domingo, 11 de abril de 2021

Dar testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus

 

É a grande tarefa dos apóstolos. Eles que foram chamados ao discipulado, receberam de Jesus ressuscitado o mesmo envio que o Senhor recebera do Pai. E, se a alegria de verem o Ressuscitado lhes enche o coração, o envio é construído na paz que Jesus lança sobre eles e impulsionado pelo Espírito Santo que o enviante lhes comunica.

Estavam no Cenáculo de portas trancadas com medo dos judeus, mas o Ressuscitado, se tem força para lhes destrancar as portas, mais força e magia tem para os destrancar do medo.

Assim, quando Tomé se lhes junta, bradam o anúncio: “Vimos o Senhor”: “heôrákamen tòn Kýrion”. (cf Jo 20,19-24).

E Tomé, uma vez mais, se candidata a ser achincalhado injustamente pelos discípulos da história futura: só acredita se vir e se tocar.

Já no capítulo 11 do Evangelho de João, quando Jesus diz aos discípulos que Lázaro morreu, que se alegrava por eles, que não estavam lá, para que viessem a acreditar e que iam ter com ele, Tomé (Dídimo ou Gémeo) ripostou: “Vamos também nós, para morrermos com Ele(cf Jo 11,14-16). Porém, eles ouviram, viram e acreditaram.

No capítulo 14, quando Jesus lhes diz (vd Jo 14,4-7):

Quando Eu tiver partido e vos tiver preparado um lugar, virei de novo e levar-vos-ei comigo, para que onde Eu estou, estejais vós também. E para onde Eu vou, sabeis o caminho.

Tomé objeta:

Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos saber o caminho?”.

E Jesus esclarece:

Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim. Se me conheceis, conhecereis também o meu Pai. E desde já o conheceis e o vistes.”.

Quer dizer que Tomé faz as perguntas e lança os desafios que todos lá nas profundas do seu íntimo estavam a alimentar. Tomé cria o pretexto para mais ensino da parte do Senhor. Também agora na reunião da comunidade dominical repartida pelas tardes do dia da Ressurreição e do Oitavo Dia, Tomé exprime a dúvida e lança o desafio que os outros, inebriados pela surpresa de verem o Senhor e se sentirem, pelo envio, portadores do Espírito que dá o perdão dos pecados, não tiveram a capacidade de expor ao Mestre. E é categórico ao desafiar:

Se não vir nas suas mãos o lugar dos pregos, não meter o meu dedo no lugar dos pregos e não meter a minha mão no seu lado, jamais acreditarei” (Jo 20,25).    

Quando, oito dias depois, o Senhor os surpreende de novo no cenáculo, não deixa que Tomé lance o desafio. Agora o desafio parte de Jesus, um desafio antropagógico:

Traz aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; traz a tua mão e mete-a no meu lado. E não te tornes incrédulo, mas crente.” (Jo 20,27).

Foi a oportunidade de ouro para os discípulos verificarem que o Ressuscitado é o mesmo que fora crucificado e morrera, e não era outro. É Aquele que os tinha desafiado a deixar tudo, tomar cada um a sua cruz e segui-Lo; é Aquele que lhes prometera que ressuscitaria ao terceiro dia.

Por isso, Tomé caiu em si, não precisou de experimentar pondo o dedo ou a mão e legou-nos uma belíssima filigrana de adoração/oração/profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus!(“hô Kýrios moû kaì hô Theós moû”). Contudo, Jesus apela ao mecanismo privilegiado da fé: “Porque me viste, acreditaste! Felizes os que não viram e acreditaram!”. (cf Jo 25-29) Na verdade, a fé é dom de Deus e a forma usual de ela chegar a nós é pela tradição, pelo ouvido. “A fé vem da escuta(Rm 10,17: “hê pístis ex akoês”).

Assim, não é legítimo olhar para Tomé como o cético, mas como o que procura, adora e crê.

***

Com o dinamismo apostólico espelhado nesta cena evangélica e respaldado por ela, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus com grande poder
e gozavam todos de grande simpatia” e a comunidade cristã de Jerusalém “tinha um só coração e uma só alma, ninguém chamando seu ao que lhe pertencia, mas sendo comum tudo entre eles”. Por consequência, “não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos Apóstolos; e distribuía-se a cada um conforme a sua necessidade”. (cf At 4,32-35).

É esta a vida, é este o estilo da comunidade nascida do Espírito Santo, o dom de Deus, e do testemunho dos apóstolos cuja missão é a anunciar, promover e facilitar a concessão e o recebimento do perdão dos pecados, que é o núcleo da missão messiânica.

É uma comunidade constituída por elementos muito diversos que abraçaram a mesma fé, sendo esta fé a adesão orante e atuante ao Senhor ressuscitado e ao seu projeto de vida e doutrina. Para todos e cada um dos membros da comunidade eclesial, o Senhor, que é Jesus Cristo, é a referência fundamental que a todos cimenta num estilo de vida comum.

É a comunidade unida, onde os crentes têm “um só coração e uma só alma”. Efetivamente, da adesão a Jesus Cristo resulta necessariamente a comunhão e união de todos os “irmãos”. A comunidade de Jesus não pode ser um espaço onde cada um puxa para o seu lado, preocupado em defender os seus interesses, mas tem de ser um espaço onde todos caminham na mesma direção, ajudando-se, partilhando os mesmos valores e ideais, formando uma verdadeira família de irmãos que vivem no e do amor.

É a comunidade de partilha os bens. Com efeito, da comunhão com Cristo resulta a comunhão dos cristãos entre si, o que tem implicações práticas. Concretamente, postula a renúncia a qualquer tipo de egoísmo, autossuficiência e fechamento em si próprio e requer a abertura de coração para a partilha, o dom, o amor – que tem expressão concreta na comunhão dos bens: “ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum” e “distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade”, de modo que “não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos apóstolos”. De facto, num mundo onde a realização e o êxito se medem pelos bens acumulados e que não entende a partilha e o dom, a comunidade eclesial é convocada para dar o exemplo de uma lógica diferente e propor uma mundo que se baseie nos valores de Deus. Isto não é comunismo, mas cristianismo (advertiu o Papa neste dia).

É a comunidade que dá testemunho: “os apóstolos davam testemunho da ressurreição de Jesus com grande poder”. E os gestos dos apóstolos infundiam em todos quantos os testemunhavam a inegável certeza da presença de Deus e dos seus dinamismos de salvação. E esse testemunho apostólico da Ressurreição contagiava todos os crentes, que se consideravam santos, filhos da ressurreição, irmãos de Jesus e irmãos entre si. Os que têm a honra do altar saem desta massa.     

A primitiva comunidade cristã é verdadeiramente uma comunidade de homens e mulheres novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena. A fé dos discípulos, a sua união e, sobretudo, a ilógica e absurda partilha dos bens eram a prova provada de que Jesus Cristo está vivo e a atuar no mundo, oferecendo aos homens um mundo novo. Os habitantes de Jerusalém não viam Cristo ressuscitado, mas podiam ver a espantosa transformação operada no coração dos discípulos, capazes de superar o egoísmo, o orgulho e a autossuficiência e de viver no amor, na partilha, no dom. Na verdade, viver de acordo com os valores de Jesus é a melhor forma de anunciar e de testemunhar que Ele está vivo.

Todavia, não nos iludamos. A comunidade cristã de Jerusalém não era, de facto, a comunidade ideal. Outros textos dos Atos dos Apóstolos falam de tensões e problemas – como sucede com qualquer comunidade humana –, mas a descrição de Lucas aponta para a meta a que toda a comunidade cristã aspira, confiada na força do Espírito. A partir de Jerusalém, faz-se a descrição prospética da comunidade ideal, que sirva de modelo à Igreja em todas as épocas.

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Também a passagem da 1.ª Carta de João, tomada para 2.ª leitura do II Domingo da Páscoa (1Jo 5,1-6), nos elucida sobre o testemunho discipular e apostólico complementando João e Atos.

Antes de mais, os verdadeiros crentes são os que amam a Deus e a Jesus Cristo, o Filho que nasceu de Deus. Jesus de Nazaré é, ao contrário do que diziam os hereges, Filho de Deus desde a encarnação e durante toda a sua existência terrena. A sua paixão e morte fazem parte do plano salvador de Deus: Jesus veio apresentar aos homens um plano de salvação, “não só pela água, mas com a água e o sangue”. Todavia, amar a Deus não pode configurar uma atitude platónica ou apolínea, mas implica a observância ou a guarda dos mandamentos.

Observar os mandamentos não significa escrevê-los num papel e olhar para eles; e guardá-los não é, como alertava o Padre Marcelino Caldeira na festa da Senhora da Boa Nova, do Alandroal, escrevê-los num papel e conservá-los numa gaveta. Implica, antes, a sua prática. Aliás, o referido sacerdote manifestou o seu repúdio pelas distinção entre cristãos ou católicos praticantes e não praticantes. Ou se é ou não se é. E dava o exemplo: uma cozinheira de restaurante, se deixar de ser praticante, será despedida. Não será despedida, por exemplo, se estiver doente ou envelhecer, porque tais circunstâncias não lhe retiram o estatuto. 

Cumprir os mandamentos é a obrigação de quem ama. Quem ama alguém, procura realizar as obras que agradem àquele a quem ama. Assim, não se pode dizer que se ama a Deus se não se cumprem os mandamentos. E o grande mandamento de Deus é o amor aos irmãos. Quem não ama os irmãos, não pode pretender amar a Deus e fazer parte da família de Deus.

Mais: quando amamos a Deus, acreditamos que Jesus é o Filho de Deus, vivemos de acordo com os mandamentos de Deus, vencemos o mundo e temos a vida de homens e mulheres novos.

Esta vida nova que Jesus veio oferecer chega-nos pela “água” (o Batismo implica adesão a Cristo e à sua proposta) e pelo “sangue” (vida de Jesus fez-se dom na cruz por amor). E o Espírito Santo testemunha, atesta e valida a verdade da proposta trazida por Jesus Cristo, por mandato do Pai.

Quando respondemos positivamente ao desafio que Deus nos faz, oferecemos a vida como dom de amor aos irmãos, a exemplo de Cristo, cumprimos os mandamentos de Deus, vencemos o mundo e tornamo-nos filhos de Deus e membros da família de Deus. Enfim, tornamo-nos testemunhas da Ressurreição do Senhor Jesus e somos corressuscitados.

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Este é o oitavo dia da Páscoa, em que os recém-batizados ou neófitos depunham a veste branca e partiam revestidos do poder e da força do Ressuscitado para dar testemunho e cumprir os mandamentos; é o domingo da misericórdia, pois, na sua imensa bondade, o Senhor revelou a Tomé e aos demais a profundeza e a viveza das chagas, que se tornaram mananciais de vida e vigor para os crentes e amparo para os desvalidos ou a força da infinita misericórdia de Deus. 

2021.04.11 – Louro de Carvalho

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