A 25 de novembro, o Ministro das Finanças deu uma
entrevista à “Renascença” e ao “Público”, em que explica as
circunstâncias da elaboração da proposta do Orçamento para 2022 (OE 2022), que o Parlamento rejeitou, e como conseguirá governar em duodécimos até maio,
data em que prevê que possa haver OE 2022, se o PS ganhar as eleições. Além
disso, garante que é possível injetar 990 milhões na TAP, admite que é difícil
o entendimento com PSD, fala da relação com Pedro Nuno Santos e assume que o
mecanismo do IVaucher se pode estender a outras áreas.
Questionado
se, conhecido o desfecho do OE 2022 que redundou em dissolução do Parlamento,
teria feito algo de diferente na preparação e negociação da proposta, deixa
entender que teria feito tudo na mesma, visto que a preparação do OE 2022 visou
enfrentar a pandemia e promover a recuperação económica, tendo sido nesse âmbito
que foram reiteradamente auscultadas as preocupações dos principais partidos
que têm viabilizado os OE.
Confrontado com a hipótese de as eleições de 30 de janeiro de 2022 darem
vitória ao PS e com a questão de, nesse caso, haver condições de confiança
suficientes para negociar com PCP e BE, o entrevistado tenta esquivar-se à
resposta direta perorando sobre a importância de “assegurar boas condições de governabilidade e
estabilidade para o país”. Vinca, em especial, a “fase crítica de recuperação
económica”, prevê “um crescimento superior a 10% nos próximos dois anos” e
julga fundamental para a estabilidade que o PS tenha uma maioria reforçada que
dê condições de governabilidade, por ser o PS, a seu ver, o melhor partido que
está em melhores condições de o fazer. Porém, em todo o caso, considera que a relação com o BE e o PCP ficou afetada, uma
vez que reconhece significado à reprovação do OE. Na verdade, do seu ponto de
vista, aliás como da direção do seu partido, “em 2019, os portugueses
mostraram que queriam que este caminho se mantivesse”, mas a reprovação do OE postula
que se veja “como se assegura a governabilidade e estabilidade num momento
crítico”.
Instado a pronunciar-se sobre a possibilidade de a governabilidade ser assegurada
com PCP e BE, observa que melhor para o país será “uma maioria reforçada do PS”. Não a conseguindo,
entende que é necessária abertura para governar prosseguindo o que foram os
resultados obtidos desde 2015. Seja como for, importa ouvir os portugueses e
criar condições de governabilidade em função disso. Contudo, para haver um
entendimento como o que houve até aqui, “é preciso que todos estejam com
abertura para tal”.
À declaração de Rui Rio de disponibilização para viabilizar os dois
primeiros OE do próximo governo socialista, contrapõe que “a vontade do Governo e do PS será no sentido de manter a
trajetória que foi conseguida nos últimos anos, virar a página de austeridade,
melhorando ano a ano a vida dos portugueses, e criar condições para o
crescimento da economia”. Aduz que
em muitas áreas PS e PSD têm visões diferentes, não sendo fácil chegar a
entendimentos com o PSD. E recorda que, “ainda no ano passado, a forma de
enfrentar a crise pelo PSD foi muito diferente” da do PS: achava que se estava
a dar tudo a todos e “tinha uma lógica de austeridade para enfrentar a crise”.
Com a dissolução do Parlamento o país fica a viver em duodécimos. Perante
este facto, foi perguntado a João Leão quando haverá OE 2022 se o PS ganhar as
eleições. A isso respondeu que “é possível
apresentar um OE ainda durante o mês de março”. Ora, sendo “apresentado em
março e aprovado no final de abril ou ainda em maio”, entrará em vigor por essa
altura.
Confrontado
com o facto de não ter sido esclarecido a que gaveta orçamental recorrerá para,
em regime de duodécimos, prosseguir nos aumentos salariais da função pública, explicou assim:
“Podemos executar 1/12 em cada mês.
Esperamos tomar no início do ano as medidas que são habituais tomar:
atualização de salários, pensões e medidas sobre o salário mínimo. No que toca
a prestações sociais, como as pensões, a Lei de Enquadramento Orçamental dá uma
flexibilidade no sentido da antecipação de duodécimos. No que toca a despesas
com pessoal, aplicamos 1/12 em cada mês, sabendo que, devido aos subsídios de
férias e de Natal, aplica-se menos do que 1/12, o que nos dá aqui a margem
necessária para fazer a atualização regular dos salários (0,9%) em função do
valor da inflação e que representa 225 milhões de euros.”.
