A 10 de dezembro foi divulgado
pela OCDE o relatório “Economic Survey of
Portugal 2021”, que vem confirmar as projeções económicas conhecidas no
início deste mês.
Segundo
nota da própria organização internacional, o relatório examina o impacto da
crise da covid-19 e discute como assegurar uma recuperação forte e resiliente. Analisa
a forma como os fundos da UE, juntamente com as reformas estruturais, podem ser
utilizados para impulsionar o nosso potencial económico, tornando o crescimento
mais verde e reduzindo as desigualdades. E, num capítulo especial, faz recomendações
políticas sobre como aproveitar melhor a transformação digital.
Nos
termos do relatório, Portugal
será o país da OCDE com a maior taxa de crescimento económico no próximo ano,
superando em 1,6 pontos percentuais o nível de atividade económica verificado
no tempo da pré-pandemia, prevendo-se uma forte recuperação da economia nos
anos seguintes. Assim, o PIB deverá aumentar 14% entre 2021 e 2023, embora a
taxa de crescimento vá diminuindo:4,8% em 2021, 5,8% em 2022 e 2,8% em 2023.
E a OCDE reconhece
que as diversas medidas de apoio à economia, lançadas pelo Governo, contribuíram
materialmente para a rápida e acentuada recuperação económica, após a maior
recessão de que há registo estatístico.
Perante
esta notícia, o Portal do Governo apressou-se a emitir uma nota à comunicação social
fazendo-se eco da boa nova escrita pela organização internacional que monitoriza
o devir dos países membros nos setores económicos e nos que têm impacto direto
ou indireto na economia, como a educação, a saúde, a justiça, as finanças e as
tecnologias.
Sobressaem
as medidas adotadas em Portugal para fazer face aos efeitos socioeconómicos da
covid-19, designadamente as medidas de apoio ao emprego e às empresas (manutenção
de postos de trabalho, subsídios diretos, linhas de crédito e moratórias
bancárias, diferimentos de impostos e contribuições…), de que resulta hoje uma taxa de
desemprego situada abaixo do nível da situação de pré-crise.
Paralelamente
ressalta o facto de Portugal ter a taxa de vacinação mais elevada entre todos
os países da OCDE e de, por esse lado, estar a afastar vagas mais severas da
doença.
Também
é digna de nota a resiliência acrescida do nosso sistema financeiro face à
anterior crise financeira, apesar das fragilidades inerentes à capitalização,
endividamento e dimensão das empresas portuguesas.
Não
obstante, a OCDE recomenda a adoção de instrumentos de quase-capital na
prevenção do risco de falência das empresas afetadas pela pandemia. E o Governo,
antecipando-se a essa recomendação, aprovou recentemente, no Conselho de
Ministros de 9 de dezembro, “um novo instrumento de quase-capital, através dum
novo regime jurídico dos empréstimos participativos”. Na verdade, o n.º 5 do Comunicado
do Conselho de Ministros de 9 de dezembro explicita que “foi aprovado o decreto-lei que aprova o regime jurídico
dos empréstimos participativos, uma figura inovadora no regime nacional, que
estabelece que a remuneração corresponde a uma participação nos resultados do
mutuário e atribui ao mutuário o direito de conversão dos créditos em capital,
verificadas as condições previstas na lei e no contrato de empréstimo”. E encarece a importância deste instrumento económico
nos termos seguintes:
“Face à necessidade de promover a capitalização das
empresas aumentando o seu nível de capitais próprios, um instrumento de
quase-capital é muito relevante, atendendo à possibilidade de ser
contabilizado, total ou parcialmente, como capital próprio”.
Por
outro lado, o Governo destaca, neste âmbito, o Fundo de Capitalização e
Resiliência (FCR),
financiado através de recursos do PRR, com uma dotação inédita de 1,3 mil
milhões de euros, focado na promoção do reforço da autonomia financeira das
empresas, através de instrumentos de capital e quase capital.
