É a grande afirmação do Bispo de Leiria-Fátima, Cardeal Dom António
Marto, na Missa da Solenidade da Assunção da Virgem
Santa Maria, a que presidiu no Recinto
de Oração do Santuário de Fátima, que voltou a ficar praticamente lotado e de
novo com a presença de grupos estrangeiros de Itália e Polónia.
Pela
Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, de 1 de Novembro de
1950, o Venerável Papa Pio XII proclamava a Assunção da Virgem Maria como dogma
de fé.
“Declaramos e definimos ser dogma divinamente
revelado que a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso
da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” – é o
núcleo do dito documento pontifício. Por isso, a Igreja Católica assinala a 15
de agosto, que este ano é domingo, a solenidade litúrgica da Assunção da Virgem
Santa Maria, dia que vem sendo feriado em Portugal. Na verdade, desde os
primeiros séculos do Cristianismo, o Povo de Deus aclama, proclama e vive com
amor intenso esta realidade. Quantas igrejas, paróquias e dioceses a têm como
Padroeira! E, neste particular, não podia ser exceção este recanto Peninsular,
terra de Santa Maria. O Povo de Deus desde muito cedo aclamou a Assunção de
Maria, Mãe de Deus e esperança da nossa frágil humanidade.
O prelado do Lis disse que, na Assunção, compreendemos que o Céu de Deus tem um coração materno que alimenta a
esperança mesmo diante do mal e das dificuldades da vida.
“O mistério da Assunção é um mistério de
esperança, de consolação e de alegria” – afirmou ao sublinhar que esta
solenidade “fala do futuro e do presente, pois garante-nos que estaremos ao
lado de Jesus ressuscitado no termo da nossa vida celeste, mas convida-nos a
acreditar no poder da ressurreição de Cristo, já agora, atuante na nossa vida,
o que nos torna capazes de levar a graça e o bem onde há estrelas do
mal”. Por isso apelou a que “não nos deixemos vencer pela força do mal”. E
explicitou:
“Onde é reconhecida a presença de
Deus, o mundo torna-se melhor e mais belo; nós tornamo-nos mais fraternos e
mais humanos. Tenhamos, pois, coragem: Maria convida-nos a viver com esperança
mesmo nos momentos mais escuros da vida.”.
Depois,
falando da vertente materna de Maria, enfatizou:
“Maria está com Deus e em Deus na
plenitude da vida como mãe nossa. E, por isso, está mais próxima de nós nos
dias felizes e nos dias difíceis: não estamos sós, nunca estamos sós! Temos uma
mãe que do Céu nos olha com amor, e nos serve com a sua solicitude materna.”.
E, em
conformidade, apelou:
“Agarremo-nos a Ela e digamos de
coração: mãe, minha querida mãe ou mamã, como faz uma criança, Nossa
Senhora, porta do Céu, rogai por nós agora no meio das nossas
tribulações, na hora da nossa morte”.
Acentuando a
nossa condição humana, o purpurado observou:
“Somos homens e mulheres cheios de
limites, defeitos, fragilidades e pecados, mas temos uma mãe do Céu que nunca
nos abandona e que com o seu manto protetor nos protege; nos ajuda a contemplar
o Céu de Deus. (…) Peçamos-lhe que seja para nós porta do Céu, já desde agora.”.
Dom António
Marto lembrou, a este propósito, o exemplo dos pastorinhos que experimentaram a
beleza e a alegria do Céu, que Nossa Senhora deixou transparecer e interpelou a
assembleia:
“Somos homens e mulheres de fé que confiam que o amor de Deus é mais
forte que o poder do mal e da morte e temos consciência de que a nossa vida tem
uma dimensão de eternidade que dá sentido ao nosso agir na terra, desde a
família ao trabalho”?
E concluiu
esta linha discursiva dizendo que “este
mistério da Assunção convida-nos a levantar o olhar para o alto e a vermos como
todos somos preciosos aos olhos de Deus e que com Deus não se perde nada do que
somos e do que fazemos”.
