quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Por uma gestão mais democrática das escolas


Tal como referia a agência Lusa, a 11 de fevereiro, a Assembleia da República (AR) debateu hoje, dia 13, uma petição da FENPROF (Federação Nacional dos Professores), dois projetos de lei, do PCP e do BE, e um projeto de resolução, do PAN, que defendem um modelo de gestão das escolas mais democrático.
Ainda na XIII legislatura a FENPROF entregou na AR uma petição, já discutida na comissão de educação e ciência, que pede uma revisão legal, com a revogação do enquadramento em vigor, o qual, segundo os professores, retirou às escolas “práticas democráticas colegiais”, quase eliminou processos eleitorais e afastou dos docentes da participação em decisões pedagógicas e de política educativa, entre outros aspetos.
Na verdade, quase 9000 peticionários solicitaram a revisão do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, e, por isso, a iniciativa foi a debate em Sessão Plenária, hoje 13 de fevereiro, a partir das 15 horas. O debate foi público e nele, para lá de terem sido discutidas as propostas de democratização das escolas públicas defendidas pela FENPROF, foram debatidos os Projetos de Lei do PCP e BE, bem como o Projeto de Resolução do PAN. Uma delegação composta por membros do Secretariado Nacional da FENPROF, entre os quais se inclui o seu Secretário-Geral, esteve presente nas Galerias da AR. E os dirigentes sindicais manifestaram, desde logo, a sua disponibilidade para prestar declarações no local aos órgãos de comunicação social.
Na introdução à petição, aquela organização sindical observava:
 Mais de dez anos passados sobre a publicação DL n.º 75/2008, de 22 de abril, é tempo de rever um ordenamento jurídico que representa um retrocesso no funcionamento democrático da escola pública. Retrocesso consubstanciado, entre outros aspetos, na concentração de poderes num órgão de gestão unipessoal, no abandono de práticas democráticas colegiais, no quase desaparecimento de processos eleitorais e na limitação da participação dos professores nas decisões pedagógicas e de política educativa, constituindo hoje um fator favorecedor da erosão da vida democrática das escolas e do desgaste pessoal e profissional dos professores.”.
É verdade que muitos diretores se tornam fortes com a população escolar fraca e sem voz, os órgãos de gestão intermédia, que deviam ter uma voz proativa em termos científicos e pedagógicos, não passam, muitas vezes, de correias de transmissão das opções ditadas superiormente, não raro tomadas sem fundamento consistente e sem o vero escopo educacional. E o Conselho Geral, órgão de direção estratégica, tendo obrigatoriamente os professores e funcionários em minoria, facilmente é condicionado pelo diretor e/ou pela autarquia e pais. 
É bom não esquecer o teor do art.º 77.º da constituição que estabelece:
“1. Os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei.
“2. A lei regula as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituições de caráter científico na definição da política de ensino.”.
Por sua vez, o art.º 48.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) estabelece:
“ (…) 2 - Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as caraterísticas específicas de cada nível de educação e ensino. 3 - Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa. 4 - A direção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino. 5 - A participação dos alunos nos órgãos referidos no número anterior circunscreve-se ao ensino secundário. (…) ”.
Muito das políticas educativas e da gestão escolar pauta-se por critérios economicistas.
O projeto de lei do PCP acompanha a reivindicação sindical e constrói um novo enquadramento legal para a gestão escolar, definindo competências, composição e forma de eleição dos órgãos de gestão dos estabelecimentos – conselho de direção, conselho de gestão, conselho pedagógico e conselho administrativo – e de outros órgãos como os conselhos de turma, os conselhos de diretores de turma e as assembleias de delegados de turma.
No preâmbulo, o partido sustenta que a rota seguida nos últimos anos na gestão escolar contraria a LBSE e a própria Constituição, ao não respeitar os “princípios de participação e democraticidade”, pois, em vez da “eleição democrática para os órgãos de direção e gestão das escolas e agrupamentos, de representantes de professores, pais, alunos e pessoal não docente”, temos nas escolas e agrupamentos “órgãos unipessoais e não eleitos, dotados de poderes excessivos, ao arrepio da democraticidade, da representatividade e da participação dos vários corpos da escola”. Por outro lado, “os órgãos colegiais são esvaziados de poderes e manipulados na sua composição”, “os órgãos de natureza pedagógica são remetidos para um papel meramente consultivo” e “a participação dos professores, dos alunos, do pessoal não docente e dos pais tem sido esvaziada de conteúdo real ou muitas vezes é imposta com um fim meramente instrumental, não se assegurando uma verdadeira ligação da escola à comunidade”.
Os comunistas insistem em dizer que “o exercício das atribuições de gestão concentrou-se sobre indivíduos em vez de órgãos colegiais, as autarquias e as diferentes forças que as compõem introduziram na gestão escolar a disputa política local”. Por isso, contrariando recentes afirmações do presidente da ANDAEP à Lusa, o PCP aponta:
Assim, a escola vai-se tornando gradualmente num palco de confrontos e querelas políticas, enquanto se subordina cada vez mais mecanicamente à hierarquia”.
E antevê um agravar da situação com a concretização do processo de descentralização de competências para as autarquias.  
O BE faz uma leitura semelhante no preâmbulo, mas, ao contrário do PCP, quer alterar o enquadramento legal vigente, não o substituindo totalmente. A este respeito, considera:
Na sua maioria, as escolas e agrupamentos de escolas tornaram-se locais de exercício de poderes absolutos de uma pessoa, abrindo precedentes a formas discricionárias do exercício do poder, assente em sistemas clientelares e com frequentes ligações ao poder autárquico. Chegou-se a esta situação de ausência de democracia na gestão das escolas, sem que tenha havido uma avaliação dos anteriores modelos de gestão democrática e muito menos uma demonstração da existência de limitações e fragilidades.”.
Os bloquistas querem que as escolas decidam o seu modelo de gestão e que este tenha a participação alargada de “todos os seus profissionais e intervenientes” e aberta ao diálogo com outras instituições da comunidade.
Segundo o BE, as escolas devem, desde logo, poder decidir se querem um órgão de gestão colegial ou centrado numa única pessoa, ou seja, um conselho executivo ou um diretor. Os professores devem eleger entre os seus pares os representantes nos órgãos pedagógicos; os docentes, não docentes e alunos devem representar uma “maioria clara” no conselho geral; a democracia interna dos estabelecimentos deve ser reforçada e a direção deve ser limitada ao exercício de apenas dois mandatos consecutivos de quatro anos.
Também, para o BE, as escolas devem decidir se querem uma gestão em agrupamento ou não, ao ser permitida a “análise, em sede de Assembleia Geral Constitutiva, da pertinência de manter, alterar ou reverter o agrupamento de escolas e/ou mega-agrupamentos, dando às escolas a possibilidade de escolher com quem querem articular e agrupar, substituindo a decisão tomada por decreto e sem auscultação”.
Por seu turno, o PAN, que se fica por um projeto de resolução, considera “pertinente e necessária” a discussão do modelo de gestão das escolas no quadro de descentralização de competências e de flexibilização curricular e sustenta que o atual “deverá merecer uma revisão no sentido de assegurar a recuperação de um modelo de gestão democrática”. Por outro lado, reconhece que se tem afirmado em Portugal um “modelo de administração e gestão das escolas que traz a afirmação da figura do diretor, numa lógica de gestão burocrática e não poucas vezes autoritária”, que “põe em causa o modelo de gestão democrática com uma direção colegial eleita entre pares, pelos docentes, pessoal não docente e estudantes”.
Sendo assim, o PAN propõe que o Governo elabore e apresente ao Parlamento, ainda este ano, um relatório de avaliação do modelo de gestão escolar em vigor nos estabelecimentos públicos de ensino básico e secundário e reveja o atual enquadramento legal “ponderando a recuperação de um modelo de gestão democrática e o restabelecimento de uma direção colegial”.
Por fim, é de ter em conta o conteúdo da petição da FENPROF em prol da gestão democrática das escolas e dos agrupamentos, elencando as exigências: 
O direito de as escolas poderem ter um órgão de gestão colegial; um processo de eleição direta do órgão de gestão por um colégio eleitoral constituído por todos os docentes, todos os trabalhadores não docentes, representantes dos pais e, no caso do ensino secundário, representantes dos alunos; o reforço das competências e da autonomia de funcionamento do Conselho Pedagógico; a livre eleição direta dos coordenadores das estruturas pedagógicas intermédias; e a redefinição das competências e composição do órgão de direção estratégica da escola/agrupamento, atualmente atribuídas ao Conselho Geral”.
***
Obviamente esta discussão parlamentar é condenada ao fracasso. O PS, pela mão de Lurdes Rodrigues, produziu o novo regime de autonomia, administração e gestão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, e que, no PSD/CDS, a mão de Nuno Crato alterou com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho. Já toda a gente se esqueceu de que o Decreto-Lei n.º 769-A/76, de 23 de outubro (de Governo do PS), embora aperfeiçoado por diplomas sucessivos, esteve em vigor para todas as escolas do 2.º, 3.º ciclo e do ensino secundário até maio de 1991. Foi quando foi publicado o Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de maio, aplicável a todas as escolas de todos os níveis de ensino, que já estipulava um órgão de direção unipessoal e uma assembleia de escola ou de zona, mas cuja aplicação não se generalizou. Assim, coexistiu a vigência dos dois diplomas, até que surgiu o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, e Decreto Regulamentar n.º 10/99, de 21 de julho, que estribavam o autonomia em dois órgãos considerados fundamentais: a assembleia de escola (constituída por vários corpos eleitos pelo respetivo universo eleitoral), em que os professores estavam em maioria, e o órgão executivo (eleito por toda a comunidade escolar, de que fazem parte os pais), podendo a escola optar por um executivo unipessoal ou por um executivo colegial.
Ora, como a maioria das malandras das escolas escolheu um executivo colegial, o PS e, depois o PSD/CDS haviam de vir dar o golpe de misericórdia, em 2008 e 2012, à democraticidade escolar, incluindo a existência minoritária de docentes e pessoal não docente no órgão de direção estratégica. E não se vê volta, até porque parece que a democraticidade e a participação se fizeram bandeira das esquerdas, o que nem a ideologia neoliberal consente, quanto mais um socialismo verdadeiramente democrático, uma socialdemocracia e uma democracia cristã.
2020.02.13 – Louro de Carvalho

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