformas estruturais que Portugal tem de cumprir para receber os apoios do PRR (uma delas passava pela nova lei das ordens profissionais), assegura que, de momento, “não há medidas que dependam da aprovação da AR”. Por isso, o Governo está em condições de as aprovar. E é “um conjunto muito diversificado de medidas”, por exemplo: o funcionamento das empresas públicas (está em marcha a reforma dos incentivos para a gestão das empresas públicas para melhorar a sua performance financeira), um conjunto de investimentos em curso, questões de estratégias que temos de aprovar, estratégia de combate à pobreza, etc.

Quanto à estratégia de créditos fiscais, com o IVAucher e o Autovoucher, e seu alargamento a outros impostos, inclusive ao IRS, Leão sustenta que, para o IRS, a proposta de alívio fiscal passa pela alteração do número de escalões. O mecanismo do IVAucher (até agora foram transferidos para as famílias 3 milhões de euros) e do Autovoucher permite agir com mais rapidez em situações que obrigam a alterações muito súbitas da conjuntura e em que se impõem mecanismos rápidos para ajudar famílias e empresas. Por outro lado, aponta dois tipos de medidas: as estruturais (como o desagravamento do IRS pelo desdobramento de escalões) e as não permanentes, como o mecanismo de IVAucher, mais adequado a situações de ter de agir de forma rápida, que “é um mecanismo inovador” e, no futuro, explorável nas suas diferentes vias. É “uma inovação do ponto de vista tecnológico”, que se vê com bons olhos e que poderá ser explorada nas suas potencialidades. O que existe já chega a 1,3 milhões de portugueses. Tem-se usado mais para questões natureza extraordinária e temporária, mas não se exclui o seu uso noutras situações.

Embora, de momento, tal não esteja previsto, as virtualidades de tal mecanismo podem ser exploradas para IRS e IRC, pois, em função do consumo das empresas pode-lhes ser devolvido de forma muito rápida um crédito fiscal com base nesse consumo.

Em resposta à questão se o Governo continuará a aplicar o adicional de ISP em janeiro, refere que a norma não foi aprovada na AR, como o foi, por exemplo, a contribuição extraordinária da banca. Recorda que tal medida foi aprovada no Governo de Passos e incorporada no ISP, sendo que a norma consigna essa verba ao Fundo Florestal Permanente. E vinca a necessidade de criar no OE um mecanismo para que a verba vá para a política florestal.

No atinente à possibilidade de reaver os mil milhões de euros em ajudas ilegais como apontou a Comissão Europeia, anota que se estão a estudar com a Comissão as formas de reaver os montantes, o que não é fácil de concretizar. E, sobre a Zona Franca da Madeira, diz que, se for para criação de emprego e dinamização da economia, “tem viabilidade e deve ser preservada”.

Em relação à existência de condições para impor limites ao défice também em 2023, lembrou a decisão do Ecofin no sentido da suspensão das regras, que seriam retomadas em 2023. Não obstante, há que definir que regras se devem manter, se a crise persistir, e que mecanismos de ajustamento. E isso está em discussão na UE, entendendo o Governo português que deve haver uma revisão significativa das regras orçamentais. Com efeito, passámos por uma crise muito acentuada, a maior desde a II Guerra Mundial, depois pela crise das dívidas soberanas em 2011. Duas crises muito acentuadas em 10 anos alteraram radicalmente as situações financeiras e orçamentais dos países da UE. A dívida pública europeia média, que há cerca de 20 anos era de 60% do PIB, é de cerca de 100% do PIB. Nada está na mesma. Por conseguinte, conclui:

Agora temos de ter maior capacidade para responder a crises, como a que aconteceu em 2020/2021. Temos de aprender as lições da crise. Não é esperando que em outras crises se venham a suspender as regras. Tem de haver uma solução mais flexível que permita à Europa responder com mais vigor. Por outro lado, temos taxas de juro que são cerca de 0% desde 2009. Estas taxas dizem-nos que o BCE está limitado na sua capacidade de resposta.”.

