Portugal é o terceiro país do mundo que mais está a vacinar e dos que
mais positivamente tem respondido à vacinação. Com efeito, já estão
completamente vacinadas 65% das pessoas e cerca de 75% já foram inoculadas com,
pelo menos, uma dose. Entretanto, a vacinação
contra a covid-19 para os adolescentes entre os 12 e os 15 anos,
acompanhada da clivagem que a discussão pública e mediática provocou mesmo
entre médicos pediatras, gerou dúvidas
nos pais acerca da melhor decisão a tomar.
As, pelo menos aparentemente, contraditórias tomadas de decisão da DGS (Direção-Geral
da Saúde) em recomendar a vacinação contra a covid-19 para todos
os adolescentes entre os 12 e os 15 anos, acompanhadas da discussão
pública e mediática, mesmo entre pediatras, virologistas e médicos de saúde pública,
provocaram dúvidas nos pais acerca da melhor
decisão a tomar. E, recentemente, o problema apresenta-se do lado ético e do
jurídico; e coloca-se nos seguintes termos: “E, se as crianças/adolescentes não tiverem dúvidas e quiserem a vacina,
mas os pais ou os representantes legais estiverem contra?”.
Antes dos 16 anos, ninguém
tem poder para decidir sozinho. Segundo a
bioética e a lei, se for preciso o tribunal para resolver o conflito, o mais
provável é haver ordem para vacinar.
O problema é do campo ético, enquanto está em causa a preservação da saúde
pessoal e a da comunidade versus efeitos potencialmente adversos; e é do campo
jurídico, porque a lei tem bem definida a
idade, 16 anos, a partir da qual o menor tem capacidade para decidir sozinho.
Não obstante, é de ter em conta que os pais não são donos ou proprietários
dos filhos, que lhes são dados como dom da natureza e com o encargo de zelarem
por eles como nutrícios e educadores. Por isso, mais do que o direito que
tantas vezes invocam sobre eles, deveriam assumir o dever que está inerente à
sua missão de pais e educadores e querer para os filhos e filhas todo o bem que
lhes seja possível.
Mesmo no quadro legal há solução. Se a criança/adolescente e os pais (ou
representantes legais) tentarem
harmonizar soluções e não chegarem a entendimento, no dizer de Eurico
Reis, juiz desembargador, a saída passará por entregar a decisão
ao Ministério Público, que, “em defesa da criança, pedirá para o
tribunal se substituir à vontade dos pais”.
Tais processos, de caráter urgente, aplicam-se a qualquer situação em que
as crianças sintam que os pais não as estão a proteger. Entra em ação a Lei da
Proteção de Menores. O tribunal, depois de ouvir os pais e o adolescente com
idade superior a 12 anos, tomará uma decisão que vá ao encontro do “superior
interesse da criança”.
Rui Nunes, presidente da Associação
Portuguesa de Bioética, a este respeito,
frisa que aquilo que que levou os países desenvolvidos a autorizarem utilizar vacinas
nesta faixa etária foi a mistura da vantagem, que se acredita haver da
vacinação sobre a doença, com a vantagem da vivência em sociedade e da
“solidariedade com os outros membros da sociedade”. E contrapõe este aos
casos em que a criança necessite de intervenção médica que a sua religião não
permite, como as transfusões de sangue para as Testemunhas de Jeová. Esse caso é inequívoco, um pouco
diferente da vacinação, a que chama “zona híbrida”.
Para o especialista em bioética, a vacinação justifica-se e os jovens
deverão ter total noção do que está em causa, para a aceitarem em consciência. E,
se tiverem
responsáveis legais que não queiram que sejam vacinados nem respeitem a sua
decisão, Rui Nunes entende que “os
jovens devem dirigir-se ao seu centro de saúde e deixar o médico de família
tomar conta do processo”. E Eurico Reis diz que “há interesses de ordem pública em
relação à vacinação”, pelo que teria de haver razões muito fortes para o tribunal
não ceder à vontade do adolescente, pois não consegue perceber que “um
juiz não decida a favor da criança”. E lembra que, “relativamente aos filhos,
os pais não têm poderes, só obrigações”. Porém, se o caso fosse oposto, com o jovem
a não querer corresponder à vontade dos pais de ser vacinado, “aí, sem
interesse relevante [para o adolescente], teria de haver uma razão muito forte, como uma razão médica e
impeditiva”.
