O Vaticano
acolheu, no dia 5 do corrente mês de fevereiro, o Simpósio “Novas formas de fraternidade solidária, de
inclusão, integração e inovação”, em que participaram, entre outros, economistas,
ministros da economia e banqueiros para debaterem um pacto global contra as
desigualdades e por uma melhor distribuição da riqueza.
Os trabalhos, com a presença de Kristalina Georgieva,
diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), foram promovidos pela Academia Pontifícia de Ciências Sociais (APCS).
No âmbito do encontro, o Papa recebeu os participantes à
tarde, na Casina Pio IV, e denunciou, perante eles, a realidade dum mundo
rico, mas em que “os pobres aumentam ao nosso redor”.
Logo no
início, manifestou gratidão pelo encontro e exortou a aproveitar este novo
início do ano para construir pontes, “pontes que favoreçam o desenvolvimento de
um olhar solidário a partir dos bancos, das finanças, dos governos e das
decisões económicas”, frisando que “precisamos de muitas vozes capazes de
pensar, a partir de uma perspetiva poliédrica, as várias dimensões de um
problema global que diz respeito aos nossos povos e às nossas democracias”.
No
quadro da realidade que denunciou, Francisco apontou as centenas de milhões de
pessoas imersas na extrema pobreza. Na verdade, de acordo com os relatórios oficiais, a renda mundial
deste ano será de quase 12 mil dólares per
capita, mas as centenas de milhões de pessoas que ainda se encontram
imersas na pobreza extrema não dispõem de alimento, habitação, assistência
médica, escolas, eletricidade, água potável e estruturas higiénicas adequadas e
indispensáveis. Mais. Diz o Papa que se calcula que “cerca de cinco milhões de crianças
abaixo dos 5 anos morrerão este ano devido à pobreza” e que “outros 260 milhões
não receberão uma educação por falta de recursos, por causa das guerras e das
migrações”. E, como se não bastasse, esta situação fez de milhões de seres humanos “vítimas do tráfico de pessoas e das novas
formas de escravidão, como o trabalho forçado, a prostituição e o tráfico de
drogas”.
Todavia, esta
realidade não legitima qualquer atitude de desespero e de inação por parte dos
decisores e dos cidadãos. Ao invés, todos devem saber que não se trata de determinismo
nem de condenação à iniquidade universal. Por conseguinte, esta realidade tem
de nos impulsionar a fazer algo que inverta esta situação degradante da
condição humana e dos valores éticos. Neste sentido, a mensagem de esperança
que o Pontífice partilhou com os presentes é bem explícita:
“Não
existe um determinismo que nos condene à iniquidade universal. Permitam-me
repetir: não somos condenados à iniquidade universal. Isso torna possível um
novo modo de enfrentar os eventos, que permita encontrar e gerar respostas
criativas diante do evitável sofrimento de tantos inocentes; isso implica
aceitar que, em não poucas situações, nos encontramos diante de uma falta de
vontade e de decisão para mudar as coisas, e principalmente as prioridades.”.
É isto mesmo:
falta vontade política, capacidade de decidir, lucidez e energia para mudar as
coisas, começando por alterar as prioridades. E o Santo Padre foi incisivo
quando vincou:
“Um
mundo rico e uma economia vibrante podem e devem acabar com a pobreza. E podem-se
gerar e promover dinâmicas capazes de incluir, alimentar, cuidar e vestir os
últimos da sociedade, ao invés de excluí-los.”.
Segundo
o líder da Igreja Católica, devem ser decididas as pessoas e as coisas a que
dar prioridade: se
favorecer mecanismos socioeconómicos humanizadores para toda a sociedade ou, ao
contrário, fomentar um sistema que acaba por justificar determinadas práticas
que só fazem aumentar o nível de injustiça e de violência social. Neste
sentido, foi apodítico:
“O
nível de riqueza e de técnica acumulados pela humanidade, bem como a
importância e o valor que os direitos humanos adquiriram, não permitem mais
pretextos. Devemos ter consciência de que todos somos responsáveis. Isso não
quer dizer que todos somos culpados. Todos somos responsáveis por fazer algo.”.
