sábado, 24 de abril de 2021

Conceito, princípios, benefícios e mecanismos da Economia Circular

 

Realizou-se, em formato misto (presencial e Webinar), em Oliveira do Hospital, nos dias 20 e 21 de abril de 2021, uma conferência internacional no âmbito da Economia Circular, organizada pelo CECOLAB (Laboratório Colaborativo para a Economia Circular), instalado na BLC3, no concelho de Oliveira do Hospital, em conjunto com a Presidência do Conselho da União Europeia.

Por ocasião da Presidência Portuguesa da Comissão Europeia, de janeiro a junho de 2021, o MCTES (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) convidou o CECOLAB a organizar a predita conferência, que apresentou um programa de sessões enquadradas com uma das prioridades principais da Presidência Portuguesa, “Promover uma recuperação Europeia alavancada pelas transições climática e digital”, contribuindo para o sucesso da Presidência de Portugal nessa prioridade. 

Em comunicado enviado à Rádio Boa Nova, a organização adiantava que, das 5 linhas de ação definidas para a Presidência, o encontro, com foco em Economia Circular, iria apresentar um conjunto de sessões e participações internacionais com impacto em 4 das 5 linhas de ação: Europa Resiliente, promovendo a recuperação, coesão e valores da Europa; Europa Verde, promovendo a UE como líder em ação climática; Europa Social, promovendo e reforçando o modelo social europeu; e Europa Global, promover a abertura da Europa ao mundo.

As sessões, que decorreram durante dois dias, estiveram organizadas com enfoque em  6 linhas principais: (i) Europa Verde e Global; (ii) Conhecimento e Ciência: o pilar e a base para o desenvolvimento da Economia Circular; (iii) Fundos Verdes e Instrumentos Financeiros; (iv) Simbioses Regionais e partilha de conhecimento internacional; (v) Geração Jovem; (vi) Contribuição da Economia Circular para uma Recuperação Económica Sustentável pós-covid 19 e mercados emergentes.

O encontro internacional juntou mais de 25 especialistas/entidades internacionais, de elevado reconhecimento, desde as Nações Unidas, até às mais importantes Universidades, Centros Tecnológicos, Editores de Revistas Científicas e Políticos a nível internacional e com atividade na área da Economia Circular, com origem principal, além da Europa, em África e América Latina – entre os quais se contou a Dra Isabel Damasceno, presidente da CCDR-Centro. E tiveram destaque especial, neste evento, os jovens e as mulheres, com a participação de três jovens empreendedoras internacionais.

Para João Nunes, presidente do CECOLAB, o evento representa dois pontos importantes: o papel do interior no desenvolvimento de encontros de elevada importância; e a importância dos modelos baseados na cooperação. Assim, fica demonstrado que o interior de Portugal pode e deve contribuir ativamente para o desenvolvimento de encontros de elevada importância para Portugal, para a Europa e para o Mundo. Na verdade, este foi o primeiro grande evento internacional de Economia Circular realizado em Portugal e um dos mais importantes a nível internacional. E o CECOLAB está a trabalhar para que se inicie um processo de cooperação entre a Europa, a África e a América Latina, tendo como pilar comum a ciência e conhecimento. Neste evento, os jovens irão ter um destaque principal, não só pela sua capacidade como pela responsabilidade futura ao nível da preservação e uso eficiente dos recursos do planeta: contudo, também devem ser ouvidos e fazer parte das políticas e processos de decisão. Apesar de todas as adversidades e problemas da pandemia da covid-19, João Nunes entende que “também veio ensinar e demonstrar que o local onde estamos cada vez é menos importante e menos limitante para o desenvolvimento de atividades, iniciativas e fixação de massa crítica e projetos de ciência e tecnologia”, pois, como disse, “as pessoas foram e continuarão a ser o elo mais importante e não a localização geográfica”. Por outro lado, João Nunes anota que “os modelos baseados na cooperação entre entidades governativas, como os ministérios e instituições como o CECOLAB, que já representa o envolvimento da academia e empresas, são exemplos de boas práticas, que podem e poderão acontecer mais vezes”. Com efeito, permitem aumentar a proximidade entre os problemas dum setor ou território com as entidades de decisão e gestão do país, sendo “na cooperação que está o ganho e não no isolamento de cada entidade”.