Instado a revelar “que novas metas defende”, sustenta que não contam apenas as metas, mas também o caminho para a redução da dívida, sendo de suavizar essa redução, “criar mecanismos flexíveis que se ajustem às condições de cada país” e não nos atermos a “regras tão rígidas iguais para todos e que seriam muito violentas para alguns países como Itália ou Grécia”. Há que “introduzir outras referências mais realistas sobre a dívida pública”, pois o patamar dos 100% é muito distante para muitos países, pelo que devia haver patamares coerentes com a realidade. E entende que, para isso, nem é preciso rever os tratados, ao invés do que insinuavam os entrevistadores para 2023. Os caminhos para a redução da dívida podem fazer-se sem uniformidade em todos os países. O que importa não é rever os tratados, mas criar mecanismos de ajustamentos, não devendo a UE fazer “um reajustamento demasiado rápido nas regras orçamentais que ponha em causa a recuperação económica”.

Quanto à discussão com Bruxelas sobre a TAP, sublinha que “está próxima do final, esperando-se ter o plano aprovado antes do início de 2022”. Prevendo a proposta de OE 2022 que a companhia receberia 990 milhões de euros, Leão explica a resolução do problema em regime de duodécimos: 170 milhões são transferíveis em compensação pelo efeito da covid-19, o que não depende do plano; e, mal o plano de reestruturação esteja aprovado, far-se-á nova injeção de capital em duodécimos, ao abrigo da rubrica que visa a aplicação em investimentos financeiros do Ministério das Finanças e que tem o montante necessário para perfazer os 990 milhões.

E, sobre o facto de o perdão de dívida da CP ter ficado sem efeito com o chumbo do OE 2022, porque, segundo Pedro Nuno Santos, “a forma escolhida pelas Finanças para resolver a questão foi transformar a dívida em aumento de capital do Estado”, inviável sem OE, João Leão dita:

A redução da dívida histórica tem vindo a ser feita, mas em 2022 seria maior. E é algo que ainda pode vir a ser feito no próximo OE para 2022.”.

Questionado a este propósito, desvaloriza a crítica pública de Pedro Nuno Santos sobre a CP (“Se dependesse de mim, o problema estava resolvido”), frisando que, depois, já prepararam em conjunto medidas muito importantes do OE para o Ministério das Infraestruturas. Mais diz que está no Governo há 6 anos, na área das Finanças, que implica interações várias com muitos ministérios e setores, sendo habitual mais emotividade em determinados momentos.

Por fim, confrontado com declarações de alguns membros do Governo, como a Ministra da Justiça, que assumiram não continuar no executivo, caso o PS ganhe as eleições, foi-lhe perguntado se está disponível para ficar e se a pasta da Administração Pública está melhor num ministério autónomo do que no Ministério das Finanças, responde que “a formação do Governo é uma competência exclusiva do Primeiro-Ministro” e que, não se pronuncia “sobre a orgânica do Governo”. Entretanto, sublinha que “houve aspetos muito positivos”. Quanto a si, diz-se “focado em garantir que temos desafios importantes no final deste ano, que a evolução do setor financeiro seja positiva, e em preparar o PRR e os próximos meses de 2022”. E, como a sua carreira é académica (professor no ISCTE-IUL), tem muito gosto nessa função.

***

Enfim, o Ministro das Finanças explica o que (e só o que) entende dever explicar, foge com destreza, como o diabo da cruz, à questão continuidade das relações com PCP e BE, e assinala a dificuldade de entendimento com PSD, mas sem lhe fechar a porta. De facto, a meu ver, a proposta de um pacto para os dois primeiros orçamentos, como sugere Rio e sustenta o PR, é uma confissão do valor da provisoriedade: um pacto deve ser para a legislatura por razões de coerência e estabilidade, tendo em conta o interesse nacional. O resto sabe a oportunismo.

Ora, João Leão, seja do PS, seja independente, deixa a clarificação política para o Primeiro-Ministro e revela fino sentido de Estado, sem perder o sentido de oportunidade partidária e sem temer o debate.

2021.12.12 – Louro de Carvalho

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