Considerada
um dos cartões postais do Rio, a Pedra da Gávea é o maior monólito à beira mar
no globo, uma vistosa montanha – montanha arborizada por limoeiros,
laranjeiras, árvores-do-pão, bananeiras, mamoeiros, canas e roseiras – localizada
na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, Brasil. Pelos 842 metros de
altitude, localização e caraterísticas, sempre foi uma referência para os navegadores.
Porém, só em 1830 começaram a ser empreendidas ao seu topo as primeiras
expedições, passando, desde então, a receber grande número de visitantes em seus
trilhos e encostas rochosas, tornando-se uma referência carioca para a prática
do montanhismo.
O nome de Pedra da Gávea foi-lhe dado na expedição do
capitão Gaspar de Lemos em 1501/1502, em que participou Américo
Vespúcio e em que a baía do Rio de Janeiro (hoje Baía
de Guanabara) também recebeu o seu nome. A montanha, uma das primeiras no
Brasil a receber nome português, foi nomeada pelos marinheiros da expedição,
que reconheceram na sua silhueta o formato dum cesto de gávea ao
vê-la a 1 de janeiro de 1502. Esse nome, por sua vez, foi dado à região da
Gávea Pequena e ao atual bairro da Gávea da cidade do Rio de Janeiro.
Localizada na
Cordilheira da Tijuca, a Pedra da Gávea é um domo (dobra
anticlinal com a superfície dobrada a inclinar-se igualmente – ou quase – em
todas as direções) de granito. O topo plano é coberto por uma camada
de 150 m de granito, enquanto debaixo, o montículo é feito de gnaisse (tipo
de rocha metamórfica muito encontrada na região sul do Brasil; provém da
composição do granito misturado com fragmentos de outros tipos de rochas ígneas
e sedimentares). O
primeiro tem cerca de 450 milhões de anos e o último 600 milhões de anos. A
montanha e outros afloramentos de pedra dentro e ao redor da área resultam de
rochas granitoides neoproterozoicas mais jovens e finos diques de
diábase do Cretáceo a penetrar em rochas metassedimentárias mesoneoproterozoicas
mais velhas.
A zona de
contacto entre o granito superior e o gnaisse inferior é sub-horizontal e semigradual.
Os xenólitos de gnaisse têm uma forma tabular, que sugere que foram
pesadamente capturados do assoalho de uma câmara de magma pelo
desprendimento térmico. Sugeriu-se que Pedra da Gávea corresponde ao fundo duma
câmara granítica de magma e a espessura original do corpo granítico era muito
maior do que a exposição presente. O corpo granítico da Pedra da Gávea poderá,
segundo Akihisa Motoki et al, também corresponder à extensão oriental do
Maciço de Granito da Pedra Branca.
A meteorização
(conjunto de modificações físicas e/ou químicas causadas nas rochas) diferenciada da incisão do lado
norte da montanha produziu cavidades debaixo da cúpula de granito. A abóbada
abrupta é o resultado do granito mais durável que resistiu ao desgaste causado
pelo clima mais do que o gnaisse, que é mais macio. Além disso, a erosão
desgastou gravuras nos lados da montanha. E a meteorização diferenciada num
dos lados da rocha criou o que alguns descrevem como rosto humano estilizado.
As marcas na outra face da rocha foram tidas como inscrição.
Alguns
peritos, como Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, defenderam que a
inscrição é de origem fenícia e talvez prova de contacto entre culturas
pré-colombianas e do Velho Mundo. Entre as teorias alternativas
propostas está a de que a rocha era o local duma colónia de Vikings ou que
é conectada com a atividade de Óvnis.
Contudo, há
consenso entre geólogos e cientistas de que a inscrição resulta do
processo natural de erosão e que o rosto é produto de pareidolia
(grego, pará+eídolon –
fantasma: fenómeno psicológico que
envolve um estímulo vago e aleatório, geralmente uma imagem ou som, percebido
como algo distinto e com significado). Nenhuma evidência credível há a sustentar a ideia de que a
Pedra da Gávea fora descoberta por fenícios ou por qualquer outra civilização não
nativa. Além disso, o consenso de arqueólogos e outros académicos no Brasil é
de que a montanha não deve ser vista como sítio arqueológico, sendo tidas
como teorias marginais todas as hipóteses deste tipo.
Da suposta
inscrição esculpida na rocha da montanha, que alguns dizem estar em fenício,
língua semítica conhecida pelos estudiosos modernos apenas a partir de
inscrições, diz Paul Herrmann no livro “Conquests by Man”, que é conhecida há algum tempo,
mas tinha sido atribuída a algum povo americano pré-histórico desconhecido. No
entanto, um exame mais detalhado levou alguns a acreditar ser de origem
fenícia. A inscrição transliterada por Silva Ramos é: “LAABHTEJBARRIZDABNAISINEOFRUZT”.
E, porque o
fenício se escreve da direita para a esquerda, crê-se que a inscrição deve
ler-se como “TZUR FOENISIAN BADZIR RAB JETHBAAL”, traduzível aproximadamente
como “Tiro, Fenícia, Badezir, primogénito
de Jethbaal”, podendo corresponder a Badezir, um governante fenício que
governou Tiro em meados do século IX a.C., c. 850 a.C.,
pelo que o rosto da rocha fora esculpido à semelhança de Badezir. O “The
INFO Journal” especulou
se a montanha contém um túmulo fenício, embora nenhuma evidência científica
o sugira.
De acordo
com os relatos, missionários cristãos foram o primeiro grupo de pessoas a notar
as marcas estranhas. Falaram das suas descobertas a Dom João VI, o Rei
de Portugal à época, tendo-se interessado, mais tarde, por essas teorias o seu filho
Dom Pedro I do Brasil e IV de Portugal. Em 1839, Januário da Cunha Barbosa
e Araújo Porto Alegre, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), realizaram o primeiro estudo oficial da montanha.
Posteriormente, publicaram o artigo “Relatório
Sobre uma Inscrição da Gávea” em que analisaram mais de perto as marcas. Na
década de 1930, Ramos estudou a montanha, na esperança de provar as suas
crenças de que havia uma civilização pré-colombiana no continente americano
contemporânea do apogeu da expansão fenícia e grega no Mediterrâneo. Afirmou
ter conseguido decifrar as inscrições descritas pelo IHGB e publicou um livro em dois volumes
intitulado “Tradições da América Pré-Histórica, Especialmente do Brasil”, onde tentou documentar todas as
provas das supostas inscrições fenícias no Brasil.
Várias outras
pessoas e organizações vêm tentando racionalizar e verificar a inscrição. Pelo
menos um estudo foi realizado por Irineu Petri para encontrar a putativa
relação entre a inscrição e o Livro
de Mórmon. Para Jacques de Mathieu, arqueólogo argentino, a inscrição
não é fenícia, mas de runas nórdicas (carateres dos
antigos alfabetos germânicos e escandinavos), que diziam: “Próximo
a este rochedo, numerosas pranchas de carvalho para navio estão depositadas nas
praias de areia grossa”. E o
arqueólogo argumentou que os Vikings teriam reverenciado o local, visto
que a montanha lhes teria aparecido como o seu deus Odin. Outras
pessoas acreditavam que as cavernas que formam os olhos estão ligadas a outras
civilizações ou à cidade subterrânea de Shambala. Outros ainda
acreditavam que Pedra da Gávea fazia parte duma rota de Óvnis. A International Fortean Organization usou
a descoberta de 1982 do que se pensava serem ânforas fenícias
na Baía de Guanabara por Robert F. Marx como evidência de que os
fenícios estiveram pelo menos na região.
