sexta-feira, 13 de agosto de 2021

O aumento do emprego é já um facto, mas não para todos

 

Depois de abrupta queda no início da pandemia e de alguns altos e baixos desde aí, a economia está ainda a vários meses de voltar a ser o que era. Todavia, o número de pessoas empregadas apoiadas pelas medidas lançadas pelo Estado regressou, no 2.º trimestre do corrente ano, ao nível de antes do início da pandemia. E o problema é que esta retoma no mercado de trabalho não chegou a todos os segmentos da população, deixando à margem os mais novos, os menos qualificados, os precários e os desempregados de longa duração.  

Pela primeira vez desde o início da crise, as estatísticas do INE (Instituto Nacional de Estatística) revelam um número de pessoas empregadas superior ao registado antes do 2.º trimestre de 2020, o primeiro em que se sentiu o impacto negativo da pandemia.

De acordo com os dados publicados no dia 11, havia 4810 mil empregos em Portugal no 2.º trimestre de 2021, valor que significa o acréscimo de 36 mil empregos em relação ao 2.º trimestre de 2019 (ou seja, um acréscimo de 0,8%), o acréscimo de 128,9 mil empregos face ao 1.º trimestre de 2021 e um acréscimo de 200 mil empregos face ao 2.º trimestre de 2020, bem como supera em 66 mil trabalhadores o número de empregos registado no 1.º trimestre de 2020, o melhor ponto de comparação pré-crise, para retirar da análise os efeitos da sazonalidade.

Enfim, se compararmos o 2.º trimestre de 2021 com o 2.º trimestre de 2020, período em que a pandemia embateu com força e provocou a maior destruição de emprego, o nível de emprego subiu 4,5%. É a maior subida destas novas séries, que remontam a 2011 e 2012, mas deve-se, em parte, ao facto de há um ano a esta parte o emprego ter sofrido o maior colapso nestes registos (quebra de quase 4% no 2.º trimestre de 2020).

O emprego tem resistido melhor à crise que a atividade económica, o que foi evidente no 2.º trimestre de 2020, quando o PIB se afundou 14% e o emprego apenas 3%. Tal fenómeno deveu-se, em larga medida, aos apoios públicos que têm sendo disponibilizados para evitar que as empresas reduzam a força de trabalho de forma abrupta. Em particular, o layoff simplificado, mantendo o vínculo laboral entre trabalhadores e empresas quando a atividade parava ou era fortemente reduzida, contribuiu para que, em Portugal, como nos outros países europeus, se tivesse evitado a quebra abrupta dos níveis de emprego análoga à queda a pique da economia.

Agora, quando a economia está a recuperar, o ritmo de crescimento do emprego é menor que o do PIB. No 2.º trimestre, o emprego cresceu 2,8% em cadeia e 4,5% face ao período homólogo, num trimestre em que a economia cresceu 4,9% em cadeia e 15,5% em termos homólogos. Mas isso não impediu que o número de empregos chegasse já ao nível pré-crise, enquanto o valor do PIB, no 2.º trimestre deste ano, ainda estava 4,7% abaixo do registado antes da pandemia. De facto, estes valores agregados para a evolução do emprego escondem realidades diferentes em alguns segmentos do mercado de trabalho. Para alguns tipos de trabalhadores e em alguns setores de atividade verifica-se que o número de empregos está ainda significativamente abaixo do que se verificava antes da crise. Quando se olha para os setores de atividade, verifica-se, por exemplo, a subsistência dum nível de emprego muito inferior ao passado no alojamento e na restauração. O turismo foi um dos setores mais afetados e persistem entraves à sua atividade, que se refletem nos postos de trabalho criados. No 2.º trimestre deste ano, havia no setor menos 72,9 mil empregos que em igual período de 2019. Em contrapartida, há setores que já revelam aumentos fortes do número de empregos, destacando-se áreas como informação e comunicação, atividades científicas, técnicas e de consultoria, educação e saúde. Para lá destes setores, é evidente, o tipo de trabalhadores que mais saíram a perder durante a crise e não concretizaram a retoma, os precários. Assim, por contrato de trabalho, há agora mais 158,7 mil empregos por conta de outrem com contrato sem termo, e há menos 131 mil contratos com termo.

Uma interpretação benigna da situação é a de estarmos a apostar em vínculos laborais menos precários, mas a explicação está sobretudo no facto de, no início da crise, a perda de empregos ter atingido os contratos com termo, poupando mais os que tinham vínculo mais sólido. Medidas como o layoff simplificado protegeram sobretudo este último grupo, enquanto os mais precários foram as vítimas naturais da tentativa das empresas de reduzirem custos na crise.

Outra caraterística evidenciada nos empregos que não regressaram é o facto de serem menos qualificados. O INE mostra que há agora, em comparação com há dois anos, menos 108 mil empregos para “trabalhadores de serviços pessoais, segurança e vendedores” e menos 103 mil empregos para “trabalhadores não qualificados”. Em contraponto, a grande maioria do aumento de empregos (176 mil) foi para “especialistas das atividades intelectuais e científicas”.

