Um faleceu no Domingo de Páscoa, o outro 3 dias
depois. Um era do PSD, outro do PS. Ambos foram notáveis pelas causas em que
batalharam, designadamente o compromisso com a política e o compromisso com a malha
social e empresarial – a nível nacional e a nível regional e local.
***
António
Joaquim Almeida
Henriques, o autarca que alçou Viseu ao mapa da economia, sucedeu na presidência do município a um dos mais emblemáticos autarcas,
Fernando Ruas, um dos ‘dinossauros’ do partido e presidente da cidade desde
1990, mas a dupla marca pessoal de Henriques depressa se impôs: a aposta nas
empresas e no ensino superior.
Nascido a 5
de maio de 1961, Almeida Henriques, que fora
adjunto do Ministro da
Juventude (1990/92), presidia à Câmara Municipal de Viseu
desde 22 de outubro de 2013, depois de ter sido deputado à Assembleia da
República (AR) entre 2002 e 2011 (IX, X e XI legislaturas) e ter sido eleito deputado para XII legislatura, mas tendo
sido escolhido para Secretário de Estado Adjunto da Economia e Desenvolvimento
Regional entre 2011 e 2013 (no primeiro governo de Passos Coelho, o XIX Governo
Constitucional).
Desde o
início do seu mandato mostrou querer imprimir um novo ritmo à cidade. Assumindo
que Viseu tinha condições para passar a ser uma região chamativa e já não
‘exportadora’ de população, quis que a cidade ficasse marcada, por um lado,
pela aposta no ensino superior e, por outro, no tecido empresarial. As medidas que foi tomando ao longo dos anos foram no sentido de chamar
novas empresas para a cidade – num ‘instinto’ modernizador que de algum modo
catapultou a cidade e a região para uma posição cada vez mais importante no
centro do país.
Cedo estes vetores
foram evidentes na sua postura enquanto presidente da câmara, com o que Almeida
Henriques alcançou posição confortável para, nas eleições autárquicas de 2017,
ser reeleito para o cargo.
Embora a sua
formação de base fosse o Direito e a sua profissão fosse a advocacia, esteve desde
sempre ligado à área da economia. Antes de chegar à Câmara
Municipal, foi Presidente da Assembleia Municipal e,
como governante, teve a seu cargo a gestão dos fundos comunitários do
QREN, tendo promovido a sua reprogramação e criado o regime de revitalização de
empresas, bem como um regime mais favorável para as
famílias endividadas. Pediu a demissão de governante para se candidatar
à presidência do município, tendo sido eleito com mais de 47% dos votos – para
chegar, nas últimas eleições de outubro de 2017, aos 52%.
Na AR, foi
vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD (IX e XI legislaturas), com a coordenação da área económica, tendo também
exercido as funções de vice-presidente da Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Energia e de vice-presidente da
Delegação da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa). Foi Coordenador da
Comissão de Assuntos Europeus na IX Legislatura.
Teve ainda
várias funções no mundo associativo, nomeadamente como vice-presidente da CIP –
Confederação da Indústria Portuguesa, presidente do CEC/CCIC – Conselho
Empresarial do Centro/Câmara de Comércio e Indústria, presidente da AIRV –
Associação Industrial da Região de Viseu e presidente
da Assembleia da Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões. Manteve uma participação muito ativa nas atividades empresariais de
diversas instituições culturais, sociais e científicas da cidade e região de
Viseu. Foi administrador da Beiragás, Companhia de
Gás das Beiras SA (1998/2003). E foi fundador, administrador e/ ou
gerente de diversas empresas municipais, entre as quais, Expovis, Promoção de
Eventos, Ld.ª., GestinViseu, Gestão de Parques Empresariais, Ld.ª., Polis
Invest SA, Polis Alçado, Ldª., QI- Consultoria Empresarial Ld.ª., Gabiforma
Ldª., Soma Perfeita, Ld.ª., Iutel SA, Beiragás SA, Mais Vagos SA e Centro
Venture SA (2000/2004).
Era ainda
comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola, Industrial e Comercial (Classe do Mérito Industrial), por
atribuição do Presidente da República Jorge Sampaio em 2006.
Militante socialdemocrata
desde a década de 1980, Almeida Henriques era ainda vice-presidente da
Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), presidente da secção de ‘Smart Cities’ (Cidades Inteligentes) da ANMP e presidente do Conselho Geral da Fundação
para os Estudos e Formação nas Autarquias Locais (FEFAL).
O autarca de
Viseu encontrava-se internado desde 7 de março, no Hospital de São Teotónio, depois
de ter testado positivo à Covid-19 três dias antes. Mas o agravamento do seu
estado clínico obrigou à entubação e ventilação mecânica, situação que se
manteve até à sua morte, a 4 de abril de 2021.
***
Jorge Coelho, nascido em Viseu a 17 de julho de
1954, é consensualmente considerado “o político que assumiu a responsabilidade”.
