Tem o colunista do ECO online Ricardo Arroja um
artigo de opinião subordinado ao título “O
emprego público cresce, mas sem estratégia” a denunciar o aumento notório
dos funcionários públicos “sem que se
consiga perceber a relação custo-benefício”, do que resulta ficarmos “submetidos
ao cálculo eleitoral do PS”.
Na verdade, já nos esquecemos que o Governo que acompanhou a troika
emagreceu até ao tutano a administração pública pelo aumento de horas semanais
de trabalho, pelas aposentações antecipadas, apesar de os requerentes verem diminuídos
os benefícios, e pelo programa de rescisões por mútuo acordo. E não chegou aos
despedimentos porque o Tribunal Constitucional o impediu pela declaração de inconstitucionalidade
da respetiva norma. Também aqui não se vislumbrava estratégia que não fosse a
da “inevitabilidade” e, talvez, a da progressiva entrega a entidades privadas da
gestão dos serviços que não fossem estritamente de soberania. Não houve
propriamente uma estratégia de renovação dos quadros de pessoal na administração
pública.
É verdade que a empregabilidade no Estado, que
está em forte crescimento, superou em junho passado o nível registado em
2011. Mas também acontece que, nos anos da troika, e o colunista não o refere,
os contratos a termo e os contratos a termo nas autarquias locais (freguesias, municípios, áreas metropolitanas e comunidades interministeriais
e empresas municipais e intermunicipais), segundo o JN, aumentou e
estabilizou, passando a diminuir entre 2015 e 2017, como entre 2018 e 2021,
sendo 2017 e 2021, anos de eleições autárquicas os momentos privilegiados para
a contratação de pessoal nas autarquias, pelo que a falta de estratégia é comum
aos partidos que têm algum poder. Entretanto, ironicamente, entre 2011 e 2013,
chegavam às assembleias municipais diretivas para redução das estruturas e
quadros de pessoal nas autarquias!
É óbvio que, à direita, a linha estratégica é a do emagrecimento
do Estado, com o alegado robustecimento do que restaria, e o favor ao setor
privado, linha que não tem sido concretizada de forma coerente e consequente,
tanto assim é que, ao primeiro embate, se clama pela ajuda do Estado; e, à
esquerda, a linha estratégica é a do crescimento do Estado com a
subalternização do setor privado e a esmola aos setores ditos “social e solidário”,
por estes chegarem aonde o Estado, impedido pelo seu peso burocrático, não
consegue chegar. Mas também esta linha não é concretizada de forma coerente e
consequente. Bem se vê como há colégios privados entregues a “militantes” do
PS, tal como de outros partidos, que se abeiram das benesses estatais; o
Governo quer a municipalização da educação, quiçá da saúde, sabendo que daí
resultará a privatização pela via da contratação de empresas prestadoras de
serviços, que depressa surgirão como cogumelos no pinhal; e, a creditar no “Tal & Qual”, desta semana,
dirigentes do PCP sediam abundantemente empresas suas mesmo ao lado da sede
nacional.
Dizem os privados que o Estado não sabe gerir e, com
os dinheiros públicos, locupleta os dirigentes, os familiares e os amigos. Não estou
em condições de o negar. Não obstante, devo dizer que se vê bom atendimento,
simpatia e eficácia – e mesmo boa gestão – em muitos serviços públicos. Quanto
aos privados, é de referir que, salvo honrosas exceções, a boa gestão reside na
poupança, na contratação de quem está disponível para receber menos e trabalhar
mais, na obtenção de lucro, multiplicando atos, episódios, instrumentos e
adereços apresentados como necessários, que o cliente individual, o subsistema
ou o Estado pagarão. E até nem custa armarem-se em bons samaritanos criando uma
fundação de benemerência ou de mecenato: ficam aliviados na carga fiscal e nós batemos
palmas.
O Estado não tem estratégia; os privados têm a estratégia
do lucro.
Diz o mencionado colunista que a trajetória que
denuncia não surpreende, pois “a aposta no emprego público constitui imagem de
marca do PS, encontrando-se espelhada no Programa de Estabilidade 2021-2025” (PE 2021-2025), onde se afirma que, “entre 2018 e 2020, se registou
um substancial crescimento da massa salarial no valor de 2.358 milhões de
euros, correspondendo a uma variação acumulada de 11%”, aumentando também a
proporção das despesas com pessoal no PIB em 0,8%. E o PE 2021-2025 prevê,
“nos anos 2022 a 2025, um crescimento das despesas com pessoal
muito significativo, em torno de 3%, indo ao encontro do inscrito no Programa
do Governo”. E, observando que “não será por acaso”, coloca a hipótese
de estarem em causa 731 mil votos.
Quem ouviu o Presidente da República a apontar o dedo
a uma administração pública exausta em termos de trabalhadores e encarecendo a
necessidade do seu robustecimento, sobretudo em relação a técnicos superiores
para otimização da execução do PRR e quem acompanhou a entrevista de Alexandra
Leitão perguntar-se-á se não há aqui uma estratégia que não apenas a da
colheita de votos nas urnas, até porque o voto é secreto. E, se num universo
eleitoral reduzido, é possível o seu controlo por aproximação, num universo
alargado isso é quase improvável.