E,
digo eu, vem a propósito referir que, na mesma data, o Executivo aprovou o decreto-lei que altera “o Sistema de Apoio à
Reposição da Competitividade e Capacidade Produtivas, encurtando o prazo
durante o qual devem ser mantidos os investimentos realizados neste âmbito,
afetos à atividade e na localização geográfica definida na operação, permitindo
que novas opções de negócio sejam materializadas com maior celeridade”. A pari, alterou os “regimes jurídicos do
Fundo de Contragarantia Mútuo (Fundo) e das
Sociedades de Garantia Mútua (SGM), atualizando
os diplomas que impunham uma estrutura pesada na atividade de concessão de
garantias”. Relativamente ao
Fundo, altera-se o “tipo de
operações e percentagem que pode garantir” e alarga-se a “dimensão das empresas
beneficiárias, sempre no estrito cumprimento das regras de auxílios de Estado
em vigor a cada momento”; e, em relação às SGM, transforma-se o “respetivo
capital social para capital variável” e atribui-se-lhes o “direito de aquisição
das ações dos sócios beneficiários que não têm qualquer operação em curso há
determinado período de tempo”.
Visa-se, com estas alterações, que “o
Fundo e as SGM contribuam de forma ainda mais decisiva para a concretização dos
desígnios da política económica definida pelo Governo no que respeita, nomeadamente,
à promoção do investimento dinamizador do tecido empresarial, à criação de
emprego e, consequentemente, ao crescimento económico, essencialmente pelas
componentes do investimento e das exportações”.
A
OCDE defende a manutenção de políticas públicas que suportem a atividade
operacional e o crescimento de empresas economicamente viáveis. E diz o Governo
que essa posição vem muito em linha com o que já está a ser feito. Em paralelo,
assinala a importância duma rápida e eficaz implementação dos fundos
provenientes da resposta extraordinária da UE perante a pandemia, NextGenerationEU,
entre os quais se distingue o PRR (Plano de Recuperação e
Resiliência)
nacional, que já se encontra em execução.
Nas
recomendações de reformas para Portugal, o relatório elenca a importância da
melhoria da gestão financeira pública, nomeadamente a implementação da lei de
enquadramento orçamental, apressando-se o Governo a afirmar ter incluído a
modernização da Gestão Financeira Pública como uma importante reforma e
investimento previsto no PRR. É prestada especial atenção ao turismo, sobretudo
pela sua relevância para o futuro e para a competitividade da economia
portuguesa, indicando-se o sucesso das medidas adotadas para proteger o setor
durante a pandemia (por exemplo, o Programa IVAucher) e o modo como ajudaram a manter
a capacidade produtividade das empresas de Restauração e Alojamento. Salienta-se
ainda a importância da reforma do regime de insolvências e da agilização da
reestruturação empresarial, áreas em que o Governo já desenvolveu iniciativas
legislativas e que consubstanciam prioridades inscritas no PRR nacional. E aponta-se
também a importância do reforço do sistema de saúde, sobretudo em profissionais
como, por exemplo, enfermeiros.
No
entanto, o Governo sublinha que os últimos dados da OCDE em relação ao número
de enfermeiros dizem respeito ao ano de 2018, não considerando o aumento
significativo do número de enfermeiros no SNS nos últimos 3 anos. Segundo os
dados disponíveis no Portal da Transparência do SNS, há agora mais de 7000
enfermeiros do que 2018 (aumento de 17%). Resta saber se são contratos
por tempo indeterminado ou se a termo, bem como se divisam progressão na respetiva
carreira. O mesmo se diga de médicos e outros técnicos.
E
o capítulo temático do relatório é dedicado à avaliação da transição digital do
país, observando que o país alcançou progressos impressionantes na transição
digital na última década, equiparando-se aos países da OCDE com melhor
desempenho em algumas áreas.
Visto
que, durante a crise covi-19, as empresas se têm voltado cada vez mais para
ferramentas digitais, como o e-commerce e o teletrabalho, para manter e
expandir a atividade económica, o relatório destaca igualmente que as
tecnologias digitais podem ajudar Portugal a enfrentar os novos desafios como a
recuperação da crise pandémica e os desafios de longo prazo, apontando
recomendações nesse sentido. E considera que as disparidades na adoção das TIC
entre empresas e pessoas continuam a ser significativas, pelo que o Plano de
Ação para a Transição Digital, que endereça esta divisão digital, é bem-vindo.
***
A
mescla de informações da OCDE com medidas do Governo pode prejudicar a perceção
do interesse do relatório e não pode nem deve servir para se entender que o
Governo se está a desculpabilizar de algo ou pretende mostrar que está a fazer
tudo bem. Nada disso é necessário. Por isso, convém deixar perorar a OCDE que
não nos deixa mal, embora queira mais.
