Há dias,
recebi uma chamada telefónica por parte duma agente duma empresa prestadora de
serviços a comunicar que um técnico de relações públicas estaria naquele dia na
cidade sede do concelho a que pertence a minha área de residência para
esclarecimento e propostas. E, talvez para concitar o meu interesse pela
entrevista com o predito senhor, lançou-me a questão: O senhor não quer pagar menos na fatura mensal?
Confesso
que a pergunta me irritou, porque a recebi como um insulto à minha
inteligência. Obviamente todos querem serviços e bens mais baratos e melhores.
Porém, quando operadores comerciais nos abordam com as suas propostas e começam
por aí, estão a agir mal, em meu entender. Costuma ser a caça ao cliente para,
daí a uns meses, se voltar ao custo anterior ou se agravar a oneração da
fatura. Por isso, sem me explicar muito, só respondi: “Uma pergunta dessas não
se faz por insultuosa”. E desligámos sem atritos visíveis ou audíveis.
Depois,
fiquei a pensar que já tinha ouvido coisa do género. Com efeito, há uns oito
anos, uma antiga aluna minha de Literatura Portuguesa, tocou à campainha e eu
atendi. Queria demover-me de cliente duma determinada operadora telefónica e
passar-me para outra por alegadamente prestar um serviço menos oneroso.
Respondi agradecendo, mas afirmei que preferia continuar com a mesma operadora,
ao que ela retorquiu: “Então prefere
continuar a perder dinheiro”. E eu anuí laconicamente: “Pois”!
É lata
de técnico de vendas, dir-se-á. Pois, mas também há a lata de políticos e de
detentores de cargos públicos. E dou alguns exemplos entre os muitos que
poderia referir.
Joacine
Moreira, após o diferendo com o Livre, garantiu que iria continuar na
Assembleia da República. Poderia aduzir o que todos sabemos: o mandato é do
deputado e não do partido e seria deputada não inscrita, como prevê o Regimento
da Assembleia da República. Mas foi mais categórica ao dizer que foi para estar
no Parlamento que nasceu. Veremos se, nas próximas eleições legislativas, algum
partido político se verá obrigado a candidatá-la a deputada e em lugar elegível
ou se, em alternativa, será escolhida para assessora de deputado/a ou se será
selecionada para o painel do pessoal técnico e administrativo do
Parlamento.
Vitalino
Canas, um dos propostos pelo PS para juiz do Tribunal Constitucional (TC), já depois de ter sido o seu
nome rejeitado na votação parlamentar, confessou que anda, há 40 anos, a sonhar
ser juiz do TC. Sabe-se agora que foi rejeitada por votação a sua escolha, bem
como a do outro candidato. Veremos de o PS insiste na sua candidatura, negoceia
a sua eleição ou se espera o milagre. Sonhar faz bem, mas a realização do sonho
não depende só de nós.
Jorge
Sampaio, quando foi galardoado com o Prémio Príncipe das Astúrias, aos
jornalistas que lhe perguntavam para quem era o montante em dinheiro do prémio
respondeu que era para si, pois “isto está tão mal…”. E, a ver um jogo na
Alemanha, já depois de ter deixado a presidência, disse que estava ali a ver
futebol e a beber umas cervejas com os amigos, pois já estava nesta “cidadania
banal”.
O
mandato presidencial de Cavaco Silva ficou conhecido por discursos
substanciosos, por avisos bastante assertivos, mas também por atoardas que não
lhe ficavam bem, como o caso das vacas felizes ou sorridentes e a
desvalorização por eventual saída da zona Euro por parte da Grécia, referindo
que, tirando um dos 19 países do Euro, ainda ficavam 18. E, agora, a propósito
do debate parlamentar sobre a despenalização da eutanásia, disse uma coisa
lastimável, desnecessária e que não ajuda nada a credibilidade dos que “estamos
contra a eutanásia e contra a distanásia ou obstinação terapêutica”: que os
portugueses deviam tomar nota dos deputados que votassem a favor da eutanásia.
Ora, os deputados não podem ser responsabilizados nominalmente pelas suas
opiniões e posicionamentos parlamentares. Lá virá o tempo em que os portugueses
terão a oportunidade de fazer o julgamento dos partidos, que não o dos
deputados em si, aquando das novas eleições legislativas em 2023 ou antes, se a
legislatura for encurtada por dissolução da Assembleia da República.
Também o
Presidente Marcelo tem um mandato polvilhado de ditos a tempo e fora de tempo
em que intervém em áreas cuja competência no tempo dificilmente lhe cabe.
Agora, com a instalação do pânico generalizado do novo corona vírus, o
Presidente dos afetos reagiu à insinuação de que os contactos podiam ocasionar
o contágio, respondeu que não obrigava ninguém a cumprimentá-lo (Ainda
não estamos na Coreia do Norte nem na República Popular da China – digo eu). É óbvio que os jornalistas, que
são enervantes por vezes, não estavam a pedir-lhe quarentena. No entanto, já
depois de a Diretora-Geral de Saúde ter posto a questão da epidemia nos termos
corretos, nomeadamente quanto aos equipamentos disponíveis no SNS, aos planos
de contingência por parte das empresas, à promessa de seguirem, dentro de dias,
orientações para a industria hoteleira e às precauções que os portugueses devem
tomar em termos preventivos e aquando dos sintomas, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu
adequar “a necessidade e a proporcionalidade” dos compromissos internacionais
agendados e prometeu, na altura, decidir se é necessário “mudar tudo ou ajustar
os planos”.
Ora, se
Dom Pedro V tivesse feito tais cálculos, teria deixado de visitar doentes e não
teria morrido de febre tifoide. Mas continua a ter razão a personagem Maria de “Frei
Luís de Sousa”:
“Em pestes e desgraças assim, eu entendia, se governasse, que o serviço
de Deus e do rei me mandava ficar, até à última, onde a miséria fosse mais e o
perigo maior, para atender com remédio e amparo aos necessitados. Pois, rei não
quer dizer pai comum de todos?”.
Por fim,
recordo uma entrevista dum juiz de instrução criminal em que referiu não ter
amigos ricos, quando estava a supervisionar um processo em que um dos arguidos
estava alegadamente envolvido por amigos que lhe pagavam as despesas astronómicas
que lhe eram imputadas. E recordo, ainda, aquele juiz desembargador que redigiu
um acórdão em que citava a Bíblia para justificar a redução de pena de
violência doméstica a um condenado na 1.ª instância por a mulher ter praticado
adultério.
Obviamente
há muito mais coisas que não devem ser ditas nem escritas. Enfim, há coisas que
nem deviam pensar-se, pelo que seria melhor não serem ditas nem escritas, por
poderem vir a configurar inconveniência ou mesmo insulto. E se se pensasse
antes de falar ou escrever? É que, depois, a palavra já deixa de ser de quem a
proferiu e passa a ser de quem a recebe.
2020.02.28 –
Louro de Carvalho
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