sábado, 3 de abril de 2021

Sábado Santo, o Dia do Silêncio, a Hora da Mãe

A todos e todas, familiares, amigos e amigas, conhecidos e conhecidas que se têm cruzado comigo nos caminhos da vida desejo uma Páscoa feliz e com muita saúde. E a quem acredita em Jesus Cristo, o Senhor da Páscoa nova, uma Páscoa santa, santificada e santificadora!

Como dizia o Papa Francisco na catequese do passado dia 31 de março, o Sábado Santo é o dia do silêncio. Com efeito, com a Morte de Cristo e em torno da sua sepultura, paira sobre toda a Terra o grande silêncio, silêncio que vivem no pranto e na perplexidade os primeiros discípulos, sacudidos e perturbados pela morte ignominiosa de Jesus.

E, enquanto a Vida está no sepulcro e o Verbo está em silêncio, aqueles que têm esperança n’Ele estão à prova, “sentem-se órfãos, talvez até órfãos de Deus”.

Também Maria, a Mãe, vive este dia no pranto, mas o seu coração está cheio de fé, palpitante de esperança, cheio de amor. A Mãe seguiu o Filho pelo caminho doloroso e permaneceu ao pé da cruz com a alma trespassada pela dor. Não obstante, quando tudo parece ter acabado, Ela vela e vigia na expectativa do cumprimento da promessa de Deus que ressuscita os mortos.

Assim, na hora mais obscura do mundo, a Senhora do Pranto e das Dores tornou-Se a Mãe dos crentes, a Mãe da Igreja e o grande sinal de esperança. O seu testemunho e a sua intercessão amparam-nos quando o peso da cruz se torna demasiado árduo para cada um de nós.

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Neste dia, muitos cristãos fazem com especial devoção a “Via Matris”, versão da “Via Crucis” baseada nas 7 Dores de Nossa Senhora. Na verdade, segundo antiga e popular tradição, a Virgem Maria, após a ascensão de Jesus, visitava todos os dias os lugares da Paixão, Morte e Ressurreição. E muitas outras tradições populares também recordam a presença fiel de Maria no seguimento de Jesus enquanto Ele carregava a Cruz para o Calvário. De facto, Nossa Senhora foi a primeira a acompanhá-Lo na Paixão, oferecendo o exemplo de compaixão que os cristãos procuraram imitar ao longo dos séculos. Por isso, os franciscanos popularizaram a prática de repassar o caminho de Jesus na Sexta-Feira Santa mediante as Estações da Cruz, que formam a “Via Crucis (“caminho da Cruz”, em latim) ou “Via Sacra (“caminho sagrado”).

E desenvolveu-se outra forma de repassar o trajeto: pelo filial acompanhamento de Maria no seu sofrimento oferecido com fé, esperança e amor. Trata-se da “Via Matris Dolorosae (“Caminho da Mãe Dolorosa”) ou simplesmente “Via Matris(“Caminho da Mãe”), que foca as Sete Dores de Maria – vividas não só ante a crucificação de Jesus, mas ao longo de toda a sua vida.

As religiosas da congregação de Nossa Senhora das Dores comentam o piedoso exercício da Via Matris, inspirado na Via Crucis, que se desenvolveu e foi posteriormente aprovado pela Sé Apostólica, um exercício piedoso que já existia de forma embrionária desde o século XVI, embora a sua forma presente venha do século XIX”.

Eis as Sete Dores de Maria, que marcam a meditação e contemplação da Via Matris Dolorosae:

1.ª – A profecia de Simeão. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: “Este menino está destinado a ser ocasião de queda e elevação de muitos em Israel e sinal de contradição. Quanto a ti, uma espada te trespassará a alma (Lc 2,34-35).

2.ª – A fuga para o Egito. O anjo apareceu em sonho a José e disse: “Levanta-te, toma o menino e a mãe, foge para o Egito e fica lá até que te avise, pois Herodes vai procurar o menino para o matar”. Levantando-se, José tomou o menino e a mãe e partiu para o Egito (Mt 2,13-14).

3.ª – Maria procura aflita o Menino Jesus perdido no templo em Jerusalém. Acabada a festa da Páscoa, quando voltaram, Jesus ficou em Jerusalém, sem que os pais o percebessem. Pensando que estivesse na caravana, andaram o caminho de um dia e procuraram-No entre parentes e conhecidos. E, não O achando, voltaram a Jerusalém à procura d’Ele (Lc 2,43b-45).

4.ª – Jesus encontra a Sua Mãe no caminho do Calvário. Conduzindo Jesus, lançaram mão de Simão de Cirene, que vinha do campo, e encarregaram-no de levar a cruz atrás de Jesus. Seguia-O grande multidão de povo e mulheres que batiam no peito e O lamentavam (Lc 23,26-27).

5.ª – Maria ao pé da Cruz de Jesus. Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Vendo a Mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse Jesus à mãe: “Mulher, eis aí o teu filho!”. Depois disse ao discípulo: “Eis aí a tua Mãe!(Jo 19,15-27a).

6.ª – Maria recebe Jesus descido da Cruz. Chegada a tarde, porque era o dia da Preparação, isto é, a véspera de sábado, veio José de Arimateia, entrou decidido na casa de Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Pilatos, então, deu o cadáver a José, que retirou o corpo da cruz (Mc 15,42).

7.ª – Maria deposita Jesus no Sepulcro. Os discípulos tiraram o corpo de Jesus e envolveram-no em faixas de linho com aromas, conforme é o costume de sepultar dos judeus. Havia perto do local, onde fora crucificado, um jardim e, no jardim, um sepulcro novo onde ninguém ainda fora depositado. Foi ali que puseram Jesus (Jo 19,40-42a).

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Desde os primeiros séculos da era cristã, existe, neste dia dito alitúrgico, uma liturgia própria do Sábado Santo que acompanha Maria na espera e se une a Ela neste dia de silêncio, uma celebração de rito oriental, também acolhida no rito latino, que se chama a Hora da Mãe.

A Hora da Mãe é uma antiga liturgia, que passou a ser recitada na manhã do Sábado Santo desde 1987, Ano Mariano, na Basílica de Santa Maria Maior, onde foi oficiada pela primeira vez – século IX – pelos Santos Cirilo e Metódio, apóstolos dos eslavos. A celebração alterna salmos, leituras e orações rítmicas breves, os assim chamados tropários da liturgia bizantina.

Mas a celebração não é realizada apenas na arquibasílica maior: o favor de que goza estendeu-a a outros lugares e pode ser recitada na casa de cada família. Foi celebrada na Basílica de São Pedro, por duas vezes, a pedido do Papa São João Paulo II e, ainda hoje, o é em outras igrejas. Esta tradição é alimentada pelo Padre Ermanno Toniolo, da Ordem dos Servos de Maria, diretor do Centro para a Cultura Mariana de Roma e professor emérito da Pontifícia Faculdade Teológica “Marianum”.

Nascida em ambiente bizantino, a Hora da Mãe torna-se elo vivo entre o Oriente e o Ocidente.

Este ano, como em 2020, devido às restrições impostas para a contenção da pandemia por covid-19, a Hora da Mãe, oficiada pelo arcipreste cardeal Stanislav Rylko, titular da Basílica de Santa Maria Maior, não pôde ser celebrada em público, mas os fiéis são convidados a reproduzir este esplêndido rito em suas casas ante uma imagem de Nossa Senhora. Iluminada por uma lamparina ou uma vela, desde que não pascal – como relata o livrinho da celebração mariana editado pelo Padre Toniolo – torna-se um momento de comunhão familiar.

Nenhuma dor é maior que a da mãe que perde o filho. É certo que Maria sabia o que iria acontecer e aprendeu a aceitá-lo durante toda a vida, desde o primeiro ‘sim’ da Anunciação. Mas isso não diminui a dor.

Ela vê tudo a cumprir-se sob seus olhos, com a certeza da fé de que o seu filho é Deus, mas vê-O sofrer como qualquer outro homem, submetido a terríveis torturas e humilhações e condenado à morte. A Virgem reconhece aquela dor que Simeão lhe previra: “Uma espada transpassará a tua alma(Lc 2,35). Citando Paulo na Carta aos Romanos (4,18), a respeito de Abraão, o Padre Toniolo escreve que Maria “acreditou contra toda a evidência, esperou contra toda a esperança”.