***
É
de recordar que, num primeiro momento, a DGS decidiu que, em Portugal continental
(ao
invés do que decidira o Governo da Região Autónoma da Madeira), a vacinação universal contra a
covid-19 continuaria a ser recomendada só a partir dos 16 anos, no cenário duma
semana de equívocos comunicacionais, em que pairou no ar a dúvida sobre as
cerca de 410 mil pessoas dos 12 aos 15 anos. Em relação a estas, a DGS começou
por garantir que essas crianças poderiam ser vacinadas se os pais assim
quisessem, com a devida prescrição de um médico, para esclarecer, a seguir, que,
para já, estes adolescentes não iriam ser vacinados, a menos que, sob confirmação
médica, tivessem uma das comorbidades listadas, isto é doenças que os tornem
mais suscetíveis a desenvolver um quadro grave de covid-19 quando infetados
pelo vírus SARS-CoV-2. São elas: neoplasia maligna ativa; transplantação (ou
candidatura a ela) de progenitores hematopoiéticos (alogénico e
autólogo) ou de órgão sólido; imunodepressão; doença
neurológica grave e/ou doenças neuromusculares (incluindo paralisia cerebral e
distrofias musculares); diabetes; perturbações do desenvolvimento (trissomia
21, perturbações do desenvolvimento intelectual grave e profundo); obesidade
(obesidade
IMC >120% do P97 ou > 3Z-Score); doença cardiovascular;
insuficiência renal crónica (insuficiência renal em diálise,
insuficiência estádio III, IV e V); e doença pulmonar crónica (doença
respiratória crónica sob OLD ou ventiloterapia, asma grave sob terapêutica com
corticoides sistémicos, bronquiectasias, fibrose quística, deficiência de
alfa-1-antitripsina).
É
certo que, nos adultos, a vacina diminui em muito o risco de desenvolver doença
grave. Porém, nas crianças e adolescentes, há um sistema imunitário distinto,
devido à idade, acreditando-se haver respostas diferentes ao vírus e à vacina. Por
outro lado, há falta de robustez de dados que suportem a decisão de vacinar
entre os 12 e os 15 anos. E a dúvida, ante a falta de consenso na classe médica,
generalizou-se.
Em conferência de imprensa a 30 de julho, a Diretora-Geral da
Saúde apresentou as linhas gerais das justificações pelas quais não incluía estes
adolescentes no plano de vacinação e aduzia que a EMA (Autoridade Europeia do Medicamento) encontrara pessoas, sobretudo
jovens, que desenvolveram miocardite e pericardite (inflamações do músculo cardíaco e da
membrana que envolve o coração, respetivamente) após a toma das vacinas da Pfizer e da Moderna, as
únicas duas aprovadas na Europa e testadas para esta faixa etária. Também um
relatório do ECDC (Centro
Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças) defendia a prioridade da utilização da vacina em grupos
etários mais velhos antes de se visarem os adolescentes como um todo,
ressalvando a importância de vacinar os adolescentes de alto risco. Contudo,
são raros os casos que têm respondido bem ao tratamento convencional. E, visto
que as crianças não têm apresentado doença grave nem morrido com covid-19, os
peritos portugueses responsáveis pela decisão preferiram esperar, enquanto
outros países (Alemanha,
em setembro; Bélgica, China ou EUA) e a região autónoma da Madeira avançavam para vacinar
universalmente os adolescentes dos 12 aos 15 anos.
Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem
dos Médicos, considerou a decisão sensata, pois “temos vacinas em número
limitado” e, se tem sido demonstrado o benefício de vacinar gente com mais de 60,
40 ou 30 anos, a mortalidade pediátrica tem sido residual e quase sempre
acontece associada a outras comorbilidades.
Todavia, para este médico do Hospital de São João, é
importante não se confundir uma posição de prudência e de boa gestão de
recursos com posições negacionistas e de descredibilização das vacinas. Por isso,
não diz que a vacina é má, só que “acarreta alguns pequenos riscos”. Segundo o
pediatra, a vacina deve proteger primeiro os que correm risco de morrer, ou
então “estaríamos também a dar a vacina da febre-amarela ou da febre tifoide a
toda a gente”. E pedia paciência:
“Devemos evitar pôr em causa opiniões técnicas.
Se tivessem nomeado para esse grupo dois engenheiros, três pedreiros e cinco
advogados, eu diria que os tipos não eram de confiança. Não foi o caso. É de
elementar justiça e respeito ouvir o que os peritos disseram e acreditar que
eles o fizeram de boa-fé.”.
***
Não
foi este o entendimento claro do Presidente da República e o discreto do
Governo e da taskforce, bem como dos comentadores que acabam por formar opinião
pública. Também alguns virologistas e médicos de saúde pública, atentos ao que
ia avançando noutros países, foram puxando pela DGS. E Miguel Guimarães,
bastonário da Ordem dos Médicos, apesar de respeitar a decisão da DGS de excluir
os jovens saudáveis, disse que, “face ao conhecimento global, tudo indica que a
relação risco-benefício é favorável para a sua vacinação”. Além disso, lembrou
que as mortes e os internamentos nesta faixa etária são raros, mas também há e devem
ser alargados os horizontes das vantagens da vacinação, porque esta também
evita “o impacto da saúde mental” que advém das restrições à vida social. “Estes jovens têm de ter à vontade para irem
a espetáculos, fazerem desporto e estarem com os seus familiares”, sustentou.
