Poucos dias após a comunicação da decisão
instrutória do juiz de instrução criminal (JIC) Ivo Rosa – que pronuncia para julgamento o ex-primeiro-ministro
José Sócrates e o empresário
Carlos Santos Silva por três crimes de branqueamento de capitais e outros três
de falsificação de documentos, bem como o ex-presidente do BES Ricardo Salgado,
por três crimes de abuso de confiança, o antigo ministro Armando Vara por
lavagem de dinheiro (os quatro por crimes
económico-financeiros) e o ex-motorista de Sócrates João Perna por posse ilegal de arma –
soube-se que os procuradores Rosário
Teixeira e Vítor Pinto entregaram ao mesmo JIC requerimento a pedir 120 dias
para o recurso Para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), referindo que a recusa a este alargamento (o dobro
previsto na lei) pode ser
inconstitucional.
Rosário
Teixeira tentou fazê-lo no final da audiência, que foi transmitida em direto
por vários meios de comunicação social, mas o JIC pediu-lhe que o fizesse por
escrito.
Os 28
arguidos (19 pessoas
singulares e 9 empresas) foram
acusados de um total de 189 crimes, entre corrupção, branqueamento, fraude
fiscal e falsificação de documento. Porém, o JIC entendeu que só há prova em relação
a 17 desses crimes. E, dos 28 arguidos, só cinco vão a julgamento. Dois deles,
o motorista de Sócrates e Ricardo Salgado, serão julgados em processos
autónomos, sendo que Salgado não queria ser julgado sozinho. A defesa deste
pediu a nulidade da decisão por violação do contraditório prévio, no que não
foi atendida porque a separação dos processos não contende com as garantias de
defesa do arguido.
Ao invés, o JIC decidiu não levar a julgamento Zeinal Bava
e Henrique Granadeiro (ex-líderes da PT), Helder Bataglia (empresário) e Joaquim Barroca (ex-administrador do Grupo Lena), entre outros.
No
requerimento, os magistrados pedem que o prazo de 30 dias que o Ministério
Público (MP) tem para recorrer seja estendido por mais 90, num
total de 120. A lei diz que o prazo de 30 dias pode ser duplicado, mas os
procuradores consideram que tal seria “desrazoável”, uma vez que restringiria o
direito ao recurso e à intervenção do MP no processo.
Como
recordam no documento já junto ao processo, além da complexidade do processo – quer
pelo número de arguidos, quer pela sua dimensão – o caso foi já considerado
“exceção dentro dos casos excecionais”. E por isso, em vários momentos, os
prazos foram alargados, tanto na fase de inquérito, como na fase de instrução. Por
exemplo, passaram 11 meses do despacho de acusação até à abertura de instrução,
tendo o próprio JIC pedido mais tempo para poder decidir. Nestes termos, alegam
que não permitir mais tempo ao MP para recorrer poderá mesmo ser inconstitucional,
pois não dar mais tempo para os procuradores recorrerem do despacho do JIC violaria
o princípio constitucional do processo equitativo assegurado aos sujeitos
processuais.
Posteriormente,
os procuradores pediram a nulidade da decisão instrutória, considerando
que na pronúncia “houve alteração substancial dos factos”, como disse à Lusa fonte ligada ao processo.
Segundo a
mesma fonte, o pedido de nulidade “tem a ver com a descrição que consta na
decisão sobre o crime precedente, que é a corrupção e que conduz ao
branqueamento” de capitais. “Do branqueamento de capitais faz parte o crime
precedente, isto é, o facto ilícito de base”, como foi referido à Lusa, observando que no despacho
instrutório, “os factos que descrevem o crime de corrupção mudam” e, ao mudarem,
“muda também o crime de branqueamento em causa”.