Sob a Cruz, Maria pronuncia mais uma vez, no silêncio do coração – o seu incondicional “sim”. A sua dor não é desesperada, mas é insuportável, porque é a mais pura dor da mãe. Transcorre o sábado, aquele dia interminável, à espera de que tudo aconteça. E esta força de fé, esta esperança segura, este impulso amoroso não poderiam aliviar sua dor. Ela teve de testemunhar a agonia e a morte do Filho. Segurou-O pela última vez nos braços antes de O deixar a fim de ser levado para a sepultura. Teve de aceitar o desapego e o vazio que se abateu sobre ela.

É impossível compreender quantos pensamentos “Ela guardava em seu coração” (Lc 2,51) no meio do clamor das lamentações das piedosas mulheres e entre os Apóstolos perdidos. Sozinha, mas não na solidão e no abandono: Cristo, antes de morrer, pensou na sua Mãe e em todos os homens. Antes de morrer, do Cruz confiou a sua Mãe a João:

“Então Jesus, vendo sua mãe e o discípulo que ele amava ao lado dela, disse à sua mãe: ‘Mulher, eis aí o teu filho!’ Depois disse ao discípulo: ‘Eis aí a tua mãe!’. E dessa hora em diante o discípulo a recebeu como sua mãe.” (Jo 19,26-27).

Assim, toda a Igreja se reúne em torno daquela que Se torna ponte entre o Filho e a humanidade, entre a morte e a vida, à espera da Ressurreição. Se a Sexta-feira Santa é a hora de Cristo, morto na Cruz, o Sábado Santo é a Hora da Mãe.

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Porém, este dia de silêncio e trevas fará irromper os brados alegria e o esplendor da luz com os ritos da Vigília pascal e, pela noite fora, ressoará nos templos e nas casas o jubiloso canto do Aleluia, o canto de louvor a Deus que cria e recria o mundo. O grande encontro de fé com Cristo ressuscitado e a enorme alegria pascal continuarão ao longo dos cinquenta dias que se seguem, até à vinda do Espírito Santo, pois “Aquele que foi crucificado ressuscitou!”. E esta jubilosa revelação dissipa todas as interrogações e incertezas, hesitações e receios. O Ressuscitado dá-nos a certeza de que o bem triunfa sobre o mal, que a vida vence a morte e que o nosso fim não é descer cada vez mais, de tristeza em tristeza, mas é subir às alturas e, como a águia, instar com os filhos a que voem para o alto. E constitui-nos testemunhas e arautos deste indizível mistério.  

O Ressuscitado é a confirmação de que Jesus tem razão em tudo: em prometer-nos a vida para lá da morte e o perdão para lá dos pecados. Os discípulos duvidaram e foram lentos e tardos em acreditar. A primeira que acreditou e viu foi Maria Madalena, a apóstola da ressurreição, que foi dizer-lhes que tinha visto Jesus, que a tinha chamado pelo seu nome. E depois, todos os discípulos O viram. Mas antes os guardas, os soldados, que estavam no sepulcro para impedir que os discípulos fossem e levassem o corpo, viram-no: viram-no vivo e ressuscitado.

Os inimigos viram-no e depois fingiram que não o tinham visto. Isto, porque lhes deram dinheiro para isso. Este é o verdadeiro mistério do que Jesus disse um dia: “Há dois senhores no mundo, dois, não há outros: dois. Deus e o dinheiro. Quem serve o dinheiro está contra Deus”. Aqui foi o dinheiro que mudou a realidade. Tinham visto a maravilha da ressurreição, mas foram pagos para se calarem. Mas aos apóstolos não se dá dinheiro para falarem, deu-se-lhes o Espírito Santo, o dom de Deus, e basta.

Tantas vezes se deu dinheiro a homens e mulheres cristãos para não reconhecerem a ressurreição de Cristo, e não fazerem o que Ele nos pediu que fizéssemos, como cristãos!

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Dia de Silêncio, Dia da Mãe, dia de conversão ao testemunho da Ressurreição prometida…

2021.04.03 – Louro de Carvalho

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