sábado, 4 de dezembro de 2021

A Pedra da Gávea e seus mistérios

 

Considerada um dos cartões postais do Rio, a Pedra da Gávea é o maior monólito à beira mar no globo, uma vistosa montanha – montanha arborizada por limoeiros, laranjeiras, árvores-do-pão, bananeiras, mamoeiros, canas e roseiras – localizada na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, Brasil. Pelos 842 metros de altitude, localização e caraterísticas, sempre foi uma referência para os navegadores. Porém, só em 1830 começaram a ser empreendidas ao seu topo as primeiras expedições, passando, desde então, a receber grande número de visitantes em seus trilhos e encostas rochosas, tornando-se uma referência carioca para a prática do montanhismo. 

O nome de Pedra da Gávea foi-lhe dado na expedição do capitão Gaspar de Lemos em 1501/1502, em que participou Américo Vespúcio e em que a baía do Rio de Janeiro (hoje Baía de Guanabara) também recebeu o seu nome. A montanha, uma das primeiras no Brasil a receber nome português, foi nomeada pelos marinheiros da expedição, que reconheceram na sua silhueta o formato dum cesto de gávea ao vê-la a 1 de janeiro de 1502. Esse nome, por sua vez, foi dado à região da Gávea Pequena e ao atual bairro da Gávea da cidade do Rio de Janeiro.

Localizada na Cordilheira da Tijuca, a Pedra da Gávea é um domo (dobra anticlinal com a superfície dobrada a inclinar-se igualmente – ou quase – em todas as direções) de granito. O topo plano é coberto por uma camada de 150 m de granito, enquanto debaixo, o montículo é feito de gnaisse (tipo de rocha metamórfica muito encontrada na região sul do Brasil; provém da composição do granito misturado com fragmentos de outros tipos de rochas ígneas e sedimentares). O primeiro tem cerca de 450 milhões de anos e o último 600 milhões de anos. A montanha e outros afloramentos de pedra dentro e ao redor da área resultam de rochas granitoides neoproterozoicas mais jovens e finos diques de diábase do Cretáceo a penetrar em rochas metassedimentárias mesoneoproterozoicas mais velhas.

A zona de contacto entre o granito superior e o gnaisse inferior é sub-horizontal e semigradual. Os xenólitos de gnaisse têm uma forma tabular, que sugere que foram pesadamente capturados do assoalho de uma câmara de magma pelo desprendimento térmico. Sugeriu-se que Pedra da Gávea corresponde ao fundo duma câmara granítica de magma e a espessura original do corpo granítico era muito maior do que a exposição presente. O corpo granítico da Pedra da Gávea poderá, segundo Akihisa Motoki et al, também corresponder à extensão oriental do Maciço de Granito da Pedra Branca.

A meteorização (conjunto de modificações físicas e/ou químicas causadas nas rochas) diferenciada da incisão do lado norte da montanha produziu cavidades debaixo da cúpula de granito. A abóbada abrupta é o resultado do granito mais durável que resistiu ao desgaste causado pelo clima mais do que o gnaisse, que é mais macio. Além disso, a erosão desgastou gravuras nos lados da montanha. E a meteorização diferenciada num dos lados da rocha criou o que alguns descrevem como rosto humano estilizado. As marcas na outra face da rocha foram tidas como inscrição.

Alguns peritos, como Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, defenderam que a inscrição é de origem fenícia e talvez prova de contacto entre culturas pré-colombianas e do Velho Mundo. Entre as teorias alternativas propostas está a de que a rocha era o local duma colónia de Vikings ou que é conectada com a atividade de Óvnis.