Nesta
arguição de nulidade, é apontado o facto de, na acusação, o empresário Carlos
Santos Silva estar acusado de corrupção passiva e agora aparecer como “corruptor
ativo”, do ex-primeiro-ministro. No entendimento do MP, isto constitui uma
alteração dos factos, sendo agora questão decisiva determinar com rigor se essa
alteração é substancial ou não. E, se o JIC rejeitar o pedido de nulidade da
decisão, o MP pode recorrer desse despacho para o TRL.
A mesma
fonte adiantou também que o juiz de instrução ainda não se pronunciou sobre o
prazo de 120 dias pedido pelo MP para apresentar recurso da não ida a
julgamento de vários dos 28 arguidos que estavam acusados.
Por outro lado,
o MP não se dispensa de, como lhe convém, mimosear a decisão do juiz com
adjetivação negativa, pagando com a mesma moeda a adjetivação com que o juiz
apodou a acusação. Assim, os procuradores alegam que a pronúncia “reproduz de
forma interpolada, um conjunto de artigos da acusação, com escassa, mas
desajeitada, alteração de detalhes”.
Entretanto,
segundo notícias recentes, o advogado de Sócrates, vai também arguir
nulidades relacionadas com a decisão instrutória, por entender que o juiz não
deu prazo à defesa para esta se pronunciar sobre o que considera ser novos
factos trazidos pelo despacho. Tais alterações relacionam-se com o facto de o
empresário Carlos Santos Silva, que era apontado, na acusação como o
testa-de-ferro do antigo primeiro-ministro, surgir agora como o corruptor de
Sócrates.
Com efeito,
o juiz decidiu que Sócrates, acusado de 31 ilícitos, vai a julgamento por 3
crimes de branqueamento de capitais e 3 de falsificação de documentos, os
mesmos pelos quais o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva está
pronunciado, dando como provado que empresário corrompeu o antigo chefe de
Governo, configurando um crime de corrupção ativa sem demonstração de ato
concreto, que considerou prescrito.
Alega, pois, a defesa de José Sócrates que os seis crimes imputados ao
ex-primeiro-ministro “são outros, novos, diferentes, opostos e contraditórios”
relativamente aos factos da acusação.
No requerimento entregue ao JIC, a defesa do ex-primeiro-ministro
considera que a imputação de três crimes de branqueamento e outros três de
falsificação de documento pressupõe alterações substanciais de factos e que,
por isso, a pronúncia está viciada de nulidade.
Segundo o advogado Pedro Delille, o juiz substituiu os crimes constantes na
acusação por um crime de corrupção passiva sem demonstração de ato concreto,
transformando o arguido em corruptor quando, para o MP, este figurava como
corrompido e coautor na prática dos crimes, isto é, como intermediário ou testa
de ferro, quando, para a acusação, relativamente ao grupo Lena, o
corruptor ativo era o seu administrador Joaquim Barroca.
O advogado alerta que, na base da decisão judicial de mandar Sócrates e o
seu amigo para julgamento, estão factos que indiciam que a vantagem tem origem
em Santos Silva “e que é ele o dono também da fortuna”, enquanto na acusação “o
dono da vantagem era originariamente o Grupo Lena e o dono da fortuna” José
Sócrates.
Ademais, a defesa entende que o direito de defesa de Sócrates foi violado
por não ter sido dado prazo para se pronunciar sobre a alteração dos factos,
que considera substancial. Contudo, no entendimento da defesa de Sócrates,
estas alterações não são meras irregularidades, mas sim nulidades, pelo que
solicitou uma dilação do prazo para “apresentar, aprofundar e completar, ou
mesmo corrigir e alterar, a fundamentação” plasmada no requerimento. No mesmo documento é também solicitado que lhe
seja concedido mais tempo para apresentar os argumentos da defesa.
***
Em síntese, vão a julgamento e pelos crimes que lhes são imputados: Sócrates, por três crimes de
branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos, mas era acusado
de 31 crimes (3 de corrupção passiva, 16 de branqueamento de
capitais, 9 de falsificação de documento e 3 de fraude fiscal qualificada); Santos Silva, por 3 crimes de
branqueamento de capitais e 3 de falsificação de documento (era acusado de 33 crimes); Ricardo Salgado, por 3 crimes de abuso de confiança (era acusado de 21 crimes), sendo que a decisão instrutória o despronuncia dos restantes crimes
que lhe eram imputados: corrupção ativa de titular de cargo político (um), corrupção ativa (dois), branqueamento de
capitais (nove), falsificação de
documento (três) e fraude fiscal qualificada (três); Armando Vara, ex-ministro e
antigo administrador da CGD, por um crime de branqueamento, tendo sido ilibado
de um de corrupção passiva de titular de cargo político, um de branqueamento de
capitais e dois de fraude fiscal qualificada; e João Perna, ex-motorista
de José Sócrates, por detenção de arma proibida, tendo sido despronunciado
de um crime de branqueamento de capitais.
Ivo Rosa determinou, ainda, que Sócrates e Carlos Santos Silva sejam
julgados em conjunto por um tribunal coletivo e que Salgado e Armando Vara
sejam julgados em processos autónomos. João perna será julgado por um juiz
singular.
Não vão a julgamento (ou não foram pronunciados pela totalidade dos
crimes): Rui Mão de
Ferro, sócio administrador e gerente de diversas empresas (acusado de branqueamento de capitais e falsificação de documento); Sofia Fava, ex-esposa de Sócrates (acusada de branqueamento de capitais e falsificação de documento); Inês Pontes do Rosário, mulher de
Carlos Silva (acusada de branqueamento de capitais); José Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates
(acusado de branqueamento de capitais); José Luís Ribeiro, ex-funcionário das Infraestruturas de Portugal (acusado de corrupção passiva e branqueamento de capitais); Luís Ferreira
Marques, ex-funcionário das Infraestruturas de Portugal (acusado de corrupção passiva e branqueamento de capitais); Joaquim Barroca, ex-administrador do
Grupo Lena (acusado de corrupção ativa de titular de cargo
político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento
e fraude fiscal qualificada); Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT (acusado de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação
de documento e fraude fiscal qualificada); Henrique Granadeiro, ex-gestor da PT (acusado de corrupção
passiva, branqueamento de capitais, peculato, abuso de confiança e fraude
fiscal qualificada); Helder Bataglia, empresário (acusado de
branqueamento de capitais, falsificação de documento, abuso de confiança e
fraude fiscal qualificada); Rui Horta e Costa, ex-administrador de Vale do Lobo (acusado de corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de
capitais e fraude fiscal qualificada); José Diogo Gaspar Ferreira, ex-diretor executivo do empreendimento Vale
de Lobo (acusado de corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de
capitais e fraude fiscal qualificada); e Gonçalo Trindade Ferreira, advogado (acusado de
branqueamento de capitais e falsificação de documento).
E não são pronunciadas as empresas Lena Engenharia e Construções, SA;
Lena Engenharia e Construção SGPS; Lena SGPS; XLM-Sociedade de Estudos e
Projetos Lda; RMF-Consulting; Gestão e Consultoria Estratégica Lda; XMI;
Oceano Clube – Empreendimentos Turísticos do Algarve SA; Vale do Lobo Resort
Turístico de Luxo SA; e Pepelan.
Entre os crimes que
caíram, contam-se: dois crimes de falsificação de documento imputados aos arguidos Sócrates e
Santos Silva, tendo Ivo Rosa considerado que o juiz de instrução, Carlos
Alexandre, não tinha poder para autorizar a diligência que foi feita junto do
Banco de Portugal; crimes de corrupção imputados a Sócrates nos concursos da
Parque Escolar e TGV (concurso da linha ferroviária de alta
velocidade Poceirão/Caia), não tendo o JIC topado ilegalidades nas acusações apresentadas pelo MP e
não ficando provado que Sócrates tivesse qualquer intervenção junto dos
ministros das Obras Públicas e das Finanças, bem como junto do júri dos
concursos, para adjudicação das empreitadas em causa; favorecimento ao Grupo
Lena, imputado a Sócrates e Santos Silva, nos negócios da construção de
habitação social na Venezuela, tendo concluído Ivo Rosa pela inexistência deste
crime.
