quinta-feira, 8 de abril de 2021

Viseu viu partir dois políticos-formiga marcantes e empreendedores

 

Um faleceu no Domingo de Páscoa, o outro 3 dias depois. Um era do PSD, outro do PS. Ambos foram notáveis pelas causas em que batalharam, designadamente o compromisso com a política e o compromisso com a malha social e empresarial – a nível nacional e a nível regional e local.

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António Joaquim Almeida Henriques, o autarca que alçou Viseu ao mapa da economia, sucedeu na presidência do município a um dos mais emblemáticos autarcas, Fernando Ruas, um dos ‘dinossauros’ do partido e presidente da cidade desde 1990, mas a dupla marca pessoal de Henriques depressa se impôs: a aposta nas empresas e no ensino superior.  

Nascido a 5 de maio de 1961, Almeida Henriques, que fora adjunto do Ministro da Juventude (1990/92), presidia à Câmara Municipal de Viseu desde 22 de outubro de 2013, depois de ter sido deputado à Assembleia da República (AR) entre 2002 e 2011 (IX, X e XI legislaturas) e ter sido eleito deputado para XII legislatura, mas tendo sido escolhido para Secretário de Estado Adjunto da Economia e Desenvolvimento Regional entre 2011 e 2013 (no primeiro governo de Passos Coelho, o XIX Governo Constitucional).

Desde o início do seu mandato mostrou querer imprimir um novo ritmo à cidade. Assumindo que Viseu tinha condições para passar a ser uma região chamativa e já não ‘exportadora’ de população, quis que a cidade ficasse marcada, por um lado, pela aposta no ensino superior e, por outro, no tecido empresarial. As medidas que foi tomando ao longo dos anos foram no sentido de chamar novas empresas para a cidade – num ‘instinto’ modernizador que de algum modo catapultou a cidade e a região para uma posição cada vez mais importante no centro do país.

Cedo estes vetores foram evidentes na sua postura enquanto presidente da câmara, com o que Almeida Henriques alcançou posição confortável para, nas eleições autárquicas de 2017, ser reeleito para o cargo.

Embora a sua formação de base fosse o Direito e a sua profissão fosse a advocacia, esteve desde sempre ligado à área da economia. Antes de chegar à Câmara Municipal, foi Presidente da Assembleia Municipal e, como governante, teve a seu cargo a gestão dos fundos comunitários do QREN, tendo promovido a sua reprogramação e criado o regime de revitalização de empresas, bem como um regime mais favorável para as famílias endividadas. Pediu a demissão de governante para se candidatar à presidência do município, tendo sido eleito com mais de 47% dos votos – para chegar, nas últimas eleições de outubro de 2017, aos 52%.

Na AR, foi vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD (IX e XI legislaturas), com a coordenação da área económica, tendo também exercido as funções de vice-presidente da Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Energia e de vice-presidente da Delegação da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa). Foi Coordenador da Comissão de Assuntos Europeus na IX Legislatura.

Teve ainda várias funções no mundo associativo, nomeadamente como vice-presidente da CIP – Confederação da Indústria Portuguesa, presidente do CEC/CCIC – Conselho Empresarial do Centro/Câmara de Comércio e Indústria, presidente da AIRV – Associação Industrial da Região de Viseu e presidente da Assembleia da Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões. Manteve uma participação muito ativa nas atividades empresariais de diversas instituições culturais, sociais e científicas da cidade e região de Viseu. Foi administrador da Beiragás, Companhia de Gás das Beiras SA (1998/2003). E foi fundador, administrador e/ ou gerente de diversas empresas municipais, entre as quais, Expovis, Promoção de Eventos, Ld.ª., GestinViseu, Gestão de Parques Empresariais, Ld.ª., Polis Invest SA, Polis Alçado, Ldª., QI- Consultoria Empresarial Ld.ª., Gabiforma Ldª., Soma Perfeita, Ld.ª., Iutel SA, Beiragás SA, Mais Vagos SA e Centro Venture SA (2000/2004).

Era ainda comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial (Classe do Mérito Industrial), por atribuição do Presidente da República Jorge Sampaio em 2006. 

Militante socialdemocrata desde a década de 1980, Almeida Henriques era ainda vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), presidente da secção de ‘Smart Cities’ (Cidades Inteligentes) da ANMP e presidente do Conselho Geral da Fundação para os Estudos e Formação nas Autarquias Locais (FEFAL).

O autarca de Viseu encontrava-se internado desde 7 de março, no Hospital de São Teotónio, depois de ter testado positivo à Covid-19 três dias antes. Mas o agravamento do seu estado clínico obrigou à entubação e ventilação mecânica, situação que se manteve até à sua morte, a 4 de abril de 2021.

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Jorge Coelho, nascido em Viseu a 17 de julho de 1954, é consensualmente considerado “o político que assumiu a responsabilidade”. Morreu na tarde de 7 de abril numa habitação na Figueira da Foz, na sequência de doença súbita, aos 66 anos. Quando os Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz chegaram ao local, já se encontrava em paragem cardiorrespiratória.

A notícia foi avançada inicialmente pela SIC, tendo o Público confirmado a notícia do óbito com o comandante dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz, a corporação que recebeu o alerta para socorrer um homem vítima de doença súbita.

O alerta chegou às 15,51 horas, como disse o comandante Jody Rato. Uma ambulância dirigiu-se para o local, mas, quando os bombeiros chegaram, Jorge Coelho já estava em paragem cardiorrespiratória. “Foram iniciadas manobras de suporte básico de vida e usado um desfibrilhador automático”, referiu Jody Rato. Foi acionada a Viatura Médica de Emergência e Reanimação, mas sem êxito, pois o óbito foi declarado no local. O corpo foi, entretanto, transferido para o Instituto Nacional de Medicina Legal, em Coimbra, onde seria autopsiado.

Ministro em dois governos de Guterres (Ministro Adjunto, Ministro da Administração Interna, Ministro da Presidência e Ministro de Estado e do Equipamento Social), Jorge Coelho ficou associado à queda da Ponte Hintze Ribeiro, de Entre-os-Rios, a 5 de março de 2001, em que morreram 59 pessoas – o que o levou, por motivos de consciência política, a pedir a demissão, alegando que a culpa não podia morrer solteira, pelo que tinham de tirar-se as consequências políticas.

Em janeiro de 2020, declarou à SIC:

Aquilo que mais me marcou na vida foi a queda da ponte de Entre-os-Rios. (…) Não teria coragem de olhar mais para mim se não tivesse tomado a decisão que tomei, embora não tivesse culpa nenhuma.”.

Na biografia “Jorge Coelho – O Todo-Poderoso (2014), do jornalista Fernando Esteves, o ex-ministro conta um diálogo ao telefone com o Primeiro-Ministro. Anuncia-lhe que vai apresentar o seu pedido de demissão. E, quando o Chefe do Governo o tenta demover porque não teve culpa pelo sucedido, o ministro pré-demissionário insistiu em que tinha de sair por ser “o responsável político pela pasta”, que alguém tinha de dar a cara pelo que aconteceu.

A partir de 1992, com Guterres na liderança, foi secretário nacional para a organização, contribuindo para a vitória eleitoral dos socialistas nas legislativas de outubro de 1995. Tornou-se um “bombeiro” a resolver problemas do PS em vários momentos da sua história. E especializou-se em marketing eleitoral: foi a Londres conhecer os segredos da eleição do jovem trabalhista Tony Blair e assistiu a comícios do socialista Felipe Gonzalez, em Espanha. E, após a saída do Governo, continuou a assumir papel central no PS e coordenou a campanha eleitoral das eleições legislativas de 20 de fevereiro de 2005, em que o PS conseguiu a sua primeira maioria absoluta, e também das autárquicas de outubro de 2005.

Em novembro de 2006, renunciou ao mandato de deputado e abandonou todos os cargos partidários para se dedicar à atividade profissional.

Foi administrador da CONGETMARK, professor convidado de Comunicação Pública e Política no ISCEM (Instituto Superior de Comunicação Empresarial) e consultor. Nesse período, exerceu só um cargo público, o de Conselheiro de Estado, eleito pela AR em 2005. A 15 de junho de 2009, a seu pedido feito em 2008, foi substituído no Conselho de Estado  por José Gomes Canotilho.

Em 2016, fundou a Queijaria Vale da Estrela, situada em Mangualde, perto de Contenças, onde residia desde o nascimento em Viseu, para a produção de queijo da Serra da Estrela, tendo formalizado acordos com os grupos SONAE, Jerónimo Martins e Corte Inglês, logo que esteja concluído o processo de certificação DOP (Denominação de Origem Protegida).

A renúncia ao cargo de membro do Conselho de Estado, em 2008, resultou do convite para o cargo de CEO do Grupo Mota-Engil. Antes, realizou para o grupo o plano estratégico do grupo entre 2009 e 2013, designado “Ambição 2013”. Ao assumir o novel cargo, deixou de ser comentador no programa “Quadratura do Círculo”, na SIC Notícias. Em março de 2013, voltou a ser comentador no mesmo programa. Quando este mudou de nome para “Circulatura do Quadrado” e para a TVI24, em fevereiro de 2019, manteve-se como comentador até julho de 2020, tendo sido substituído por Ana Catarina Mendes a partir de setembro de 2020.

Entre as várias reações à morte de Jorge Coelho, destaca-se: o Presidente da República, a recordar um amigo que “criou laços pessoais que ultrapassavam as barreiras do seu partido, ultrapassavam até os limites daquilo que era o círculo muito amplo dos seus amigos de sempre”. O Primeiro-Ministro enalteceu o “cidadão dedicado ao país” que “era capaz de, nos momentos mais difíceis, dar “uma palavra de serenidade e bom senso”. E o Presidente da Assembleia da República e ex-líder socialista, mostrou-se chocado e triste com a morte do amigo, lembrando que era alguém que se batia por causas. Em sua nota enviada à Lusa, lê-se:

Homem bom e solidário, foi sempre alguém que se bateu por causas, em especial pela democracia e pela igualdade. Foi também um sobrevivente, com quem aprendi a enfrentar as adversidades.”.

Foi Jorge Coelho quem, em 2001, sentenciou “Quem se mete com o PS leva” e, em 2014, afirmou que o governo de Passos Coelho queria “transformar este país quase num Vietname”.

Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho nasceu a 17 de Julho de 1954 em Viseu. Licenciou-se em Organização e Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da então Universidade Técnica de Lisboa. Estreou-se na administração pública como Técnico Superior Principal no STAPE (Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral), entre 1974 e 1983. De 1983 a 1985 foi chefe de Gabinete do secretário de Estado dos Transportes. Depois, ocupou vários cargos, entre os quais secretário-geral da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, secretário-adjunto do Governo de Macau, deputado à AR e ministro em vários governos.

Depois da política foi administrador da Congetmark e presidente da Assembleia Geral da Sociedade das Águas da Curia. De 2008 a 2013, foi presidente da Comissão Executiva da Mota-Engil, vice-presidente do Conselho de Administração da Mota-Engil e membro do Conselho Consultivo do Banco de Investimento Global (BIG). No exercício das funções que ocupou na estrutura do Partido Socialista, no Governo de Portugal e na malha empresarial, condicionou decisivamente a história recente de Portugal e dos portugueses.

O seu papel foi fundamental para que António Guterres se tornasse Primeiro-Ministro de um Governo que, entre outras coisas, inventou o Rendimento Mínimo Garantido e subscreveu a adesão de Portugal ao Euro. Foi ele quem verdadeiramente decidiu que José Sócrates sucederia a Ferro Rodrigues na liderança do PS, depois de este ter sucedido, por influência sua, a Guterres aquando da sua demissão. Se em 2004 Jorge Coelho tivesse apoiado António José Seguro (que pôs a hipótese de avançar contra Sócrates), Portugal seria outro – nunca saberemos se melhor ou pior, mas certamente diferente, lê-se na supramencionada obra, em que referiu dois dos episódios marcantes da sua vida: o cancro diagnosticado em 2003 e a morte da mãe no início de 2013.

“A primeira vez em que Jorge Coelho apareceu numa lista de ministeriáveis foi cerca de 20 anos antes de efetivamente entrar no Governo”, escreve Fernando Esteves, que explicita:

Foi quando o comandante Costa Correia, diretor-geral do STAPE, decidiu, num momento livre, pegar uma folha A4 e fazer futurologia com os destinos dos membros da sua equipa, distribuindo-lhes pelouros num eventual Executivo em função das suas caraterísticas pessoais. A Jorge Coelho entregou-lhe a Administração Interna. Justificação apresentada: ‘Tem boas relações com a GNR…’. Duas décadas depois, a realidade encarregar-se-ia de consagrar Costa Correia como um raro visionário.”.

O 25 de Abril “apanhou Jorge Coelho no auge do fervor revolucionário”. Foi para o Largo do Carmo “aclamar a revolução”. Militava então nos CCR-ML (Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas), estrutura radical de esquerda surgida duma cisão no interior do PCP (Partido Comunista Português). Preconizava um regresso à pureza dos ideais revolucionários, alegadamente conspurcados pelo PCP, um ‘covil de traidores e revisionistas’.

No predito livro, logo no início, consta que, em julho de 2008, quando o autor informou Jorge Coelho de que se preparava para escrever a sua biografia, respondeu-lhe com uma interrogação: “Uma biografia sobre mim, por que motivo? Não tenho importância para isso, meu caro amigo!”. Se havia coisas de que gostava era “de estar com amigos” e ria-se “muitas vezes, muitas vezes” de si próprio, até “das gafes que cometia. 

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Devia eu uma referência as estas duas figuras públicas com quem tive o ensejo de contactar em circunstâncias e por motivos diferentes e em quem encontrei abertura e disponibilidade, para lá de eventuais divergências, em relação a eles, sobre a forma de encarar a política e a vida. Mais devo dizer que são comparáveis no trabalho laborioso de formiga a nível político e empresarial tendo em vista o país, a região e obviamente a família. Ideias diferentes, mas perfis igualmente produtivos, amistosos e generosos. Destes, com virtudes e mesmo com erros, precisa-se.

2021.04.08  – Louro de Carvalho

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