Também é de considerar a diferença das idades, ficando claro que as idades mais avançadas, que, à partida, contavam com vínculos laborais mais estáveis, resistiram melhor à crise que as mais jovens. Nos segmentos entre os 16 e os 44 anos, o nível do emprego é agora ainda inferior ao período pré-crise, enquanto o oposto sucede para os segmentos dos 45 aos 89 anos. Para lá disso, no 2.º trimestre de 2019, havia em Portugal 191,5 mil jovens que não estavam nem empregados, nem em educação ou formação. Agora são 210,5 mil.

E mais de 70 mil pessoas, que estavam na fronteira do mercado de trabalho e que ainda tentaram encontrar trabalho ou mostraram alguma vontade, desligaram-se completamente. Quer isto dizer que o desemprego de longa duração (de pessoas que estão ativamente à procura de emprego há 12 meses ou mais, mas não o encontram), que atingiu quase o dobro com a pandemia, não se reverteu. Ao invés, aumentou mais de 85% no 2.º trimestre deste ano face a igual período de 2020. Quase duplicou e com isso já equivale, novamente, a perto de metade (45%) do desemprego total. O INE indica que estavam nesta situação (sem trabalho há mais de um ano) cerca de 154 mil pessoas.

O desemprego de longa duração é um fenómeno persistente em Portugal. No tempo da última crise, na altura da troika e do governo PSD-CDS, chegou a pesar entre metade e dois terços do desemprego total. É um problema grave, pois quanto mais tempo a pessoa está desempregada, mais desatualizada fica em qualificações, menos oportunidades encontrará, maior será a estigmatização, pior para o currículo terá nos mercados oficiais de emprego.

Com este inquérito, o INE iniciou “uma nova série de dados” em que, por exemplo, “deixa de considerar como empregadas as pessoas ocupadas em atividades de agricultura e pesca para autoconsumo” e passa a considerar apenas como população ativa “o grupo dos 16 aos 89 anos”. Até aqui era “15 ou mais anos”.

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O mercado de trabalho português registou várias melhorias importantes no 2.º trimestre deste ano, como uma criação forte de empregos e uma ligeira descida na taxa de desemprego, mesmo comparando com 2019, quando a economia ainda não tinha ido ao fundo com a pandemia. No entanto, segundo o INE, há problemas graves que persistem e até se agravaram, cicatrizes que teimam em não desaparecer, sinalizando que há segmentos da população que estão mais marginalizados ou afastados das atividades económicas e produtivas oficiais.

O novo estudo tem também novos indicadores para medir a saúde do mercado de trabalho e avaliar se há cicatrizes que estão a ser deixadas pela crise pandémica. Por exemplo, o INE estima a dimensão do grupo força de trabalho potencial, que é “composto pelos dois tipos de inativos que têm maior proximidade com o mercado de trabalho por cumprirem um dos dois critérios necessários à inclusão na população desempregada” (procura ativa de emprego e disponibilidade para começar a trabalhar no período de referência). Este grupo está a diminuir. Tinha 242 mil pessoas no 1.º trimestre; e, no segundo, 173 mil. Mas é neste grupo que se nota um fator negativo e preocupante: tanta gente tão desencorajada que parece ter desistido do mercado de trabalho, migrando para a inatividade pura no período de abril a junho, marcado por um ressurgimento da pandemia e dos confinamentos. E foi nesta altura que essas pessoas deixaram de procurar emprego e de estar disponíveis para trabalhar. Ficaram mesmo inativas.

O INE refere que, no 2.º trimestre de 2021, transitaram para o desemprego 24,2% dos que no 1.º trimestre de 2021 estavam no grupo ‘força de trabalho potencial’, (o que significa que procuraram ativamente e regularmente trabalho, mas não encontraram); e cerca de 19% transitou para uma situação de emprego. Isto leva a concluir que a maior fatia dessa população desencorajada, ainda que inativa, simplesmente desistiu. O INE refere que “29,3% dos que estavam no grupo ‘força de trabalho potencial’ no 1.º trimestre de 2021 transitaram para o grupo ‘outra inatividade’ no 2.º trimestre”, ou seja, deixaram de procurar ativamente emprego ou de ter disponibilidade para começar a trabalhar no período de referência, ficando mais afastados do mercado de trabalho. Assim, quase 71 mil pessoas (29,3% dos referidos 242 mil indivíduos que formavam a ‘força de trabalho potencial’) abandonaram a fronteira do mercado de trabalho (desligaram-se, aparentemente). Este fenómeno explica boa parte da redução dos níveis de inatividade na economia neste arranque de ano. No entanto, são pessoas que terão mais dificuldades em voltar, em reentrar no mercado.

Como referido, a economia registou certa reanimação no 2.º trimestre comparativamente com há um ano, um período bem mais sombrio, onde ainda nem sequer havia vacinas e em que os confinamentos foram mais duros e profundos. Contudo, os dados do desemprego não indiciam ainda uma recuperação completa. O INE estima 345,7 mil desempregados no 2.º trimestre deste ano, 5,2% acima do número do mesmo trimestre de 2019, havendo mais 17,2 mil sem trabalho. E revela que, no 2.º trimestre, se mantinham com corte de horários ou suspensão total de contrato (como lay-off) 53,6 mil trabalhadores, no quadro de redução significativa do universo dos empregados “ausentes” por haver falta de trabalho (parcial ou total).

