domingo, 23 de fevereiro de 2020

Em memória de Dom Ilídio Pinto Leandro


Soube, no próprio dia 21 da notícia da morte do Bispo emérito de Viseu e, além das orações que me é dado fazer por um crente que foi revestido do caráter episcopal e permaneceu à testa da grande diocese de Viseu durante 12 anos, entendo dever fazer uma reflexão a propósito deste homem de Deus, falecido aos 69 anos de idade.
Não privei com ele, ao invés do que sucedeu com outros padres da diocese de Viseu e com dois bispos dessa Igreja particular – Dom José Pedro da Silva e Dom António Ramos Monteiro –, mas recordo-me de que, em tempos que servi como capelão militar no então Regimento de Infantaria de Viseu, ouvia falar recorrentemente do Padre Ilídio Leandro e das suas atividades. Depois, quando ele foi nomeado Bispo de Viseu, reagindo às vozes que estranharam que um padre da diocese fosse alcandorado ao múnus episcopal para a própria diocese e feito logo bispo diocesano sem passar pelo tirocínio de bispo auxiliar, dei-me ao prazer de escrever, com data de 14 de julho de 2006, a seguinte peça, que alguns jornais publicaram e que transcrevo do meu blogue “Saudação”, que agora não está ativo:
Escolhido de entre os seus pares
Na sequência da transferência de Dom António Marto, até há pouco bispo de Viseu, para a diocese de Leiria-Fátima, o Papa Bento XVI, a 10 de Junho, nomeou Bispo de Viseu Dom Ilídio Pinto Leandro, um dos sacerdotes mais operosos, mas assaz discretos da diocese. Aprazada para o dia 23 de Julho a sua ordenação episcopal, dela decorre, ato contínuo, a tomada de posse e a subsequente entrada oficial.

Pindelo dos Milagres, do concelho de São Pedro do Sul, dá assim à ordem episcopal um dos seus filhos, nascido no ano jubilar de 1950, a 14 de dezembro, dia de São João da Cruz, dois dados muitos promissores para o desempenho da atividade apostólica e pastoral.

São, nos tempos que correm, despiciendas as razões propaladas para a manifestação de estranheza pela escolha de um dos membros do presbitério diocesano de que é oriundo para a assunção do múnus de ensinar, santificar e governar a Igreja de Viseu, em sintonia com o Romano pontífice e em articulação com o ónus da solicitude por todas as Igrejas. Está longe de ineditismo a eleição de um sacerdote oriundo da própria diocese: são por demais conhecidos os casos de Porto, Lisboa e Lamego (E, em 2011, Bragança com a escolha de Dom José Cordeiro).
Se é verdade que foi excecional a indigitação direta do presbítero para o cargo de bispo titular /residencial da sua própria diocese, também não se percebe por que motivo teria ele que ir dar primeiro uma volta, passando por um simples bispo auxiliar, para ser reconhecido como idóneo. Na verdade, o facto de o bispo ser escolhido de entre os seus pares tem tantas vantagens e desvantagens como se a escolha incidisse num elemento estranho a esta Igreja local. Se lhe falta distanciamento suficiente ou alegada capacidade de imparcialidade, também lhe sobeja o conhecimento do seu campo de ação pastoral e o do perfil e virtualidades dos seus colaboradores. E o resto virá por via da colaboração em comunhão, pela generosidade em saber ouvir para decidir com equidade e com o sentido da fé alimentado em espírito eclesial. E, tendo sido escolhido de entre os seus compartes no sacerdócio, não será um mero primus inter pares, mas, graças à ordenação episcopal e ao mandato, é constituído em verdadeiro pastor, exornado com a plenitude do sacerdócio.
Porém, Dom Ilídio Pinto Leandro tem a vantagem de, ao contrário de muitos eleitos para o episcopado, ter passado pela ação pastoral intensa em várias paróquias, na prefeitura, direção espiritual e docência nos seminários e nos Institutos Superiores, no acompanhamento de movimentos diocesanos, um dos quais por si criado, e na direção de departamento nacional da Igreja Católica. É uma poderosa ação no terreno nunca desligada da componente organizativa e da profundidade do conhecimento académico e coroada com a incumbência do prelado diocesano anterior para a presidência do secretariado diocesano do clero.