A partir da
Liturgia proclamada e de olhos postos na antífona do “Magnificat” da Liturgia das horas, “Hoje a Virgem Maria foi elevada ao Céu, alegrai-vos porque ela reina
com Cristo para sempre”, o prelado falou da “alegria e da beleza da
reciprocidade” da maternidade e explanou:
“Maria gerou na carne o filho de
Deus feito homem; é Mãe do Salvador, a primeira que O tomou nos
braços, que O seguiu intimamente desde o berço até à cruz, que sustentou o Seu
corpo no regaço quando ele desceu da cruz...Estamos diante da beleza da
reciprocidade, comunhão de amor total, na relação entre Mãe e Filho. Mãe e
Filho são inseparáveis na vida e para além da morte.”.
E, à luz
desta realidade, desafiou os participantes na celebração a deixarem-se atrair
pelo “amor e pela luz de Deus”.
***
Também Francisco
apareceu, às 12 horas, na janela do estúdio do Palácio Apostólico do Vaticano
para recitar o Angelus com os fiéis
reunidos na Praça de São Pedro.
Começou por
indicar que, na solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria ao
céu, se destaca na liturgia o “Magnificat”, o cântico de louvor qual
“fotografia” da Mãe de Deus. Com efeito, Maria “alegra-se em Deus, porque Ele
olhou para a humildade da sua serva” (cf Lc 1,47-48). E, considerando que “a humildade é o segredo de Maria”, o
Pontífice explicitou:
“Foi
a humildade que atraiu o olhar de Deus para ela. O olho humano busca sempre
a grandeza e deixa-se deslumbrar pelo que é chamativo. Deus, por seu
turno, não olha para a aparência, Deus olha para o coração (cf 1Sm 16,7) e está encantado com
humildade.”.
Ora, porque
“a humildade do coração encanta Deus”, podemos dizer, olhando para a postura de
Maria, que “a humildade é o caminho que leva ao céu”.
E o Papa,
atendendo a que etimologicamente o termo “humildade” vem do latino húmus,
que significa “terra”, considerou paradoxal que “para subir, no céu”, seja
preciso “permanecer baixo, como a terra”. Porém, Jesus ensina: “quem se humilha será exaltado” (Lc 14,11). Por isso, concluímos que “Deus não nos exalta pelos nossos dons, riquezas
ou habilidade, mas pela humildade”, humildade
que Deus ama. Ele levanta os que se humilham, os que servem. Assim,
como vincou o Santo Padre, Maria não se atribui senão o título de serva, “a serva do Senhor” (Lc 1,38). Não
diz mais nada de si mesma, não busca nada mais para si mesma.
E, focado na humildade
de Maria, Francisco interpelou-nos sobre o nosso estado em relação a esta
virtude e as suas manifestações: se preferimos o servir ao elogio, o silêncio à
palavrosidade, a pacificação e reconciliação à briga e à discussão.
Sabendo que
“Maria, na sua pequenez, conquista os céus”, considerou o Papa que “o
segredo do seu sucesso está justamente em se reconhecer pequena, em se
reconhecer necessitada”, pois, “com Deus, só quem se reconhece como nada pode
receber o todo” e “só quem se esvazia é preenchido por Ele”. Ora, Maria é
“cheia de graça” (Lc 1,28) precisamente por causa da sua
humildade. Assim, como ensinou o Papa, “para nós a humildade há de ser
sempre o ponto de partida, o início da nossa fé”, visto que “essencial ser
pobre de espírito, ou seja, carente de Deus”. Com efeito, “quem está cheio de si não dá espaço a Deus”
(e muitas vezes nós somos
cheios de nós), mas
“quem se mantém humilde permite ao Senhor realizar grandes coisas” (cf Lc 1,49).
Referindo que
Dante olha a Virgem Maria como “humilde e superior a uma criatura” (Paradiso XXXIII, 2), Francisco observou que a criatura
mais humilde e elevada da história, a primeira a conquistar os céus com tudo de
si, de corpo e alma, passou a vida quase sempre em casa, na normalidade; os
dias da Cheia de Graça nem foram muito marcantes, mas
o olhar de Deus permaneceu nela, admirando sua humildade e disponibilidade, a
beleza do seu coração nunca atingido pelo pecado. E o comentário do Papa foi:
“É
uma grande mensagem de esperança para cada um de nós; para ti, que
vives dias iguais, cansativos e muitas vezes difíceis. Maria lembra-te hoje
que Deus também te chama para este destino de glória. Não são palavras
bonitas, é a verdade. Não é um final feliz habilmente criado, uma ilusão
ou um falso consolo. Não, é pura realidade, tão viva e verdadeira quanto
Nossa Senhora assumiu no céu.”.
