Tal como referia a agência Lusa, a 11 de fevereiro, a
Assembleia da República (AR) debateu
hoje, dia 13, uma petição da FENPROF (Federação
Nacional dos Professores), dois
projetos de lei, do PCP e do BE, e um projeto de resolução, do PAN, que
defendem um modelo de gestão das escolas mais democrático.
Ainda na XIII legislatura a FENPROF entregou na
AR uma petição, já discutida na comissão de educação e ciência, que pede uma
revisão legal, com a revogação do enquadramento em vigor, o qual, segundo os
professores, retirou às escolas “práticas democráticas colegiais”, quase
eliminou processos eleitorais e afastou dos docentes da participação em
decisões pedagógicas e de política educativa, entre outros aspetos.
Na verdade, quase 9000 peticionários solicitaram a revisão do Decreto-Lei
n.º 75/2008, de 22 de abril, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei
n.º 137/2012, de 2 de julho, e, por isso, a iniciativa foi a debate em Sessão Plenária, hoje 13 de fevereiro, a
partir das 15 horas. O debate
foi público e nele, para lá de terem
sido
discutidas as propostas de
democratização das escolas públicas defendidas pela FENPROF, foram debatidos os
Projetos de Lei do PCP e BE, bem como o Projeto de Resolução do PAN. Uma delegação composta por membros do Secretariado Nacional da
FENPROF, entre os quais se inclui o seu Secretário-Geral, esteve presente nas
Galerias da AR. E os dirigentes sindicais manifestaram, desde logo, a sua
disponibilidade para prestar declarações no local aos órgãos de comunicação
social.
Na
introdução à petição, aquela organização sindical observava:
“Mais de dez anos passados sobre
a publicação DL n.º 75/2008, de 22 de abril, é tempo de rever um ordenamento
jurídico que representa um retrocesso no funcionamento democrático da escola
pública. Retrocesso consubstanciado, entre outros aspetos, na concentração de
poderes num órgão de gestão unipessoal, no abandono de práticas democráticas
colegiais, no quase desaparecimento de processos eleitorais e na limitação da
participação dos professores nas decisões pedagógicas e de política educativa,
constituindo hoje um fator favorecedor da erosão da vida democrática das
escolas e do desgaste pessoal e profissional dos professores.”.
É verdade
que muitos diretores se tornam fortes com a população escolar fraca e sem voz,
os órgãos de gestão intermédia, que deviam ter uma voz proativa em termos
científicos e pedagógicos, não passam, muitas vezes, de correias de transmissão
das opções ditadas superiormente, não raro tomadas sem fundamento consistente e
sem o vero escopo educacional. E o Conselho Geral, órgão de direção
estratégica, tendo obrigatoriamente os professores e funcionários em minoria,
facilmente é condicionado pelo diretor e/ou pela autarquia e pais.
É bom não esquecer o teor do art.º 77.º da
constituição que estabelece:
“1. Os
professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das
escolas, nos termos da lei.
“2. A
lei regula as formas de participação das associações de professores, de alunos,
de pais, das comunidades e das instituições de caráter científico na definição
da política de ensino.”.
Por sua
vez, o art.º 48.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) estabelece:
“ (…) 2 - Em cada estabelecimento ou grupo de
estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por
princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no
processo educativo, tendo em atenção as caraterísticas específicas de cada
nível de educação e ensino. 3 - Na administração e gestão dos
estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza
pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa. 4 -
A direção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos
básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são
democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não
docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e
noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.
5 - A participação dos alunos nos órgãos referidos no número anterior circunscreve-se
ao ensino secundário. (…) ”.
Muito
das políticas educativas e da gestão escolar pauta-se por critérios
economicistas.
O projeto de lei do PCP acompanha a reivindicação sindical e constrói um novo
enquadramento legal para a gestão escolar, definindo competências, composição e
forma de eleição dos órgãos de gestão dos estabelecimentos – conselho de
direção, conselho de gestão, conselho pedagógico e conselho administrativo – e
de outros órgãos como os conselhos de turma, os conselhos de diretores de turma
e as assembleias de delegados de turma.
No preâmbulo, o partido sustenta que a rota seguida
nos últimos anos na gestão escolar contraria a LBSE e a própria Constituição,
ao não respeitar os “princípios de participação e democraticidade”, pois, em
vez da “eleição democrática para os órgãos de direção e gestão das escolas e
agrupamentos, de representantes de professores, pais, alunos e pessoal não
docente”, temos nas escolas e agrupamentos “órgãos unipessoais e não eleitos,
dotados de poderes excessivos, ao arrepio da democraticidade, da
representatividade e da participação dos vários corpos da escola”. Por outro
lado, “os órgãos colegiais são esvaziados de poderes e manipulados na sua
composição”, “os órgãos de natureza pedagógica são remetidos para um papel
meramente consultivo” e “a participação dos professores, dos alunos, do pessoal
não docente e dos pais tem sido esvaziada de conteúdo real ou muitas vezes é
imposta com um fim meramente instrumental, não se assegurando uma verdadeira
ligação da escola à comunidade”.
Os comunistas insistem em dizer que “o exercício das
atribuições de gestão concentrou-se sobre indivíduos em vez de órgãos
colegiais, as autarquias e as diferentes forças que as compõem introduziram na
gestão escolar a disputa política local”. Por isso, contrariando recentes afirmações
do presidente da ANDAEP à Lusa, o PCP
aponta:
“Assim, a escola vai-se tornando
gradualmente num palco de confrontos e querelas políticas, enquanto se
subordina cada vez mais mecanicamente à hierarquia”.
E antevê um agravar da situação com a concretização do
processo de descentralização de competências para as autarquias.
O BE faz uma leitura semelhante no preâmbulo, mas, ao
contrário do PCP, quer alterar o enquadramento legal vigente, não o
substituindo totalmente. A este respeito, considera:
“Na sua maioria, as escolas e agrupamentos
de escolas tornaram-se locais de exercício de poderes absolutos de uma pessoa,
abrindo precedentes a formas discricionárias do exercício do poder, assente em
sistemas clientelares e com frequentes ligações ao poder autárquico. Chegou-se
a esta situação de ausência de democracia na gestão das escolas, sem que tenha
havido uma avaliação dos anteriores modelos de gestão democrática e muito menos
uma demonstração da existência de limitações e fragilidades.”.
Os bloquistas querem que as escolas decidam o seu
modelo de gestão e que este tenha a participação alargada de “todos os seus profissionais
e intervenientes” e aberta ao diálogo com outras instituições da comunidade.
Segundo o BE, as escolas devem, desde logo, poder
decidir se querem um órgão de gestão colegial ou centrado numa única pessoa, ou
seja, um conselho executivo ou um diretor. Os professores devem eleger entre os
seus pares os representantes nos órgãos pedagógicos; os docentes, não docentes
e alunos devem representar uma “maioria clara” no conselho geral; a democracia
interna dos estabelecimentos deve ser reforçada e a direção deve ser limitada
ao exercício de apenas dois mandatos consecutivos de quatro anos.
Também, para o BE, as escolas devem decidir se querem
uma gestão em agrupamento ou não, ao ser permitida a “análise, em sede de Assembleia
Geral Constitutiva, da pertinência de manter, alterar ou reverter o agrupamento
de escolas e/ou mega-agrupamentos, dando às escolas a possibilidade de escolher
com quem querem articular e agrupar, substituindo a decisão tomada por decreto
e sem auscultação”.
Por seu turno, o PAN, que se fica por um projeto de
resolução, considera “pertinente e necessária” a discussão do modelo de gestão
das escolas no quadro de descentralização de competências e de flexibilização
curricular e sustenta que o atual “deverá merecer uma revisão no sentido de
assegurar a recuperação de um modelo de gestão democrática”. Por outro lado,
reconhece que se tem afirmado em Portugal um “modelo de administração e gestão
das escolas que traz a afirmação da figura do diretor, numa lógica de gestão
burocrática e não poucas vezes autoritária”, que “põe em causa o modelo de
gestão democrática com uma direção colegial eleita entre pares, pelos docentes,
pessoal não docente e estudantes”.
Sendo assim, o PAN propõe que o Governo elabore e
apresente ao Parlamento, ainda este ano, um relatório de avaliação do modelo de
gestão escolar em vigor nos estabelecimentos públicos de ensino básico e
secundário e reveja o atual enquadramento legal “ponderando a recuperação de um
modelo de gestão democrática e o restabelecimento de uma direção colegial”.
Por fim,
é de ter em conta o conteúdo da petição da FENPROF em prol da gestão democrática das escolas e dos agrupamentos,
elencando as exigências:
“O direito de as escolas poderem ter um
órgão de gestão colegial; um processo de eleição direta do órgão de gestão por
um colégio eleitoral constituído por todos os docentes, todos os trabalhadores
não docentes, representantes dos pais e, no caso do ensino secundário,
representantes dos alunos; o reforço das competências e da autonomia de
funcionamento do Conselho Pedagógico; a livre eleição direta dos coordenadores
das estruturas pedagógicas intermédias; e a redefinição das competências e
composição do órgão de direção estratégica da escola/agrupamento, atualmente
atribuídas ao Conselho Geral”.
***
Obviamente esta discussão parlamentar é
condenada ao fracasso. O PS, pela mão de Lurdes Rodrigues, produziu o novo
regime de autonomia, administração e gestão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, e que, no PSD/CDS, a mão
de Nuno Crato alterou com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º
137/2012, de 2 de julho. Já toda a gente se esqueceu de que o Decreto-Lei n.º 769-A/76,
de 23 de outubro (de Governo do
PS),
embora aperfeiçoado por diplomas sucessivos, esteve em vigor para todas as escolas
do 2.º, 3.º ciclo e do ensino secundário até maio de 1991. Foi quando foi publicado o Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de
maio, aplicável a todas as escolas de todos os níveis de ensino, que já
estipulava um órgão de direção unipessoal e uma assembleia de escola ou de zona,
mas cuja aplicação não se generalizou. Assim, coexistiu a vigência dos dois
diplomas, até que surgiu o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, e Decreto Regulamentar
n.º 10/99, de 21 de julho, que estribavam o autonomia em dois órgãos considerados
fundamentais: a assembleia de escola (constituída
por vários corpos eleitos pelo respetivo universo eleitoral), em que os
professores estavam em maioria, e o órgão executivo (eleito por toda a comunidade escolar, de que fazem parte
os pais), podendo a escola optar por um executivo unipessoal ou por um
executivo colegial.
Ora, como a maioria das malandras das escolas escolheu um
executivo colegial, o PS e, depois o PSD/CDS haviam de vir dar o golpe de misericórdia,
em 2008 e 2012, à democraticidade escolar, incluindo a existência minoritária
de docentes e pessoal não docente no órgão de direção estratégica. E não se vê volta,
até porque parece que a democraticidade e a participação se fizeram bandeira
das esquerdas, o que nem a ideologia neoliberal consente, quanto mais um socialismo
verdadeiramente democrático, uma socialdemocracia e uma democracia cristã.
2020.02.13
– Louro de Carvalho
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