Soube,
no próprio dia 21 da notícia da morte do Bispo emérito de Viseu e, além das orações
que me é dado fazer por um crente que foi revestido do caráter episcopal e
permaneceu à testa da grande diocese de Viseu durante 12 anos, entendo dever
fazer uma reflexão a propósito deste homem de Deus, falecido aos 69 anos de idade.
Não privei
com ele, ao invés do que sucedeu com outros padres da diocese de Viseu e com
dois bispos dessa Igreja particular – Dom José Pedro da Silva e Dom António
Ramos Monteiro –, mas recordo-me de que, em tempos que servi como capelão militar
no então Regimento de Infantaria de Viseu, ouvia falar recorrentemente do Padre
Ilídio Leandro e das suas atividades. Depois, quando ele foi nomeado Bispo de
Viseu, reagindo às vozes que estranharam que um padre da diocese fosse
alcandorado ao múnus episcopal para a própria diocese e feito logo bispo diocesano sem passar pelo tirocínio de bispo auxiliar, dei-me ao prazer de
escrever, com data de 14 de julho de 2006, a seguinte peça, que alguns jornais publicaram
e que transcrevo do meu blogue “Saudação”, que agora não está ativo:
Escolhido
de entre os seus pares
Na sequência da
transferência de Dom António Marto, até há pouco bispo de Viseu, para a diocese de Leiria-Fátima, o Papa Bento XVI, a 10 de Junho, nomeou Bispo de Viseu
Dom Ilídio Pinto Leandro, um dos sacerdotes mais operosos, mas assaz discretos
da diocese. Aprazada para o dia 23 de Julho a sua ordenação episcopal, dela
decorre, ato contínuo, a tomada de posse e a subsequente entrada
oficial.
Pindelo
dos Milagres, do concelho de São Pedro do Sul, dá assim à ordem episcopal um
dos seus filhos, nascido no ano jubilar de 1950,
a 14
de dezembro, dia de São
João da Cruz, dois dados muitos promissores para o desempenho da atividade
apostólica e pastoral.
São,
nos tempos que correm, despiciendas as razões propaladas para a manifestação de
estranheza pela escolha de um dos membros do presbitério diocesano de que é
oriundo para a assunção do múnus de ensinar, santificar e governar a Igreja de
Viseu, em sintonia com o Romano pontífice e em articulação com o ónus da
solicitude por todas as Igrejas. Está longe de ineditismo a eleição de um
sacerdote oriundo da própria diocese: são por demais conhecidos os casos de
Porto, Lisboa e Lamego (E, em 2011, Bragança com a escolha de Dom José
Cordeiro).
Se é verdade que
foi excecional a indigitação direta do
presbítero para o cargo de bispo titular /residencial da sua própria diocese,
também não se percebe por que motivo teria ele que ir dar primeiro uma volta,
passando por um simples bispo auxiliar, para ser reconhecido como idóneo. Na verdade, o
facto de o bispo ser escolhido de entre os seus pares tem tantas vantagens e
desvantagens como se a escolha incidisse num elemento estranho a esta Igreja local. Se lhe falta distanciamento suficiente ou
alegada capacidade de imparcialidade, também lhe sobeja o conhecimento do seu
campo de ação pastoral e o do perfil e virtualidades dos seus
colaboradores. E o resto virá por via da colaboração em comunhão, pela
generosidade em saber ouvir para decidir com equidade e com o sentido da fé
alimentado em espírito eclesial. E, tendo sido escolhido de entre os seus
compartes no sacerdócio, não será um mero primus inter pares,
mas, graças à ordenação
episcopal e ao mandato, é
constituído em verdadeiro
pastor, exornado com a
plenitude do sacerdócio.
Porém, Dom Ilídio
Pinto Leandro tem a vantagem de, ao contrário de muitos eleitos para o episcopado, ter passado pela ação pastoral intensa em várias paróquias, na
prefeitura, direção espiritual e docência nos seminários e nos Institutos
Superiores, no acompanhamento de movimentos diocesanos, um dos quais por si
criado, e na direção de departamento nacional da Igreja Católica. É uma
poderosa ação no terreno nunca desligada da componente organizativa
e da profundidade do conhecimento académico e coroada com a incumbência do
prelado diocesano anterior para a presidência do secretariado diocesano do
clero.