Contudo, há consenso entre geólogos e cientistas de que a inscrição resulta do processo natural de erosão e que o rosto é produto de pareidolia (grego, pará+eídolon – fantasma: fenómeno psicológico que envolve um estímulo vago e aleatório, geralmente uma imagem ou som, percebido como algo distinto e com significado). Nenhuma evidência credível há a sustentar a ideia de que a Pedra da Gávea fora descoberta por fenícios ou por qualquer outra civilização não nativa. Além disso, o consenso de arqueólogos e outros académicos no Brasil é de que a montanha não deve ser vista como sítio arqueológico, sendo tidas como teorias marginais todas as hipóteses deste tipo.

Da suposta inscrição esculpida na rocha da montanha, que alguns dizem estar em fenício, língua semítica conhecida pelos estudiosos modernos apenas a partir de inscrições, diz Paul Herrmann no livro “Conquests by Man, que é conhecida há algum tempo, mas tinha sido atribuída a algum povo americano pré-histórico desconhecido. No entanto, um exame mais detalhado levou alguns a acreditar ser de origem fenícia. A inscrição transliterada por Silva Ramos é: “LAABHTEJBARRIZDABNAISINEOFRUZT”.

E, porque o fenício se escreve da direita para a esquerda, crê-se que a inscrição deve ler-se como “TZUR FOENISIAN BADZIR RAB JETHBAAL”, traduzível aproximadamente como “Tiro, Fenícia, Badezir, primogénito de Jethbaal”, podendo corresponder a Badezir, um governante fenício que governou Tiro em meados do século IX a.C., c. 850 a.C., pelo que o rosto da rocha fora esculpido à semelhança de Badezir. O “The INFO Journal especulou se a montanha contém um túmulo fenício, embora nenhuma evidência científica o sugira.

De acordo com os relatos, missionários cristãos foram o primeiro grupo de pessoas a notar as marcas estranhas. Falaram das suas descobertas a Dom João VI, o Rei de Portugal à época, tendo-se interessado, mais tarde, por essas teorias o seu filho Dom Pedro I do Brasil e IV de Portugal. Em 1839, Januário da Cunha Barbosa e Araújo Porto Alegre, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), realizaram o primeiro estudo oficial da montanha. Posteriormente, publicaram o artigo “Relatório Sobre uma Inscrição da Gávea” em que analisaram mais de perto as marcas. Na década de 1930, Ramos estudou a montanha, na esperança de provar as suas crenças de que havia uma civilização pré-colombiana no continente americano contemporânea do apogeu da expansão fenícia e grega no Mediterrâneo. Afirmou ter conseguido decifrar as inscrições descritas pelo IHGB e publicou um livro em dois volumes intitulado “Tradições da América Pré-Histórica, Especialmente do Brasil, onde tentou documentar todas as provas das supostas inscrições fenícias no Brasil.

Várias outras pessoas e organizações vêm tentando racionalizar e verificar a inscrição. Pelo menos um estudo foi realizado por Irineu Petri para encontrar a putativa relação entre a inscrição e o Livro de Mórmon. Para Jacques de Mathieu, arqueólogo argentino, a inscrição não é fenícia, mas de runas nórdicas (carateres dos  antigos alfabetos germânicos e escandinavos), que diziam: “Próximo a este rochedo, numerosas pranchas de carvalho para navio estão depositadas nas praias de areia grossa”. E o arqueólogo argumentou que os Vikings teriam reverenciado o local, visto que a montanha lhes teria aparecido como o seu deus Odin. Outras pessoas acreditavam que as cavernas que formam os olhos estão ligadas a outras civilizações ou à cidade subterrânea de Shambala. Outros ainda acreditavam que Pedra da Gávea fazia parte duma rota de Óvnis. A International Fortean Organization usou a descoberta de 1982 do que se pensava serem ânforas fenícias na Baía de Guanabara por Robert F. Marx como evidência de que os fenícios estiveram pelo menos na região.

Como a pesquisa de Barbosa e Porto Alegre foi realizada durante os primeiros anos do reinado do imperador brasileiro Pedro II, Lucia Maria Pascoal Guimarães e Birgitte Holten inferiram mais tarde que o foco na Pedra da Gávea era uma tentativa do Império Brasileiro de construir a nação e firmar as raízes dum Estado etno-cultural ancorado no conceito do Velho Mundo. O trabalho de Ramos, em particular, foi criticado por cientistas e estudiosos. Alois Richard Nykl, hispanista e arabista tcheco, escreveu que Ramos adotou princípios errados e, por isso, chegou a conclusões erradas. Além disso, Nykl escreveu que procurar equivalentes fenícios e gregos em petróglifos misteriosos é pura imaginação desprovida de qualquer base sólida. Em artigo para a “Live Science, Kim Ann Zimmermann sustentou que a crença nas inscrições e no rosto na Pedra da Gávea são exemplos de pareidolia.

A maioria dos pesquisadores sugere que a inscrição e o rosto são resultados da erosão. Barbosa e Porto Alegre concluíram inicialmente que, embora fosse possível que as marcas fossem letras fenícias corroídas, havia a possibilidade de terem sido feitas por processos naturais. T. Cooper Clark, da Royal Geographical Society e do Royal Anthropologial Institute of Great Britain and Ireland, no artigo “O XX Congresso Internacional de Americanistas”, descreveu uma expedição que levou ao local e alegou que as linhas são formadas apenas pela erosão e que a própria inacessibilidade do lugar descarta liminarmente a ideia de que tais marcas sejam obra do homem. O livro “Geomorphological Landscapes of the World sugere que a face da estrutura é o resultado de intemperismo (ou meteorização) diferencial no ponto em que a cúpula de granito da montanha encontra a camada de gnaisse. Em agosto de 2000, um grupo de geólogos viajou até ao cume da Pedra da Gávea com equipamentos para determinar se a montanha tinha qualquer espaço oco; e o estudo mostrou que a estrutura era sólida e que não havia túneis internos ou túmulos. O grupo também concluiu que as inscrições eram apenas sulcos verticais que haviam sido formados ​​nas partes menos resistentes da pedra. Em meados da década de 1950, o Ministério da Educação e Saúde do Brasil negou que o local apresentasse qualquer tipo de escrita, declarando que o exame de geólogos provara ser nada mais que o efeito da erosão do tempo o que parecia ser uma inscrição. Arqueólogos e estudiosos brasileiros adotaram uma atitude negativa em relação ao tratamento do local, sendo que Herrmann observou que a arqueologia brasileira nega a existência de inscrições fenícias em qualquer parte do país.

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Como se viu, os mistérios da Pedra da Gávea foram discutidos e estudados por muitas pessoas.

Vista de vários ângulos da cidade do Rio de Janeiro, a Pedra da Gávea pode ser facilmente reconhecida. Tem um formato particular, que inclusive serviu de inspiração para o seu nome.

Acredita-se que a Pedra da Gávea tenha sido a primeira montanha vista por marinheiros de uma expedição portuguesa. A princípio, a tripulação do capitão Gaspar de Lemos viu, dos barcos, uma montanha debruçada sobre o oceano atlântico, que se parecia com o cesto da gávea (estrutura no mastro de navios para observação). Daí o seu nome…

A posição do cesto gávea assegurava a melhor vista para os navegantes identificarem perigos que se aproximavam, outros navios e terra à vista. A olho nu ou com o uso de um monocular.

A Pedra da Gávea, composta por granito e gnaisse, é o maior monólito a beira-mar no mundo (um monólito é uma estrutura geológica, como uma montanha, formada por uma única rocha maciça). Com 842 metros a Pedra da Gávea integra o Parque Nacional da Tijuca

Subir a Pedra da Gávea, o trilho mais místico do Brasil, é um desafio imperdível para trilheiros em busca de aventura, que dá a conhecer in loco os pontos do percurso associados aos seus mistérios.

Uma das hipóteses sobre  a forma de rosto que se vê num dos lados da Pedra da Gávea, desde a Pedra Bonita, como se viu, é que teria sido esculpido e modelado por fenícios. A ser assim, essa obra  teria sido feita por volta de 1000 a.C, quando esses viajantes saíram do mar Mediterrâneo para cruzar o oceano atlântico e chegarem a terras tupiniquins. Pelo menos é o que diziam as hipóteses levantadas por Robertus Comtaeus Nortmannus (1644) e George Horn (1652), que acreditavam que os contornos de uma esfinge na Pedra da Gávea seria uma obra fenícia.

Na parte superior do lado direito do rosto da Pedra da Gávea é possível ver marcas que foram consideradas inscrições por estudiosos do século XX. E, embora alguns acreditem que essas ranhuras sejam apenas sinais do desgaste natural da pedra, outros presumem que, de facto, a vinda dos fenícios ao Brasil é verídica e creditam-lhes essas marcas na rocha. Ludwing Schwennhagen (historiador/escritor) e  Bernardo Ramos (arqueólogo) defendem essa ideia no começo do século XX, por volta de 1928/1930.

As supostas inscrições na parte lateral da Pedra da Gávea foram descobertas pelo brasileiro Bernardo Ramos, que pensou ter identificado letras fenícias que compunham, da direita para a esquerda, uma frase algo confusa “Tiro Fenícia, Badezir, filho mais velho de Jethbaal” e a que, em 1954, José Henrique de Souza, fundador da Sociedade Teosófica Brasileira, acrescentou mais coesão interpretando o texto como “Jethbaal, fenício de Tiro, primogénito de Badezir”. José Henrique de Souza, que pretensamente estudou a passagem dos fenícios pelo Brasil e os mistérios da Pedra da Gávea, aduziu que Baal-zir ou Badezir,  o rei em exílio de Tiro (capital da Fenícia), chegou ali com os seus filhos gémeos Yet-Baal-Bey e Yet-Baal-Bel.

Enquanto atravessavam a baia de Guanabara, os filhos de Badezir tiveram o barco afundado por uma tempestade e morreram afogados. Então, os seus corpos foram recuperados e postos num ponto no meio da Pedra da Gávea, que acabou por tornar a tumba dos príncipes. E, por milhares de anos, os seus restos mortais repousaram numa cavidade do interior do monólito.

A suposta entrada do interior do monólito é marcada por enorme laje branca localizada na parte de trás da Pedra, em direção ao bairro de São Conrado. A frase “Jethbaal, fenício de Tiro, filho mais velho de Badezir” seria uma homenagem póstuma do rei Badezir a seu filho mais velho. Além disso, foi esculpida uma esfinge do príncipe numa das faces da Pedra da Gávea.

Atualmente, os cientistas sustentam que o rosto humano e as inscrições se formaram mediante o intemperismo da rocha, processo erosivo dos seus minerais, ocasionado por fatores químicos, físicos e biológicos (ex: vento, chuva). Assim, o rosto humano que se vê seria fruto da imaginação, através da pareidolia, que leva a atribuir significado a nuvens, líquidos, montanhas... Por isso, dizem que a montanha não deve ser vista como sítio arqueológico. Porém, independentemente do modo como a Pedra da Gávea  adquiriu a forma de esfinge num dos lados, intemperismo ou interferência fenícia, trata-se duma bela joia na paisagem do Rio. Pode aceder-se ao topo da montanha por um trilho de 3 horas, com paisagens e vistas surpreendentes,  como: Pedra Bonita e Rampa de Voo-livre; Morro dos Dois Irmãos; Praia de São Conrado; Praia da Barra da Tijuca; e Esfinge esculpida na Pedra da Gávea. Mas, antes, há que superar a “Carrasqueira” (parede de escalada de aproximadamente 30 metros, para o que se requer o acompanhamento dum guia profissional com os equipamentos de segurança necessários para garantir a realização dessa aventura).

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Enfim, um dos pontos mais belos e enigmáticos do mundo de que o Brasil se orgulha!  

2021.12.03 – Louro de Carvalho

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