O Papa Francisco recebeu, no Vaticano,
no dia 27, os participantes do encontro promovido pela Rede Internacional de
Legisladores Católicos, uma rede de parlamentares católicos provenientes de
todo o mundo nascida, em Trumau, na Áustria, em 2010, com o patrocínio do Cardeal
Christoph Schönborn, Arcebispo de Viena, que esteve presente na audiência junto
com o professor Alting von Geusau e Ignatius Aphrem II, patriarca da Igreja
sírio-ortodoxa.
O Sumo Pontífice elencou um conjunto de
chagas que atravessam a sociedade tornando as pessoas extremamente vulneráveis:
a pandemia da covid que perturba e continua a causar mortes e contágios;
múltiplos distúrbios e polarizações políticas que criam desconfiança em relação
aos representantes políticos e, acima de tudo, o desafio que interpela e torna
ainda mais delicado o papel dos parlamentares, especialmente dos parlamentares
católicos, que é o desafio das novas tecnologias e das ameaças à “dignidade
humana”; a pornografia infantil; a exploração de dados pessoais; os ataques a
infraestruturas importantes como hospitais; e as fake news.
E contra essas chagas, na opinião inquestionada
do Santo Padre, é necessária uma legislação atenta e orientada ao bem comum.
Mais: este é um mandato claro e definido que o Papa confiou aos membros da Rede
Internacional de Legisladores Católicos.
Agradecendo ao organismo o trabalho destes
11 anos de acompanhamento e apoio à obra da Santa Sé nos respetivos países e na
Comunidade internacional, o Papa abordou a realidade hodierna gravemente
marcada pela pandemia da covid, que parece ganhar ímpeto, dizendo:
“Fizemos certamente progressos significativos na criação e distribuição
de vacinas eficazes, mas há ainda muito trabalho a ser feito. Já foram
confirmados mais de 200 milhões de casos e quatro milhões de mortos devido a
esta praga terrível, que também causou tanta ruína económica e social.”.
Referindo que o papel dos
parlamentares é hoje mais importante do que nunca, Francisco disse que, “nomeados
para servir o bem comum, são agora chamados a colaborar, através da sua ação
política, para renovar integralmente as suas comunidades e a sociedade como um
todo”. E frisou que o objetivo não é “vencer o vírus” e “voltar ao status quo de antes da pandemia”, mas “enfrentar
as causas profundas que a crise revelou e ampliou: pobreza, desigualdade
social, desemprego e falta de acesso à educação”. Com efeito, de uma crise não saímos
iguais, mas piores ou melhores. Nem sairemos sozinhos, mas ou sairemos juntos
ou não conseguiremos sair.
Não é trabalho fácil, para mais em “época
de perturbação e polarização política”, na qual “os parlamentares e os
políticos em geral nem sempre possuem grande estima”. Porém, como observou o
Papa, é de questionar “que desafio maior existe do que servir o bem comum e dar
prioridade ao bem-estar de todos, antes do ganho pessoal”.
Neste contexto, um dos maiores
desafios da atualidade é “a administração da tecnologia para o bem comum”,
vincou o Pontífice. Na verdade, “as maravilhas da ciência e tecnologias
modernas aumentaram a nossa qualidade de vida”, mas, se “abandonadas a si
mesmas e apenas às forças do mercado, sem as devidas orientações das
assembleias legislativas e de outras autoridades públicas orientadas por um
sentido de responsabilidade social, essas inovações podem ameaçar a dignidade
do ser humano”. Não se trata, segundo o Papa, de “frear o progresso tecnológico”,
mas “de proteger a dignidade humana quando esta é ameaçada”. Os instrumentos
políticos e regulamentares permitem que os parlamentares o façam. E o Pontífice
enumerou alguns destes ataques contra a pessoa provenientes da internet: o flagelo
da pornografia infantil, a exploração de dados pessoais, os ataques a
infraestruturas importantes como hospitais, as falsidades difundidas nas redes
sociais.
A isto
poderá e deverá atalhar “uma legislação atenta” e que oriente “a evolução e
aplicação da tecnologia para o bem comum”. Para tanto, precisamos de cidadãos
responsáveis e líderes bem preparados. E o incentivo é a “assumir a tarefa de uma reflexão moral séria e
profunda sobre os riscos e oportunidades inerentes ao progresso científico e
tecnológico, para que a legislação e as normas internacionais que os regulam
possam centrar-se na promoção do desenvolvimento humano integral e da paz, e
não no progresso como um fim em si mesmo”.
Assim, o Papa convidou os membros da
Rede Internacional de Legisladores Católicos a “promoverem o espírito de
solidariedade, a começar pelas necessidades das pessoas vulneráveis e desfavorecidas”,
pois é indispensável “o compromisso dos cidadãos, nas várias esferas da participação
social, civil e política. E explicitou:
“Para curar o mundo, duramente provado pela pandemia, e para construir
um futuro mais inclusivo e sustentável em que a tecnologia sirva as
necessidades humanas e não nos isole uns dos outros, precisamos não apenas de
cidadãos responsáveis, mas também de líderes preparados e animados pelo
princípio do bem comum”.
Em suma, o Papa
reconhece que ainda há muito que fazer contra a covid; sustenta que é indispensável
uma boa política para a paz social; enfatiza o desafio das novas
tecnologias; e quer cidadãos responsáveis e líderes bem preparados e orientados
para o bem comum.