A existência
da pobreza extrema a par da riqueza (e riqueza extrema), resulta da nossa permissão a que se tenha ampliado a
disparidade até se tornar a maior da história.
Apoiado em
dados quase oficiais, Francisco afirmou que as 50 pessoas mais ricas do mundo
têm um património tal que poderiam financiar a assistência médica e a educação
de todas as crianças pobres no mundo, pelo pagamento de impostos, por
iniciativas filantrópicas ou por ambos os mecanismos. Essas 50 pessoas poderiam
salvar milhões de vidas todos os anos.
Porém,
estamos na globalização da indiferença, que já foi chamada “inação”. São João
Paulo II chamou a isto estruturas de pecado. E estas encontram clima propício
para a sua expansão quando o Bem Comum é reduzido ou limitado a determinados
setores ou quando a economia e a finança se tornam fins em si mesmas. “É a
idolatria do dinheiro, a avidez e a especulação”.
Na
linha da razão
iluminada pela fé, o Papa Bergoglio salientou que a doutrina social da Igreja
celebra as formas de governo e os bancos que realizem a sua finalidade de “buscar
o bem comum, a justiça social, a paz, bem como o desenvolvimento integral de todo
indivíduo, de toda comunidade humana e de todas as pessoas”. Contudo, não
deixou de observar que a Igreja alerta que essas instituições (tanto públicas quanto privadas) podem decair em estruturas de
pecado. E disse:
“As
estruturas de pecado hoje incluem repetidos cortes dos impostos para as
pessoas mais ricas, justificados muitas vezes em nome do investimento e do
desenvolvimento; paraísos fiscais para os lucros privados e corporativos;
e a possibilidade de corrupção por parte de algumas das maiores empresas do
mundo, não raramente em sintonia com o setor político governante.”.
Relevou o
peso dívida externa dos países pobres e as suas consequências sobre a
população:
“As
pessoas pobres em países muito endividados suportam imposições tributárias
opressoras e cortes nos serviços sociais, na medida em que os seus
governantes pagam as dívidas contraídas de modo insensível e insustentável”.
E, citando a
Carta encíclica Centesimus
annus (n. 35), de 1991, afirmou que as exigências morais de São
João Paulo II se mostram hoje surpreendentemente atuais:
“Com
certeza que é justo o princípio de que as dívidas devem ser pagas; não é
lícito, porém, pedir ou pretender um pagamento, quando esse levaria, de facto,
a impor opções políticas tais que condenariam à fome e ao desespero populações
inteiras. Não se pode pretender que as dívidas contraídas sejam pagas com
sacrifícios insuportáveis. Nestes casos, é necessário – como, de resto, está
a suceder em certa medida – encontrar modalidades para mitigar, reescalonar ou
até cancelar a dívida, compatíveis com o direito fundamental dos povos à
subsistência e ao progresso.”.
Depois, o
Santo Padre advertiu que “a maior estrutura de pecado é a indústria da guerra,
porque é dinheiro e tempo a serviço da divisão e da morte”, e que o mundo perde
todos os anos biliões de dólares em armamentos e violências, que poderiam
acabar com a pobreza e o analfabetismo:
“Vós,
que tão gentilmente estais aqui reunidos, sois os líderes financeiros e
especialistas do mundo em economia. Vós conheceis por primeiro quais são as
injustiças da nossa economia global atual. Trabalhemos juntos para acabar com
essas injustiças.” – disse e exortou.
E, convicto de que as ações isoladas
podem resolver problemas pontuais, mas não obviam às situações de pobreza
estrutural e de desigualdade sistémica, Francisco afirmou com veemência que “o
tempo presente exige e requer passar de uma lógica insular e antagonista como
único mecanismo autorizado para a solução dos conflitos, a outra (lógica) capaz de promover a interconexão que
favorece uma cultura do encontro, onde se renovem as bases sólidas de uma nova
arquitetura financeira internacional”. Com efeito, se não houver políticas
públicas audazes, a estruturação da sociedade no economicismo financeiro e
especulativo afundará o fosso entre os muito ricos e os pobres.
É óbvio que o
Papa não configura a arquitetura que propõe, mas aponta as bases que os
especialistas sensíveis a ela devem desenvolver e implementar.
2020.02.08 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário