É o recado
do Papa Francisco que ressoou na XXVII Cimeira Ibero-Americana de Chefes de
Estado e de Governo (22, sendo 3 europeus e 19 latino-americanos) que decorreu em Andorra nestes dias 21 e 22 de abril.
O evento
estava agendado para 2020, tendo Andorra assumido desde a XXVI Cimeira, em Antígua,
a Secretaria Pro Tempore, que manteve até esta
data, pois a pandemia de covid-19 não permitiu a realização da cimeira no ano
transato, e que, juntamente com a Secretaria-Geral Ibero-Americana (SEGIB), coordenou todas as reuniões, fóruns e reuniões da
Conferência e promoveu ações no âmbito dos projetos e programas da cooperação
ibero-americana.
Assim, com a presença de 18 líderes, dos 22 (os outros participaram por videoconferência), a nível de
Chefes de Estado e de Governo ou Vice-Presidentes, terminou hoje a XXVII
Cimeira Ibero-Americana, realizada em Andorra com o tema “Inovação para o Desenvolvimento Sustentável – Objetivo 2030” e
enfrentando o desafio do novo coronavírus”.
A abertura dos trabalhos, iniciada pela guarda de um minuto de silêncio por parte dos participantes, em
memória das vítimas da pandemia, foi liderada pelo
Chefe de Estado de Andorra, Xavier Espot, que destacou a importância do multilateralismo
como forma eficaz de enfrentar os desafios globais e vincou:
“Em momentos como este, a Cimeira
Ibero-americana é mais pertinente do que nunca... Este mundo não foi feito para
se caminhar sozinho, este é um mundo feito para caminharmos juntos, e proponho
que caminhemos juntos.”.
Por seu turno, o representante francês em Andorra, Patrick Strzoda, assegurou
que é necessário que os países se unam em torno de objetivos comuns para
alcançarem objetivos e metas globais como a vacinação em massa através de
mecanismos como a “Covax, que permitem a distribuição de vacinas em todo o
mundo".
Joan-Enric Vives, arcebispo espanhol e príncipe coepiscopal de Andorra,
concordou com estas declarações e afirmou que, atualmente, a fraternidade e a cooperação
entre os países são “essenciais para alcançar compromissos e objetivos comuns”.
Entre os desafios globais que podem ser mais bem enfrentados graças ao multilateralismo,
foram referidas as mudanças climáticas, a pandemia de covid-19 e as ameaças
tecnológicas.
O Presidente do Chile, falando dos neuro-direitos como um tema que deve
ocupar a agenda pública atual, disse:
“Convido todos os países
ibero-americanos a anteciparem o futuro e a protegerem hoje, de forma adequada,
não só os dados e informações dos nossos cidadãos, mas também os seus
pensamentos, sentimentos e informações neurais, para evitar que estas possam
ser manipuladas pelas novas tecnologias”.
No encerramento da Cimeira, os participantes concentraram-se na necessidade
das vacinas contra o coronavírus serem distribuídas de forma equitativa em todo
o mundo.
De acordo com a declaração de encerramento da cimeira, os governos pediram “que
o acesso à compra e a distribuição das vacinas contra o coronavírus sejam
universais”, ao mesmo tempo que pediram união de esforços para evitar “a
acumulação da maioria dos lotes e doses de vacinas apenas por parte dos países
ricos”.
Assim, os líderes ibero-americanos
defenderam o fortalecimento do multilateralismo
e acordaram medidas sanitárias, económicas, sociais e meio ambientais para apoiar
a recuperação da Ibero-América diante da crise provocada pela pandemia da
covid-19. Além disso, decidiram que a República Dominicana acolherá a
XXVIII Cimeira Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo em 2022, que
assumirá a Secretaria Pro Tempore.
Em conversa com a Secretária-Geral
Ibero-Americana, Rebeca Grynspan, num dos eventos prévios à cimeira, os Presidentes
do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, da França, Emmanuel Macron, do Chile,
Sebastián Piñera, e da Costa Rica, Carlos Alvarado, e o Primeiro-Ministro de
Portugal, António Costa, instaram a melhorar as capacidades de preparação e
resposta diante de futuras pandemias, “para que ninguém fique para trás”. Os vários líderes apelaram ainda à
solidariedade e à união global para combater a atual crise sanitária, nomeadamente
em relação às vacinas, para que se consiga uma distribuição mais eficaz e
equitativa, com António Costa a criticar as
“guerras nacionais” de vacinas.
E, na sua intervenção no Plenário, o Primeiro-Ministro
português criticou a proibição de exportações e “guerras nacionais” em torno de
vacinas e
defendeu a “importância de se criarem cadeias de valor global de produção”,
criticando, em contraponto, “a tentação de se fecharem fronteiras para se
proibirem exportações”.
O chefe do Governo do país que detém até
junho a presidência do Conselho da União Europeia frisou que “a União Europeia é uma das regiões que nunca
interrompeu a exportação de vacinas e grande parte (senão mesmo a totalidade) das vacinas
disponíveis na Covax (cooperação mundial) foram produzidas aqui
na Europa”. E, neste ponto, António Costa sustentou que
os Estados Unidos e o Reino Unido, entre outros, devem seguir este exemplo,
fornecendo vacinas à Covax.00:00
E, sustentando que “não são admissíveis guerras comerciais com base em
bens essenciais, como são as vacinas”, afirmou que “temos
de ter também um organismo internacional comum de reconhecimento da segurança
das vacinas e que possam ter uma licença global”.
Mais: o Primeiro-Ministro português defendeu que
todas as vacinas que demonstrem eficácia e segurança devem poder entrar no
mercado europeu, independentemente da origem, sublinhando que “assim como o
vírus, as vacinas também não têm nacionalidade”.
Por seu turno, o Presidente da República Portuguesa,
evocando o exemplo de Portugal para defender a união, sublinhou
que, acima de tudo, é preciso haver consenso político, observando que, em Portugal,
“mais de 80% dos deputados dos partidos do Parlamento aceitaram ao longo de
mais de um ano o estado de emergência, os confinamentos e os desconfinamentos”.
E frisou:
“Consenso
político ainda é preciso neste momento e no futuro, porque se trata de uma
questão global e não de uma questão eleitoral, partidária, de um grupo social
ou económico”.
Marcelo deu ainda como exemplo as reuniões do
Infarmed, destacando que, em Portugal, “todos os 15 dias, houve reuniões entre
epidemiologista, sanitaristas, Presidente da República, presidente da
Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Governo, líderes de todos os
partidos parlamentares para discutir e para projetar o futuro face à crise
pandémica”.
O Presidente apelou, em seguida, à solidariedade,
salientando que a questão do combate à pandemia “é de todos”. E defendeu:
“Estamos todos no mesmo barco, ninguém de salva
sozinho. A vacinação é uma prioridade, todos, vacinação universal, global e
igualitária. Só isso permite desenvolvimento sustentável. Sem isso é uma ilusão
acreditar num desenvolvimento sustentável.”.
Porem, sublinhando que a solidariedade entre
todos só se consegue com medidas concretas e considerando essencial que se
comece a “preparar a recuperação e a reconstrução económica e social”, advogou:
“É preciso levar mais longe a solidariedade
no mundo Ibero-Americano. A proposta espanhola e argentina para a cimeira é
importante, porque passa pelo FMI. Assim
como a Europa vai criar inevitavelmente um novo sistema financeiro, é preciso
que o FMI ajude nas sobretaxas, nos desembolsos, nas condições de prazo de
financiamento, nos direitos de saque especial. O FMI tem de ajudar, caso
contrário é mais difícil construir a solidariedade para a reconstrução do
futuro.”.
***
Os Chefes de Estado e de Governo dos países ibero-americanos
reunidos semipresencialmente na XXVII Cimeira Ibero-Americana, a 21 de abril, em
Andorra, aprovaram a Declaração de Andorra, o Compromisso de Andorra sobre
Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, o Programa de Ação e 16
Comunicados Especiais, que especificam itens dos demais documentos.
Os preditos comunicados são sobre: a desertificação; a garantia
do direito à saúde através do acesso equitativo transparente, oportuno e
universal às vacinas na resposta a pandemias e outras emergências sanitárias; a
promoção de uma abordagem multidimensional para medir a transição para o
desenvolvimento sustentável dos países; a questão das Malvinas; a cooperação ibero-americana
para a luta contra o crime organizado transnacional, o tráfico de entorpecentes
e o tráfico de pessoas; o desenvolvimento de iniciativas para a recuperação económica
pós-covid-19; ciência, tecnologia e inovação; alterações climáticas e
meio-ambiente; o alívio da dívida externa e a crise económica; a harmonia com a
natureza; água para a vida; o Instituto Ibero-Americano de Línguas Indígenas (IIALI); pandemias; a comemoração do bicentenário da independência dos
países centro-americanos; energia sustentável; e o acesso ao financiamento externo
para a recuperação da pandemia da covid-19.
