sábado, 14 de agosto de 2021

Usar a fé para devolver Deus à Europa e servir na Igreja

 

É o conselho do Cardeal Jean-Claude Hollerich, Arcebispo do Luxemburgo e presidente da Comissão dos Episcopados Católicos da União Europeia (COMECE), na missa da Peregrinação Aniversária de agosto, a que presidiu em Fátima, nestes dias 12 e 13, que assinala a 4.ª aparição de Nossa Senhora aos três videntes, a única fora da Cova da Iria, nos Valinhos e fora do dia 13 (a 19 de agosto), e é tida como a Peregrinação dos Emigrantes já há muitos anos.

Esta Peregrinação, que trouxe a Fátima milhares de pessoas, entre as quais muitos emigrantes portugueses e três grupos estrangeiros organizados de Espanha (2) e da Polónia (1), teve, nesta manhã, 90% da lotação prevista para esta peregrinação ainda em tempo de pandemia que reuniu 47 sacerdotes, 5 bispos e 2 cardeais.

A Peregrinação iniciou-se no dia 12, com a recitação do Rosário, às 21,30 horas; seguiu-se a Procissão das Velas e depois a celebração da Palavra no altar do recinto. No dia 13, às 9 horas, recitou-se de novo a oração do Rosário e, às 10 horas, celebrou-se a Missa, com a tradicional Palavra ao Doente que foi proferida por Eugénia Quaresma, diretora da OCPM (Obra Católica Portuguesa das Migrações); e terminou com a Procissão do Adeus.

Também ainda neste dia 13 houve a evocação da queda do Muro de Berlim, com uma oração integrada no Rosário Internacional das 21,30 horas.

Inaugurado em 13 de agosto de 1994, este monumento, no recinto de Oração, é um bloco do muro que, edificado na noite de 12 para 13 de agosto de 1961, há 60 anos, dividiu a cidade de Berlim durante quase 30 anos, vindo a ser demolido em novembro de 1989. O bloco, que pesa 2,6 toneladas e mede 3,6 por 1,2 metros, foi oferecido por um português residente na Alemanha e o seu arranjo é do arquiteto José Carlos Loureiro.

Destaque ainda para a oferta de trigo (cumprida pela 81ª vez nesta peregrinação de agosto), iniciativa começada a 13 de agosto de 1940, quando um grupo de jovens da JAC (Juventude Agrária Católica), de 17 paróquias da diocese de Leiria, ofereceu 30 alqueires de trigo destinados ao fabrico de hóstias para consumo no Santuário de Fátima. Desde então, os peregrinos, já não só de Leiria, mas também de outras dioceses do país, e até do estrangeiro, têm vindo a dar continuidade, ano após ano, a esta oferta. Em 2020, foram oferecidos 4973 Kg de trigo e 504,50 Kg de farinha. Consumiram-se, no Santuário, aproximadamente, 7000 hóstias médias, 50 hóstias grandes, cerca de 371300 partículas e 30 partículas para celíacos. Foram celebradas 2784 missas.

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Na tarde do dia 12, na conferência de imprensa que antecedeu a Peregrinação Internacional Aniversária de Agosto, o presidente da COMECE criticou as políticas da União Europeia (UE) em relação à realidade dos refugiados e condenou o discurso contraditório que pode conduzir a uma alienação da humanidade na Europa e mesmo a indiferença da UE em relação à questão dos refugiados, manifestada numa certa inércia da política europeia nesta matéria.

A este respeito, no encontro com os jornalistas, Hollerich, apontando o dedo à escravatura de trabalho e sexual de que muitos destes refugiados são vítimas, afirmou:

É inadmissível que as fronteiras exteriores da União Europeia sejam lugar de grandes assembleias de refugiados, onde as pessoas vivem em condições desumanas”.

O presidente da COMECE expôs a contradição presente no discurso dos políticos em relação a este drama, para o qual a Europa tem vindo a “fechar os olhos”, e exemplificou:

Fala-se dos valores europeus, mas ninguém dá o passo necessário para o acolhimento. O que assistimos é a um discurso e a uma prática totalmente diferentes.”.

O purpurado considerou, de resto,  “muito grave” que a UE faça regressar indiscriminadamente os refugiados para fora das suas fronteiras, sem verificar quem tem direito de asilo à luz da Convenção de Genebra e alertou para a perda dos valores que edificaram a Europa, pois, como disse, “as pessoas que estão naqueles barcos perdem a fé na Europa, porque não há quem as ajude” e, se não reagimos com humanidade, perdemos a nossa própria humanidade”, sendo que “a construção europeia sustentada ‘nesta humanidade’ não terá futuro”. E concluiu:

Penso que, como europeus, deveríamos ter um momento onde poderíamos dizer, aberta e honestamente, que temos vergonha deste discurso que é tão diferente da política real em relação aos refugiados”.

A Peregrinação de Agosto, a que tradicionalmente acorrem milhares de emigrantes de férias em Portugal, tem vindo, desde a década de 70 do século XX, a ser lugar onde a Igreja expressa as suas reflexões em relação à condição do migrante, na preocupação que se reflete na homilética e nas mensagens que se fazem ouvir a partir da Cova da Iria, nesta ocasião. Assim, na conferência de Imprensa, da responsabilidade da OCPM, falou também Eugénia Quaresma, diretora da OCPM, que expressou a sua preocupação com a exploração de que são alvo os migrantes imigrantes em Portugal, concretamente pelo tráfico de pessoas para fins laborais e sexuais, fazendo saber que a pandemia teve impacto negativo nas condições de vida das pessoas que vêm para Portugal trabalhar e alertando para as narrativas xenófobas e racistas das redes sociais.

E o Padre Rui Pedro, missionário scalabriniano no Luxemburgo junto da comunidade de língua portuguesa, traçou um retrato da realidade dos portugueses emigrantes naquele país, que viram a sua situação deteriorar-se com a pandemia.

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Na Celebração da Palavra a que presidiu na noite do dia 12, o Arcebispo do Luxemburgo, observou que “as numerosas velas que ardem diante da imagem de Nossa Senhora são o sinal da consolação de Jesus que Nossa Senhora nos traz”, desafiou os peregrinos à promoção de um mundo “mais justo” e “fraterno” e elogiou a fé das mulheres portuguesas.

E, destacando o título ‘um nós cada vez maior, da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados, que se celebra a 26 de setembro e que a OCPM antecipa nesta 49.ª Semana Nacional dos Migrantes que se integra na peregrinação de agosto, vincou:

Como cristãos, nós não somos passivos neste mundo. O mundo está-nos confiado pelo Deus Criador, nós devemos fazê-lo frutificar. Isso pode tornar-se num compromisso para com a ecologia, o compromisso por um mundo mais justo, por um mundo mais fraterno, em vista de ‘um nós cada vez maior’.”.

Considerando que “os grandes compromissos serão válidos se mostrarem os seus frutos de paz, justiça e defesa do bem-comum, na vida concreta do dia a dia”, desenvolveu:

O mundo tem sede, o mundo precisa de mais amor, o mundo tem sede de amor, paz e justiça! Não sejamos apenas daqueles que consomem a água que Deus nos oferece para uso próprio; procuremos ajudar Deus, para que a nossa vida sirva para partilhar esta água com os outros, os que têm fome e sede de justiça das bem-aventuranças.”.

A partir da liturgia, que relevou a simbologia da água no itinerário cristão, o prelado frisou que é desta água que o mundo precisa para sarar as suas feridas, deixou um elogio às mulheres portuguesas, que na sua religiosidade sabem saborear o valor desta água, e disse:

Nós temos necessidade da água da consolação. Em muitas das igrejas que frequentamos há habitualmente uma imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima. As numerosas velas que ardem diante da imagem de Nossa Senhora são as testemunhas das nossas orações. São também o sinal da consolação de Jesus que Nossa Senhora nos traz.”.

Disse que “o caráter de Maria é semelhante ao caráter de muitas mulheres portuguesas, cabo-verdianas e brasileiras” que ele conhece no Luxemburgo, pois, “como Maria são mulheres fortes”. E explicou:

Como Maria une a igreja primitiva, assim as mulheres portuguesas mantém a sua família unida. Elas fazem-no pelo seu trabalho. Elas querem assegurar um futuro para os seus filhos. À noite, cansadas, ocupam-se ainda da casa e cozinham alimentos que alegram a alma e o corpo da sua família. Por vezes, como Maria, elas têm o coração amargurado e triste, mas não o mostram para não espalharem desolação e preocupação. Querem garantir a união.”.

O purpurado luxemburguês está certo de que “é ao pé de Jesus e de Maria que estas mulheres portuguesas encontram a sua força e a sua alegria”, mulheres marcadas “pela sua tenacidade na defesa da fé”. E, a este respeito, enfatizou:

Elas mostram-nos o que é ser cristão: beber nas fontes da salvação, saborear já aqui as alegrias da eternidade. Elas sabem que esta água fresca que Deus nos oferece, deve ser partilhada com outros.”.

Deixando-lhes um bem explícito agradecimento pelo seu testemunho, disse:

Caras mulheres, peregrinas de Fátima que aqui estais com vossas famílias: muito obrigado pelo vosso magnífico testemunho”!

E, prosseguiu salientando:

Partilhar a água, partilhar a graça, é  um grande desafio; é necessário criar canais de irrigação, é  necessário projetar os terrenos, com  visão e criatividade”. 

Por fim, exortou:

Rezemos a Nossa Senhora do Rosário de Fátima para que, dos nossos lamentos e das nossas feridas, possa brotar a  água da vida. Queridas irmãs, queridos irmãos migrantes e refugiados: deixemos que Deus transforme os nossos desertos em terrenos cultivados porque irrigados pela beleza e bondade do Deus de Jesus Cristo, nosso Senhor e nossa água Viva.”.

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Na manhã do dia 13, o Arcebispo do Luxemburgo desafiou migrantes a usar a sua fé para devolver Deus à Europa e, elogiando a fé dos portugueses, nomeadamente dos emigrantes, disse que são “um sinal de esperança” para a Igreja. Mais disse que a fé e a religiosidade do povo português devem ser postas ao serviço da Igreja. E dirigiu-se aos diversos tipos de peregrinos:

Caros amigos, portugueses, caros emigrantes, caros refugiados, com as vossas mãos, trabalho, suor do rosto, inteligência, sacrifício das vossas famílias, tendes ajudado a construir a riqueza económica e cultural dos países que, por esse mundo fora, vos acolhem”.

A partir disto pretendeu desafiar os emigrantes portugueses a fazer o mesmo no que toca à fé.

A Europa hoje vive longe de Deus, esqueceu-O! Com o vosso espírito de serviço, com a vossa fé e vossa religiosidade procurai continuar a ajudar os países que vos acolhem para viver a não perderem a esperança” – disse o cardeal luxemburguês, que destacou:

As paróquias precisam de homens e mulheres, jovens e adultos, dispostos a servir o Evangelho e o próximo; na catequese não é necessário ter um doutor em teologia, mas uma fé viva é bem mais importante e fecunda na transmissão da fé aos mais novos ou adultos; nos grupos de solidariedade cristã são precisas pessoas abertas que favoreçam o acolhimento dos refugiados e migrantes”.

Irmão, Irmã: a Igreja precisa de Ti!” – exortou o purpurado expressou uma grande simpatia pelo povo português, que conhece bem já que preside a uma diocese que tem entre os seus residentes um sexto de portugueses. E, vincando que os migrantes são fundamentais para o desenvolvimento dos diferentes países, deu o seu próprio testemunho sobre estas pessoas:

Eu próprio tenho a alegria de poder encontrar frequentemente muitas famílias portuguesas e lusófonas que vivem na arquidiocese do Luxemburgo. As comunidades portuguesas são um sinal de esperança para a Igreja de Cristo que peregrina no Grão-Ducado do Luxemburgo.”. 

O cardeal elegeu a “comunhão e a interculturalidade” como fatores de renovação da Igreja e agradeceu o serviço prestado por todos os migrantes “ao bem-comum da sociedade e da Igreja”.

A partir da liturgia proclamada na Missa, sublinhou o poder da oração e da sua influência na conversão dos corações. E, lembrando que “aprendemos a confiar” com Maria, interpelou:

Será que acreditamos mesmo na ressurreição de Jesus e na ressurreição dos mortos? Vós dir-me-eis: talvez, com certeza, pois, de outro modo, não estaríamos aqui em Fátima, mas em nossa casa.”.

