Quem o diz é a Deco Proteste, que diz ter assistido com desalento à não aprovação da
redução do IVA da eletricidade, pois trata-se dum serviço público essencial, e
recorda que, em 2018, lançou uma campanha secundada por 80 mil cidadãos que pediam a redução do IVA na eletricidade, no gás
natural e no gás engarrafado. Para Rita Rodrigues, responsável das
relações institucionais da Deco Proteste, a defesa do consumidor saiu
prejudicada.
O IVA da eletricidade e do gás subiu de 6% para 23% em 2011, aquando da
intervenção da ‘troika’ em Portugal, com base na necessidade orçamental,
considerando Rita Rodrigues que, anos depois, já com o país sem o resgate,
“esta injustiça continua a verificar-se”. Então, o PSD e o CDS, doídos por
questões orçamentais que espelhavam o desígnio de cumprir as exigências da
troika e, mesmo, ir além da troika, não por causa dos credores, mas por nós,
decidiram pela política cega dos cortes nos subsídios, na manutenção dos cortes
salariais e no brutal aumento de impostos. O PS, que estava na oposição em
virtude dos resultados eleitorais, manifestou-se contra a subida do IVA e do
gás, aduzindo a essencialidade destes bens e serviços, mas agora, como partido
do Governo, não aceita a descida tout
court dos 23% para os 6.º na eletricidade, como não tem feito a pressão
suficiente junto da EDP e do mercado livre para que a fatura da eletricidade se
sustente em níveis decentes. No ano passado, até procedeu a um engano aos
consumidores mais frágeis taxando a 6% só a parte fixa da fatura, depois de
haver prometido um abaixamento para 6.º para os contratos de mais baixa
potência, um universo residual.
Por seu turno, o CDS, com nova direção, veio ajudar o PS na reta final do
OE2020 não acompanhando a proposta do PSD. E o orçamento mantém do IVA na
eletricidade a 23%.
Não se pode dizer que o CDS tenha persistido pura e simplesmente na rota
que defendeu ou aceitou em 2011, mas trocou a manutenção da taxa dos 23% com
ganhos no âmbito do IMI em prol dos empresários agrícolas cujos armazéns e
edificações afetos a unidades de produção serão considerados prédios rústicos,
obviamente com um valor patrimonial muito baixo, e outras vantagens favoráveis
ao eleitorado que tradicionalmente privilegia.
E, enquanto o PCP (e, em certa medida, o BE, vindo a propor os 13%) se mantém irredutivelmente na reivindicação no IVA de
6% na eletricidade, ao PSD custa dizer adeus à posição sustentada em 2011.
Começou por afoitamente defender a baixa do IVA da eletricidade para os 6%,
parecendo arrastar consigo os demais partidos com exceção do PS. Porém, cedo
teve o baque orçamental e inventou uma série de contrapartidas para compensar
essa descida (passavam por cortes nos gabinetes ministeriais e, sobretudo, pela data de
aplicação da proposta, apenas em 1 de outubro). E o partido do Governo tremeu quando se apresentava o cenário de os
partidos à esquerda, embora apresentassem uma proposta consubstanciada nos 6%,
diziam acompanhar todas as propostas de baixa do IVA na eletricidade. Por isso,
as campainhas soaram na residência oficial do Primeiro-Ministro e ter-se-ão
multiplicado os negociadores com os partidos passíveis de mudança de posição (O CDS veio
a terreiro dizer que não negociou nada). E o
orçamento vingou com a aprovação solitária do PS, bastando a abstenção das
esquerdas e do CDS em relação à proposta do PSD.
Quer dizer: o PSD dizia querer a redução do imposto, mas propunha
compensações que sabia dificilmente vingariam. Não abandonou a lógica
orçamental da inevitabilidade. E o PS, com a história das contas certas, do superavit e da redução nominal da
dívida, não foi consequente com o que sustentava quando estava na oposição (É a vida –
em vez da inevitabilidade). Enfim,
reina a preocupação orçamental. Depois, o PSD, que diz não acreditar nas contas
do Governo, queria o milagre orçamental, ao passo que o PS, querendo contas
certas, défice zero ou superavit e
dívida reduzida, para satisfação dos credores, mantém uma classe média à beira
da proletarização, só lhe valendo o consumo endividado e algo de economia
subterrânea. Enquanto isso, engrossamos os gabinetes governamentais, honramos o
compromisso de salvar bancos e deixamos à solta os corifeus da fraude fiscal,
corrupção e branqueamento de capitais, tal como suportamos o aumento das
comissões bancárias pagando todos os serviços que os bancos nos prestam generosamente.