Os dados da DGAEP (Direção-Geral da
Administração e Emprego Público) mostram que o saldo de entradas menos saídas nas administrações públicas
tem sido positivo desde 2015, tendência que se reforça à medida que o Governo
olvida as regras impostas no tempo da troika, a fim de travar a despesa pública
com pessoal. Pelas contas do Governo, do acréscimo total de despesas com
pessoal, entre 2021 e 2025, mais de 60% serão resultado de contratações e outras
variações remuneratórias; e as progressões e promoções representarão cerca de
1/4 do acréscimo previsto.
É certo que valorizar e requalificar são argumentos simpáticos,
mas são genéricos e ocos, pois os números aventados e os valores percentuais não
nos dizem que “a carreira na função pública que mais cresceu em número de
empregados em junho foi a dos assistentes operacionais”, a menos qualificada e
mais mal paga. Por outro lado, mercê da pandemia, muitos professores e outros técnicos
superiores foram contratados para substituição das inúmeras baixas médicas, pois
a covid-19, real ou suspeita, obrigou tantos a afastar-se da prestação de
trabalho.
O colunista entende que “o desafio estrutural da
administração pública está na incorporação da digitalização na provisão
dos serviços públicos”. É óbvio que a digitalização é importante e necessária,
mas não resolve tudo. E a pandemia ensina que não basta dispormos de meios e instrumentos,
mas que é preciso saber lidar com eles; e que a máquina facilita e resolve muitas
situações, mas se falta ou falha o fator humano, é impossível a convivência e a
garantia do trabalho eficaz. Mesmo a telemedicina não significa, como pensam,
teleconsulta.
Deus nos livre que o Estado se lembre de generalizar o
que já faz com a Caixa Geral de Depósitos, que é exatamente o que fazem os outros
bancos e as outras empresas: reestruturar. E reestruturar significa apenas dispensar
pessoal, ainda que seja necessário admitir mais, mas com menor custo, encerrar serviços
e aumentar despesas para utentes/clientes.
O mencionado colunista fala do caso dos médicos de
família. Na verdade, aposentações, férias, transferência para outros serviços (privados ou públicos), procura de outras especialidades levam a que haja em Portugal cerca de um
milhão de pessoas sem médico de família. E, se os concursos são insuficientes e
as remunerações são magras, há que resolver o problema pela forma mais
adequada. Enfim, vontade política, abrir os cordões à bolsa e, depois, responsabilizar.
Médico de família cuja consulta é quase inacessível para que serve? Consultas
por telefone, quando até há pouco se indispunham porque não prescreviam nem
opinavam sem verem o doente? Médico de família que tem horário de trabalho em
estabelecimento público, mas que, se não está, o utente fica desamparado porque
as consultas não programadas não chegam para as encomendas!
***
Só para vermos como as reestruturações troikanas resultam,
veja-se como Alberto Teixeira descreve no ECO online o que se passa com banqueiros.
O setor está em profunda reestruturação, acelerada
pela pandemia, de que resulta uma onda de despedimentos em massa. Porém, continua
como uma indústria que pratica bons salários. E os dados revelados, no dia 18,
pela EBA (Autoridade Bancária Europeia) reforçam a ideia: “quase 5.000 trabalhadores de bancos europeus receberam mais de um
milhão de euros em 2019”.
Para chegar a estes números, a EBA contabiliza vários
elementos da remuneração, além da componente fixa: bónus, prémios de longo
prazo, contribuições para a pensão e indemnizações.
Segundo mesmo relatório, havia em
Portugal 13 banqueiros ou profissionais a trabalhar para a banca que auferiram
remunerações acima do milhão de euros naquele ano – em média, cada um
recebeu 1,5 milhões de euros. No ano anterior eram 15, acima dos 8 em 2017.
A EBA detalha que quatro tinham funções de gestão
no banco, outros dois de supervisão, dois trabalhavam na banca de investimento, quatro na banca de retalho, sobrando um trabalhador que estava classificado como tendo “outra” função.
E esclarece que, para Portugal, “5 destes 13 indivíduos foram reportados como
tendo rendimentos elevados devido aos montantes de
indemnizações que foram pagas em 2019”.
O Reino Unido lidera a lista:
mais de 70% dos trabalhadores da banca com rendimentos mais elevados trabalhavam
em solo britânico. Eram 3.519 trabalhadores em 2019, o que representa uma
descida ligeira de 95 trabalhadores em relação a 2018. A Alemanha (492, mais 9,3%), França (270, mais 15,4%) e Itália (241, mais 17%) aumentaram o número de banqueiros com
remunerações anuais acima do milhão de euros.
A EBA justifica estas evoluções com o impacto da
transferência de pessoal do Reino Unido para a UE a 27 como parte dos
preparativos do Brexit, com os bons resultados financeiros globais em alguns
bancos e com a reestruturação e consolidação de bancos em curso, o que conduziu
a indemnizações por rescisões superiores ao normal.
Com 13 banqueiros a receberem mais de um milhão,
Portugal situa-se no 13.º lugar do ranking europeu,
imediatamente à frente da Noruega (12) e Polónia (9) e atrás da Bélgica (17) e Luxemburgo (22). Lindo, não é?! Se
houver crise o povo está pronto a pagar…
***
Quanto ao emprego público, haja a robustez necessária
e suficiente para a eficácia no cumprimento das missões e funções, sem delapidação
em favor de dirigentes e seus compadres, na certeza de que se os médicos, enfermeiros,
professores e trabalhadores da segurança social trabalham maioritariamente na administração
pública, esta não poderá emagrecer. Enfim, o Estado deve dar o exemplo o trabalho
digno para todos.
2021.08.18 – Louro de
Carvalho
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