Questionado sobre se um agravamento da pandemia, em regime de duodécimos,
dificultará a gestão, por exemplo, em mais apoios a empresas ou em alargar o
layoff, diz que se parte do OE 2021, que tinha capacidade de responder a esse nível face à pandemia. E discorre
a propósito dos últimos números da conjuntura económica sobre Portugal, ainda
bastante positivos:
“Há um desafio que não podemos ignorar: em
toda a Europa, o número de casos de covid-19 está a aumentar significativamente
e há países da zona central e de leste que estão a adotar medidas de confinamento
que afetam a economia. Em Portugal, temos uma taxa de vacinação muito alta, o
que cria a expectativa de que não venham a ser necessárias medidas que afetem
muito a atividade económica.”.
Porém, o
Governo adotará medidas mais relacionadas com a necessidade do uso da máscara,
da vacinação, do certificado, da garantia de que as pessoas cheguem a Portugal
sem covid. Por outro lado, há
apoios preparados em função das medidas que forem tomadas. Não se antecipa a
necessidade dessas medidas, mas, se a pandemia começar a afetar a atividade das
empresas e a receita, as medidas estão em vigor e têm, nalguns casos,
mecanismos automáticos, de reforço desses apoios, como o apoio à retoma
progressiva e o layoff.
Considera que, nesta fase,
não são necessárias restrições a horários de comércio e a expectativa é que não
se adotem medidas que afetem significativamente a atividade, mas sim o uso de
máscara, mais testes e, nalguns casos, medidas especiais, como a dupla exigência
(certificado
e teste), dado o cuidado adicional com o
contágio, em circunstâncias muito específicas.
Questionado se não ficam em causa as primeiras metas de reformas
estruturais que Portugal tem de cumprir para receber os apoios do PRR (uma delas passava pela nova lei das ordens profissionais), assegura que, de momento,
“não há medidas que dependam da
aprovação da AR”. Por isso, o Governo está em condições de as aprovar. E é “um
conjunto muito diversificado de medidas”, por exemplo: o funcionamento das empresas
públicas (está em
marcha a reforma dos incentivos para a gestão das empresas públicas para
melhorar a sua performance financeira), um conjunto
de investimentos em curso, questões de estratégias que temos de aprovar,
estratégia de combate à pobreza, etc.
Quanto à estratégia de créditos fiscais, com o IVAucher e o Autovoucher,
e seu alargamento a outros impostos, inclusive ao IRS, Leão sustenta que, para
o IRS, a proposta de alívio fiscal passa
pela alteração do número de escalões. O mecanismo do IVAucher (até agora foram
transferidos para as famílias 3 milhões de euros) e do Autovoucher permite agir com mais rapidez em situações que obrigam a
alterações muito súbitas da conjuntura e em que se impõem mecanismos rápidos
para ajudar famílias e empresas. Por outro lado, aponta dois tipos de medidas:
as estruturais (como o desagravamento do IRS pelo desdobramento de escalões) e as não permanentes, como o mecanismo de IVAucher,
mais adequado a situações de ter de agir de forma rápida, que “é um mecanismo
inovador” e, no futuro, explorável nas suas diferentes vias. É “uma inovação do
ponto de vista tecnológico”, que se vê com bons olhos e que poderá ser
explorada nas suas potencialidades. O que existe já chega a 1,3 milhões de portugueses.
Tem-se usado mais para questões natureza extraordinária e temporária, mas não se
exclui o seu uso noutras situações.
Embora, de momento, tal não esteja previsto, as virtualidades de tal
mecanismo podem ser exploradas para IRS e IRC,
pois, em função do consumo das empresas pode-lhes ser devolvido de forma muito
rápida um crédito fiscal com base nesse consumo.
Em resposta à questão se o Governo continuará a aplicar o adicional de
ISP em janeiro, refere que a norma não foi aprovada na AR, como o foi, por
exemplo, a contribuição extraordinária da banca. Recorda que tal medida foi aprovada
no Governo de Passos e incorporada no ISP, sendo que a norma consigna essa
verba ao Fundo Florestal Permanente. E vinca a necessidade de criar no OE um
mecanismo para que a verba vá para a política florestal.
No atinente à possibilidade de reaver os mil milhões de euros em ajudas
ilegais como apontou a Comissão Europeia, anota que se estão a estudar com a
Comissão as formas de reaver os montantes, o que não é fácil de concretizar. E, sobre a Zona Franca da
Madeira, diz que, se for para criação de emprego e dinamização da economia, “tem
viabilidade e deve ser preservada”.