Em
conformidade, propôs que que A festejemos “com o amor das crianças” (Papa e António Marto em sintonia!), “com alegria mas humilde” e “animados
pela esperança de um dia estar com ela, no Céu”; e que Lhe peçamos que “nos
acompanhe no caminho que vai da terra ao céu”, lembrando-nos que o segredo está
contido na palavra “humildade”, palavra que não vamos esquecer, e que a
pequenez e o “serviço são os segredos para alcançar a meta, para alcançar o céu”.
***
Por seu
turno, Dom António Couto, Bispo de Lamego, refere que, embora com diferentes títulos,
mas com idênticos temas e conteúdos, as Igrejas do Oriente e do Ocidente (por isso,
toda a Igreja) celebram a
15 de Agosto a maior e mais antiga festa da Mãe de Deus. No Oriente, é a “Dormição” (“koímêsis”); no Ocidente, prevalece a vertente da “Assunção”
(“análêmpsis”).
O Evangelho
relata o episódio da “Visitação” de
Maria a Isabel (Lc 1,39-45) com o subsequente cântico da “Exultação” ou “Magnificat” (Lc 1,46-56). Também
aqui as designações são diferentes: enquanto o Ocidente diz “Visitação”, o Oriente diz “Saudação” (“aspasmós”), tal como o episódio que precede e motiva o episódio relatado no trecho
evangélico em referência, no Ocidente, se denomina “Anunciação” e, no Oriente, “Evangelização” (“euangelismós”) (Lc 1,26-38).
Seja como
for, “é a leveza e a alegria em trânsito” e “ao ritmo do vento do Espírito”, de
Deus para Maria, para Isabel, para João Batista e de novo para Deus. E Dom
António faz o paralelo entre este episódio e a parábola rabínica segundo a qual
David, quando andava fugido de Saul e buscava refúgio nas montanhas (1Sm 22ss), um dia, tendo dependurado a harpa numa árvore,
adormeceu; e o vento “fez as cordas da harpa exalar uma suave melodia”.
O episódio
evangélico releva: Maria a correr sobre os montes, a saudar Isabel, em casa de
quem permanece cerca de três meses, e a cantar as maravilhas de Deus no “Magnificat”; Isabel a bendizer Maria e Deus; e
João a dançar no ventre de Isabel ao som dessa melopeia.
Maria sobre
os montes evoca o mensageiro de boas notícias de Isaías 52,7: “Como são belos sobre os montes os pés do
mensageiro que anuncia boas novas a Sião…”. Com efeito, Maria é movida, não
por uma pressa banal, mas pela Boa Nova e pelo Amor. A loa de Isabel, “Bendita (“eulogêménê”) tu entre as mulheres e bendito (“eulogêménós”) o fruto do
teu ventre” (Lc 1,42), lembra o “Bendita”
e “Bendito” na aclamação a Judite (Jdt 13,18). A autointerrogação de Isabel, “E donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?” (Lc 1,43), evoca o dizer de David: “E donde me é dado que venha ao meu encontro a Arca do Senhor?” (2Sm 6,9). E a dança de João reclama a dança de David na
presença da Arca do Senhor (2Sm 6,5.14.16.21). E os “cerca de três meses” de estada de Maria em casa de Isabel, regressando
então a sua casa (Lc 1,56), não são, para
Dom António Couto, indicação de que Maria esteja presente no nascimento de
João, narrado apenas no versículo seguinte (Lc 1,57), mas de novo a consonância com a Arca do Senhor, que
permanece cerca de três meses na casa de Obed-Edom (2Sm 6,11). Com efeito, Maria é a Arca da Aliança, como é
aclamada pelo Povo de Deus, quando recita a ladainha lauretana de Nossa
Senhora.