Morreu na tarde de 7 de abril numa
habitação na Figueira da Foz, na sequência de doença súbita, aos 66 anos.
Quando os Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz chegaram ao local, já se
encontrava em paragem cardiorrespiratória.
A notícia foi avançada inicialmente pela SIC, tendo o Público
confirmado a notícia do óbito com o comandante dos Bombeiros Voluntários da
Figueira da Foz, a corporação que recebeu o alerta para socorrer um homem
vítima de doença súbita.
O alerta
chegou às 15,51 horas, como disse o comandante Jody
Rato. Uma ambulância dirigiu-se para o local, mas, quando os bombeiros chegaram,
Jorge Coelho já estava em paragem cardiorrespiratória. “Foram iniciadas
manobras de suporte básico de vida e usado um desfibrilhador automático”, referiu
Jody Rato. Foi acionada a Viatura Médica de Emergência e Reanimação, mas sem êxito,
pois o óbito foi declarado no local. O corpo foi, entretanto, transferido para
o Instituto Nacional de Medicina Legal, em Coimbra, onde seria autopsiado.
Ministro em dois governos de Guterres (Ministro Adjunto, Ministro
da Administração Interna, Ministro da Presidência e Ministro de Estado e do Equipamento
Social), Jorge Coelho ficou associado
à queda da Ponte Hintze Ribeiro, de Entre-os-Rios, a 5 de março de 2001, em que
morreram 59 pessoas – o que o levou, por motivos de consciência política, a
pedir a demissão, alegando que a culpa não podia morrer solteira, pelo que
tinham de tirar-se as consequências políticas.
Em janeiro de 2020, declarou à SIC:
“Aquilo que mais me marcou na vida foi a queda da ponte de
Entre-os-Rios. (…) Não teria coragem de olhar mais para mim se não tivesse
tomado a decisão que tomei, embora
não tivesse culpa nenhuma.”.
Na biografia “Jorge Coelho – O Todo-Poderoso” (2014), do jornalista
Fernando Esteves, o ex-ministro conta um diálogo ao telefone com o Primeiro-Ministro.
Anuncia-lhe que vai apresentar o seu pedido de demissão. E, quando o Chefe do
Governo o tenta demover porque não teve culpa pelo sucedido, o ministro
pré-demissionário insistiu em que tinha de sair por ser “o responsável político
pela pasta”, que alguém tinha de dar a cara pelo que aconteceu.
A partir de 1992, com Guterres na liderança, foi secretário nacional para a
organização, contribuindo para a vitória eleitoral dos socialistas nas legislativas
de outubro de 1995. Tornou-se um “bombeiro” a resolver problemas do PS em
vários momentos da sua história. E especializou-se em marketing eleitoral: foi
a Londres conhecer os segredos da eleição do jovem trabalhista Tony Blair e
assistiu a comícios do socialista Felipe Gonzalez, em Espanha. E, após a saída do Governo, continuou a
assumir papel central no PS e coordenou a campanha eleitoral das eleições
legislativas de 20 de fevereiro de 2005, em que o PS conseguiu a sua primeira
maioria absoluta, e também das autárquicas de outubro de 2005.
Em novembro de 2006, renunciou ao mandato de deputado e abandonou todos os
cargos partidários para se dedicar à atividade profissional.
Foi administrador da CONGETMARK, professor convidado de Comunicação Pública
e Política no ISCEM (Instituto Superior de Comunicação Empresarial) e consultor. Nesse período, exerceu só
um cargo público, o de Conselheiro de Estado, eleito pela AR em 2005. A 15
de junho de 2009, a seu pedido feito em 2008, foi substituído no Conselho de Estado
por José Gomes Canotilho.
Em 2016, fundou a Queijaria Vale da Estrela, situada em Mangualde, perto
de Contenças, onde residia desde o nascimento em Viseu, para a produção
de queijo da Serra da Estrela, tendo formalizado acordos com os
grupos SONAE, Jerónimo Martins e Corte Inglês, logo que esteja concluído o
processo de certificação DOP (Denominação de Origem Protegida).
A renúncia ao cargo de membro do Conselho de Estado, em 2008, resultou do
convite para o cargo de CEO do Grupo Mota-Engil. Antes, realizou
para o grupo o plano estratégico do grupo entre 2009 e 2013, designado “Ambição 2013”. Ao assumir o novel cargo,
deixou de ser comentador no programa “Quadratura
do Círculo”, na SIC Notícias. Em março de 2013, voltou a ser comentador no
mesmo programa. Quando este mudou de nome para “Circulatura do Quadrado” e para a TVI24, em fevereiro de 2019,
manteve-se como comentador até julho de 2020, tendo sido substituído por Ana
Catarina Mendes a partir de setembro de 2020.
Entre as várias reações à morte de Jorge Coelho, destaca-se: o Presidente
da República, a recordar um amigo que “criou laços pessoais que
ultrapassavam as barreiras do seu partido, ultrapassavam até os limites daquilo
que era o círculo muito amplo dos seus amigos de sempre”. O Primeiro-Ministro
enalteceu o “cidadão dedicado ao país” que “era capaz de, nos
momentos mais difíceis, dar “uma palavra de serenidade e bom senso”. E
o Presidente da Assembleia da República e ex-líder socialista, mostrou-se
chocado e triste com a morte do amigo, lembrando que era alguém que se batia
por causas. Em sua nota enviada à Lusa,
lê-se:
“Homem bom e solidário, foi sempre
alguém que se bateu por causas, em especial pela democracia e pela igualdade.
Foi também um sobrevivente, com quem aprendi a enfrentar as adversidades.”.
Foi Jorge Coelho quem, em 2001, sentenciou “Quem se mete com o PS leva” e, em 2014, afirmou que o governo
de Passos Coelho queria “transformar este país quase num Vietname”.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho nasceu a 17 de Julho de 1954 em Viseu.
Licenciou-se em Organização e Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de
Economia e Gestão (ISEG) da então Universidade Técnica de Lisboa. Estreou-se
na administração pública como Técnico Superior Principal no STAPE (Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral), entre 1974 e 1983. De 1983 a 1985 foi
chefe de Gabinete do secretário de Estado dos Transportes. Depois, ocupou vários
cargos, entre os quais secretário-geral da Companhia Carris de Ferro de Lisboa,
secretário-adjunto do Governo de Macau, deputado à AR e ministro em vários
governos.
Depois da política foi administrador da Congetmark e presidente da Assembleia
Geral da Sociedade das Águas da Curia. De 2008 a 2013, foi presidente da
Comissão Executiva da Mota-Engil, vice-presidente do Conselho de Administração
da Mota-Engil e membro do Conselho Consultivo do Banco de Investimento Global (BIG). No exercício das
funções que ocupou na estrutura do Partido Socialista, no Governo de Portugal e
na malha empresarial, condicionou decisivamente a história recente de Portugal
e dos portugueses.
O seu papel foi fundamental para que António Guterres se tornasse
Primeiro-Ministro de um Governo que, entre outras coisas, inventou o Rendimento
Mínimo Garantido e subscreveu a adesão de Portugal ao Euro. Foi ele quem
verdadeiramente decidiu que José Sócrates sucederia a Ferro Rodrigues na
liderança do PS, depois de este ter sucedido, por influência sua, a Guterres
aquando da sua demissão. Se em 2004 Jorge Coelho tivesse apoiado António José
Seguro (que pôs a hipótese de avançar contra Sócrates), Portugal seria outro – nunca saberemos
se melhor ou pior, mas certamente diferente, lê-se na supramencionada obra, em
que referiu dois dos episódios marcantes da sua vida: o cancro diagnosticado em
2003 e a morte da mãe no início de 2013.
“A primeira vez em que Jorge Coelho apareceu numa lista de ministeriáveis
foi cerca de 20 anos antes de efetivamente entrar no Governo”, escreve Fernando
Esteves, que explicita:
“Foi quando o comandante Costa
Correia, diretor-geral do STAPE, decidiu, num momento livre, pegar uma folha A4
e fazer futurologia com os destinos dos membros da sua equipa,
distribuindo-lhes pelouros num eventual Executivo em função das suas caraterísticas
pessoais. A Jorge Coelho entregou-lhe a Administração Interna. Justificação
apresentada: ‘Tem boas relações com a GNR…’. Duas décadas depois, a realidade
encarregar-se-ia de consagrar Costa Correia como um raro visionário.”.
O 25 de Abril “apanhou Jorge Coelho no auge do fervor revolucionário”. Foi
para o Largo do Carmo “aclamar a revolução”. Militava então nos CCR-ML (Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas), estrutura radical de esquerda surgida
duma cisão no interior do PCP (Partido Comunista Português). Preconizava um regresso à pureza dos
ideais revolucionários, alegadamente conspurcados pelo PCP, um ‘covil de
traidores e revisionistas’.
No predito livro, logo no início, consta que, em julho de 2008, quando o
autor informou Jorge Coelho de que se preparava para escrever a sua biografia,
respondeu-lhe com uma interrogação: “Uma
biografia sobre mim, por que motivo? Não tenho importância para isso, meu caro
amigo!”. Se havia coisas de que gostava era “de estar com amigos” e ria-se
“muitas vezes, muitas vezes” de si próprio, até “das gafes” que cometia.
***
Devia eu
uma referência as estas duas figuras públicas com quem tive o ensejo de
contactar em circunstâncias e por motivos diferentes e em quem encontrei
abertura e disponibilidade, para lá de eventuais divergências, em relação a
eles, sobre a forma de encarar a política e a vida. Mais devo dizer que são
comparáveis no trabalho laborioso de formiga a nível político e empresarial
tendo em vista o país, a região e obviamente a família. Ideias diferentes, mas
perfis igualmente produtivos, amistosos e generosos. Destes, com virtudes e mesmo
com erros, precisa-se.
2021.04.08 – Louro de Carvalho
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