Celebra-se, no último dia de fevereiro (este ano, o dia 29) e desde 2008, em mais de 80 países, o Dia Mundial das Doenças Raras, com o objetivo de divulgar a existência destas
doenças e despertar na sociedade um olhar de igualdade, inclusão e empatia para
os raros, que lutam pela vida num contexto ainda marcado pela falta de
informação e pelo preconceito.
No mundo
cerca de 8% da população tem algum dos 6 a 8 mil tipos de doenças consideradas
raras em todo o mundo, entre enfermidades de origem genética e não genética –
diz Regina Próspero, vice-presidente do Instituto Vidas Raras do Brasil, que
explica:
“Acreditamos que o diagnóstico precoce seja a melhor forma de salvar
vidas e, por isso, investimos nossas forças em promover um diálogo sobre
educação e conscientização de todas as doenças raras, seja para profissionais
da saúde, estudantes da área, gestores, parlamentares, influenciadores e
sociedade em geral” (vd Flávia
Albuquerque – repórter da Agência Brasil, São Paulo – http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-02/dia-mundial-das-doencas-raras-e-marcado-por-atividades-em-todo-o-pais).
A predita
dirigente entende que “é possível mudar a história de muitas pessoas que podem
ter o diagnóstico precoce” se os exames para essas patologias forem
incorporados pelo Sistema de Saúde. Com efeito, “o exame do pezinho atualmente
é capaz de triar seis doenças raras, mas com as mesmas gotinhas que são
colhidas do bebé podem-se triar até 90 doenças raras” (id
et ib).
Segundo
Regina Próspero, “o material é o mesmo, o que muda é o sistema de qualificação
do exame”; e “são doenças que podem fazer toda a diferença na família e que,
muitas vezes, não têm tratamento medicamentoso, mas só uma troca de dieta, por
exemplo, pode fazer com que essa criança tenha uma vida normal e de qualidade e
sem sequelas que podem ser evitadas ao saber precocemente da doença”. Por isso,
é necessário ampliar a comunicação para as famílias dando-lhes a opção de
pagarem um exame de triagem neonatal, além de incorporar aqueles que não podem
pagar, pois há muito que fazer para abranger essa população e evitar danos
maiores. É preciso “melhorar o diagnóstico precoce, investir em pesquisas
clínicas e dar acesso ao tratamento”, sendo que “as políticas públicas para o setor
precisam melhorar bastante” (vd id et ib).
***
Na Europa,
a organização deste dia de sensibilização é coordenada pela organização
europeia para as doenças raras “Eurordis
– Rare Diseases Europe” e resulta da colaboração com alianças
nacionais de doenças raras de todo o mundo, visando sensibilizar a sociedade
para os problemas com que a comunidade das doenças raras se defronta. E, este
ano, o tema é “Raro é ser muitos, raro é
ser forte, raro é ter orgulho nisso!”.
A Eurordis
é uma aliança não governamental, sem fins lucrativos, que reúne mais de 700
associações de doenças raras, de mais de 60 países, que trabalham juntas para
melhorar a vida dos mais de 30 milhões de pessoas com doenças raras na Europa.
Em Portugal, o
Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), em colaboração com a Comissão Interministerial de Coordenação da
Estratégia Integrada para as Doenças Raras, associações de apoio às doenças
raras e profissionais, promoveu, no dia 28, um evento comemorativo do Dia Mundial das Doenças Raras, nas suas
instalações em Lisboa e Porto.
Em torno
do estribilho “Um outro olhar sobre as
Raras: somos 300 milhões! – Raro é ser muitos, raro é ser forte, raro é ter
orgulho nisso!”, o programa concretizou-se com a realização de sessões de
palestras curtas sobre doenças raras (com transmissão
simultânea por videoconferência em Lisboa e Porto), bem como com a assinatura de um
protocolo colaborativo com a “Aliança Portuguesa de Associações de Doenças Raras”.
A doença
rara é crónica, grave e degenerativa, maioritariamente debilitante e, muitas
vezes, precocemente fatal, que requer esforços combinados especiais de várias
áreas de intervenção, onde têm grande papel a investigação genética e
farmacológica, os produtos de apoio e as respostas sociais ou a satisfação de
necessidades educativas especiais, a fim de permitir que os doentes sejam
tratados, reabilitados e integrados na sociedade de forma mais eficaz.
Estima-se
que, em Portugal, haja cerca de 600 a 800 mil pessoas portadoras destas
doenças, que colocam em risco a vida dos doentes
e que têm uma prevalência inferior a 5 casos por cada 10.000/pessoas. Há
atualmente cerca de 8.000 doenças raras sendo a maioria de origem genética, que
afetarão perto de 40 milhões de pessoas na Europa, especialmente crianças.
A variabilidade das práticas clínicas e o desconhecimento por
parte dos profissionais de saúde destes doentes levaram a Direção Geral de
Saúde (DGS) a criar o Cartão da
Pessoa com Doença Rara. O objetivo é assegurar que, em situações de
urgência e emergência, os doentes tenham os melhores cuidados e os mais
seguros, sejam corretamente encaminhados e evitadas intervenções que possam
prejudicar o seu estado de saúde ou causar risco para a sua vida.
Existem, entre nós, algumas entidades dedicadas a esta
realidade, nomeadamente, a Aliança
Portuguesa de Associações de Doenças Raras e a Associação Raríssimas.
Fundada em 2008, a “Aliança
Portuguesa de Associações de Doenças Raras” representa as associações que
dela fazem parte junto das instituições de saúde nacionais e internacionais,
unindo forças para que consigam mudar a realidade de muitos doentes.
A “Associação
Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras” é uma
Instituição Particular de Solidariedade Social, fundada em abril de 2002, com a
missão de apoiar doentes, famílias, amigos que convivem de perto com as doenças
raras. A frase “Existimos porque há pessoas raras, com necessidades raras”
tornou-se o emblema da associação e gerou uma verdadeira chamada de atenção
junto da população portuguesa para as dificuldades sentidas por estas famílias.
A Mesa do Colégio de Especialidade de Enfermagem de Saúde
Infantil e Pediátrica, da Ordem dos Enfermeiros, assinalou este dia,
enaltecendo os enfermeiros e outros profissionais que se dedicam às
crianças/famílias que enfrentam esta difícil situação.
***
O Papa, num
tuíte por ocasião deste dia, centrado este ano nos temas da equidade e do
acesso à igualdade de oportunidades para valorizar o potencial dos pacientes,
escreveu:
“O Dia Mundial das Doenças Raras
oferece-nos a oportunidade de cuidar, todos juntos, dos nossos irmãos e irmãs
que são afetados, integrando pesquisa, cuidados médicos e assistência social,
para que tenham igualdade de oportunidades e possam ter uma vida plena”.
Por seu turno, o Cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, prefeito do Dicastério para o Serviço do
Desenvolvimento Humano Integral, em mensagem para este dia, acentuando que existem mais de 300
milhões de pessoas em todo o mundo com uma doença rara, um número considerável
que não pode ser ignorado e merece atenção, escreveu:
“As doenças raras são frequentemente difíceis de diagnosticar e, na
maioria das vezes, os doentes afetados por estas patologias e as suas famílias vivem
no estigma, na solidão e com um sentimento de impotência, muitas vezes
exasperado pelas dificuldades de ter um tratamento específico para a doença
rara e uma assistência adequada. Infelizmente, esta situação é ainda mais grave
em todos aqueles países onde o sistema de saúde é mais vulnerável.”.
Por isso, o
cardeal atribui um papel substancial à pesquisa científica, que precisa
da participação dos doentes para obter resultados significativos orientados
para as suas necessidades. Com efeito, o conhecimento científico e a pesquisa
das indústrias farmacêuticas, mesmo que zelem a proteção da propriedade
intelectual e almejem um lucro justo como apoio à inovação, “devem encontrar adequadas composições com
direito ao diagnóstico e ao acesso a terapias essenciais, especialmente no caso
de doenças raras”, pois está em causa o direito fundamental de todos à
saúde e à assistência, que pertence ao valor da justiça, sendo que a distribuição
desigual de recursos económicos, especialmente em países de magros recursos,
não permite garantir uma justiça em saúde que proteja a dignidade e a saúde de
cada pessoa, especialmente entre os mais necessitados e pobres. É por isso que o
Dia Mundial das Doenças Raras se centra
este ano na justiça e em condições mais justas para as pessoas afetadas por
estas situações de doença.
E, depois de
enfatizar que os princípios de subsidiariedade e de solidariedade devem
inspirar a comunidade internacional, bem como as políticas de saúde – “para
garantir a todos, em particular às populações mais vulneráveis, sistemas de
saúde eficientes, acesso equitativo ao diagnóstico e ao tratamento e o apoio e
a assistência específica para os doentes e suas famílias” – o purpurado observa:
“É importante estudar atividades, em sinergia com os vários atores da
área, que possam valorizar o potencial dos doentes raros, porque às vezes o
doente pode sentir falta de humanidade”.
E recorda o
que Francisco escreveu na sua mensagem para o Dia Mundial do Doente 2020:
“Na doença a pessoa sente comprometida não só a sua integridade física,
mas também as dimensões relacionais, intelectual, afetiva e espiritual; e por
isso, além da terapia, espera apoio, solicitude, atenção... em suma, amor”.
Por fim, o
Cardeal Turkson confia
a Maria, Salus infirmorum, os que
sofrem de doenças raras, “para que nos ajude a estarmos atentos às necessidades
uns dos outros e a sabermos como dar com um coração generoso”.
***
É importante que todos juntos, ao lado de
familiares, assistentes sociais, agentes pastorais e voluntários, em espírito
de fraternidade, cuidem dos irmãos e irmãs que sofrem de uma doença rara – perturbadora
do quotidiano de quem a sofre e dos envolvidos nela – integrando o apoio médico
com atividades, incluindo desportos, e compromissos nas redes sociais que os
façam sentirem-se parte dinâmica da sociedade. E, entre nós, passado que
está o escândalo da “Raríssimas”, é
imperativo que a causa mobilize toda a sociedade e os decisores políticos.
2020.02.29 – Louro de Carvalho
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