Como a
pesquisa de Barbosa e Porto Alegre foi realizada durante os primeiros anos do
reinado do imperador brasileiro Pedro II, Lucia Maria Pascoal Guimarães e
Birgitte Holten inferiram mais tarde que o foco na Pedra da Gávea era uma
tentativa do Império Brasileiro de construir a nação e
firmar as raízes dum Estado etno-cultural ancorado no conceito do Velho
Mundo. O trabalho de Ramos, em particular, foi criticado por cientistas e
estudiosos. Alois Richard Nykl, hispanista e arabista tcheco, escreveu que
Ramos adotou princípios errados e, por isso, chegou a conclusões erradas. Além
disso, Nykl escreveu que procurar equivalentes fenícios e gregos em petróglifos misteriosos
é pura imaginação desprovida de qualquer base sólida. Em artigo para
a “Live Science”,
Kim Ann Zimmermann sustentou que a crença nas inscrições e no rosto na Pedra da
Gávea são exemplos de pareidolia.
A maioria dos
pesquisadores sugere que a inscrição e o rosto são resultados da erosão.
Barbosa e Porto Alegre concluíram inicialmente que, embora fosse possível que
as marcas fossem letras fenícias corroídas, havia a possibilidade de terem sido
feitas por processos naturais. T. Cooper Clark, da Royal Geographical
Society e do Royal Anthropologial Institute of Great Britain and Ireland,
no artigo “O XX Congresso Internacional
de Americanistas”, descreveu uma expedição que levou ao local e alegou que as
linhas são formadas apenas pela erosão e que a própria inacessibilidade do
lugar descarta liminarmente a ideia de que tais marcas sejam obra do homem. O
livro “Geomorphological Landscapes of the World” sugere que a face da estrutura é o
resultado de intemperismo (ou meteorização) diferencial
no ponto em que a cúpula de granito da montanha encontra a camada
de gnaisse. Em agosto de 2000, um grupo de geólogos viajou até ao
cume da Pedra da Gávea com equipamentos para determinar se a montanha tinha
qualquer espaço oco; e o estudo mostrou que a estrutura era sólida e que não
havia túneis internos ou túmulos. O grupo também concluiu que as inscrições
eram apenas sulcos verticais que haviam sido formados nas partes menos
resistentes da pedra. Em meados da década de 1950, o Ministério da Educação e
Saúde do Brasil negou que o local apresentasse qualquer tipo de escrita,
declarando que o exame de geólogos provara ser nada mais que o efeito da erosão
do tempo o que parecia ser uma inscrição. Arqueólogos e estudiosos
brasileiros adotaram uma atitude negativa em relação ao tratamento do local, sendo
que Herrmann observou que a arqueologia brasileira nega a existência de
inscrições fenícias em qualquer parte do país.
***
Como se viu,
os mistérios da Pedra da Gávea foram
discutidos e estudados por muitas pessoas.
Vista de
vários ângulos da cidade do Rio de Janeiro, a Pedra da Gávea pode ser facilmente reconhecida. Tem um
formato particular, que inclusive serviu de inspiração para o seu nome.
Acredita-se
que a Pedra da Gávea tenha sido a primeira montanha vista por marinheiros de
uma expedição portuguesa. A princípio, a tripulação do capitão Gaspar de Lemos
viu, dos barcos, uma montanha debruçada sobre o oceano atlântico, que se
parecia com o cesto da gávea (estrutura no mastro de navios para observação). Daí o seu nome…
A posição do
cesto gávea assegurava a melhor vista para os navegantes identificarem perigos
que se aproximavam, outros navios e terra à vista. A olho nu ou com o uso de um
monocular.
A Pedra da
Gávea, composta por granito e gnaisse, é o maior monólito a
beira-mar no mundo (um monólito é
uma estrutura geológica, como uma montanha, formada por uma única rocha maciça). Com 842
metros a Pedra da Gávea integra o Parque Nacional da Tijuca.
Subir a
Pedra da Gávea, o trilho mais místico do Brasil, é um desafio imperdível para
trilheiros em busca de aventura, que dá a conhecer in loco os pontos do
percurso associados aos seus mistérios.
