Apesar das críticas de antigos Presentes da República, de dúvidas iniciais dos chefes dos Ramos, da oposição do GREI (Grupo de Reflexão Estratégica Independente) e da posição da AOFA (Associação de Oficiais das Forças Armadas), da Associação de Sargentos e da Associação de Praças, o Presidente da República promulgou o Decreto da Assembleia da República (AR) n.º 162/XIV, que altera a Lei de Defesa Nacional, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho, alterada pela Lei Orgânica n.º 5/2014, de 29 de agosto, e o Decreto da Assembleia da República n.º 163/XIV, que aprova a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), revogando a Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de julho, alterada pela Lei Orgânica n.º 6/2014, de 1 de setembro.Segundo a Nota da Presidência da República de notícia e justificação, “atendendo ao parecer unânime do Conselho Superior de Defesa Nacional, ao entendimento largamente maioritário do Conselho de Estado, à versão final dos diplomas – atenuando uma ou outra faceta mais controversa – e, sobretudo, às muito expressivas maiorias parlamentares, aliás consonantes com as mesmas que tinham votado as Leis [Orgânicas] n.º 5 e n.º 6/2014, [de 29 de agosto e 1 de setembro, respetivamente] – que abriram caminho ao estatuto de superior hierárquico do CEMGFA e também ao espaço existente na futura apreciação das leis orgânicas do CEMGFA [Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas] e dos três ramos das Forças Armadas, o Presidente da República, tendo ouvido, no termo do processo legislativo, os quatro Chefes Militares que, aliás, compreenderam a lógica da posição presidencial, promulgou os decretos da Assembleia da República que procedem a alterações à Lei de Defesa Nacional e à Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (FA).
Em
síntese, esta promulgação levou em conta a versão final dos dois diplomas, o
parecer unânime do Conselho Superior de Defesa Nacional, a maioria no Conselho
de Estado e a aprovação dos dois diplomas por maiorias muito expressivas na AR.
Os
dois decretos parlamentares abrem caminho à supremacia da posição hierárquica
do CEMGFA sobre os chefes dos três ramos militares: Armada, Exército e Força
Aérea. Porém, a nota da presidência revela que os chefes militares foram
ouvidos pelo Presidente da República e manifestaram compreensão pela posição do
comandante supremo das Forças Armadas.
É
de referir que, embora alguns títulos nos
media e a própria Nota da Presidência da República insinuem que os dois
decretos da AR se limitaram a alterar duas leis vigentes, o certo é que o primeiro
introduz alterações à Lei da Defesa Nacional e estipula a sua republicação com
as ditas alterações, mas o segundo revoga mesmo a LOBOFA em vigor, pretensamente
inovando ou reordenando a matéria.
A
Associação Nacional de Sargentos não esconde o seu desagrado vindo O sargento
Lima Coelho lamentar a perda de tempo com alterações que não resolvem os
problemas das Forças Armadas, pois, segundo esta associação, os problemas das
Forças Armadas não estão nas cúpulas. E, no entender do presidente da
Associação de Praças, Paulo Amaral, a lei devia ter sido revista para atrair
jovens para as Forças Armadas.
Estas
duas associações não valorizaram o facto de a versão final atenuar “uma
ou outra faceta mais controversa”, como refere Marcelo Rebelo de Sousa, nem o
facto de os diplomas terem
merecido “parecer unânime” do Conselho Superior de Defesa Nacional e os chefes
dos ramos terem sido ouvidos no termo do processo legislativo e terem
manifestado compreensão, bem como o facto de terem merecido a aprovação de muito
expressivas maiorias parlamentares, aliás consonantes com as mesmas que tinham
votado as Leis Orgânicas n.º 5 e n.º 6/2014, de 29 de agosto e 1 de setembro,
respetivamente, “que abriram caminho ao estatuto de superior hierárquico” do CEMGFA
e “também ao espaço existente na futura apreciação das leis orgânicas do CEMGFA
e dos três ramos das Forças Armadas”.
Porém, é verdade que os diplomas ora promulgados foram
aprovados, a 25 de junho, em votação final global, com os votos favoráveis do
PS, do PSD e do CDS-PP, com os votos contra de BE, PCP, PEV e Chega e
abstenções de PAN e Iniciativa Liberal.
Estes diplomas concentram, no essencial, mais poderes e
competências na figura do CEMGFA, designadamente em termos de comando
operacional conjunto dos três ramos das Forças Armadas (Armada, Exército e Força Aérea),
ficando os chefes militares na sua dependência hierárquica.
Os decretos ora
promulgados têm por base propostas de lei do Governo – Proposta de Lei
85/XIV/2, para a Defesa Nacional, e Proposta de Lei 84/XIV/2, para a LOBOFA –,
que lançou esta reforma para, entre outras alterações, reforçar os poderes do CEMGFA
em relação aos três ramos militares. As propostas surgem na sequência de
tentativas similares por parte de outros Governos, em 2009 e 2014, sendo de
salientar o trabalho da comissão
de acompanhamento da reforma ‘Defesa 2020’.
Esta concentração de poderes, criticada por
ex-chefes militares, ex-Presidentes da República, como Ramalho Eanes ou Cavaco
Silva, e que chegou a merecer reservas dos atuais chefes dos ramos ouvidos no Parlamento,
foi defendida pelo executivo como uma forma de permitir que o CEMGFA “tenha à
sua disposição a qualquer momento as forças de que precisa para executar as
suas missões” e favorecer uma “visão de conjunto” sobre as necessidades e
processos de investimento das FA.
Na
especialidade, os diplomas sofreram ligeiras alterações como a clarificação da
autonomia administrativa dos ramos.
As propostas de
alteração à LOBOFA foram apresentadas pelo CDS-PP, que no n.º 1 do art.º 15.º
desta lei, relativo aos ramos das FA, acrescenta à proposta do Governo que
estes “são dotados de autonomia
administrativa”. Já no n.º 2 do art.º 17.º, passou a ler-se que, “no quadro das missões cometidas às Forças
Armadas, em situação não decorrente do estado de guerra, os Chefes de
Estado-Maior dos ramos integram a estrutura de comando operacional das Forças
Armadas, como comandantes subordinados do CEMGFA, sem prejuízo das suas
competências para administrar o ramo e das matérias que dependam diretamente do
Ministro da Defesa Nacional”.
Estas alterações vão ao encontro, ainda que
não na totalidade, de algumas preocupações apresentadas nas audições dos chefes
militares.
Quanto aos principais pontos de divergência
da reforma, como a concentração de poder no CEMGFA ou a perda de competência
deliberativa (ou
seja, de decisão) do Conselho de Chefes do Estado-Maior, mantiveram-se no essencial as
propostas do Governo.
Não é de esquecer que esta reforma –
uma das mais polémicas desde a chamada “Lei dos Coronéis”, na década de 1990,
que impunha a reforma antecipada a dezenas de oficiais – foi contestada por
ex-chefes de Estado-Maior dos três ramos, 28 dos quais, incluindo Ramalho
Eanes, antigo Presidente da República, CEMGFA e ex-Chefe do Estado-Maior do Exército,
que assinaram uma carta a criticá-la e a pedir um debate alargado à sociedade
civil.
Debaixo de
críticas, Gomes Cravinho classificou, em março, as resistências dos militares
na reforma como “interesses corporativos”. Em 10 de abril, subiu o tom e
considerou as críticas dos generais como “manobras escusas” de “uma agremiação
de antigos chefes militares” que tenta “perpetuar a influência”.
A AOFA repudiou
a reforma, sugerindo tratar-se de um caminho de “partidarização e governamentalização”
da instituição militar. E o GREI, que reúne antigos chefes militares, reuniu-se
com os grupos parlamentares e criticou a reforma especialmente pelo “desaparecimento
da maior parte dos graus intermédios de comando e de direção”, sublinhando que
será uma “fonte de permanente atrito” entre os patamares Ministro da Defesa
Nacional (MDN), CEMGFA e Conceito Estratégico Militar (CEM).
No meio de toda
esta polémica, João Gomes Cravinho foi entremeando as críticas com apelos ao
diálogo como o que fez no dia em que as propostas foram aprovadas em Conselho
de Ministros, a 8 de abril, quando disse estar confiante num “consenso alargado”
na AR e que só observou alguma “turbulência entre os antigos chefes” militares.
E Marcelo Rebelo de Sousa enquadrou a contestação de antigos chefes militares,
incluindo o general Ramalho Eanes, como parte de “um amplo debate, como é
próprio em democracia e salutar em democracia”.
Também o
ex-Presidente e antigo líder do PSD Cavaco Silva veio publicamente então, numa
nota enviada à Lusa, dizer que é “um
erro grave” esta reforma das FA, afirmando que seria para si “chocante” ver o
seu partido aprová-la.
Entretanto, o
líder do PSD disse respeitar a opinião de Cavaco, mas admitiu que seria uma “contradição
muito grande” votar contra as propostas de reforma das FA, defendida pelo
partido “há anos”, só porque foi apresentada pelo PS.
Ao invés do
coro de críticas ao então projeto de proposta de lei, o major-general Carlos
Chaves contestou aos militares na reserva que se insurgiram contra a reforma
das FA desenhada pelo Governo, dizendo ao “Nascer do SOL” que o papel dos reformados “deve
ser ajudar a construir e não a destruir”. Este oficial general, que presidiu à
comissão de acompanhamento da reforma ‘Defesa
2020’, no Governo liderado por Passos Coelho, põe em causa a o GREI,
classificando-o como “abcesso antidemocrático que muito perturba o normal
funcionamento das instituições democráticas”. Lembrou que este grupo de generais
na reserva contestou todas as reformas e defendeu que em democracia não há
lugar para este género de estruturas. E questionou:
“Se querem intervir, inscrevam-se
nos partidos das suas simpatias. Será que querem construir um partido político
de militares? Será que vamos ter de volta o PRD de Eanes, mas desta vez
ainda com mais ‘fardados’?”.
Carlos
Chaves discordou das críticas feitas à proposta do Governo e lembrou que a
participação das FA não foi mais eficaz por “o Chefe do Estado-Maior-General
atual não ter as capacidades atribuídas que correspondessem às suas
responsabilidades”. Porém, na sua ótica, doravante “ficaremos a saber com toda a
clareza quem deve fazer o quê”.
***
Aí estão as
leis estruturantes da Defesa Nacional e das Forças Armadas, mas falta resolver
a questão dos efetivos e da pouca atratividade da instituição castrense, bem
como o da eficaz programação militar.
2021.07.03 – Louro de Carvalho
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