Enfim, oferecemos ao estrangeiro as nossas instituições bancárias e ainda lhe
pagamos para que se mantenha na posse delas. É caso para dizer: levem-nas ou
larguem-nas!
Entretanto, o Governo fez inscrever na Lei do Orçamento do Estado uma
autorização legislativa para levar a cabo a distinção das taxas de IVA da
eletricidade por escalões, pois solicitou, nesse sentido, autorização ao Comité de IVA da Comissão Europeia, o que, se for
levado à prática, Rita Rodrigues considera uma melhoria face ao que existe
atualmente, mas que não responde ao reivindicado nem afasta a situação de
injustiça, pois um bem público essencial deve ter uma taxa de IVA
reduzida sem exceções. E o PS, através do Secretário de Estado dos Assuntos
Fiscais, diz não considerar que “baixar
a fatura da eletricidade seja a forma mais correta através do IVA” e promete
uma redução de imposto em sede IRS em 2021.
O mesmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
refere que a proposta que
está em Bruxelas visa identificar o que são os constrangimentos existentes ao
nível das regras do IVA para implementar esta medida e que estão a ser
exploradas todas as hipóteses para se poder concretizar a medida que o Governo pretende
sustentar. Diz que o Governo está preocupado com os preços da energia e com a
pobreza energética, pelo que tem vindo a fazer a tarifa social, a redução do
défice tarifário e a CESE, ou seja, promove um uso eficiente da energia
utilizando o IVA para o efeito. E acusa o PSD de não ter querido baixar o IVA
da eletricidade, mas criar um problema à maioria parlamentar, tendo-se, depois,
enrodilhado no seu próprio problema.
Rita Rodrigues recorda que um relatório da Comissão Europeia de 2017
alertava para o nível de pobreza energética em Portugal face ao número de pessoas
que têm dificuldades em manter as casas com a temperatura adequada. Em todo o
caso, o Parlamento confirmou em plenário a manutenção do IVA da eletricidade
em 23% depois de ter rejeitado propostas do PCP e do BE para a baixar para 6% e
13%, respetivamente.
***
Apesar da inscrição da predita autorização
legislativa no OE2020, cabe ao Tribunal Europeu de Justiça decidir se a mexida
no IVA da luz quebra os princípios da neutralidade e concorrência.
Indiferente à polémica instalada em Portugal nas últimas semana em torno do
IVA da luz, “o Conselho Europeu está neste momento a debater a nível
técnico” a proposta já enviada a Bruxelas pelo Governo para fazer variar as
taxas deste imposto aplicadas em função dum maior ou menor consumo de
eletricidade. Sabe-se que a decisão do Conselho será conhecida
depois de o Orçamento estar em vigor, ou seja, depois de 1 de março, uma vez
que “a próxima reunião do Comité do IVA da Comissão Europeia só terá
lugar em meados de março”
E, caso uma primeira análise do Comité do IVA da Comissão Europeia
revele “possíveis problemas legais na taxação, causadas pela medida”
de introduzir diferentes taxas para um mesmo bem de consumo, a decisão
final poderá ter de ir até à última instância, ou seja, até ao Tribunal Europeu
de Justiça, pois cabe-lhe decidir sobre se
uma medida de alteração à taxa de IVA aplicada à eletricidade resultará na
quebra do princípio da neutralidade do IVA ou se provoca alguma distorção à
concorrência que viole as leis da União Europeia.
À luz da lei europeia, qualquer mexida em Portugal para baixar o IVA da luz
começa sempre com a Diretiva do IVA, que especifica as regras para a aplicação
deste imposto pelos Estados-membros. De acordo com a mesma fonte de Bruxelas, o
art.º 102.º da Diretiva do IVA especifica que as taxas sobre o consumo se devem
situar entre um valor mínimo (5%) e um valor
máximo. No entanto, antes de aplicar as taxas mais reduzidas a certos bens
e serviços, como é o caso da eletricidade, do gás natural ou do aquecimento
urbano, os Estados-membros são obrigados a consultar o Comité do IVA.
É engraçado. Porque não foram obrigados a consultar o
dito Comité do IVA antes de ser decretada a subida? Para mais, é referido que o
processo de consulta não passa duma formalidade, visto que o comité não pode aprovar ou rejeitar a medida
proposta (responsabilidade
que cabe à Comissão Europeia e, em última análise, ao Tribunal Europeu de
Justiça), podendo sublinhar, no entanto,
“preocupações legais” ao nível do impacto fiscal, decorrentes da alteração.
E assim são os nossos governantes desde os alvores da
democracia!
2020.02.10
– Louro de Carvalho
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