segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Ação humana no aquecimento global inequívoca e impactos inevitáveis

 

O Planeta já aqueceu 1,1ºC e será muito difícil evitar um aumento de 1,5ºC a 2Cº, pelo que urgem medidas imediatas, rápidas e em larga escala para reduzir os gases com efeito de estufa.

Incêndios de grandes proporções, como os deste verão na Grécia, Turquia e Califórnia, e grandes inundações, como as que recentemente assolaram a Alemanha e a Bélgica, mostram que os fenómenos meteorológicos extremos tendem a ocorrer com maior frequência, porque alguns impactos das alterações climáticas são já inevitáveis, como conclui o IPCC Working Group I report, Climate Change 2021: the Physical Science Basis”, relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas), divulgado o neste dia 9 de agosto e que acabara de ser aprovado formalmente, no passado dia 7, por 195 governos do IPCC através de sessões virtuais que se estenderam por duas semanas.

António Guterres, secretário-geral da ONU, citado pela agência Lusa, disse, em reação às conclusões do relatório, que se trata dum “alerta vermelho para a humanidade”, e que “os alarmes são ensurdecedores: as emissões de gases de efeito estufa provocadas por combustíveis fósseis e a desflorestação estão a sufocar o nosso planeta”. Por isso, pediu o “fim do uso do carvão”, da parte dos diversos países, e de “novas explorações e produção de combustíveis fósseis, transferindo os recursos dos combustíveis (fósseis) para a energia renovável”.

Nenhum país escapará ao impacto. Nas próximas décadas, as alterações climáticas vão aumentar em todas as regiões. A este respeito, o comunicado que acompanha o relatório refere:

Para 1,5ºC de aquecimento global, haverá ondas de calor crescentes, estações quentes mais longas e estações frias mais curtas. A 2ºC de aquecimento global, os extremos de calor atingiriam mais frequentemente limites de tolerância críticos para a agricultura e saúde.”.

O relatório do IPCC prevê chuvas mais intensas, acompanhadas de inundações, e secas mais severas em muitas regiões. A alteração dos padrões de pluviosidade levará a um aumento da precipitação em latitudes elevadas e diminuição em grande parte das regiões subtropicais.

Também relevante para Portugal é o aumento “contínuo do nível das águas ao longo do século XXI, contribuindo para inundações costeiras mais frequentes e severas em áreas baixas e de maior erosão costeira”. Segundo o relatório, esta e outras alterações são irreversíveis durante “centenas a milhares de anos”. Degelo do permafrost, perda da cobertura de neve sazonal, recuo dos glaciares, perda do gelo do mar Ártico no verão, aumento da temperatura do oceano, ondas de calor marinhas e acidificação do oceano continuarão a ocorrer ao longo deste século, afetando os ecossistemas e as pessoas que deles vivem. Nas cidades, serão amplificados aspetos das alterações climáticas, incluindo o calor (as áreas urbanas já são mais quentes) e inundações provocadas por chuvas fortes e a subida do nível do mar nas zonas costeiras.

O relatório reclama novas evidências sobre o impacto das emissões de gases com efeito de estufa no aquecimento global, pois elas são responsáveis por 1,1ºC desde o período entre 1850 e 1900. A manter-se o ritmo de emissões, o aumento da temperatura global deverá atingir 1,5Cº.

Segundo o comunicado, “esta avaliação é baseada em dados observacionais melhorados sobre o aquecimento histórico, bem como no progresso na compreensão científica da resposta do sistema climático às emissões de gases com efeito estufa causadas pelo homem”.

Valérie Masson-Delmott, co-presidente do IPCC Working Group I, observa:

Temos agora uma imagem muito mais clara do clima do passado, do presente e do futuro, o que é essencial para compreender para onde estamos a ir, o que pode ser feito e como podemos preparar-nos”.

Ainda há uma janela para tentar limitar o aquecimento global a perto de 1,5ºC ou 2ºC, mas são precisas medidas imediatas, rápidas e em larga escala para reduzir os gases com efeito de estufa.

Hoesung Lee, presidente do IPCC afirma que “as inovações neste relatório e os avanços na ciência do clima que ele reflete fornecem uma contribuição inestimável para as negociações e tomadas de decisão sobre o clima”. E o Secretário-Geral da ONU avisou:

Se unirmos forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório indica claramente, não há tempo e não há lugar para desculpas.”.

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Em suma, é preciso conhecer todos os dados disponíveis sobre as alterações climáticas, para o que útil olhar às conclusões da primeira avaliação abrangente do clima desde 2014, realizada por mais de 230 cientistas, de 66 nacionalidades, com base em 14.000 estudos publicados, plasmadas no novo relatório dos especialistas do IPCC, acabado de divulgar, que mostra de forma inequívoca que o clima está a mudar mais rapidamente do que se temia e que a culpa é das pessoas.