***
Por sua vez, em
entrevista que vai estar no
centro do programa ECCLESIA, na
Antena 1, este domingo, às 6 horas, pré-anunciada neste dia 28 e de que a
agência Ecclesia já levantou o véu, Dom António Couto, Bispo de Lamego e autor do livro “O lado de cá da
meia-noite”, pede uma Igreja “a fazer-se”, que seja mais familiar e receia
que a próxima Assembleia dos Bispos sobre a Sinodalidade seja “um conjunto de
relatórios”, bem como dá uma alfinetada na política e na sociedade dizendo que
a sociedade
trata idosos como “canalha”.
A este respeito,
recordo como o prelado, em outubro de 2016, referia para quem o escutava, na
igreja matriz de Santa Maria da Feira, o que via nas suas visitas pastorais na
diocese de Lamego no atinente aos idosos, com quem ele conversava demoradamente
a sós e o que estes lhe contavam, pelo que acusava o tom burocrático, frio e
até displicente com que eram tratados, como se não conhecessem a realidade de quem
sofre a penúria e o isolamento.
Agora, afirmando
que o tempo de pandemia é “já um tempo de esperança”, releva a importância de
“fazer a experiência” da proximidade às pessoas e da visita aos locais mais
isolados para decidir não só com “relatórios e papéis”, que não motivam
qualquer compaixão. E conta:
“Tenho dito aos
políticos que aqui vêm e falam comigo: façam esta experiência. A Assembleia da
República devia fazer esta experiência e depois não sei se fariam a leis que
fazem. A política nacional, central, deveria debruçar-se sobre estas
realidades, não recebendo papéis e relatórios, porque isso não dói nada.”.
Por outro lado, o autor do livro ‘O
lado de cá da meia-noite’ pede um regresso à Bíblia, um livro “de cultura”,
que chama à humanidade e mostra caminhos “intransitivos”. Lamenta que a cultura
dominante queira resumir a Bíblia a um livro de fé e sustenta que, a par da
“cultura grega, que continua através dos tempos”, da qual o homem contemporâneo
é herdeiro, “há que ter na outra mão a Bíblia, um livro de excelência”. E recorda:
“O que nos traz
a Bíblia é uma voz que vem de fora. Não nasce dos meus desejos, instintos e
projetos. É um caminho novo que vem de fora, uma voz que me interpela. É um
rosto, como diz Emmanuel Levinas.”.
Perante “a voz ética” que se escuta, “não há tempo para pensar, há que
responder, pois é o rosto de um irmão, de um pobre, de uma criança, de um
abandonado, é um rosto que fala… Eu não tenho de tomar uma decisão, tenho de
responder”, reconhece, contrapondo a cultura dominante que procura “caminhos
alcatroados, de modas que mudam”. E explicita:
“Há muitos
caminhos alcatroados, mas os caminhos a fazer – o da estupidez para a inteligência,
da maldade para a bondade – são caminhos longos, levam muito tempo porque dá
muito trabalho passar do ‘eu’ para o ‘eis-me’; requer uma disponibilidade que
não experimentamos. mas este é o caminho apontado pela Bíblia, pelo Talmude
judaico e por grandes pensadores da história”.
O prelado lamecense diz que este é o tempo de “escutar a voz de Deus, mesmo
que doa”. Deseja uma “Igreja mais familiar”, uma “Igreja a fazer-se” em
detrimento de o “fazer coisas na Igreja”, e pede que se construam “templos de
tempo”, que reconheçam o que é paradigmático na Igreja – “o Evangelho, a
evangelização, a caridade”, e não os eventos programáticos. E desenvolve:
“Fazer coisas
na Igreja é mais fácil. E é o que andamos a fazer. Apostamos quase tudo no
fazer coisas na Igreja porque é mais fácil de manter: continuar a limpar o
altar, os bancos, lidar com coisas, procurar pessoas para as flores, para dar
catequese… Estamos sempre no mesmo, a fazer coisas na Igreja. Os párocos ficam
felizes quando têm a Igreja organizada, mas penso que estamos a brincar com
coisas secundárias – é preciso muito mais. Onde está a escuta, permanente e
ativada, da palavra de Deus, que é o motor?”.
D. António Couto reconhece uma “enorme porta” que o Papa Francisco deseja
abrir com a realização de uma Assembleia de Bispos sobre Sinodalidade, em
outubro de 2023, mas receia que resulte num “conjunto de relatórios, todos
iguais”: “Temo que não peguemos na Igreja
e não a comecemos a fazer”. E explica:
“Fazer a Igreja
significa que estamos dois aqui, mas podíamos ter connosco uma criança, um
velhinho, um doente e todos tínhamos que nos entender. Não podia falar tão
rápido, as perguntas teriam de ser outras para alargar o contexto, mais pessoas
teriam de intervir. Isto é a comunhão, a Igreja a fazer-se. E este já seria o
objetivo. Se conseguirmos juntar diferentes pessoas em idade, culturas, até de
credos diferentes – porque temos de abrir a Igreja para o mundo – vamos ter um
excelente diálogo e vamos todos ter de nos respeitar. Isso é a Igreja a
fazer-se.”.
Enfim,
Igreja a fazer-se e política ao serviço do homem ou com vista à construção e consolidação
dum povo a partir da realidade é o grande desafio para obviar às situações de
vulnerabilidade, tantas vezes resultantes da ambição desenfreada de alguns ou
dos caprichos incontrolados do progresso. Para tanto, precisamos da ética, da
lei justa e do espírito personalista articulado com o princípio do bem comum.
2021.08.28 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário