sexta-feira, 27 de agosto de 2021

A propósito do “Dia Internacional da Igualdade Feminina”

 

A 26 de agosto, assinalou-se o “Dia Internacional da Igualdade Feminina em alusão à ratificação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão a 26 de agosto de 1789, em França, e para comemorar as conquistas das mulheres na sociedade ao longo da história, na luta por condições de igualdade entre géneros.

Na verdade, este dia foi criado para celebrar a igualdade de géneros, bem distante da ora propalada igualdade biológica ou identidade de género, além de promover reflexões sobre as relações de poder na sociedade, em que os homens são privilegiados. Dessa forma, tem como intuito agir no combate à desigualdade para se obter a plena equivalência entre homens e mulheres face às leis, na família, na sociedade, no trabalho, na arte, na academia, na política.

A celebração começou nos Estados Unidos da América. No dia 26 de agosto de 1920, foi aprovada a 19.ª emenda da constituição que dava às mulheres o direito ao voto. Esse foi um marco na luta pelo sufrágio feminino e pela igualdade política. Nessa mesma data, em 1973, o Congresso dos Estados Unidos decidiu que seria celebrado o Dia Internacional da Igualdade Feminina em homenagem à aprovação da emenda.

E a 4.ª Conferência Mundial da Mulher das Nações Unidas, realizada em 1995, em Pequim, estabeleceu 12 metas para garantir o direito das mulheres no mundo. Em 2015, a ONU (Organização das Nações Unidas) estabeleceu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e, entre as metas, estavam itens que têm como objetivo alcançar a saúde materna e igualdade de género até 2030.

Graças ao movimento feminista, as mulheres alcançaram muitas vitórias ao longo das últimas décadas, como o direito ao voto, à licença parental, à entrada no mercado de trabalho, ao ensino e à vida política.

Entretanto, ainda existem muitas situações a melhorar, como a paridade salarial e o fim da violência perpetrada contra a mulher, violência tal que, muitas vezes, leva ao que se chama feminicídio, ou seja, assassinato de mulheres pela sua condição feminina, que faz com que homens se sintam como seus “proprietários”, bem como à mutilação genital, à comercialização do corpo feminino, ao uso de trajes próprios impostos por motivos religiosos, à sobrecarga de trabalhos e tarefas, muitas vezes, não pagas.

Neste dia, realizam-se atividades de natureza informativa e ativa com o objetivo de diminuir progressivamente, até a eliminar de raiz, a desigualdade entre géneros, pois, apesar das conquistas de direitos e dos avanços que ocorreram ao longo dos anos, ainda há muito a ser avançado para que as metas sejam alcançadas.

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A este respeito, no rescaldo da 2.ª leitura da liturgia do passado domingo (EF 5,21-32) – tantas vezes interpretada de modo fixista e ao serviço do cómodo patriarcalismo e não de forma instrumental para marcar a relação Cristo-Igreja na linha da entrega amorosa e para inocular o fermento evangélico nas relações familiares e sociais bem imperfeitas ao tempo – o Padre José Luís Rodrigues, da diocese do Funchal, no seu blog “O BANQUETE DA PALVRA”, redigiu uma mensagem de pedido de perdão às mulheres.

Começa com um introito em que cita Bertrand Russel, segundo o qual “a teoria da verdade deve ser tal que admita o seu contrário, a falsidade”, pelo que se pode afirmar que, retiradas todas as inverdades, o que resta será verdade. Por outro lado, evoca o princípio das casernas dos exércitos na linha do qual nunca se devia duvidar das verdades ditas pelas autoridades”, pois estas é que sabem e estão sempre bem informadas. Em conformidade, denuncia a regra da submissão geral dos povos obedecendo sempre às autoridades superiores, porque estão bem informadas, e, em relação aos chefes religiosos, como estão mais perto de Deus e têm a graça de estado, arrogam-se o direito de merecer a nossa obediência incondicional e absoluta confiança.

Neste contexto, em que se contabilizam muitas conquistas, mas em que as mentalidades e os interesses vão minando as relações familiares, laborais e sociais, “a subordinação das mulheres em relação aos homens continua” e, muitas vezes, as mulheres querem mostrar o que valem copiando o que de pior os homens detêm.

Nestes termos, o referido sacerdote entende dever pedir “perdão por anos e anos de machismo pretensamente autossuficiente, porque na hora da verdade, são elas que salvam os homens” e “pela manutenção de uma linguagem contra as mulheres profundamente ofensiva e humilhante”, muitas vezes, em nome da propalada liberdade de expressão.

Na sua ladainha dos muitos pedidos de perdão, o sacerdote lamenta a existência de “muitas mulheres que se calam e vivem subjugadas pacificamente diante das ditaduras dos (seus) homens”, considerando “irrelevante e inglória esta luta pela igualdade”; e denuncia o “não reconhecimento de que determinado vocabulário é anacrónico e, como alguns dizem, lesivo dos Direitos Humanos Universais”, bem com o facto de tudo se fazer “para contornar isso e o enfeitar com palavreado ao abrigo de metáforas abusivas”, o que “é ofensivo contra as mulheres”.

Por outro lado, censurando a comparação que alguns fazem entre os versículos bíblicos e os versos dos Lusíadas de Luiz Vaz de Camões, fala da Bíblia nestes termos:

A Bíblia é um livro vivo que reúne vida passada para iluminar a vida presente. Não pode ser comparada com um poema épico determinado por um momento histórico irrepetível, que deve ser apreendido tal como é e aconteceu. A Bíblia tem outra função, nunca pode ser letra morta, mas realidade viva, que se faz carne em cada tempo e em cada contexto histórico. Se assim não for, não pode converter-se em alimento espiritual e litúrgico para a vida concreta de cada tempo.”.

Por conseguinte, Rodrigues pede perdão “por se fazer da Bíblia um livro estático, inalterável perante a existência que se altera todos os dias”, tendo as religiões “este pecado terrível para confessar”. Ao invés, em nome da Bíblia, há menosprezo e desprezo pelas mulheres dentro de instituições que deviam ser exemplares quanto à prática da igualdade de oportunidades para homens e mulheres em igualdade de circunstâncias”.

Por exemplo, no dizer acutilante do referido sacerdote, a hierarquia da Igreja Católica é “tão benévola e promotora dos ‘feminismos masculinos’, mas tão dura com as caraterísticas idiossincráticas das mulheres”; e a nossa Igreja Católica “bebeu do Evangelho sete Sacramentos, mas só seis deles é que podem ser concedidos às mulheres”, pois, o Sacramento da Ordem “é só para homens machos”, fundamentando ironicamente esta discriminação e outras que por aí ainda andam, na Bíblia Sagrada e, particularmente, no Evangelho de Cristo, onde Ele Se revela o Mestre por excelência na prática da inclusão”. Enfim, continuamos teimosamente “com um Evangelho [enquanto] coisa do passado”, quando “só faz sentido crer, na ‘Palavra de Deus’, sendo ela “viva e eficaz na realidade concreta de todos os tempos”.  

O sacerdote não é parco em pedidos de perdão. E os últimos três são bem pertinentes: “por estarem reduzidas as mulheres na nossa Igreja Católica a simples serviçais de homens que se dizem ‘chamados’ por Deus, que se gabam de serem seus representantes, quando Dele irradia a igualdade, a fraternidade, a misericórdia e o perdão incondicional”; pela ‘loucura’ de “uma hierarquia misógina, que não olha a meios nem mede as palavras para manter uma rede de benefícios e privilégios à conta do insulto do vocabulário que considera ser letra morta, só porque dá jeito”; e “por este estado de coisas graves nos tempos que correm, onde o populismo, o ‘talibanismo’ se impõem sob o domínio das armas para serem utilizadas contra as mulheres e as crianças, o elo mais fraco nas sociedades patriarcalistas, onde o machismo zarolho em que vivemos encontra caminho livre para vingar”.

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Porém, o título da efeméride, além de comtemplar a igualdade de oportunidades e de tratamento multicontextual entre homens e mulheres, podia remeter para a igualdade entre mulheres em igualdade de circunstâncias.  

É certo que, dentro do princípio de que cada ser humano é único, original e irrepetível, também as mulheres não são todas iguais, antes cada uma é única, original e irrepetível. Não obstante, reivindica-se para todas e para cada uma os requisitos básicos da dignidade humana, da dignidade feminina (diferente e complementar da masculina), das mesmas oportunidades, do mesmo estatuto social, profissional e político, distinguindo-se apenas pelo cumprimento de missões específicas, preferencialmente de índole temporária, como deveria suceder com os homens. E bem sabemos como a sociedade as separa endeusando umas e estigmatizando outras.

Oscila-se entre a estigmatização das que têm orientação sexual diferente, as mães solteiras, as que ficam para tias, as beatas, as varinas, as mulheres de limpeza, as mulheres a dias, as empregadas domésticas (antigamente, também as enfermeiras e as professoras do ensino primário) … Ainda é difícil as mulheres estarem em lugares de topo nas empresas, nas academias, na administração pública e na governação. Todavia, quando estão, nem sempre tratam com respeito e solicitude as mulheres suas subordinadas. E, tantas vezes, os critérios de tratamento não são as competências, o mérito, as necessidades pessoais ou de serviço, mas o estatuto social, o amiguismo, a subserviência, a troca de favores...

Que é da igualdade entre homens e mulheres? Que é da igualdade entre as mulheres?

2021.08.27 – Louro de Carvalho

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