Uma das hipóteses
sobre a forma de rosto que se vê num dos lados da Pedra da Gávea, desde
a Pedra Bonita, como se viu, é que teria sido esculpido e modelado por
fenícios. A ser assim, essa obra teria sido feita por volta de 1000 a.C,
quando esses viajantes saíram do mar Mediterrâneo para cruzar o oceano
atlântico e chegarem a terras tupiniquins. Pelo menos é o que diziam as hipóteses
levantadas por Robertus Comtaeus Nortmannus (1644) e George Horn (1652), que acreditavam
que os contornos de uma esfinge na Pedra da Gávea seria uma obra fenícia.
Na parte
superior do lado direito do rosto da Pedra da Gávea é possível ver marcas que
foram consideradas inscrições por estudiosos do século XX. E, embora alguns
acreditem que essas ranhuras sejam apenas sinais do desgaste natural da pedra,
outros presumem que, de facto, a vinda dos fenícios ao Brasil é verídica e
creditam-lhes essas marcas na rocha. Ludwing Schwennhagen (historiador/escritor) e Bernardo
Ramos (arqueólogo) defendem essa
ideia no começo do século XX, por volta de 1928/1930.
As supostas
inscrições na parte lateral da Pedra da Gávea foram descobertas pelo brasileiro
Bernardo Ramos, que pensou ter identificado letras fenícias que compunham, da
direita para a esquerda, uma frase algo confusa “Tiro Fenícia, Badezir, filho mais velho de Jethbaal” e a que, em
1954, José Henrique de Souza, fundador da Sociedade Teosófica Brasileira,
acrescentou mais coesão interpretando o texto como “Jethbaal, fenício de Tiro,
primogénito de Badezir”. José Henrique de Souza, que pretensamente
estudou a passagem dos fenícios pelo Brasil e os mistérios da Pedra da Gávea,
aduziu que Baal-zir ou Badezir, o rei em exílio de Tiro
(capital da
Fenícia), chegou ali com os seus filhos gémeos
Yet-Baal-Bey e Yet-Baal-Bel.
Enquanto
atravessavam a baia de Guanabara, os filhos de Badezir tiveram o barco afundado
por uma tempestade e morreram afogados. Então, os seus corpos foram recuperados
e postos num ponto no meio da Pedra da Gávea, que acabou por tornar a tumba dos
príncipes. E, por milhares de anos, os seus restos mortais repousaram numa
cavidade do interior do monólito.
A suposta
entrada do interior do monólito é marcada por enorme laje branca localizada na
parte de trás da Pedra, em direção ao bairro de São Conrado. A frase “Jethbaal, fenício de Tiro, filho mais velho
de Badezir” seria uma homenagem póstuma do rei Badezir a seu filho mais
velho. Além disso, foi esculpida uma esfinge do príncipe numa das faces da
Pedra da Gávea.
Atualmente, os
cientistas sustentam que o rosto humano e as inscrições se formaram
mediante o intemperismo da rocha, processo erosivo dos seus minerais,
ocasionado por fatores químicos, físicos e biológicos (ex: vento,
chuva). Assim, o rosto humano que se
vê seria fruto da imaginação, através da pareidolia, que leva a atribuir
significado a nuvens, líquidos, montanhas... Por isso, dizem que a montanha não
deve ser vista como sítio arqueológico. Porém, independentemente do modo como a
Pedra da Gávea adquiriu a forma de esfinge num dos lados, intemperismo ou
interferência fenícia, trata-se duma bela joia na paisagem do Rio. Pode aceder-se
ao topo da montanha por um trilho de 3 horas, com paisagens e vistas
surpreendentes, como: Pedra Bonita e Rampa de Voo-livre; Morro dos Dois
Irmãos; Praia de São Conrado; Praia da Barra da Tijuca; e Esfinge esculpida na
Pedra da Gávea. Mas, antes, há que superar a “Carrasqueira” (parede de
escalada de aproximadamente 30 metros, para o que se requer o acompanhamento dum
guia profissional com os equipamentos de segurança necessários para garantir a
realização dessa aventura).
***
Enfim, um
dos pontos mais belos e enigmáticos do mundo de que o Brasil se orgulha!
2021.12.03 – Louro de Carvalho
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