***
Como foi referido, o Papa Francisco enviou uma mensagem à Secretária-geral Rebeca Grynspan Mayufis, da Secretaria
Geral Ibero-Americana por ocasião da XXVII Cimeira Ibero-Americana de Chefes de
Estado e de Governo, em que lançou um apelo aos governantes das nações num
“contexto particularmente difícil devido aos terríveis efeitos da pandemia da covid-19
em todos os âmbitos da vida diária”, para que a “a comunidade internacional se
comprometa, unida, num espírito de responsabilidade e fraternidade, a enfrentar
os muitos desafios já existentes e os que virão”. E considerou:
“É preciso uma forte vontade política que tenha a coragem de decidir
mudar as coisas para que não sejam os pobres a pagar o preço mais alto desses
dramas que estão atingindo a nossa família humana”.
O Pontífice
reconhece o sofrimento de todos os que perderam os seus entes queridos,
recordando que a pandemia “não fez distinções e atingiu pessoas de todas as
culturas, credos, estratos sociais e económicos”. Ao mesmo tempo, louvou “o
trabalho árduo dos médicos, enfermeiros, profissionais da saúde, capelães e
voluntários que, nestes momentos difíceis, além de tratar os doentes, com o
risco de suas vidas, têm sido a família e o amigo que lhes faltava”.
Porém, um dos pontos
fundamentais da mensagem foi o apelo à distribuição extensiva das vacinas anticovid,
pelo que escreveu:
“Quero reiterar que a imunização extensiva a
todos deve ser considerada um ‘bem comum universal’, uma noção que requer ações
concretas que inspirem todo o processo de pesquisa, produção e distribuição das
vacinas”.
Sugeriu que,
“nesta área, são particularmente bem-vindas iniciativas que buscam criar novas
formas de solidariedade em nível internacional [...] não baseada em critérios
puramente económicos, mas levando em conta as necessidades de todos,
especialmente os mais vulneráveis e necessitados”. E, a este respeito,
declarou:
“Em várias
ocasiões assinalei que temos de sair melhores desta pandemia, já que a crise
atual é uma ocasião propícia para repensar a relação entre a pessoa e a
economia, que ajude a superar o curto-circuito da morte que vive em todos os
lugares e em todos os momentos”.
E,
recordando que “devemos unir nossas forças para criar um novo horizonte de
expectativas onde o lucro económico não seja o objetivo principal, mas a
proteção da vida humana, considerou urgente encontrar um modelo de recuperação
capaz de gerar soluções novas, mais inclusivas e sustentáveis, visando o bem comum
universal, cumprindo a promessa de Deus para todas as pessoas”.
Francisco
recordou também a questão da dívida externa dos países pobres afirmando que faz
“parte integrante da nossa resposta comum à pandemia” sugerindo a renegociação
para que os países pobres possam sobreviver. Para isso é urgente “tomar
medidas”, afirmou o Papa, para “permitir o acesso ao financiamento externo,
através de uma nova emissão de Direitos Especiais de Saque [...] para que os
fundos possam ser utilizados e todos possam sair da situação atual com melhores
possibilidades de recuperação”.
Por fim, o
Santo Padre afirmou que “nada disso
será possível sem uma forte vontade política que tenha a coragem de decidir
mudar as coisas [...] para que não sejam
os pobres a pagar o preço mais alto desses dramas que estão atingindo nossa
família humana”.
Assinala, pois, mensagem os “enormes sacrifícios de cada nação e dos seus
cidadãos”, convidando toda a comunidade internacional a “comprometer-se, unida,
com espírito de responsabilidade e fraternidade” para enfrentar os próximos
desafios.
O Papa solicita um modelo de recuperação capaz de gerar “soluções novas,
mais inclusivas e sustentáveis”, defendendo uma reforma da “arquitetura” da
dívida internacional, como parte integrante da resposta comum à pandemia, e
precisa:
“A renegociação do peso da dívida dos países
mais necessitados é um gesto que ajudará os povos a desenvolver-se, a ter
acesso a vacinas, saúde, educação e emprego”
***
É importante dar efetiva atenção às pessoas pobres e aos países
subdesenvolvidos fazendo-lhes chegar todos os bens civilizacionais, com
prioridade para aqueles bens que constituem apoios indispensáveis à vida
humana. Isso implica a renúncia por parte de muitos à acumulação, ao supérfluo,
ao conforto, à obesidade da vida de fartura insaciável, à contrafação de bens…
Não lembrava ao diabo que uns tantos enriquecessem à custa da produção de vacinas
ou de equipamentos de proteção pessoal e/ou comunitária ou que se vendesse como
uma das vacinas anticovid líquido para tratamento de rugas de pele ou água destilada
em frasquinhos com o respetivo rótulo da vacina.
Há que parar com a maldade, sobretudo em hora de crise, e ter compaixão dos
pobres que não podem pagar a crise e que não podem esperar.
2021,04.22 –
Louro de Carvalho
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