quarta-feira, 14 de abril de 2021

Portugueses que recusaram o trono, a coroa e o cetro de outros reinos

 

O rei Dom Luís não quis ser monarca de Espanha e fez questão de o deixar bem claro tanto ao Conselho de Ministros, presidido pelo duque de Loulé, como ao povo português. Dois dias depois de a sua carta dita patriótica ter saído no Diário do Governo, foi a vez da publicação no Diário de Notícias (DN), jornal que então contava apenas cinco anos, mas era já dos mais populares, servindo a Casa Real para desmentir o boato de que iria haver abdicação: “Nasci português, português quero morrer”, lia-se, da parte de Dom Luís, na primeira página do DN, de 28 de setembro de 1869.

A 4.ª Dinastia, conhecida como a dinastia de Bragança, começou com Dom João IV, “o Restaurador”. Sucedeu à dinastia filipina ou espanhola que reinou em Portugal de 1580 a 1640, ano em que o filho de Dom Teodósio II, 7.º Duque de Bragança, e de Dona Ana de Velasco, instado por um punhado de fidalgos e pela esposa, da Casa Ducal de Medina-Sidónia, devolveu o reino de Portugal aos portugueses, tirando-o das mãos espanholas, e reinou de 1640 a 1656.

Da união de Dom João IV com Dona Luísa Francisca de Gusmão e Sandoval nasceu o seu sucessor, Dom Afonso VI (o sucessor seria o príncipe Teodósio, o primogénito, que morreu entretanto). Sucederam-se diversos reis até Dom Luís (não faz sentido chamar-lhe o primeiro, pois não houve mais nenhum rei com este nome), filho de Dona Maria II e de Dom Fernando II de Saxe Coburgo-Gotha.

Aquele que veio a ficar conhecido pelo cognome de “o Popular” nasceu a 31 outubro de 1838, em Lisboa e, por causa da morte inesperada do seu irmão, o Rei Dom Pedro V reinou entre 1861 e 1889. Da união entre Dom Luís e Dona Maria Pia de Saboia, nasceu Dom Carlos, “o Diplomata” ou “o Martirizado(foi assassinado a 1 de fevereiro de 1908, na Praça do Comércio, em Lisboa).

Dom Luís faleceu no dia 19 de outubro de 1889, em Lisboa. Ao longo do seu reinado, teve diversas decisões bem acolhidas pelo povo, por isso ficou conhecido como “o Popular”. No entanto, há uma que se destaca, precisamente a recusa da coroa de Espanha, com a justificação que fez publicar quer no Diário do Governo quer no DN, a qual revela a inquebrantável lealdade do monarca à nação.

Existem diferentes interpretações para essa decisão. Terá o rei Dom Luís agido por puro patriotismo ou por real pragmatismo? Talvez um misto das duas coisas.

Depois da chamada Gloriosa Revolução de 1868, Espanha vivia um contexto instável.

A vida política e os confrontos entre conservadores e liberais tinham levado a que Espanha demorasse mais tempo do que Portugal a pacificar-se. O contexto delicado prolongou-se pela segunda metade do século XIX.

Aquela que ficou conhecida como a Revolução Gloriosa levou ao afastamento de Isabel II pelos liberais. A rainha era muito questionada moralmente por via das conhecidas traições sucessivas ao marido, que não se importava com o comportamento da mulher.

Por morte de Dom Pedro V, o irmão Dom Luís subiu ao trono em 1861. Se aceitasse a coroa espanhola, teria de abdicar da portuguesa para Dom Carlos, o filho com apenas 6 anos, ficando Dom Fernando II como regente. Restaurar-se-ia a União Ibérica, que teria, à época, mais apoio que nunca. Mas em Portugal o iberismo fora sempre minoritário. Tendo Dom Luís recusado a coroa espanhola, a perspetiva da União Ibérica perdeu-se. E o rei português justificou:

 O meu posto de honra é ao lado da nação. Hei de cumprir os deveres que o amor das instituições e a lealdade à pátria me impõem. Nasci português, português quero morrer.”.

Dom Luís reinou até 1889 (mais de 20 anos), sendo sucedido por Dom Carlos, que assumiu a coroa com 26 anos.

Dom Luís recusou e o trono espanhol teve outro destinatário. Depois de anos de grande instabilidade, a coroa foi parar ao irmão da nossa Dona Maria Pia, sendo colocada na cabeça de Amadeu de Saboia. O rei espanhol era, assim, cunhado do monarca português e tinha apenas três anos. Maria Cristina, mãe de Amadeu de Saboia, ficou como regente.

Amadeu foi rei apenas três anos, pois os setores mais conservadores espanhóis nunca aceitaram o filho de Vítor Emmanuel II, o unificador de Itália, um rei excomungado por ter anexado a maior parte dos territórios papais.

Com a regência, o rei estrangeiro eleito no parlamento e uma república, o trono espanhol foi finalmente oferecido a Afonso XII, filho de Isabel II, dando-se assim a restauração Bourbon.

Dom Luís não foi o único a rejeitar a coroa espanhola. Dom Fernando II, viúvo de Dona Maria II, rejeitou a mesma oportunidade, depois de ter sido sondado para o trono espanhol, optando pela vida pacata entre Lisboa e Sintra.

Dom Fernando II, que mandou edificar o Palácio da Pena, já antes, em 1862, tinha recusado o reino da Grécia, que lhe fora oferecido por via da revolta do povo contra o rei Oto I.

Entretanto, Dom Fernando II perdeu-se de encantos por uma cantora de ópera e mãe solteira. Casou-se no verão de 1869, em segundas núpcias, com a suíça Elise Hensler, que dias antes se tornara condessa de Edla e a quem viria a deixar como herança o Palácio da Pena, cuja construção foi da sua inteira responsabilidade, sendo entregue ao engenheiro alemão Wilhelm von Eschwege, que realizou projeto.

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O recurso ao pedido de empréstimo de reis estrangeiros tem uma explicação histórica nos tempos da modernidade e da contemporaneidade.

Com a divisão do Império Romano, em 395 d.C., a Grécia, integrada no Império Romano do Oriente, começou a ser flagelada pelas investidas de inúmeros povos bárbaros, nomeadamente as hordas hunas. Tais arremetidas bárbaras devastam a Hélada e mergulham-na na miséria.

Por seu turno, em troca de apoio na luta contra os bárbaros, a república de Veneza, detentora de portentosa Marinha, recebe diversas bases comerciais que expande depois. Com as cruzadas junta-se nova variável: os senhores francos passam a governar pequenos reinos na Península grega, constituída por mais de 2.000 ilhas, dividindo com Veneza o território helénico, que só aparentemente se encontrava sob suserania bizantina.  

Entretanto, começa a expansão do Império Otomano que culmina com a queda de Bizâncio (ou Constantinopla), em 1453, e de Atenas, em 1456. A 28 de maio de 1453, tomada Constantinopla pelo Império Otomano, cai o Império Romano do Oriente, que incluía as regiões da Hélada que seriam conquistadas uma após outra, muito por ação da frota do pirata Barba Roxa, futuro almirante da armada turca. Nunca, porém, os gregos se adaptaram à dominação turca que os reduzira à escravidão e, desde o início, lutaram pela sua independência, mas não por uma nação grega, pois não tinham esse conceito de nação. Após cerca de 400 anos de domínio opressivo, nas últimas décadas do século XVIII, a Czarina da Rússia, Catarina a Grande promoveu a causa dos gregos que, tal como os russos, eram cristãos ortodoxos. Apesar da recusa dos países ocidentais em colaborar com as insurreições das antigas províncias do Império Bizantino contra o Império Otomano, começaram a nascer, na região dos Balcãs, os primeiros eivos de liberdade.

Porém, o que mais contribuiu para a libertação da Grécia foi o movimento cultural que defendia o renascimento do clássico grego e, a partir desse movimento, diversos europeus fizeram eco das aspirações gregas. A Sociedade Filomusa, em Viena, era apoiada, entre outros, pelo Czar Russo e pelo Rei da Baviera. Todavia, o momento crucial para as aspirações gregas foi a visita à Grécia do poeta romântico britânico George Gordon Byron, 6.º Barão Byron, conhecido por Lord Byron. O poeta, que tivera educação refinadamente clássica, simpatizou de imediato com a causa grega, tornou-se seu encomiasta e granjeou para a causa muitos outros aristocratas europeus, que se voluntariaram espontaneamente para combater ao lado dos cristãos orientais.

É desta época o fascínio por tudo o que era grego. E a opinião pública deixou-se convencer pela propaganda de Byron e pelas antiguidades clássicas gregas que enchiam os museus ingleses e franceses. Em abril de 1824, dá-se o acontecimento decisivo para a libertação da Grécia: a morte de Lord Byron em Messolóngi – que acabaria por cair nas mãos dos turcos. Consternada, a opinião pública pressionou as potências ocidentais a intervir. E as armadas inglesa, russa e francesa, destruíram a esquadra turca em outubro de 1827, em Navarino, preparando a rota da independência. Em 1829, pelo Tratado de Adrianópolis, a Grécia conquistou a sua autonomia.

Vislumbrava-se o Conde Capo D’Istria como o líder da nova Grécia, mas o seu assassinato levou as potências europeias a aplicar o regime de monarquia à recém-criada nação.

Contudo, não havia casas principescas, reais ou imperiais nativas nos países balcânicos. As Dinastias imperiais Comnenus e Paleólogo, que reinaram em Constantinopla, extinguiram-se cerca de 400 anos antes. A Grécia, um dos novos países que surgiram das insurreições que perduraram por todo o século XIX, procurou um príncipe estrangeiro para ocupar o trono.

Os gregos enviaram delegados a El-Rei Dom João VI de Portugal a propor que o seu filho mais velho, Dom Pedro, Duque de Bragança, se tornasse o primeiro Rei da Grécia, pois a Casa de Bragança era um ramo português da Dinastia Capetíngea. Efetivamente o Conde Dom Henrique de Borgonha, pai do Rei Dom Afonso Henriques, de Portugal, era bisneto de Roberto II Capeto, Rei de França, e sobrinho-neto de Hugo, abade de Cluny, e como tal descendente dos Imperadores romanos da Dinastia Comnenus e Paleólogo – a última Dinastia bizantina dos Palatinos – que, por intermédio de Miguel Paleólogo, se apoderaram do poder imperial de Bizâncio e que com eles conheceu novo período de esplendor até à queda de Constantinopla e do Império em 1453. Para o Reino, a proposta era aliciante, pois o príncipe era afastado do Brasil o que impediria a independência e ia, como primogénito, na senda do prescrito nas leis fundamentais e sancionado pelos nossos antigos usos e costumes, reinar em nação estrangeira.

Contudo, o convite dos gregos com a oferta do trono helénico chegou a Dom Pedro imediatamente após os eventos do Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822. Dom Pedro pronunciou a frase histórica: Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico!”. Tal postura tem a seguinte consequência:

O príncipe regente, porém, não traiu a confiança nele depositada pela nação brasileira, que o aclamaria seu Defensor Perpétuo. Amando verdadeiramente o povo da pátria que o viu nascer e tendo a intuição profunda da missão histórica que lhe seria dado desempenhar na terra bárbara e selvagem do Novo Continente, resistiu à vaidade de ostentar em sua fronte o diadema da pátria de Homero e de Péricles. E, assim, o Príncipe Dom Pedro, primeiro imperador do Brasil, recusou a coroa dessa Grécia imortal, berço maior da cultura humana.”.