Em relação à existência de condições para impor limites ao défice também em
2023, lembrou a decisão do Ecofin no sentido da suspensão das regras, que
seriam retomadas em 2023. Não obstante, há que definir que regras se devem manter,
se a crise persistir, e que mecanismos de ajustamento. E isso está em discussão
na UE, entendendo o Governo
português que deve haver uma revisão significativa das regras orçamentais. Com efeito,
passámos por uma crise muito acentuada, a maior desde a II Guerra Mundial, depois
pela crise das dívidas soberanas em 2011. Duas crises muito acentuadas em 10
anos alteraram radicalmente as situações financeiras e orçamentais dos países
da UE. A dívida pública europeia média, que há cerca de 20 anos era de 60% do
PIB, é de cerca de 100% do PIB. Nada está na mesma. Por conseguinte, conclui:
“Agora temos de ter maior capacidade para
responder a crises, como a que aconteceu em 2020/2021. Temos de aprender as
lições da crise. Não é esperando que em outras crises se venham a suspender as
regras. Tem de haver uma solução mais flexível que permita à Europa responder
com mais vigor. Por outro lado, temos taxas de juro que são cerca de 0% desde
2009. Estas taxas dizem-nos que o BCE está limitado na sua capacidade de
resposta.”.
Instado a revelar “que novas metas defende”, sustenta que não contam
apenas as metas, mas também o caminho para a redução da dívida, sendo de suavizar essa redução, “criar mecanismos flexíveis
que se ajustem às condições de cada país” e não nos atermos a “regras tão
rígidas iguais para todos e que seriam muito violentas para alguns países como
Itália ou Grécia”. Há que “introduzir outras referências mais realistas sobre a
dívida pública”, pois o patamar dos 100% é muito distante para muitos países,
pelo que devia haver patamares coerentes com a realidade. E entende que, para isso, nem é preciso
rever os tratados, ao invés do que insinuavam os entrevistadores para 2023. Os
caminhos para a redução da dívida podem fazer-se sem uniformidade em todos os
países. O que importa não é rever os tratados, mas criar mecanismos de ajustamentos,
não devendo a UE fazer “um reajustamento demasiado rápido nas regras
orçamentais que ponha em causa a recuperação económica”.
Quanto à discussão com Bruxelas sobre a TAP, sublinha que “está próxima do final, esperando-se ter o plano
aprovado antes do início de 2022”. Prevendo a proposta de OE 2022 que a companhia receberia 990 milhões de
euros, Leão explica a resolução do problema em regime de duodécimos: 170
milhões são transferíveis em compensação pelo efeito da covid-19, o que
não depende do plano; e, mal o plano de reestruturação esteja aprovado, far-se-á
nova injeção de capital em duodécimos, ao abrigo da rubrica que visa a
aplicação em investimentos financeiros do Ministério das Finanças e que tem o
montante necessário para perfazer os 990 milhões.
E, sobre o facto de o perdão de dívida da CP ter ficado
sem efeito com o chumbo do OE 2022, porque, segundo Pedro Nuno Santos, “a forma
escolhida pelas Finanças para resolver a questão foi transformar a dívida em
aumento de capital do Estado”, inviável sem OE, João Leão dita:
“A redução da dívida histórica tem
vindo a ser feita, mas em 2022 seria maior. E é algo que ainda pode vir a ser
feito no próximo OE para 2022.”.
Questionado a este propósito, desvaloriza a crítica pública de Pedro Nuno
Santos sobre a CP (“Se dependesse de mim, o
problema estava resolvido”), frisando que, depois, já prepararam em conjunto medidas muito importantes do OE para o Ministério das Infraestruturas.
Mais diz que está no Governo há 6 anos, na área das Finanças, que implica
interações várias com muitos ministérios e setores, sendo habitual mais
emotividade em determinados momentos.
Por fim, confrontado com declarações de alguns membros do Governo, como a
Ministra da Justiça, que assumiram não continuar no executivo, caso o PS ganhe
as eleições, foi-lhe perguntado se está disponível para ficar e se a pasta da Administração
Pública está melhor num ministério autónomo do que no Ministério das Finanças,
responde que “a formação do
Governo é uma competência exclusiva do Primeiro-Ministro” e que, não se
pronuncia “sobre a orgânica do Governo”. Entretanto, sublinha que “houve aspetos
muito positivos”. Quanto a si, diz-se “focado em garantir que temos desafios
importantes no final deste ano, que a evolução do setor financeiro seja
positiva, e em preparar o PRR e os próximos meses de 2022”. E, como a sua
carreira é académica (professor no ISCTE-IUL), tem muito gosto nessa função.
***
Enfim, o
Ministro das Finanças explica o que (e só o que) entende dever explicar, foge com destreza, como o
diabo da cruz, à questão continuidade das relações com PCP e BE, e assinala a
dificuldade de entendimento com PSD, mas sem lhe fechar a porta. De facto, a
meu ver, a proposta de um pacto para os dois primeiros orçamentos, como sugere
Rio e sustenta o PR, é uma confissão do valor da provisoriedade: um pacto deve
ser para a legislatura por razões de coerência e estabilidade, tendo em conta o
interesse nacional. O resto sabe a oportunismo.
Ora, João Leão,
seja do PS, seja independente, deixa a clarificação política para o Primeiro-Ministro
e revela fino sentido de Estado, sem perder o sentido de oportunidade partidária
e sem temer o debate.
2021.12.12 – Louro de Carvalho
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