Sobre a motivação da vinda dos peregrinos a Fátima e o genuíno escopo do encontro, observou:

Estou certo de que muitos de nós, peregrinos de Fátima, viemos a este Santuário, com o mesmo género de orações: pela saúde dos familiares, os problemas do trabalho, a preocupação com o sucesso escolar dos filhos e netos, as incertezas da emigração, entre outras. (…) Também nós, como Maria, temos a feliz oportunidade de, agora e aqui – neste lugar sagrado – reencontrar Jesus na Palavra de Deus, nesta solene Eucaristia e na Sagrada comunhão. Este encontro encerra uma força de mudança nas nossas orações: elas são invadidas pelo sentimento da presença real de Jesus, e a nossa oração de súplica pode atingir a oração de louvor.”.

E salientando que “nós podemos viver a mesma experiência aqui de consolação, da esperança”, e que, “se, como Maria, queremos atingir a consolação da esperança, temos que nos colocar ao serviço dos outros”, lançou o seguinte apelo:

Apelo-vos a alargar este espírito de serviço aos vossos vizinhos, às pessoas com quem vos cruzais habitualmente, aos vossos amigos. Porque não roubar tempo ao tempo para visitar os irmãos doentes ou idosos? A verdade é que a fé sem espírito de serviço não passa de um sentimento... e os sentimentos são passageiros.”.

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Depois da comunhão, na palavra dirigida ao doente, Eugénia Quaresma deu graças pelo “Deus de Amor, que se faz presente nas visitas, nos cuidados de familiares, profissionais e voluntários que, por vocação, se dedicam a salvar vidas” e “pela delicadeza de tantos anónimos, que se fazem inesperadamente próximos, como o Bom Samaritano e o Estalajadeiro”.

Com referência ao tema pastoral que dá mote a este ano pastoral no Santuário de Fátima, “Louvai o Senhor que levanta os fracos”, a diretora da OCPM convidou os doentes a, com ela, rezarem para compreender e aceitar a vulnerabilidade humana que a doença traz, “com o sentido que o Senhor mais anseia: um coração disponível para se compadecer, converter e amar”.

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No final da celebração, na tradicional mensagem aos peregrinos, o Cardeal Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima – que agradeceu a presença e a mensagem do Cardeal Jean-Claude Hollerich, presidente da Peregrinação deixou, elogiando o seu empenho na defesa da “dignidade e dos direitos dos migrantes e refugiados” – sublinhou dois aspetos da Peregrinação, ao considerá-la “uma experiência viva da fraternidade universal” e uma “evidência de que a oração do Santuário está ligada à geografia do mundo, a todas as necessidades e problemas de todos os povos e países, de onde parte e chegam todos os emigrantes e refugiados”. E disse:

É belo fazer esta experiência aqui no Santuário Aqui, na casa da mãe, senti-nos todos irmãos. (…) A nossa oração é universal e torna o nosso coração universal também… E aqui recebemos, por intercessão de Maria, o dom da consolação, da esperança, da fortaleza e da alegria, para caminharmos e construirmos juntos um futuro de justiça e de paz.”.

Por fim, agradeceu a presença dos peregrinos mais pequenos, a quem desejou boas férias e enviou uma bênção especial aos doentes que seguiram a celebração pelos meios de comunicação social.

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E assim prossegue o Santuário no seu melhor: o cumprimento da missão evangelizadora e retemperadora da espiritualidade. Sem desânimo, antes com ardor renovado e reforçado.

2021.08.13 – Louro de Carvalho

1 comentário:

  1. Bem, a ideia de usar a Fé como mensagem missionária numa época de primado da razão com a qual Deus nos dotou e mandou desenvolver, é que não me parece lá grande coisa. Independentemente da religião que cada um adote para o guiar naquelas coisas da vida para as quais não encontra resposta, parece-me que a questão primeira da existência do Criador deve ser, preferencialmente, abordada do ponto de vista da demonstração lógica do que da aceitação dogmática baseada, unicamente, naquilo que os redatores dos textos fundamentais de cada fé religioda há muito escreveram.
    Se o tema lhe interessar, sugiro uma leitura refletida do pequeno texto que publiquei no Mosaicos em Português, em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/07/afinal-deus-existe.html, e que desde já o convido a comentar.
    Desejo-lhe um bom Domingo!

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