Se lhe fica bem a humildade de dizer aos seus já diocesanos que o Bispo de Viseu não é quem esperavam, mas alguém pecador e muito pobre, nem por isso lhe faltará o respeito de padres e leigos nem a idoneidade para acompanhar, dirigir e confirmar o seu rebanho dócil, participativo e empenhado nas grandes causas, nem a habilidade para estabelecer e manter o diálogo com os decisores políticos, sociais e económicos bem como a capacidade de mobilização e dinamização das mais profícuas forças vivas da comunidade diocesana.
E, se lhe coube frisar a tradição e a grandeza da Diocese, quem sabe se o seu nome não virá a figurar em letras de ouro nos anais da mesma ínclita e muito nobre grei viseense. É que a História sói construir-se com o pulso dos homens humildes nas palavras, mas grandes na ação. E aos homens grandes na ação não faltarão as palavras necessárias e mais adequadas para denunciar os males da sociedade e anunciar um mundo novo, talhado segundo o coração de Deus.
***
Passados quase catorze anos, não me arrependo do que então escrevi, pois, de um modo geral, a sua forma de apascentar os cordeiros e as ovelhas da grei viseense, foi mais além do que eu esperava. Nem sempre o acompanhei nas suas declarações, sobretudo no atinente à visão das instituições de apoio à 3.ª Idade. Todavia, tenho de reconhecer que foi um grande Pastor e abriu à diocese horizontes de profunda eclesialidade pondo em marcha a verdadeira sinodalidade que faz a subsistência duma Igreja peregrina, sendo o auge dessa caminhada o Sínodo Diocesano, que se tornou ponto de partida para uma reformulação da vivência da Igreja viseense (as conclusões, apresentadas em 2016 constituem “a base para os planos pastorais dos próximos 10 anos”). E deixou as estruturas diocesanas renovadas, nomeadamente a Casa Episcopal, a Cúria Diocesana, a livraria e o “Jornal da Beira”. Por outro lado, ficam no ouvido as declarações de abertura a novas realidades ministeriais na Igreja, como a ordenação presbiteral de homens casados e a ordenação diaconal e sacerdotal de mulheres, logo que tais questões estejam amadurecidas e a suprema autoridade eclesiástica o decidisse. No mesmo tom cordial e aberto, recebeu a Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia, sobre o matrimónio e a família. E não deixou de esgrimir a espada contra as injustiças sociais, a exploração e a corrupção.
Tem razão o Bispo de Viseu em apelar à união da igreja diocesana (clero, diáconos, consagrados e leigos) e a todas as pessoas de boa vontade para continuarem o “legado espiritual e pastoral” de Dom Ilídio Leandro, “um homem muito simples e muito humilde”, que viveu o seu sofrimento com muita fé e com muita discrição”.
Dom António Luciano revela que “na hora da sua morte estava junto dele a rezar”, pois Dom Ilídio partilhava com ele a circunstância de ter “começado a Quaresma mais cedo”, prevendo também a celebração da Páscoa “mais cedo”. Afirma que o Bispo emérito marcou a diocese “não só pelo trabalho que desenvolveu em várias frentes”, mas também porque “foi um homem  que passou pela vida de muita gente” e “viveu a esperança, que procurou mostrar até ao último momento da sua vida”. E recorda o trabalho de Dom Ilídio “no seminário, nas paróquias, como professor de teologia moral, responsável a nível nacional da Pastoral Juvenil, pároco, diretor espiritual, assistente de muitos movimentos”, que tinha na juventude e na família duas prioridades para a sua ação, prioridades que o seu sucessor também assume.
Enfim, era o Pastor do terreno e menos de gabinete, acolhedor e afável – digo eu.
2020.02.23 – Louro de Carvalho

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