Segundo os cientistas e ativistas do painel mundial, apenas uma fração do aumento da temperatura pode ser atribuído, desde o século XIX, a causas naturais.

No relatório de mais de 3000 páginas, os especialistas traçam 5 cenários, mas advertem que, faça-se o que se fizer, muitos efeitos do aquecimento global vão perdurar “séculos ou milénios”.

Face às imagens de inundações e incêndios que fazem as manchetes em todo o mundo, as novas previsões climáticas, anunciadas 3 meses antes da Conferência do Clima COP26, são alarmantes, mas não foram surpresa para ninguém. Eis a síntese das conclusões (são 9):

- Ultrapassagem dos 15ºC. Em todos os cenários em análise (do mais otimista ao mais pessimista), a temperatura global ultrapassa os 1,5ºC, comparativamente com a era pré-industrial, até 2030, ou seja, 10 anos antes da estimativa anterior do IPCC, feita há 3 anos. A temperatura global subirá 2,7ºC em 2100, se se mantiver o atual ritmo de emissões de gases com efeito de estufa.

- Enfraquecimento dos sorvedouros. Desde 1960, florestas, solos e oceanos absorveram 56% do CO2 (dióxido de carbono) emitido para a atmosfera pelas atividades humanas. Sem essa ajuda da natureza, o planeta já seria muito mais quente e inóspito. Mas os sorvedouros de carbono, aliados cruciais na luta contra as mudanças climáticas, estão a dar sinais de saturação e a percentagem de CO2 que absorvem deve diminuir ao longo do século.

- Culpa do aquecimento. O relatório destaca o progresso excecional na “ciência da atribuição”, que torna possível quantificar a parcela de responsabilidade do aquecimento num determinado evento climático extremo. Por exemplo, os cientistas mostraram que a onda de calor extraordinária no Canadá registada em junho, com temperaturas próximas a 50°C, teria sido “quase impossível” sem as mudanças climáticas.

- Subida do nível do mar. Na verdade, o nível do mar aumentou cerca de 20 cm (centímetros) desde 1900 e a taxa desse aumento triplicou na última década sob crescente influência do derretimento dos polos terrestres. E, mesmo que o aquecimento seja limitado a 2ºC, os oceanos podem ganhar cerca de 50 cm no século XXI, aumento que pode chegar a quase dois metros até 2300 – o dobro do estimado pelo IPCC em 2019. Porém, devido à incerteza das zonas polares, os especialistas não podem descartar, na pior das hipóteses, um aumento de dois metros até 2100.

- Alerta do passado ao presente. De facto, o avanço do conhecimento sobre os climas anteriores serve como alerta para o presente. Por exemplo, há 125 mil anos, o último período em que a atmosfera era tão quente, o nível do mar estava provavelmente 5 a 10 metros mais alto que hoje. Há três milhões de anos, quando a concentração de CO2 na atmosfera era equivalente à de hoje e a temperatura era 2,5 a 4ºC mais alta, o nível do mar subiu 25 metros.

- Atenções centradas no metano. O IPCC nunca falou tanto como agora sobre o CH4 (metano), segundo gás com efeito de estufa mais importante, depois do CO2, sendo que o CH4, mesmo que tenha um período de permanência na atmosfera muito mais curto, tem poder de aquecimento muito maior que o CO2. E alerta que, se as emissões de CH4 não forem reduzidas, podem ficar prejudicados os objetivos do Acordo de Paris, o tratado das Nações Unidas assinado por quase todos os países do mundo em 2015 e que fixa como limitar de aquecimento global os 1,5ºC. Na verdade, as concentrações de CH4 na atmosfera – para as quais contribuem os vazamentos da produção de gás, mineração, eliminação de resíduos e gado – são as mais altas em 800 mil anos.

- Diferenças regionais. Todo o planeta está a aquecer, mas algumas áreas mais rapidamente do que outras. Por exemplo, no Ártico, espera-se que a temperatura média nos dias mais frios aumente três vezes mais rapidamente que o aquecimento global. E, se o nível do mar se prevê que suba em todos os lugares, pode subir até 20% mais que a média em muitos litorais.

- Pontos de rutura irreversíveis. O IPCC avisa que não se podem descartar pontos de rutura irreversíveis, como as mudanças abruptas no sistema climático de “baixa probabilidade”, mas “alto impacto” – por exemplo, o colapso dos glaciares, que pode fazer o mar subir 20 metros, o degelo do permafrost ou a transformação da floresta da Amazónia em savana.

- Correntes atlânticas. A AMOC (Atlantic Meridional Reversal Circulation), um complexo sistema de correntes oceânicas que regulam o calor entre os trópicos e o hemisfério norte, está a desacelerar, uma tendência que “muito provavelmente” continuará ao longo do século. E o IPCC estima, com um nível de confiança “médio”, que a AMOC poderia parar completamente, o que levaria, em particular, a invernos mais rigorosos na Europa e a perturbação das monções na África e na Ásia.

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UE diz que ainda “não é demasiado tarde” mas que é preciso agir “já” e em conjunto.

Reagindo ao relatório do IPCC, Frans Timmermans, vice-presidente executivo responsável pelo Pacto Ecológico europeu, disse que o relatório “mostra a imensa urgência de agir agora para enfrentar a crise climática. Não é demasiado tarde para travar a maré e evitar uma mudança climática desenfreada, mas apenas se agirmos de forma decisiva agora e todos atuarem em conjunto”. E, numa publicação na sua conta oficial na rede social Twitter, apontou que a UE propôs uma série de medidas, abrangendo diversas áreas da economia, para garantir a neutralidade carbónica da União – o pacote legislativo “FitFor55” –, mas advertiu que “esta é uma crise global”, que exige uma resposta global. E, referindo-se à conferência do clima (COP26), prevista para novembro próximo em Glasgow, comentou:

Manter [como limite de aumento] 1,5ºC ao nosso alcance requer emissões líquidas zero em todo o mundo e uma implementação mais rápida das políticas para lá chegar. O COP26 deve ser o momento em que o mundo diz ‘basta!’.”.

Porém, o investigador Suraje Dessai observa que não há forma de voltar atrás em algumas alterações, mas sim medidas para lhes minimizar o impacto. As recentes mudanças no clima são generalizadas, rápidas e intensivas e já afetam todas as regiões da terra, de múltiplas formas. Contudo, crê que, se forem empreendidas reduções imediatas, rápidas e em larga escala das emissões de gases com efeito de estufa, o aumento global da temperatura pode ser limitado a cerca de 1,5°C”, o que não só reduziria as consequências das alterações climáticas, como também melhoraria a qualidade do ar. E disse, questionado se documento é um “último aviso à humanidade”, que o IPCC tem vindo a publicar relatórios que alertam estes riscos há décadas.

O Ministro do Ambiente português, face ao relatório, defendeu que é tempo de parar de investir na produção de combustíveis fósseis, avisando que construir o futuro com instrumentos do passado resultaria no desaparecimento da espécie humana do planeta.

Para o governante, o relatório tem “uma grande novidade”: o ritmo a que o aquecimento global está a acontecer e as consequências que está a provocar. E João Matos Fernandes salientou que, “sendo verdade, e é verdade, [que] ele [relatório] vem no tempo certo porque estamos a 3 meses da Conferência do Clima”, 6 anos depois da cimeira de Paris, “é o tempo de o Mundo assumir o compromisso que a Europa já assumiu e no qual Portugal liderou que é o de sermos neutros em carbono em 2050”. E, para o Ministro, não há alternativa: 

Eu direi que mais do que salvar o planeta é salvar-nos a nós próprios como espécie. Nós, de facto, não conseguimos suportar este aumento de temperatura e aquilo que ele provoca dia a dia e com os fenómenos extremos que está também a condicionar..

Por isso, defendeu:

A economia tem de crescer de forma completamente diferente e com investimentos que sejam focados na sustentabilidade com a certeza de que esses investimentos vão provocar, se calhar, ainda mais riqueza do que os investimentos tradicionais e emprego mais qualificado”.

Sustentou que “este é o tempo de parar, de explorar e de continuar a investir na produção de combustíveis fósseis”. E aproveitou para fazer render o seu peixe:

Portugal tem feito um caminho que, obviamente, tem que ser sempre acelerado, que não está isento obviamente de falhas, mas não só no compromisso, fomos os primeiros do mundo a dizer vamos ser neutros em carbono em 2050, como nos investimentos que são consequência desse compromisso.

A este propósito, lembrou que 38% dos investimentos previstos no PRR são dedicados à ação climática e enfatizou o que país tem feito para a redução dos gases que produzem efeito estufa, como a compra de 700 autocarros de “elevada performance ambiental”, os investimentos feitos no Metro de Lisboa e no do Porto e a adaptação no litoral, nos mil quilómetros de rios e de ribeiras recuperados apenas com soluções de base natural.

Recordou o apoio que está a ser dado às famílias, avançando que cerca de 17 mil já apresentaram candidaturas para tornarem os seus edifícios mais eficientes do ponto de vista energético.

E reiterou que “nunca nada é muito quando se trata de investir para nos salvarmos a nós próprios enquanto espécie do planeta.

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Está na hora de agir, assumindo cidadãos e decisores políticos o que deve assumir cada qual de acordo com as responsabilidades próprias.

2021.08.09 – Louro de Carvalho

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