Assinalou-se, no passado dia 19, o Dia Mundial Humanitário, também conhecido como o Dia Mundial da Ajuda Humanitária ou
o Dia da Memória dos Trabalhadores Humanitários, que foi
comemorado pela primeira vez em 2009, após a Assembleia Geral da ONU ter
decretado o dia em sessão plenária em dezembro de 2008, com o objetivo de homenagear
todos os voluntários do mundo pelo seu trabalho em prol da humanidade e
divulgar as obras realizadas pelas organizações humanitárias espalhadas pelo
globo, apesar de todas as dificuldades vividas e, em especial, prestar tributo
a todos os funcionários e trabalhadores humanitários que foram mortos no
exercício do seu trabalho.
Neste dia,
cujo mote é ajudar o próximo, podem fazer-se donativos ou aderir a uma
organização humanitária local ou global, bem como divulgar nas redes sociais a
data e as causas urgentes. Com efeito, há mais de 130 milhões de pessoas a
precisar de ajuda humanitária para sobreviver.
A escolha do dia 19 de agosto prende-se com o desejo
de homenagear o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos,
Sérgio Vieira de Mello (1948-2003) e os outros
21 funcionários e colaboradores da ONU falecidos no Iraque em 2003 em missão de
paz.
Na verdade, com
apenas 21 anos de idade, Sérgio Vieira de Mello iniciou a sua trajetória no
trabalho humanitário, tendo a sua carreira começado no ACNUR (Agência
da ONU para Refugiados),
cuja principal missão é proteger pessoas forçadas a deixar tudo para trás para
escapar a guerras, conflitos e perseguições.
É de
recordar que Vieira
de Mello nasceu no Rio de Janeiro e se mudou para a França, no início dos anos
60, para estudar filosofia em Paris, onde participou nas manifestações de maio
de 68. Tornou-se funcionário da ONU em 1969, quando tinha 21 anos. Passou a
maior parte da sua carreira em missões do ACNUR, nomeadamente em crises
humanitárias em Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique e Camboja, trabalhando
com refugiados e em campos de guerra.
No Sudão, participou
diretamente nas operações do ACNUR para o transporte aéreo de bens domésticos e
alimentos para refugiados sudaneses e repatriados após a assinatura do acordo
de paz que pôs fim a 17 anos de guerra civil. No Camboja, uma das operações
mais complexas do ACNUR até então, coordenou a repatriação de 360 mil cambojanos
refugiados. Foi responsável pela operação de repatriação e reintegração de
moçambicanos que deixaram o país durante a guerra. E, então, aos 28 anos, assumiu
a direção do escritório do ACNUR em Moçambique, tornando-se um dos mais jovens
representantes do ACNUR em operação de campo. Entre 1999 e 2002, liderou a
missão da ONU que acompanhou a transição de Timor Leste para a independência. O
então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, afirmava que ele era “a pessoa certa
para resolver qualquer problema”. O seu compromisso com as causas humanitárias guindou-o
a Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos em 2002.
Porém, em
2003, enquanto atuava como representante oficial do Secretário-geral das Nações
Unidas para o Iraque na procura de solução para o violento conflito que
assolava o país, foi vítima de um ataque fatal à sede da ONU em Bagdad.
A memória e
legado de Vieira de Mello estão vivos em todos quantos dedicam as suas vidas às
causas humanitárias e em todos que cultivam valores de paz, tolerância e
cooperação. A sua história é um marco para o ACNUR e para o mundo; e as lições
que sua vida inspira trarão a esperança de um mundo melhor. Por isso, desde
2003, o ACNUR implementa a Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) em cooperação com centros universitários de todo o
Brasil e com o Comité Nacional para Refugiados (CONARE). Ao longo dos anos, a Cátedra tem-se revelado um fator
fundamental para garantir que pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio
tenham acesso a direitos e serviços no Brasil, oferecendo ainda apoio ao seu
processo de integração local.
De acordo com
a Web página da Cáritas Portuguesa,
neste Dia Mundial Humanitário, marcado por múltiplas
crises, a Caritas
Internationalis recorda que o caminho passa pela Ecologia Humana Integral. Por conseguinte,
exorta os
decisores políticos a tomarem medidas corajosas para abordar as diferentes
questões particularmente relacionadas com as alterações climáticas, o impacto
da pandemia e a turbulência política no Afeganistão e no Líbano, pois, sem vontade
política determinada, a vida humana está em perigo e parte da humanidade está
destinada a sofrer e a viver em condições desumanas.
Assim, esta confederação de Cáritas
nacionais apela aos líderes e decisores políticos a que:
- Garantam a
segurança dos afegãos e o atendimento das necessidades básicas do povo libanês.
- Aloquem
fundos suficientes para as comunidades locais se envolverem em atividades
desenvolvidas numa base comunitária, tanto agrícolas como não agrícolas, para
garantirem os seus meios de subsistência e a sua segurança alimentar.
- Deem primordial
importância à gestão de desastres nas comunidades locais, sobretudo em ações de
redução de risco, para garantia da segurança das pessoas através de sistemas de
alerta precoce.
- Incentivem
os governos a cooperarem com as organizações da sociedade civil locais e a
fortalecerem os seus mecanismos de resposta com destaque para a ação
humanitária para que esta possa lidar com as consequências das alterações
climáticas.
- Garantam o
acesso aos cuidados básicos de saúde integrais para os mais vulneráveis,
incluindo vacinas contra doenças mortais.
- Se
comprometam já com um conjunto, económico e industrial, de políticas globais a
fim de minimizar o impacto sobre o aquecimento global e a degradação dos
ecossistemas.
A Caritas Internationalis,
confederação de 162 membros que trabalham com as comunidades de base em 200 países
e territórios, testemunha os incalculáveis sofrimentos causados pelas
crises naturais e pelas provocadas pelo homem. Por isso, alinhada com o
ensinamento do Papa, neste Dia Mundial da Humanidade, recorda que a única
resposta adequada é a Ecologia Humana Integral, colocando o interesse e a
dignidade da pessoa humana no centro de todas as decisões e atividades. E adverte
que, sem vontade política determinada por parte dos líderes e decisores
políticos, não haverá mudanças e não pode ser garantido o bem-estar dos mais
pobres.
Ao mesmo
tempo, considera que a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
de 2021 (COP26) deve encarar esta situação como uma
prioridade e apresentar soluções tangíveis e adequadas com a alocação de meios
apropriados para as realizar.
Neste ano de
2021, o Dia Mundial Humanitário fica marcado
por muitas crises, quer as causadas pelo homem, quer as provenientes de
desastres naturais.
Acabámos de assistir
à tomada do Afeganistão pelas forças Talibã e ao trágico terremoto no Haiti,
que até agora fez 1.500 vítimas. Além disso, há o colapso económico e a
instabilidade sociopolítica no Líbano, o seu pior momento desde a guerra civil,
e as muitas crises prolongadas em países como Ucrânia, Venezuela, Síria e Moçambique
(Cabo Delgado). E, a nível global, as alterações
climáticas continuam a causar danos graves e irreparáveis, incluindo milhões de
migrantes, e a pandemia de covid-19 paralisou social e economicamente o mundo
globalizado.
Neste grave
contexto, a Caritas Internationalis relembra
que decisões políticas com base em interesses investidos causam sofrimentos
incalculáveis aos mais pobres e exorta os decisores políticos a tomarem as
medidas corretas e necessárias.
O Afeganistão
é exemplo vivo em que o mundo inteiro testemunha descarada e silenciosamente a
situação e o desespero dos afegãos inocentes ora entregues às mãos de senhores
da guerra, não democráticos e implacáveis, após 20 anos de acompanhamento político.
Dignidade das
mulheres, direitos das crianças e proteção dos mais vulneráveis não passam de
boas intenções de simpatizantes, quando no Afeganistão e em outros lugares em crise,
inúmeros cidadãos indefesos são ignorados e abandonados à própria sorte.
De igual modo,
a crise libanesa mostra como uma sociedade estável pode ser destruída por
líderes corruptos, que acumulam riquezas e reduzem 4 milhões de pessoas ao
empobrecimento, mesmo sem alimentos tão básicos como pão.
Por seu turno,
as catástrofes naturais que atingem as nações mais empobrecidas constituem um
apelo a mais atenção para proteger, defender e salvar vidas através duma ação
política determinada. Por exemplo, o recente terremoto no Haiti, já a viver uma
situação de caos político e económico, representa um grande desafio
humanitário.
***
Também Francisco,
num tuíter, compartilhou o tema do Dia
Mundial Humanitário da ONU, lembrando aqueles que vivem em situação de
pobreza como os mais vulneráveis a eventos climáticos extremos e acompanhando o
apelo da Caritas Internationalis à
garantia de segurança e apoio à população do Afeganistão e do Haiti e ao
fornecimento de bens de primeira necessidade ao povo do Líbano. Na verdade, como
refere o Vatican News, o mundo, cada
vez mais ameaçado pelas mudanças climáticas, está numa encruzilhada. E o Papa salienta
que “a emergência climática gera cada vez mais crises humanitárias e os pobres
são os mais vulneráveis a eventos climáticos extremos”, pelo que “a
solidariedade baseada na justiça, na paz e na unidade da família humana é
urgentemente necessária”.
E António
Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, enfatiza que a humanidade pode
sair vitoriosa ou derrotada da encruzilhada representada pela mudança climática.
Por isso, neste dia, pretende-se incentivar a reflexão sobre a mudança
climática que, tal como escreve o Papa na encíclica “Laudato si”, é “um problema global com sérias implicações
ambientais, sociais, económicas, distributivas e políticas”. Com efeito, estima-se
que até 2021, também devido à pandemia, mais de 235 milhões de pessoas
precisarão de assistência e proteção humanitária.
E são, como
diz Guterres, muitas as situações de emergência suscitadas por fenómenos
naturais ou pelos homens que causam transtorno, sobretudo aos países mais pobres
do mundo: pandemia de covid-19, degradação ambiental, aumento do nível do mar,
secas, inundações, incêndios florestais e agora, a crise no Afeganistão e
Líbano e o terremoto no Haiti – emergências que confirmam que a “ecologia humana
integral” evocada por Francisco “é a única solução”.
2021.08.20 – Louro de Carvalho
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