Se
lhe fica bem a humildade de dizer aos seus já diocesanos que o Bispo de Viseu não é quem esperavam, mas alguém pecador e muito pobre, nem por isso lhe faltará o respeito de padres e
leigos nem a idoneidade para acompanhar, dirigir e confirmar o seu rebanho
dócil, participativo e empenhado nas grandes causas, nem a habilidade para
estabelecer e manter o diálogo com os decisores políticos, sociais e económicos
bem como a capacidade de mobilização e dinamização das mais profícuas forças
vivas da comunidade diocesana.
E,
se lhe coube frisar a tradição e a grandeza
da Diocese, quem sabe se o seu nome não virá a figurar em letras de ouro nos
anais da mesma ínclita e muito nobre grei viseense. É que a História sói
construir-se com o pulso dos homens humildes nas palavras, mas grandes na ação.
E aos homens grandes na ação não faltarão as palavras necessárias e mais
adequadas para denunciar os males da sociedade e anunciar um mundo novo,
talhado segundo o coração de Deus.
***
Passados
quase catorze anos, não me arrependo do que então escrevi, pois, de um modo
geral, a sua forma de apascentar os cordeiros e as ovelhas da grei viseense,
foi mais além do que eu esperava. Nem sempre o acompanhei nas suas declarações,
sobretudo no atinente à visão das instituições de apoio à 3.ª Idade. Todavia,
tenho de reconhecer que foi um grande Pastor e abriu à diocese horizontes de profunda
eclesialidade pondo em marcha a verdadeira sinodalidade que faz a subsistência
duma Igreja peregrina, sendo o auge dessa caminhada o Sínodo Diocesano, que se
tornou ponto de partida para uma reformulação da vivência da Igreja viseense (as conclusões, apresentadas em 2016
constituem “a base para os planos pastorais dos próximos 10 anos”). E deixou as estruturas diocesanas renovadas, nomeadamente a
Casa Episcopal, a Cúria Diocesana, a livraria e o “Jornal da Beira”. Por outro lado, ficam no ouvido as declarações
de abertura a novas realidades ministeriais na Igreja, como a ordenação presbiteral
de homens casados e a ordenação diaconal e sacerdotal de mulheres, logo que
tais questões estejam amadurecidas e a suprema autoridade eclesiástica o
decidisse. No mesmo tom cordial e aberto, recebeu a Exortação Apostólica pós-sinodal
Amoris Laetitia, sobre o matrimónio e
a família. E não deixou de esgrimir a espada contra as injustiças sociais, a exploração
e a corrupção.
Tem razão o Bispo de Viseu em apelar à união da
igreja diocesana (clero, diáconos, consagrados e leigos) e a todas as pessoas de
boa vontade para continuarem o “legado espiritual e pastoral” de Dom Ilídio
Leandro, “um homem muito simples e muito humilde”, que viveu o seu sofrimento
com muita fé e com muita discrição”.
Dom António Luciano revela que “na hora da sua
morte estava junto dele a rezar”, pois Dom Ilídio partilhava com ele a
circunstância de ter “começado a Quaresma mais cedo”, prevendo também a
celebração da Páscoa “mais cedo”. Afirma que o Bispo emérito marcou a diocese
“não só pelo trabalho que desenvolveu em várias frentes”, mas também porque
“foi um homem que passou pela vida de muita gente” e “viveu a esperança,
que procurou mostrar até ao último momento da sua vida”. E recorda o trabalho
de Dom Ilídio “no seminário, nas paróquias, como professor de teologia moral,
responsável a nível nacional da Pastoral Juvenil, pároco, diretor espiritual,
assistente de muitos movimentos”, que tinha na juventude e na família duas
prioridades para a sua ação, prioridades que o seu sucessor também assume.
Enfim, era o Pastor do terreno e menos de
gabinete, acolhedor e afável – digo eu.
2020.02.23 – Louro de Carvalho
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