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Que a economia circular é uma preocupação relevante na CCDR-Centro mostra-o o Pacto Institucional para a Valorização da Economia Circular na região.

Na verdade, em dezembro de 2019 a CCDRC propôs um Pacto Institucional para a Valorização da Economia Circular na Região Centro a entidades (públicas e privadas) com atividade na região.

De subscrição aberta e voluntária, o Pacto pretende estimular a adoção de compromissos sobre práticas circulares na região, permitindo reunir e divulgar informação sobre exemplos concretos de circularidade a decorrer, realçando o que se faz neste domínio.

As tipologias de entidades subscritoras do Pacto, que são muito diversas (associações setoriais e empresariais, centros tecnológicos, incubadoras, empresas, universidades e institutos politécnicos, municípios, comunidades intermunicipais e outras entidades regionais), propõem-se ações concretas dentro das várias temáticas associadas à Economia Circular, desde a valorização de subprodutos e resíduos, reutilização e reparação, compras circulares, mobilidade, remanufatura e à distribuição, promoção de circuitos fechados e ações de sensibilização e disseminação.

Até ao momento, o Pacto conta com a subscrição de 85 entidades, com propostas relevantes de ações e projetos promotores da Economia Circular na região. Por outro lado, a CCDR-Centro insta a que os interessados contribuam partilhando, através da página web da “agenda circular da CCDR-Centro”, outras práticas circulares através das quais pretendam estabelecer um compromisso enquadrado com o objetivo do Pacto.

A Agenda Regional estrutura-se nos seguintes eixos prioritários:

- Investigação Científica e Tecnológica de Suporte. A operacionalização do vasto potencial da região neste domínio, como alavanca de processos de especialização inteligente na região e âncora do desenvolvimento da Economia Circular, pode ser concretizada em ações de curto prazo e de maturação de efeitos a longo prazo. A transferência de conhecimento é prioridade para fomentar a Economia Circular e para garantir a sustentabilidade do sistema.

- Compras circulares. Numa ótica de valorização das atividades de Economia Circular segundo a abordagem da RIS3, o seu desenvolvimento passa pelo estabelecimento de formas de interação cada vez mais intensas e robustas entre a produção de conhecimento, de tecnologia e utilizadores avançados que dinamizem a presença do mercado e a sua assunção das práticas de Economia Circular. Para lá das iniciativas embrionárias existentes, a grande maioria das práticas a desenvolver e generalizar carecem de mercados iniciais que lhes possibilitem o arranque. A existência de mercados iniciais garantidos contribui para vencer resistências e dúvidas, permitindo que a economia as reconheça como soluções competitivas face às realizações instaladas da economia linear. Nesta ótica de favorecimento de trajetórias sustentadas de mercado as políticas de compras e contratação podem revelar-se cruciais para o robustecimento de dinâmicas iniciais de Economia Circular e para enviar sinais de que existe procura solvente.

- Educação, sensibilização e capacitação. Na dinâmica de auscultação possível até ao momento observa-se uma regularidade comum a todo o processo, regularidade que aponta para a relevância dos processos de educação e sensibilização como meio de assegurar uma maior recetividade e envolvimento dos cidadãos e das organizações na disseminação e promoção de práticas de Economia Circular, que são uma forma de alargar e melhorar o contributo de todos para a resposta a desafios de sustentabilidade. A diferenciação entre ações de curto prazo e ações com maturação mais longa de efeitos é estabelecida com base na prontidão com que possam ser concebidos e operacionalizados dispositivos de suporte à educação e sensibilização. Se não existirem já reveladas e expressas necessidades relevantes de formação e capacitação, esta última vertente será considerada no âmbito das ações com maturação mais longa de efeitos.

- Estratégias empresariais e simbioses industriais. Em Economia Circular a dimensão empresarial e de mercado está presente e em progressiva disseminação. Só por essa via se pode compreender a ambição de mudança do paradigma económico, de modo que as soluções da circularidade e do fecho de ciclos de produção assumam relevo. Por isso, este eixo integra as iniciativas entendidas fundamentais para envolver progressivamente mais unidades e estratégias empresariais competitivas orientadas pelos princípios da Economia Circular. Em matéria de simbioses industriais, atribui-se especial importância ao papel dos clusters com representação forte na região e na sua Estratégia de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente da região como elementos de disseminação de novas práticas de Economia Circular e possibilidade de geração de efeitos de demonstração. Por outro lado, as infraestruturas de base tecnológica existentes na região, no seu papel de interface entre a produção de conhecimento e as necessidades empresariais e de espaços de incubação de novas empresas ou de novos projetos alicerçados em empresas já existentes assumem uma função relevante em simbioses industriais.

- Economia Circular ao serviço da inovação e coesão territorial. A Agenda Regional mantém a aposta assumida pela RIS3, de integração dos objetivos de coesão territorial e de valorização da inovação em meios rurais e de baixa densidade, neste caso, com as prioridades estratégicas em matéria de Economia Circular. O processo de auscultação até agora concretizado permite concluir que existe na região conhecimento (e potencial para o desenvolver) para que a Economia Circular seja considerada instrumento de coesão territorial e valorização da resiliência competitiva dos territórios de mais baixa densidade e que existem entidades, instituições e atores com capacidade de liderança e dinamização de processos dessa natureza. Assim, propõe-se a criação dum domínio prioritário dedicado à inovação e coesão territorial. Em articulação com as ações a desenvolver no âmbito das compras inovadoras e circulares, a oportunidade de promoção de circuitos económicos curtos, como forma de desenvolvimento local e de repovoamento do interior, pela inclusão de critérios de proximidade nas compras públicas, ao nível das escolas primárias e secundárias, hospitais e centros de saúde, centros de dia e de acompanhamento, entre outros, deve ser considerada.

A par dos eixos prioritários, a Agenda Regional contempla as seguintes ações transversais:

- Programa de divulgação, comunicação e demonstração. A Agenda Regional e o Plano de Ação associado exigem a conceção e implementação duma estratégia de divulgação, comunicação e demonstração de grande alcance e exigência, tendo em vista as mudanças que se pretende estimular. Esta estratégia deve ser entendida numa dupla perspetiva: como referencial de enquadramento e orientação para muitas das ações inscritas autonomamente no Plano de Ação que incorporam dimensões de divulgação, comunicação e demonstração; e como um plano autónomo, de cariz essencialmente dinâmico que vá assumindo conteúdos, modalidades e públicos-alvo em função do próprio desenvolvimento da implementação da Agenda e a concretização dos resultados antecipados por cada ação e iniciativa.

- Instrumentos de financiamento. A Agenda Regional e o Plano de Ação não terão disponível um quadro de financiamento. Por isso, as ações propostas devem procurar financiamento nos instrumentos de política, seja na panóplia de oportunidades a nível nacional, seja no plano do acesso direto a programas comunitários. Assim, as ações poderão ser financiadas no quadro de, pelo menos, 5 alternativas: POR Centro 2014-2020; período de programação 2021-2027; dimensão do financiamento comunitário a partir de programas e iniciativas geridas diretamente e em acesso concorrencial pela Comissão Europeia; os EEA Grants; e o Fundo Ambiental.

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Economia Circular é um conceito estratégico assente na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. Substituindo o conceito de fim de vida da economia linear, por novos fluxos circulares de reutilização, restauração e  renovação, num processo integrado, a Economia Circular é um elemento chave para promover a dissociação entre o crescimento económico e o aumento no consumo de recursos, relação até aqui vista como inexorável.

