O Planeta já aqueceu 1,1ºC e será muito difícil evitar
um aumento de 1,5ºC a 2Cº, pelo que urgem medidas imediatas, rápidas e em larga
escala para reduzir os gases com efeito de estufa.
Incêndios de grandes proporções, como os deste verão na Grécia, Turquia e
Califórnia, e grandes inundações, como as que recentemente assolaram a Alemanha
e a Bélgica, mostram que os fenómenos meteorológicos
extremos tendem a ocorrer com maior frequência, porque alguns impactos das alterações
climáticas são já inevitáveis, como conclui o “IPCC Working Group I report, Climate Change 2021: the Physical Science
Basis”, relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre
Alterações Climáticas das Nações Unidas), divulgado o neste dia 9 de agosto e que acabara de ser aprovado formalmente,
no passado dia 7, por 195 governos do IPCC através de sessões virtuais que se
estenderam por duas semanas.
António Guterres, secretário-geral da ONU, citado pela agência
Lusa, disse, em reação às
conclusões do relatório, que se trata dum “alerta vermelho para a
humanidade”, e que “os alarmes são ensurdecedores: as emissões de gases
de efeito estufa provocadas por combustíveis fósseis e a desflorestação estão a
sufocar o nosso planeta”. Por isso, pediu o “fim do uso do carvão”, da parte
dos diversos países, e de “novas explorações e produção de combustíveis
fósseis, transferindo os recursos dos combustíveis (fósseis) para a energia renovável”.
Nenhum país escapará ao impacto. Nas próximas décadas, as alterações climáticas
vão aumentar em todas as regiões. A este respeito, o comunicado que acompanha o
relatório refere:
“Para 1,5ºC de
aquecimento global, haverá ondas de calor crescentes, estações quentes mais
longas e estações frias mais curtas. A 2ºC de aquecimento global, os extremos
de calor atingiriam mais frequentemente limites de tolerância críticos para a
agricultura e saúde.”.
O relatório do IPCC prevê chuvas mais intensas,
acompanhadas de inundações, e secas mais severas em muitas regiões. A
alteração dos padrões de pluviosidade levará a um aumento da precipitação em
latitudes elevadas e diminuição em grande parte das regiões subtropicais.
Também relevante para Portugal é o aumento “contínuo
do nível das águas ao longo do século XXI, contribuindo
para inundações costeiras mais frequentes e severas em áreas baixas e de maior
erosão costeira”. Segundo o relatório, esta e outras alterações são
irreversíveis durante “centenas a milhares de anos”. Degelo do permafrost,
perda da cobertura de neve sazonal, recuo dos glaciares, perda do gelo do mar
Ártico no verão, aumento da temperatura do oceano, ondas de calor marinhas e
acidificação do oceano continuarão a ocorrer ao longo deste século, afetando os
ecossistemas e as pessoas que deles vivem. Nas cidades, serão amplificados
aspetos das alterações climáticas, incluindo o calor (as áreas
urbanas já são mais quentes) e
inundações provocadas por chuvas fortes e a subida do nível do mar nas zonas
costeiras.
O relatório reclama novas evidências sobre o impacto das emissões de gases
com efeito de estufa no aquecimento global, pois elas são responsáveis por
1,1ºC desde o período entre 1850 e 1900. A manter-se o ritmo de
emissões, o aumento da temperatura global deverá atingir 1,5Cº.
Segundo o comunicado, “esta avaliação é baseada em dados observacionais
melhorados sobre o aquecimento histórico, bem como no progresso na compreensão
científica da resposta do sistema climático às emissões de gases com efeito
estufa causadas pelo homem”.
Valérie Masson-Delmott, co-presidente do IPCC Working Group I, observa:
“Temos agora uma
imagem muito mais clara do clima do passado, do presente e do futuro, o que é
essencial para compreender para onde estamos a ir, o que pode ser feito e como
podemos preparar-nos”.
Ainda há uma janela para tentar limitar o aquecimento global a perto de
1,5ºC ou 2ºC, mas são precisas medidas imediatas, rápidas e em
larga escala para reduzir os gases com efeito de estufa.
Hoesung Lee, presidente do IPCC afirma que “as inovações neste relatório e
os avanços na ciência do clima que ele reflete fornecem uma contribuição
inestimável para as negociações e tomadas de decisão sobre o clima”. E o Secretário-Geral
da ONU avisou:
“Se unirmos
forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório indica claramente, não há
tempo e não há lugar para desculpas.”.
***
Em suma, é
preciso conhecer todos os dados disponíveis sobre as
alterações climáticas, para o que útil olhar às conclusões da primeira
avaliação abrangente do clima desde 2014, realizada por mais de 230 cientistas,
de 66 nacionalidades, com base em 14.000 estudos publicados, plasmadas no novo
relatório dos especialistas do IPCC, acabado de divulgar, que mostra de forma
inequívoca que o clima está a mudar mais rapidamente do que se temia e que a
culpa é das pessoas.
Segundo os cientistas e ativistas do painel mundial,
apenas uma fração do aumento da temperatura pode ser atribuído, desde o século
XIX, a causas naturais.
No relatório de mais de 3000 páginas, os especialistas traçam
5 cenários, mas advertem que, faça-se o que se fizer, muitos efeitos do aquecimento
global vão perdurar “séculos ou milénios”.
Face às imagens de inundações e incêndios que fazem as
manchetes em todo o mundo, as novas previsões climáticas, anunciadas 3 meses
antes da Conferência do Clima COP26, são alarmantes, mas não foram surpresa
para ninguém. Eis a síntese das conclusões (são
9):
- Ultrapassagem dos
15ºC. Em todos os cenários em análise (do
mais otimista ao mais pessimista), a temperatura global ultrapassa os 1,5ºC,
comparativamente com a era pré-industrial, até 2030, ou seja, 10 anos antes da
estimativa anterior do IPCC, feita há 3 anos. A temperatura global subirá 2,7ºC
em 2100, se se mantiver o atual ritmo de emissões de gases com efeito de
estufa.
- Enfraquecimento
dos sorvedouros. Desde 1960,
florestas, solos e oceanos absorveram 56% do CO2 (dióxido de carbono) emitido para a atmosfera pelas atividades humanas. Sem
essa ajuda da natureza, o planeta já seria muito mais quente e inóspito. Mas os
sorvedouros de carbono, aliados cruciais na luta contra as mudanças climáticas,
estão a dar sinais de saturação e a percentagem de CO2 que absorvem deve
diminuir ao longo do século.
- Culpa do
aquecimento. O relatório destaca o progresso excecional na “ciência
da atribuição”, que torna possível quantificar a parcela de responsabilidade do
aquecimento num determinado evento climático extremo. Por
exemplo, os cientistas mostraram que a onda de calor extraordinária no Canadá
registada em junho, com temperaturas próximas a 50°C, teria sido “quase
impossível” sem as mudanças climáticas.
- Subida do nível
do mar. Na verdade, o nível do mar aumentou cerca de 20 cm (centímetros) desde 1900 e a taxa desse aumento triplicou na última
década sob crescente influência do derretimento dos polos terrestres. E, mesmo que o
aquecimento seja limitado a 2ºC, os oceanos podem ganhar cerca de 50 cm no século
XXI, aumento que pode chegar a quase dois metros até 2300 – o dobro do estimado
pelo IPCC em 2019. Porém, devido à incerteza das zonas polares, os especialistas
não podem descartar, na pior das hipóteses, um aumento de dois metros até 2100.
- Alerta do passado
ao presente. De facto, o avanço do conhecimento sobre os climas anteriores serve
como alerta para o presente. Por exemplo, há 125 mil anos, o último período em
que a atmosfera era tão quente, o nível do mar estava provavelmente 5 a 10
metros mais alto que hoje. Há três milhões de anos, quando a concentração de CO2 na
atmosfera era equivalente à de hoje e a temperatura era 2,5 a 4ºC mais alta, o
nível do mar subiu 25 metros.
- Atenções centradas
no metano. O IPCC nunca falou tanto como agora sobre o CH4 (metano), segundo gás com efeito de estufa mais importante,
depois do CO2, sendo que o CH4, mesmo que tenha um período de permanência na
atmosfera muito mais curto, tem poder de aquecimento muito maior que o CO2. E alerta
que, se as emissões de CH4 não forem reduzidas, podem ficar prejudicados os
objetivos do Acordo de Paris, o tratado das Nações Unidas assinado por quase
todos os países do mundo em 2015 e que fixa como limitar de aquecimento global
os 1,5ºC. Na verdade, as concentrações de CH4 na atmosfera – para as quais
contribuem os vazamentos da produção de gás, mineração, eliminação de resíduos
e gado – são as mais altas em 800 mil anos.
- Diferenças
regionais. Todo o planeta está a aquecer, mas algumas áreas mais
rapidamente do que outras. Por exemplo, no Ártico, espera-se que a temperatura
média nos dias mais frios aumente três vezes mais rapidamente que o aquecimento
global. E, se o nível do mar se prevê que suba em todos os lugares, pode subir
até 20% mais que a média em muitos litorais.
- Pontos de rutura
irreversíveis. O IPCC avisa que não se podem descartar pontos de rutura
irreversíveis, como as mudanças abruptas no sistema climático de “baixa
probabilidade”, mas “alto impacto” – por exemplo, o colapso dos glaciares, que
pode fazer o mar subir 20 metros, o degelo do permafrost ou a transformação da
floresta da Amazónia em savana.
- Correntes
atlânticas. A AMOC (Atlantic Meridional
Reversal Circulation), um complexo sistema de correntes oceânicas que regulam
o calor entre os trópicos e o hemisfério norte, está a desacelerar, uma
tendência que “muito provavelmente” continuará ao longo do século. E o IPCC estima,
com um nível de confiança “médio”, que a AMOC poderia parar completamente, o
que levaria, em particular, a invernos mais rigorosos na Europa e a perturbação
das monções na África e na Ásia.
***
UE diz que ainda “não é demasiado tarde”
mas que é preciso agir “já” e em conjunto.
Reagindo ao relatório do IPCC, Frans Timmermans, vice-presidente
executivo responsável pelo Pacto Ecológico europeu, disse que
o relatório “mostra a
imensa urgência de agir agora para enfrentar a crise climática. Não é demasiado
tarde para travar a maré e evitar uma mudança climática desenfreada, mas apenas
se agirmos de forma decisiva agora e todos atuarem em conjunto”.
E, numa publicação na sua conta oficial na rede social Twitter, apontou que a UE propôs uma série de medidas,
abrangendo diversas áreas da economia, para garantir a neutralidade carbónica
da União – o pacote legislativo “FitFor55” –, mas advertiu que “esta é uma
crise global”, que exige uma resposta global. E, referindo-se à conferência do
clima (COP26), prevista para novembro próximo em Glasgow, comentou:
“Manter [como
limite de aumento] 1,5ºC ao nosso alcance requer emissões líquidas zero em todo
o mundo e uma implementação mais rápida das políticas para lá chegar. O COP26
deve ser o momento em que o mundo diz ‘basta!’.”.
Porém,
o investigador
Suraje Dessai observa que não há forma de voltar atrás em algumas alterações,
mas sim medidas para lhes minimizar o impacto. As recentes mudanças no clima são generalizadas,
rápidas e intensivas e já afetam todas as regiões da terra, de múltiplas
formas. Contudo, crê
que, se forem
empreendidas reduções imediatas, rápidas e em larga escala das emissões de
gases com efeito de estufa, o aumento global da temperatura pode ser limitado a
cerca de 1,5°C”, o que não só reduziria as consequências das alterações
climáticas, como também melhoraria a qualidade do ar. E disse, questionado se documento é um “último aviso à humanidade”,
que o IPCC tem vindo a publicar relatórios que alertam estes riscos há décadas.
O Ministro do Ambiente português, face ao relatório, defendeu
que é tempo de parar de investir na produção de combustíveis fósseis, avisando
que construir o futuro com instrumentos do passado resultaria no
desaparecimento da espécie humana do planeta.
Para o governante, o relatório tem “uma grande
novidade”: o ritmo a que o aquecimento global está a acontecer e as
consequências que está a provocar. E João Matos Fernandes salientou que, “sendo verdade, e é verdade, [que] ele [relatório] vem
no tempo certo porque estamos a 3 meses da Conferência do Clima”, 6 anos depois
da cimeira de Paris, “é o tempo de o Mundo assumir o compromisso que a Europa
já assumiu e no qual Portugal liderou que é o de sermos neutros em carbono em
2050”. E,
para o Ministro, não há alternativa:
“Eu direi que mais do que
salvar o planeta é salvar-nos a nós próprios como espécie. Nós, de facto, não
conseguimos suportar este aumento de temperatura e aquilo que ele provoca dia a
dia e com os fenómenos extremos que está também a condicionar.”.
Por isso, defendeu:
“A economia tem de
crescer de forma completamente diferente e com investimentos que sejam focados
na sustentabilidade com a certeza de que esses investimentos vão provocar, se
calhar, ainda mais riqueza do que os investimentos tradicionais e emprego mais
qualificado”.
Sustentou que “este é o tempo de
parar, de explorar e de continuar a investir na produção de combustíveis
fósseis”. E aproveitou para fazer render o
seu peixe:
“Portugal tem feito um
caminho que, obviamente, tem que ser sempre acelerado, que não está isento
obviamente de falhas, mas não só no compromisso, fomos os primeiros do mundo a
dizer vamos ser neutros em carbono em 2050, como nos investimentos que são
consequência desse compromisso”.
A este propósito, lembrou que 38% dos investimentos
previstos no PRR são dedicados à ação climática e enfatizou o que país tem
feito para a redução dos gases que produzem efeito estufa, como a compra de 700
autocarros de “elevada performance ambiental”, os investimentos feitos no Metro
de Lisboa e no do Porto e a adaptação no litoral, nos mil quilómetros de rios e
de ribeiras recuperados apenas com soluções de base natural.
Recordou o apoio que está a ser dado às famílias,
avançando que cerca de 17 mil já apresentaram candidaturas para tornarem os
seus edifícios mais eficientes do ponto de vista energético.
E reiterou que “nunca nada é muito quando se
trata de investir para nos salvarmos a nós próprios enquanto espécie do planeta”.
***
Está na hora de agir, assumindo cidadãos e decisores políticos
o que deve assumir cada qual de acordo com as responsabilidades próprias.
2021.08.09 – Louro de Carvalho
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