Por falta de indícios caíram as acusações de corrupção contra Vara, Gaspar
Ferreira e Horta e Costa, bem como os crimes de branqueamento de capitais associados.
O JIC considerou ainda não ser possível concluir que Sócrates manteve
contactos com as autoridades brasileiras e com o ex-Presidente do Brasil Lula
da Silva para beneficiar Salgado no negócio da PT relativo à operadora Oi. E entendeu
também que o antigo primeiro-ministro não pode ser julgado pelos três crimes
de fraude fiscal, visto que, para tal, seria obrigado a “autodenunciar-se”,
caso declarasse os ganhos ilícitos.
Além de tudo isto, Sócrates foi despronunciado do crime de
corrupção passiva na acusação de favorecimento do grupo Lena, pois, segundo a
decisão instrutória, o crime de corrupção passiva de titular de cargo político
em coautoria com Santos Silva e Grupo Lena estava prescrito. E foram despronunciados,
na acusação de corrupção envolvendo o Grupo Lena, Joaquim Barroca (ex-administrador do Grupo) e o empresário Santos Silva, alegado testa de ferro de Sócrates.
Prescreveu o crime de corrupção associado ao Grupo Espírito Santo (GES), imputado a Sócrates,
por subornos alegadamente recebidos de Salgado no âmbito dos interesses do GES
na Portugal Telecom. Ivo Rosa diz que este crime prescreveu em 2015, dois anos
antes de Sócrates ter sido confrontado com a acusação. Era imputado a Salgado um
crime de corrupção ativa e a Sócrates um crime de corrupção passiva, que
prescreveram. E Ivo Rosa considera que não fica provada a intervenção de Sócrates
na OPA Sonae/PT.
Prescreveu também o crie de corrupção passiva imputada a Sócrates, em
coautoria com Vara, sobre o financiamento pela Caixa Geral de Depósitos do
empreendimento Vale do Lobo.
Ivo Rosa admitiu que os empréstimos feitos por Santos Silva a Sócrates
configuravam o crime de corrupção, mas que o crime prescreveu.
É ainda de recordar que Ivo Rosa remeteu para o MP a
investigação do sorteio que entregou o processo a Carlos Alexandre e decidiu que as
escutas do processo Face Oculta não podem migrar e ser usadas na Operação
Marquês.
***
Ora, se a defesa de Sócrates pode interpor recurso da decisão de Ivo Rosa,
porque não o faz? Do meu ponto de vista, parece que o pedido de nulidade só
fará sentido se a decisão, nessa parte, for irrecorrível. Quanto ao MP,
percebe-se que pretenda o alargamento do prazo para recorrer, dada a
complexidade do processo. Porém, o pedido de nulidade, de cuja recusa é admissível
recurso, só parece uma manobra dilatória. Perdemos tempo e dinheiro.
Já não bastava ficarem de fora os “grandes” e os crimes não se provarem ou
prescreverem, a não ser que o TRL reabilite toda a acusação ou a sua maior
parte (as listagens apresentadas supra bem evidenciam a crueza dos atos que o MP
não terá demonstrado), para ficarmos a assistir a piropadas, manobras dilatórias e guerras entre
operadores da justiça, que teima em não se reformar e a morder só os descalços!
Entretanto, encanta-se com o espetáculo e os megaprocessos…, a parra em vez da
uva, a palha em vez do grão, o farelo em vez da farinha! E o povo paga.
2021.04.23 – Louro de Carvalho
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