Inspirada nos mecanismos dos ecossistemas naturais, que gerem os recursos a longo prazo num processo contínuo de reabsorção e reciclagem, promove um modelo económico reorganizado, pela coordenação dos sistemas de produção e consumo em circuitos fechados. Carateriza-se como processo dinâmico que exige compatibilidade técnica e económica (capacidades e atividades produtivas), mas que requer enquadramento social e institucional (incentivos e valores).

A Economia Circular ultrapassa o âmbito e foco estrito das ações de gestão de resíduos e de reciclagem, visando uma ação mais ampla, desde o redesenho de processos, produtos e novos modelos de negócio até à otimização da utilização de recursos (“circulando” o mais eficientemente possível produtos, componentes e materiais nos ciclos técnicos e/ou biológicos). Visa o desenvolvimento de novos produtos e serviços economicamente viáveis e ecologicamente eficientes, radicados em ciclos perpétuos de reconversão a montante e a jusante. Materializa-se na minimização da extração de recursos, maximização da reutilização, aumento da eficiência e desenvolvimento de novos modelos de negócios. E responde às  tendências de aumento populacional, crescimento da procura e consequente pressão nos recursos naturais, que vêm sublinhando a necessidade de as sociedades modernas avançarem para um paradigma mais sustentável, uma economia mais verde que assegure o desenvolvimento económico, a melhoria das condições de vida e de emprego, bem como a regeneração do capital natural.

 O paradigma vigente, baseado num modelo linear, confronta-se com questões relativas à disponibilidade de recursos. Só em 2010 cerca de 65 mil milhões de toneladas de matérias-primas entraram no sistema económico prevendo-se que se atinjam os 82 mil milhões de toneladas em 2020. Este é um sistema que expõe empresas e países a riscos relacionados com a volatilidade dos preços dos recursos e interrupções de fornecimento. Assim, um novo modelo económico funcionando em circuitos fechados, catalisados pela inovação ao longo de toda a cadeia de valor, é defendido como solução alternativa para minimizar consumos de materiais e perdas de energia.

Uma economia “mais circular” tem vindo a ser apresentada como um conceito operacional no caminho para a mudança de paradigma, tendo em vista enfrentar os problemas ambientais e sociais decorrentes da globalização dos mercados e do atual modelo económico baseado numa economia linear de “extração, produção e eliminação”.

A Economia Circular distingue-se como um modelo focado na manutenção do valor de produtos e materiais durante o maior período de tempo possível no ciclo económico – modelo entendido como fornecendo benefícios de curto prazo e oportunidades estratégicas de longo prazo face a desafios como: volatilidade no preço de matérias-primas e limitação dos riscos de fornecimento; novas relações com o cliente, programas de retoma, novos modelos de negócio; melhoria da competitividade da economia (“first mover advantages”) e contributo para a conservação do capital natural, redução das emissões e resíduos e combate às alterações climáticas. E pauta-se pelos seguintes princípios: preservação e aumento do capital natural (visando o equilíbrio dos ecossistemas); otimização da produção de recursos; fechamento dos ciclos; fomento da eficácia do sistema; e promoção dum novo paradigma societal (põe o acento nas relações sociais e leva os cidadão a passarem de consumidores a utilizadores).

Estima-se que as medidas de prevenção dos resíduos, conceção ecológica, reutilização e outras ações “circulares” podem gerar poupanças líquidas de cerca de 600 mil milhões de euros às empresas da UE (cerca de 8% do total do seu volume de negócios anual), criando 170.000 empregos diretos no setor da gestão de resíduos e viabilizando uma redução de 2 a 4% das emissões totais anuais de gases de efeito de estufa.

A Economia Circular é, pois, um catalisador para a competitividade e inovação. Por exemplo, medidas que levem a uma recolha de cerca de 95% dos telemóveis na UE equivalem a uma poupança de mais de mil milhões de euros em custos de materiais de fabrico.

2021.04.24 – Louro de Carvalho

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