segunda-feira, 12 de abril de 2021

A febre do uso das esplanadas e do que não é esplanada

 

As normas atinentes às diversas fases de desconfinamento em contexto de pandemia de covid-19, tanto em 2020 como este ano, deram origem a que as esplanadas de cafés e pastelarias pudessem funcionar ainda antes de os estabelecimentos poderem servir no seu interior.

Por isso e para minimizar os prejuízos daqueles estabelecimentos e satisfazer as necessidades de consumo dos clientes, as autarquias foram, em geral, pródigas em autorizar a multiplicação de esplanadas, de que resultou, em muitos casos, empecilho para os transeuntes a pé, os quais têm, para não passarem por cimas das pessoas, de contornar as esplanada servindo-se da rua, com os perigos inerentes a tal usança mercê da circulação rodoviária.

É certo que tantas declarações de estado de emergência com base na verificação de calamidade pública, com eventuais períodos bastante prolongados de confinamento geral, estão a cansar cada vez mais os cidadãos saturados de estar prisioneiros em casa.   

E, se formos a ver em pormenor, a regulação da abertura das esplanadas com uma lotação progressiva do número de pessoas por mesa não tem grande racionalidade, a menos que lhe queiramos aplicar à letra as caraterísticas do desconfinamento: prudência, gradualidade e progressividade – o que dificilmente se justifica neste caso.

Na verdade, com a segunda fase de desconfinamento, a 5 de abril, autorizou-se a abertura das esplanadas com limitação máxima de 4 pessoas por mesa; com a terceira fase, a 19 de abril, autoriza-se a reabertura de restaurantes, cafés e pastelarias, com lotação máxima de 4 pessoas, ou 6 por mesa em esplanadas, até às 22 horas ou 13 horas ao fim de semana e feriado; e, com a quarta fase, a 3 de maio, autoriza-se a reabertura de restaurantes, cafés e pastelarias, com lotação máxima de 6 pessoas ou 10 por mesa em esplanadas, sem limite de horários.

Se é razoável a progressividade de abertura dos estabelecimentos, em vez do limite de lotação das mesas, deveria atentar-se na observância da distância de segurança, na disciplinação do uso da máscara, na etiqueta respiratória e na moderação do tom de voz nas conversas – para evitar a eventual transmissão do SARS CoV 2.  

Creio que muitos dos espaços utilizados como esplanadas não têm condições para funcionar como tal, pois, na verdade, o que são é passeios para trânsito de peões. Ora, como o licenciamento de um estabelecimento de restauração, café ou pastelaria deve ter em conta o espaço físico disponível e não outro, não vejo motivo para alterar ad hoc o licenciamento, sobretudo se causa incómodo a terceiros.   

No entanto, a imprensa tem dado voz aos empresários dos estabelecimentos da restauração, que estão preocupados com o incumprimento por parte de muitos clientes do uso da máscara nas esplanadas pedindo ao Governo e às autoridades de saúde a clarificação das regras para a restauração e para o comércio em geral – nomeadamente a obrigatoriedade de afixação das mesmas à entrada dos estabelecimentos para evitar retrocesso no desconfinamento – e que dizem ser precisas medidas urgentes do Governo para que os clientes que frequentam as esplanadas que abriram no dia 5 de abril respeitem o uso de máscara.

Daniel Serra, presidente da PRO.VAR, Associação Nacional de Restaurantes, em declarações à TSF, defende que, tal como tem afirmado o Primeiro-Ministro, quando um cliente usa uma esplanada, deve manter a máscara posta e só a deve retirar nos momentos em que vai comer e beber. Porém, como refere o empresário, “muito embora muitos estabelecimentos estejam a comunicar, até com avisos, para que os clientes a usem, isso está a ser praticamente totalmente ignorado”.

Assim, a Associação Nacional de Restaurantes pede ao Governo medidas urgentes para evitar que os clientes que usam as esplanadas desrespeitem as regras sobre o uso de máscara, pois tal desrespeito poderá originar recuo no desconfinamento. Disse à Lusa o presidente da PRO.VAR:

Nos últimos dias, observámos o que estava a acontecer. Nós recebemos esta preocupação dos estabelecimentos da restauração e do comércio em geral. Na restauração tem a ver com o uso das máscaras e com o facto de os clientes não estarem a respeitar o pedido, e muitos empresários estão a pedir, que sempre que não estejam a consumir mantenham a máscara colocada. (…) Por isso, pedimos uma clarificação das regras de forma urgente para que se possa evitar um retrocesso no desconfinamento.”.

Segundo Daniel Serra, um terço dos estabelecimentos estão a operar e dois terços aguardam por 19 de abril e por 3 de maio para poderem voltar a normalidade, mas com uma preocupação generalizada: os empresários estão com o coração nas mãos porque não conseguem impor-se e muitos clientes quase de forma inconsciente acabam por incumprir.

Pedem que o comércio em geral e os estabelecimentos da restauração tenham obrigatoriamente uma indicação das regras covid nos estabelecimentos, o que não existe. É mais fácil para o empresário fazer cumprir se estiver afixado. E, em termos de concorrência, se for obrigação que todos têm de cumprir da mesma forma, não há concorrência desleal, mas se uns cumprem, e outros não, as coisas não funcionam.

Segundo Daniel Serra, devem ser afixadas indicações importantes como a lotação, regras básicas do uso da máscara e da desinfeção das mãos. No fundo trata-se de regras básicas. E todos os estabelecimentos devem ser obrigados a comunicar para que seja mais fácil essa implementação e que haja um natural desconfinamento sem qualquer sobressalto, pois tem de haver um equilíbrio entre o controlo da pandemia e a economia. Ninguém quer voltar a uma situação anterior. Com efeito, são 13 meses de enorme dificuldade que o setor está a enfrentar e seria catastrófico voltar a confinar.

No dia 6, após a reunião com 7 autarcas de municípios com maior incidência de casos, António Costa insistiu em que é preciso cuidado no uso das esplanadas e disciplina no desconfinamento.

E referiu que, estando mais do que uma pessoa na mesma mesa – o limite é quatro –, os clientes poderiam tirar a máscara à vez para fazer comer ou beber. E, no dia 1, aquando do anúncio das atividades que iriam abrir no dia 5, segunda fase do desconfinamento, recomendou que se mantenham “todas as cautelas”. “As esplanadas poderão abrir” – disse o Primeiro-Ministro na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros, no qual o executivo decidiu avançar com a segunda fase do plano de desconfinamento, conhecido em 11 de março –, “mas gostaria de recordar que não pode haver grupos com mais de quatro pessoas e que, mesmo na esplanada, devemos manter todas as cautelas”. E acrescentou o governante:

Obviamente, quando estamos a tomar o café, seguramente não estaremos com máscara. Quando permanecemos no café, mesmo ao ar livre, devemos manter a máscara.”.

No âmbito da segunda fase de desconfinamento no contexto da pandemia de covid-19, que arrancou no dia 5, os restaurantes, pastelarias e cafés com esplanada reabriram, mas com grupos limitados a um máximo de 4 pessoas por mesa, encerrando às 22,30 horas de segunda a sexta e às 13 horas ao fim de semana e feriado.

Também as lojas com porta para a rua com menos de 200 metros quadrados deixam de ter de vender só ao postigo e passam a poder ter as suas portas franqueadas ao público, para, de acordo com a rotação e as regras da Direção-Geral da Saúde, poderem fazer atendimento presencial. E reabriram ainda os ginásios, mas sem aulas de grupo.

Além dos abusos notados em festas com aglomeração de pessoas, algumas delas interrompidas pela intervenção das forças de segurança, notam-se acumulações em jardins e parques, para não falar de praias, e sobretudo nas esplanadas. E, como referi no princípio, para lá das acumulações de pessoas que impedem a passagem de transeuntes, as pessoas estão sem distanciamento, sem máscara, falando alto e tendo dificuldade em observar a etiqueta respiratória.  

A este respeito, por exemplo, Paulo Arsénio, presidente da Câmara Municipal de Beja, espera que o incumprimento das regras, verificado em esplanadas na cidade, não se venha a repetir, depois de fotos partilhadas nas redes sociais terem causado polémica. Com efeito, têm surgido, nas redes sociais, fotografias de pessoas, na sua maioria jovens, em esplanadas da cidade de Beja, junto à zona universitária, a não cumprirem as regras de proteção contra a vovid-19.

Questionado pela Rádio Pax sobre esta matéria, o presidente do município sublinhou que “são jovens muito bem informados sobre os riscos” e “as formas de contágio”.

Paulo Arsénio referiu que “existem regras que devem ser cumpridas, também, nas esplanadas, que os proprietários estão a par das mesmas e que as autoridades deverão aplicar contraordenações sempre que considerarem que as regras não estejam a ser cumpridas”.

“Pontualmente têm havido situações em que, aparentemente”, as regras não são cumpridas, disse o autarca, mas considerando que “não se deve ter uma atitude de policiamento mútuo porque todos nós poderemos cometer algum erro ou lapso”. E disse: “Vamos esperar que depois desta febre inicial de desconfinamento e de abertura de esplanadas que estas situações não se repitam”.

Concordo que não devemos armar-nos em polícias uns dos outros. Não obstante, temos de nos aconselhar mutuamente no sentido de se evitar a reversão do desconfinamento.

Não entendo qual a clarificação de regras que a PRO.VAR quer do Governo. Elas são suficientemente claras; falta é cumpri-las. Os empresários não têm força para imporem o seu cumprimento? Não percebo porquê. Os supermercados e os quiosques conseguem. Fazem o que é correto. Expõem as regras sanitárias em lugar de boa visibilidade, bem como os horários, disponibilizam meios de desinfeção das mãos e têm o solo marcado com sinalética orientadora de distanciamento e sentido de deslocação. Em caso de falha, advertem. Não sendo acatada a advertência, avisam as autoridades. Aliás, não é só em esplanada que se infringe a regra do uso da máscara e do distanciamento.

Os empresários de restauração e similares podem fazer o mesmo sem estar à espera do Governo e da autoridade de saúde. Certamente que a associação tem autoridade sobre os seus associados. E as autarquias também podem intervir. Suponho que será ridículo estar à espera que venha a ASAE medir os espaços a fita métrica ou mandar fechar a boca aos utentes de esplanada. O imperativo cívico ainda deve suplantar a necessidade de policiamento. Porém, para grandes males grandes remédios!

Não me conformo, no entanto, com dois itens pela sua irracionalidade: a restrição de funcionamento do quer que seja até às 13 horas em fim de semana e feriado, por originar acumulação desmedida no tempo de funcionamento; e a febre desenfreada do uso de esplanada ou o uso como tal do que não é nem pode ser esplanada.

2021.04.12 – Louro de Carvalho

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