A
nossa economia está a recuperar bem da crise, graças à “resposta política rápida
e eficaz e ao sucesso da vacinação”. Porém, à medida que a recuperação avança,
é importante prosseguir com os investimentos e as reformas estruturais que
melhorarão as condições de vida, reforçar as finanças públicas e favorecer uma
trajetória de “crescimento sustentável, forte e resiliente”.
Com
o envelhecimento demográfico e paralela diminuição da população ativa, o crescimento
futuro dependerá de ganhos de produtividade. E Portugal deveria aproveitar o PRR,
financiado pela UE, não para conter a curto prazo, o défice ou a dívida, mas para
acelerar a transição ecológica e digital, concentrando-se nos projetos com
maior impacto económico e social. Na verdade, como afirmou Mathias Cormann, secretário-geral da OCDE, “Portugal está a recuperar
rapidamente de um choque económico profundo e a previsão é de que essa
recuperação irá continuar”. Por conseguinte, “será fundamental otimizar a
intensidade e a qualidade da recuperação, através de uma maior produtividade e
acelerando as transições digital e verde”, constituindo o PRR “uma oportunidade
para atingir esse objetivo, pelo que deverá ser implementado de forma rápida e
eficiente”.
A
pandemia desferiu duro golpe na economia portuguesa. Após a queda de 8,4 %
em 2020, o PIB português deverá voltar a crescer 4,8 % em 2021 e
5,8 % em 2022, também graças ao facto de quase 90 % da população já
estar completamente vacinada, a taxa mais elevada da OCDE.
Contudo,
a atividade económica em setores fundamentais da economia (turismo,
Transportes, hotelaria…)
continua muito aquém dos níveis anteriores à crise. Por isso, importa que “os
apoios dirigidos às famílias e às empresas sejam mantidos e adaptados à
evolução da pandemia”, se reforce “o apoio aos jovens e aos trabalhadores pouco
qualificados à procura de emprego”, para que eles se adaptem às mudanças no
mercado de trabalho, e se deem “mais apoios à capitalização das empresas
viáveis”.
Portugal
deve reduzir os desequilíbrios macroeconómicos para conferir uma base mais
sólida à recuperação. Como a relação dívida-PIB disparou, situando-se entre as
mais altas da Europa, “à medida que a recuperação avança, será importante
adotar um plano claro e credível para o ajuste orçamental a médio prazo”, pois “são
necessárias reformas para o país obter uma redução da população ativa e
melhorar o desempenho da administração pública”. Por outro lado, é de referir
que “ainda há margem para reforçar a sustentabilidade a longo prazo do sistema
de pensões”.
A
pandemia aumentou os riscos financeiros no setor empresarial e os bancos enfrentam
um elevado nível de empréstimos não produtivos, pelo que se “recomenda o
reforço dos incentivos aos bancos para reduzirem o nível de ativos de alto
risco”.
Será
fundamental acelerar a transição digital para adaptar a economia ao mundo
pós-pandémico e promover o crescimento da produtividade, que se tem mantido
abaixo da média da OCDE, praticamente nas duas últimas décadas. Para tanto, é
necessário “ajudar as empresas na adoção de novas tecnologias, dotar a
população de competências digitais e melhorar o acesso a serviços de banda
larga de alta qualidade”.
***
Enfim,
o relatório económico da OCDE sobre Portugal não está repleto de cartões vermelhos,
como pretendem os profetas da desgraça sempre que uma instância internacional
se pronuncia, nem está enxameado de cartões verdes como querem dizer certos
apaniguados deste Governo. O documento reconhece, por um lado, a situação
difícil do país e, por outro, os esforços significativos para debelar e conter
a crise. Porém, reconhece fragilidades no quadro das desigualdades, na falta de
qualificações e produtividade e na insuficiência das reformas estruturais. Isto
sem nos declarar à beira do abismo. E, obviamente, faz as recomendações que se impõem
na conjuntura e que devem ter efeitos para lá da conjuntura. Para isto,
exige-se vontade política, capacidade de atração do investimento, contenção nos
custos de produção e anulação da dificuldade burocrática e do peso fiscal em
excesso, bem como maiores qualificações de empresários e de trabalhadores, eficiente
organização do trabalho, planeamento rigoroso e melhores condições laborais,
salariais e sociais. Enfim, trabalho digno e empresas com responsabilidade
social, solidária e cultural.
2021.12.11 – Louro de Carvalho
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