Com a declinação da coroa grega por parte de Dom Pedro, os gregos optaram em 1832 pelo Príncipe Otto da Casa de Wittelsbach como seu Rei.

Mas a história grega que se relaciona com Portugal tem novo desenvolvimento. Ainda no século XIX, mais precisamente em 1862, quando os gregos se revoltam contra o seu rei, Oto I, e o depõem, oferecem o trono grego, desta feita, ao rei de Portugal Dom Luís, que recusa ante a enormíssima tarefa que seria reinar em duas nações tão díspares e distantes uma da outra. Face à negativa, os gregos não esquecem Portugal e viram-se para o antigo rei consorte Dom Fernando II, viúvo da Rainha Dona Maria II, nascido Príncipe Ferdinand August von Sachsen-Coburg-Gotha-Koháry, também Capeto e Paleólogo, que recusa o trono da Hélada. Então, os gregos escolhem para seu rei Jorge, Príncipe da Dinamarca, da Casa de Schleswig-Holstein-Sonderburg-Glücksburg, ramo principal da Dinastia de Oldemburg para ocupar o trono.

Em setembro de 1868, após controverso reinado, a revolução liderada por Juan Prim depõe e expulsa a Rainha Isabel II de Espanha e toda a família real. E o governo provisório empossado em 1869, não desejando implantar uma República oferece a coroa espanhola a Dom Luís, numa tentativa de União Ibérica, mas que ia contra os ensejos do jovem monarca e dos portugueses. Prim vira-se então para Dom Fernando II destacando como enviado especial Ángel de Los Ryos, famoso jornalista castelhano, portador de uma missiva secreta. Então, com 49 anos, Dom Fernando II estava plenamente apto para suportar o peso de uma coroa, mas a hipótese, mesmo que remota de uma guerra entre as duas nações ou uma nova guerra civil entre partidários de uma União Ibérica e a maioria dos que o encarariam como traição e rejeitavam veementemente qualquer hipótese de agregação dos dois reinos, leva a que Dom Fernando a rejeitar a oferta. ‘Non hay nada más difícil que hacer un Rey’, exclamaria Prim.

Mais tarde, depois do casamento morganático de Dom Fernando com a antiga cantora lírica suíço-americana Elise Hensler, feita Condessa de Edla por outorga de Ernst II, Duque reinante de Saxe-Coburgo-Gotha, e os anticorpos da corte à novel aristocrata, levam Prim a voltar à carga por intermédio do mesmo de Los Ryos, agora embaixador espanhol em Lisboa. Dom Fernando dá nova negativa ao trono espanhol e a Prim. E, desta feita, Dom Fernando propõe como candidato ao trono vacante do Reino de Espanha o seu primo, Príncipe Leopoldo de Hoenzollern-Sigmaringen, marido da Infanta Dona Antónia de Portugal. Perfila-se uma portuguesa para rainha consorte de Espanha. Porém, a sugestão é rejeitada e, como Dom Fernando temia, tal pretensão desemboca, em 1870, na guerra franco-prussiana. Era isto que, Dom Luís e, depois Dom Fernando II queriam, com as suas recusas, evitar para Portugal.

Todavia, o desfecho da história não perde, embora ténue, uma ligação a Portugal: o trono de Espanha acaba por ser ocupado pelo Príncipe Amadeu de Saboia, irmão da nossa rainha Maria Pia, consorte de El-Rei Dom Luís, de Portugal.

***

Eram tempos em que não havia sensibilidade para o teor estipulado no art.º 122.º da nossa CRP, relativo à elegibilidade para a chefatura do Estado: “São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos”. O poder era teoricamente vitalício, podendo ser interrompido ou mesmo retirado por uma revolta que redundaria, na menos má das hipóteses, no exílio do monarca e da família real.

Também não havia as estruturas supranacionais, como a ONU ou a UE, onde tantos e tantas aspiram a um lugar de relevo para satisfação da ambição pessoal, política e até económica.  

2021.04.14 – Louro de Carvalho

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