Porém, a taxa de desemprego desceu para 6,7% da população ativa de abril a junho de 2021.

A Ministra do Trabalho, da Solidariedade Social e da Segurança Social, celebrou os números do emprego, que julgou “impressionantes”, e disse que isto mostra que os apoios “públicos) extraordinários criados para apoiar as empresas e o rendimento dos trabalhadores foram fundamentais para preservar o emprego durante a crise”. E o Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, salientou o sinal de vitalidade da economia.

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Um dos fatores marcantes da minimização da crise pelo lado do emprego e da atividade foi o teletrabalho com as suas potencialidades e limitações, não raro com improvisação.

A pandemia da covid-19 obrigou milhares de trabalhadores a deixar o escritório para trabalharem a partir de casa e, no 2.º trimestre de 2021, havia 475,5 mil pessoas nessa situação pelo menos 6 meses – o que represente uma diminuição do número de pessoas em teletrabalho.

Entre abril e junho, o país iniciou um processo de desconfinamento. Embora a obrigatoriedade do teletrabalho se tivesse mantido, o alívio das restrições levou à redução do número de pessoas que trabalharam sempre ou quase sempre em casa, passando de quase um milhão, no 1.º trimestre, para 740,7 mil no 2.º trimestre. Nesse universo, o INE dá conta de 607,3 mil pessoas empurradas para essa situação por causa da pandemia (as restantes 133,3 mil já trabalhavam em casa ou passaram a fazê-lo por outra razão que não a covid-19), das quais 475,5 mil encontravam-se nessa situação há 6 meses ou mais, o que corresponde a uma proporção de 78,3%. No 1.º trimestre, a percentagem era de 48,2%, o que significa que houve um elevado número de trabalhadores que continuaram a desenvolver a sua atividade fora do escritório. Isso aconteceu sobretudo na AML (Área Metropolitana de Lisboa), sendo a maioria das pessoas que trabalhavam há pelo menos 6 meses no domicílio homens (50,4%), com 45 ou mais anos (41,6%), no ensino superior (72,9%) e nos serviços (87%). No 2.º trimestre assistiu-se a uma diminuição das pessoas em teletrabalho, resultado do alívio das restrições. Das 740,7 mil pessoas que entre abril e junho trabalharam sempre ou quase sempre fora do escritório, 717 mil estiveram em teletrabalho (ou seja, trabalharam a partir de casa com recurso a tecnologias da informação e comunicação), o que corresponde a um recuo de 25,9% em relação às 967,7 mil pessoas que estavam nesse regime nos primeiros meses do ano, altura em que as escolas fecharam e o país se viu obrigado a confinar-se novamente.

O teletrabalho abrangia 14,9% da população empregada, o que representa uma queda de 5,8% face aos três primeiros meses do ano (quando a proporção atingiu os 20,7%) e de 7,6 pontos percentuais em comparação com o 2.º trimestre de 2020 (22,6%), data que coincide com o início da pandemia em Portugal. Ainda assim, os 14,9% correspondem “à terceira proporção mais elevada deste indicador desde que começou a ser acompanhado há cinco trimestres”.

O teletrabalho restringe-se a atividades e trabalhadores específicos sem distribuição uniforme pelo território, com mais de metade das pessoas abrangidas a viverem na AML (51,5%), no Norte (25,5%) e no Centro (15,6%), sendo incipiente nas restantes regiões. Ao contrário do que sucedeu no 1.º trimestre, em que a maioria dos teletrabalhadores eram mulheres, agora a tendência alterou-se e 51,5% das pessoas em teletrabalho são homens. O INE não explica esta inversão, que pode estar relacionada com o facto de a legislação reforçar os apoios às famílias que partilham os cuidados das crianças durante o confinamento.

No 2.º trimestre predominou entre as pessoas que completaram o ensino superior (72% do total), que têm contratos sem termo (71,8%), ou que desenvolvem atividades intelectuais e científicas (55,3%). O setor dos serviços representa 87,1% do teletrabalho; e as atividades de informação e comunicação, as atividades de consultoria e científicas, a educação e a administração pública juntam mais de metade das pessoas que estavam neste regime (52,4%), que deixou de ser obrigatório a 1 de agosto, sendo apenas recomendado em todo o território do continente.

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Enfim, têm de se reinventar as empresas e os serviços; e o Estado tem de investir nas infraestruturas públicas (pela via da extensão, modernização e conservação), rejuvenescer e fortalecer todos os quadros da Administração Pública. Urge a desburocratização e o apoio do Estado, a assunção de responsabilidades da parte de todos e a fiscalização da organização, funcionamento e atividades de todos os setores, público, particular, cooperativo, social e solidário.   

2021.08.12 – Louro de Carvalho

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