E
a DGS passou a recomendar de forma universal a vacinação dos jovens
entre os 12 e os 15 anos. A decisão foi anunciada no dia 10, em conferência de
imprensa por Graça Freitas, que garantiu que a DGS “vai continuar a acompanhar
a evolução do conhecimento científico”, mas não adiantou detalhes sobre o
calendário de vacinação nesta faixa etária, vincando que a logística do
processo será anunciada pela taskforce. Contudo, disse que o processo de vacinação
não terá grande impacto no início do ano letivo das crianças entre os 12 e os
15 anos.
Na
última reunião do Infarmed, a taskforce recomendou que, se esta decisão fosse
tomada, os jovens entre os 12 e os 15 anos recebessem a 1.ª dose da nos dias 21
e 22 e 28 e 29 de agosto. No entanto, as datas não estão confirmadas: a
taskforce, liderada pelo vice-almirante Gouveia e Melo, terá a última palavra e
já esclareceu que “a vacinação dos jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos
está a ser planeada e será divulgada oportunamente”.
Segundo
Graça Freitas, esse grupo etário abrange cerca de 400 mil pessoas, algumas das
quais “já terão imunidade” contra o SARS-CoV 2, de acordo com um estudo
serológico do INSA (Instituto
Nacional de Saúde Ricardo Jorge). Tudo
indica que o esquema vacinal será de duas doses. Há duas vacinas autorizadas pela EMA
para o grupo: Pfizer e Moderna.
O tema
tem gerado um vivo debate na sociedade portuguesa nas últimas semanas. Luís
Graça, imunologista e membro da Comissão Técnica de Vacinação, admitiu-o: “o
tema é complexo”, tem havido “opiniões diferentes”, mas acabou por se chegar um
“certo consenso”, o que permite à DGS dar agora luz verde à vacinação dos
adolescentes. Graça Freitas sublinhou que, apesar das pressões sociais e
políticas, a decisão se centrou nos dados científicos que existem de forma
objetiva. E deu o exemplo dos EUA, onde 15 milhões de adolescentes já estão
vacinados e os dados científicos mostram que isso não levou a quaisquer “sinais
de risco”. Ora, o objetivo de todo o processo foi gerar confiança na população,
segundo a DGS.
Na verdade,
numa nota divulgada entretanto, a DGS refere que “foi possível analisar novos
dados disponibilizados nos últimos dias”, os quais confirmam que os mais de 15
milhões de adolescentes vacinados nos EUA e na UE confirmam que os episódios reportados
de miocardite e pericardite são extremamente raros e têm evolução clínica
benigna, não sendo conhecidos “novos alertas de segurança com a utilização
destas vacinas na UE nestas faixas etárias”.
Também Luís Graça acrescentou
que a vacinação dos adolescentes lhes traz “benefícios ao nível da saúde mental
e do bem-estar social e educacional”.
Vários outros países já estão a
vacinar jovens entre os 12 e os 15 anos, tais como Canadá, Israel, Chile,
Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Áustria, Suíça, Lituânia, Roménia,
Filipinas, China, Singapura, ou Hong Kong. Além disso, Espanha e Estónia já
anunciaram que vão começar a fazer o mesmo a partir de setembro.
Questionada pelos jornalistas sobre a
situação das pessoas transsexuais a receber tratamentos hormonais, Graça
Freitas sublinhou que devem aconselhar-se com o seu médico assistente no
sentido de obter uma recomendação sobre que vacina e respetivo esquema vacinal.
Luís Graça apontou que a
decisão técnica sobre a necessidade de uma eventual 3.ª dose para reforçar a
proteção contra o vírus ainda não está tomada e que a DGS e a Comissão Técnica
de Vacinação vão continuar a monitorizar os dados científicos sobre a questão.
Além disso, Graça Freitas apontou que a DGS está a estudar a possibilidade de
acabar com o isolamento profilático de pessoas que já se encontrem vacinadas, norma
que ainda se encontra em vigor.
***
É claro que as dúvidas são muitas. Sem vacinas, os
adolescentes saudáveis terão de continuar a apresentar testes para estas
atividades? Os adolescentes vacinados ficarão obrigados ao mesmo? Estarão os
jovens sujeitos a regressar ao ensino à distância pelo terceiro ano
consecutivo?
Para Jorge Amil Dias não é “muito sério dizer que as escolas
vão funcionar em pleno”. E terá razão, pois as vacinas são uma ajuda, que não a
solução absoluta.
Segundo o
médico especialista em Saúde Pública Bernardo Gomes, as crianças também são
transmissoras do vírus e com a variante Delta (responsável pela 4.ª e mais recente vaga) tornaram-se mais transmissoras. Por isso,
vacinaria um filho nestas idades, porque “a evidência científica diz que é
preferível vacinar as crianças” e que a medida tem “um contributo coletivo na
contenção do vírus”. E Amil Dias contra-argumenta:
“Se adultos vacinados contactam com crianças
infetadas, até podem ficar doentes, mas quase de certeza que não morrem por
isso. Para segurança das escolas, das famílias e dos empregos, precisamos é de que
os adultos estejam todos vacinados.”.
***
Porém,
não digam que não há vantagem em vacinar os adolescentes.
2021.08.17 – Louro de
Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário