quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Vacinação de menores de 12 a 15 anos em caso de comorbidade é pouco

 

Portugal só vai vacinar contra a covid-19, para já, os jovens dos 12 aos 15 anos que tenham doenças de risco para a covid-19, designadamente doenças oncológicas, diabetes e obesidade. Tal decisão, que tem por base as conclusões do parecer técnico da Comissão Técnica de Vacinação, embora contra a expectativa do Presidente da República, do Governo e da taskforce (que tem tudo planeado), foi anunciada pela Diretora-Geral da Saúde, Graça Freitas, a 31 de julho, em conferência de imprensa.

Segundo dados providenciados pelo Instituto Dr. Ricardo Jorge (INSA), estima-se que existam 410 mil pessoas neste grupo etário.

A este respeito, o comentador dominical da SIC Marques Mendes, ainda que tenha esperado que fosse decidido de outro modo, sublinhou que se trata duma decisão corajosa, que é de respeitar, estribada no conhecimento científico indo contra as expectativas do poder político. Ao invés, o também comentador dominical, mas da TVI, Paulo Portas registou o teor da decisão, mas não lhe divisou coragem. Antes, sumariou um levantamento dos países que estão a ministrar a vacina contra a covid-19 a pessoas situadas nesta faixa etária, apontou a autorização de vários reguladores internacionais criticando a suposta competência técnica da DGS e do Infarmed, frisou que os poucos casos registados de covid-19 neste grupo etário não dispensa da busca ativa da imunização e pôs a claro que assim – vacinando apenas os jovens dos 16 aos 18 anos –, só ficam protegidos os alunos do ensino secundário.

Do meu ponto de vista, Paulo Portas está a ver bem o problema. Com efeito, no âmbito científico, as posições divergem. A EMA (Autoridade Europeia do Medicamento), o ECDC (Centro Europeu de Prevenção e controlo das Doenças) e outros reguladores internacionais defendem essa vacinação e a Ordem dos Médicos também. Pelo menos alguns especialistas em saúde pública e epidemiologistas também a recomendam, pois, embora os riscos de contração da doença e de contágio sejam residuais à partida, a abertura das escolas, a aproximação de tempo mais frio e o predomínio crescente de variantes mais caprichosas tornam a situação geral perigosa e mais provável o défice de imunidades.

Compreende-se que pediatras (embora sem o fundamentalismo expresso por um pediatra da praça que nem os menores de 16 a 18 anos quer vacinados) e especialistas de medicina geral e familiar torçam o nariz à vacina em razão do quadro de incertezas que a ciência apresenta. É certo que a eficácia das vacinas não é totalmente eficaz, mas elas evitam em grande medida a doença grave, o internamento (normal e intensivo) e a morte, pelo que deixam a comunidade mais tranquila. E Paulo Portas apresentou vários quadros elucidativos a este nível. Portanto, como a ciência se divide, o problema é político. Assim, Portas observa que a DGS não está fora da área política do Governo, cabendo à Ministra, enquanto responsável política pela saúde resolver o problema.             

A este respeito, a Diretora-Geral da Saúde observou que “a doença é, nestas idades, ligeira”, que, “nestas idades, as crianças que apresentam comorbilidades têm um risco mais grave” e que muitos destes adolescentes sem comorbidades “já têm imunidade conferida pela infeção”.

Por outro lado, dando uma no cravo outra na ferradura, lembrou que a EMA emitiu um alerta para a vacinação desta faixa etária, vincando que na União Europeia (UE) ainda não houve tempo suficiente para saber se existiram complicações com a inoculação de jovens e crianças. Não obstante, revelou que está a ser alvo de análise o eventual alargamento da vacinação contra a covid-19 aos restantes adolescentes desta faixa etária, bem como a necessidade de reduzir o intervalo entre doses, invocada pelo vice-almirante Gouveia e Melo, responsável pela taskforce de vacinação para apressar a obtenção da imunidade de grupo. Assim, Graça Freitas afirmou que “a DGS emitirá recomendações sobre a vacinação universal de adolescentes dos 12 aos 15 anos logo que estejam disponíveis dados adicionais sobre a vacinação destas faixas etárias”. 

Por enquanto, os menores com a idade dos 12 aos 15 anos não vacinados têm de apresentar obrigatoriamente um teste negativo à covid-19 para acederem a restaurantes e outros serviços.

Mais: a DGS, que decidiu que os adolescentes saudáveis só poderão ser vacinados com uma prescrição médica, já produziu a norma de prescrição adequada.

A limitação da vacinação a estes adolescentes portadores das preditas comorbidades e a obrigatoriedade da prescrição médica levaram os médicos de família a avisar que não têm capacidade de resposta e muitos pais a mostrarem-se confusos fazendo perguntas sobre o que fazer e como o fazer. A isto, num primeiro momento, o Presidente da República, perseguido pela obsessão da vacina, disse que competia aos pais decidir, mas, passado algum tempo, lá emendou a mão dizendo que era necessária a prescrição médica.

E a Ordem dos Médicos (OM) já veio a terreiro, pela voz do bastonário, dizer que a norma da DGS está a criar “desigualdades brutais” entre as crianças e famílias que podem ir ao médico e ter acesso a prescrição para poderem ser vacinadas e as que não têm. Isto quando o acesso à saúde tem estado muito condicionado e em que todos os recursos deveriam ser focados na recuperação de doentes e não em mais um procedimento burocrático. Marques Mendes frisou a injustiça pela diferença quanto a médicos não concordantes, que estarão mais pela não vacinação, e os que viam a recomendação com bons olhos, que estarão mais atreitos a prescrevê-la.

Por outro lado, esta situação, segundo Miguel Guimarães, já gerou hoje várias queixas à OM por parte de centros de saúde a dizerem que há muitos pais a telefonar para saber o que têm de fazer para vacinar os filhos entre os 12 e os 15 anos “e os médicos não sabem bem o que hão de fazer”. Com efeito, a norma não foi recebida mesmo entre os profissionais de saúde de forma clara, com alguns especialistas a saudarem a norma, mas a virem, depois, criticar este acesso condicionado. Ora, como defende o bastonário, o processo tem de ser gerido de forma universal e ágil, como é essencial no combate a uma pandemia”. Por isso, o bastonário apelou a “uma rápida revisão desta norma”, no sentido de ser esclarecida e se “reforçar a confiança na evidência científica e na ampla experiência já existente, protegendo os mais jovens da ameaça física, psicológica e social que este vírus tem representado para a vida de todos”.

Além de criar desigualdades e contribuir para a entropia do próprio processo de vacinação, numa altura crítica para o país, a norma começa por limitar a vacinação contra a covid-19 neste grupo etário a crianças com comorbilidades associadas a doenças graves, “justificando que para um eventual alargamento será necessária mais evidência científica”. Porém, diz Miguel Guimarães, “a mesma norma considera que desde que haja indicação de qualquer médico qualquer criança ou adolescente poderá ter acesso à vacina, ou seja, já não interessa a evidência científica”.

Segundo Miguel Guimarães, já há evidência científica suficiente, além da experiência prática, nomeadamente nos EUA com mais de 7 milhões de jovens vacinados.

A DGS, como foi dito, já referiu que “emitirá recomendações sobre vacinação universal de adolescentes com 12-15 anos logo que estejam disponíveis dados adicionais sobre a vacinação destas faixas etárias”, lembrando que, mesmo com indicação médica, a vacinação deve respeitar as faixas etárias em vacinação em cada momento. Mais disse que, “tratando-se de menores, a vacinação é discutida com os pais ou representantes/tutores legais”. A vacinação universal continua, pois, a ser recomendada a partir dos 16 anos, seguindo o plano de vacinação. Porém, a DGS não descartou alterações futuras se houver “novas variantes de preocupação”.

E Graça Freitas esclareceu que, “para já, mesmo que recomendássemos a vacinação universal, nenhum jovem ia ser vacinado”, uma vez que tal estaria dependente das restantes faixas etárias ainda por vacinar, podendo vira a acontecer apenas “daqui a cerca de três semanas”. Ora, foi isto o que o Governo previu e o que a taskforce tinha (e terá se a decisão for revertida) em plano.

Segundo a Diretora-Geral da Saúde, o que pesou a decisão conhecida hoje foi o facto de “a vacinação estar a correr muito bem em Portugal” e de haver ainda muitos grupos em faixas etárias com “um grande benefício em ser vacinados”, ou seja, com maior risco de complicações e doença grave, pelo que “com toda a serenidade”, a DGS decidiu “aguardar por mais informação, nomeadamente a nível da UE sobre a vacinação das crianças, sendo que na UE só estão disponíveis duas vacinas – da Moderna e da Pfizer – para os jovens destas idades e que “se aguardam dados de estudos” de países que já começaram a sua vacinação.

Mais uma vez dando uma no cravo outra na ferradura, Graça Freitas indicou que a EMA referiu situações em que, “sobretudo em jovens”, se desenvolveram casos de miocardite e pericardite (doenças cardiovasculares) após a toma destas vacinas, mas frisou que nestes casos a doença tem sido ligeira e os efeitos adversos são raros. Afinal, em que ficamos?

E justificou porque ainda não foram reportadas situações destas na UE:

A vacinação da faixa etária dos 12 aos 15 anos ou ainda não começou – mesmo nos países que já a recomendam – ou começou há muito pouco tempo, pelo que ainda não é possível saber se temos ou não temos miocardites e pericardites nesta faixa etária. Aguardam-se resultados da vacinação a curto prazo.”.

A vacinação universal continua assim, para já, a ser apenas recomendada a partir dos 16 anos, seguindo o plano de vacinação que “tem como objetivo primordial vacinar sequencialmente e prioritariamente aqueles que mais beneficiam da vacinação”. E a Diretora-Geral da Saúde acrescenta que permanecem neste momento muitos jovens adultos por vacinar e que nas idades mais baixas a covid-19 provoca doença ligeira. Por outro lado, disse que “a vacinação em massa das pessoas que têm mais de 16 anos e que está já recomendada é, de facto, uma arma potentíssima para proteger as crianças, pois ao retardar a circulação comunitária do vírus, estamos também indiretamente a proteger as crianças”.

Graça Freitas afasta da sua decisão a vertente política, mas disse que “a componente técnica não é a componente decisiva”. Os técnicos fornecem informação técnica para decisão superior. O que sucedeu foi a análise cuidadosa dos benefícios e riscos da vacinação universal dos 12 aos 15 anos, ou seja, a decisão resultou da avaliação de riscos e benefícios.

Deixemo-nos de disparates e contradições: uma decisão superior desta monta, seja do Ministro, seja do Diretor-Geral, é uma decisão política. Só espero que a DGS não venha, tarde e a más horas, a arrepender-se de remeter para as calendas gregas a vacinação de adolescentes, como sucedeu com outras matérias. E convém que os especialistas sejam menos radicais.

Percebo a ética da contraindicação da OMS, que pretende estender o benefício a todos os países, sobretudo aos mais pobres. Mas, planeando e querendo, chega-se a toda a parte e a todos.

2021.08.04 – Louro de Carvalho

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