***
No Livro do
Apocalipse (Ap 11,19; 12,1-6.10), surge a Arca da Aliança e o grande sinal (“sêmeîon méga”) da Mulher messiânica, que é a Igreja, simultaneamente perseguida
e preservada, grávida de um filho varão, que já sofre as dores de parto e dá à
luz apesar da guerra em que está envolta. Nesta mulher vê-se também a figura de
Maria, membro eminente da Igreja e seu protótipo.
O prelado
lamecense considera que é surpreendente este filho varão ter, logo que nasceu,
sido arrebatado para junto de Deus. Cai fora da lógica da usualmente
apresentada economia da Salvação um Jesus que “nasce e é logo elevado ao céu”. Sabemos
que Jesus nasceu em Belém, atravessou a Paixão e a Cruz, e só depois surge na
Ressurreição e passa à Ascensão. Por isso, o Bispo de Lamego esclarece que “este
nascimento messiânico dorido e vitorioso, descrito no Apocalipse, não é o de
Belém, mas o da manhã de Páscoa, sendo as dores da maternidade as dores de
parto da comunidade dos discípulos, vista como uma mulher que sofre para dar à
luz, mas logo se alegra quando nasce o filho” (cf Jo 16,19-22).
Este
nascimento do homem novo é visto no “grande sinal” apocalíptico sempre legível
da presença viva e ativa de Deus no meio de nós, como a luz das velas para a
celebração festiva dos filhos de Deus reunidos. E o “sinal” de sentido
contrário, o do Dragão, serve para nos manter unidos e atentos nas dificuldades
desta vida, que não podem toldar-nos a vista da salvação e da vitória,
evidentes no horizonte onde brilha a esperança: “Agora cumpriu-se a salvação, a força e o reino do nosso Deus e a
autoridade do seu Cristo” (Ap 12,10).
O final da
1.ª Carta aos Coríntios (1Cor 15,20-27) sela de luz
e esperança a celebração deste dia. Com a Ressurreição de Cristo ressalta a
poeira da iniquidade e morte e divisa-se a “assunção” da nossa frágil humanidade
em Cristo e por Cristo ao Pai. “Cristo foi ressuscitado (“egêgertai”: perfeito passivo de “egeírô”) dos mortos, primícias (“aparchê”) dos que adormeceram” (1Cor 15,20). Ele é “o primeiro Homem
a ser ressuscitado”. Como tal, “representa-nos a todos para quem se constitui “promessa
e certeza”. Em favor de todos Ele venceu a morte. A esperança firma-se na certeza
do Acontecimento fundamental da Ressurreição, que dá significado a todos os
outros na Vida do Senhor, ao Antigo Testamento, à Igreja e à vida de todos os
homens.
Com o Salmo
45, como Canto de Amor, celebramos a Igreja Esposa e Mãe, e Maria exemplar Esposa
e Mãe. Tal como o Cântico dos Cânticos, canta o Amor, sempre divino e humano. No
amor humano pode ler-se o amor revelado por Deus, pelo que, se há amor, há Deus.
Por isso, o Salmo tem sido interpretado em chave messiânica tanto no judaísmo
como no cristianismo.
***
A Assunção
de Maria concretiza a profecia da Serva do Senhor, que no seu cântico de exultação
predisse que todas as gerações a proclamarão ditosa. E, ao mesmo tempo,
mostrando a rota da fidelidade da Virgem Mãe à Palavra, ao sofrimento e à Páscoa
e a sua assimilação à glória de Cristo, apresenta-se-nos como caminho para nós
de seguimento do Senhor: aprendendo com Ele, com Ele morremos e ressuscitamos
pelo Batismo, tornamos apóstolos e, na altura própria, seremos glorificados
como Maria. Ela não é o caminho, mas aponta claramente o caminho. Jesus é as primícias
da glorificação; Maria é a primeira, na ordem da Graça, embora não na do tempo,
a segui-Lo; e nós, na dor, na esperança e na alegria, vamos engrossando lista
dos redimidos e glorificados. A Assunção é momento pascal que importa celebrar
com o pão ázimo da pureza e da verdade; é momento do Alto a que importa
aspirar, mas mantendo a paciência de ir palmilhando este mundo, não de olhos
fixos no solo, mas erguidos ao céu.
A Senhora da
Esperança, da Consolação, da Alegria e da glória é exemplo para os cristãos.
2021.08.15 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário