segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

A cobrança do IVA a 23% na eletricidade é uma injustiça


Quem o diz é a Deco Proteste, que diz ter assistido com desalento à não aprovação da redução do IVA da eletricidade, pois trata-se dum serviço público essencial, e recorda que, em 2018, lançou uma campanha secundada por 80 mil cidadãos que pediam a redução do IVA na eletricidade, no gás natural e no gás engarrafado. Para Rita Rodrigues, responsável das relações institucionais da Deco Proteste, a defesa do consumidor saiu prejudicada.
O IVA da eletricidade e do gás subiu de 6% para 23% em 2011, aquando da intervenção da ‘troika’ em Portugal, com base na necessidade orçamental, considerando Rita Rodrigues que, anos depois, já com o país sem o resgate, “esta injustiça continua a verificar-se”. Então, o PSD e o CDS, doídos por questões orçamentais que espelhavam o desígnio de cumprir as exigências da troika e, mesmo, ir além da troika, não por causa dos credores, mas por nós, decidiram pela política cega dos cortes nos subsídios, na manutenção dos cortes salariais e no brutal aumento de impostos. O PS, que estava na oposição em virtude dos resultados eleitorais, manifestou-se contra a subida do IVA e do gás, aduzindo a essencialidade destes bens e serviços, mas agora, como partido do Governo, não aceita a descida tout court dos 23% para os 6.º na eletricidade, como não tem feito a pressão suficiente junto da EDP e do mercado livre para que a fatura da eletricidade se sustente em níveis decentes. No ano passado, até procedeu a um engano aos consumidores mais frágeis taxando a 6% só a parte fixa da fatura, depois de haver prometido um abaixamento para 6.º para os contratos de mais baixa potência, um universo residual.
Por seu turno, o CDS, com nova direção, veio ajudar o PS na reta final do OE2020 não acompanhando a proposta do PSD. E o orçamento mantém do IVA na eletricidade a 23%.
Não se pode dizer que o CDS tenha persistido pura e simplesmente na rota que defendeu ou aceitou em 2011, mas trocou a manutenção da taxa dos 23% com ganhos no âmbito do IMI em prol dos empresários agrícolas cujos armazéns e edificações afetos a unidades de produção serão considerados prédios rústicos, obviamente com um valor patrimonial muito baixo, e outras vantagens favoráveis ao eleitorado que tradicionalmente privilegia.
E, enquanto o PCP (e, em certa medida, o BE, vindo a propor os 13%) se mantém irredutivelmente na reivindicação no IVA de 6% na eletricidade, ao PSD custa dizer adeus à posição sustentada em 2011. Começou por afoitamente defender a baixa do IVA da eletricidade para os 6%, parecendo arrastar consigo os demais partidos com exceção do PS. Porém, cedo teve o baque orçamental e inventou uma série de contrapartidas para compensar essa descida (passavam por cortes nos gabinetes ministeriais e, sobretudo, pela data de aplicação da proposta, apenas em 1 de outubro). E o partido do Governo tremeu quando se apresentava o cenário de os partidos à esquerda, embora apresentassem uma proposta consubstanciada nos 6%, diziam acompanhar todas as propostas de baixa do IVA na eletricidade. Por isso, as campainhas soaram na residência oficial do Primeiro-Ministro e ter-se-ão multiplicado os negociadores com os partidos passíveis de mudança de posição (O CDS veio a terreiro dizer que não negociou nada). E o orçamento vingou com a aprovação solitária do PS, bastando a abstenção das esquerdas e do CDS em relação à proposta do PSD.
Quer dizer: o PSD dizia querer a redução do imposto, mas propunha compensações que sabia dificilmente vingariam. Não abandonou a lógica orçamental da inevitabilidade. E o PS, com a história das contas certas, do superavit e da redução nominal da dívida, não foi consequente com o que sustentava quando estava na oposição (É a vida – em vez da inevitabilidade). Enfim, reina a preocupação orçamental. Depois, o PSD, que diz não acreditar nas contas do Governo, queria o milagre orçamental, ao passo que o PS, querendo contas certas, défice zero ou superavit e dívida reduzida, para satisfação dos credores, mantém uma classe média à beira da proletarização, só lhe valendo o consumo endividado e algo de economia subterrânea. Enquanto isso, engrossamos os gabinetes governamentais, honramos o compromisso de salvar bancos e deixamos à solta os corifeus da fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais, tal como suportamos o aumento das comissões bancárias pagando todos os serviços que os bancos nos prestam generosamente. Enfim, oferecemos ao estrangeiro as nossas instituições bancárias e ainda lhe pagamos para que se mantenha na posse delas. É caso para dizer: levem-nas ou larguem-nas!    
Entretanto, o Governo fez inscrever na Lei do Orçamento do Estado uma autorização legislativa para levar a cabo a distinção das taxas de IVA da eletricidade por escalões, pois solicitou, nesse sentido, autorização ao Comité de IVA da Comissão Europeia, o que, se for levado à prática, Rita Rodrigues considera uma melhoria face ao que existe atualmente, mas que não responde ao reivindicado nem afasta a situação de injustiça, pois um bem público essencial deve ter uma taxa de IVA reduzida sem exceções. E o PS, através do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, diz não considerar que “baixar a fatura da eletricidade seja a forma mais correta através do IVA” e promete uma redução de imposto em sede IRS em 2021.
O mesmo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais refere que a proposta que está em Bruxelas visa identificar o que são os constrangimentos existentes ao nível das regras do IVA para implementar esta medida e que estão a ser exploradas todas as hipóteses para se poder concretizar a medida que o Governo pretende sustentar. Diz que o Governo está preocupado com os preços da energia e com a pobreza energética, pelo que tem vindo a fazer a tarifa social, a redução do défice tarifário e a CESE, ou seja, promove um uso eficiente da energia utilizando o IVA para o efeito. E acusa o PSD de não ter querido baixar o IVA da eletricidade, mas criar um problema à maioria parlamentar, tendo-se, depois, enrodilhado no seu próprio problema.
Rita Rodrigues recorda que um relatório da Comissão Europeia de 2017 alertava para o nível de pobreza energética em Portugal face ao número de pessoas que têm dificuldades em manter as casas com a temperatura adequada. Em todo o caso, o Parlamento confirmou em plenário a manutenção do IVA da eletricidade em 23% depois de ter rejeitado propostas do PCP e do BE para a baixar para 6% e 13%, respetivamente.
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Apesar da inscrição da predita autorização legislativa no OE2020, cabe ao Tribunal Europeu de Justiça decidir se a mexida no IVA da luz quebra os princípios da neutralidade e concorrência.
Indiferente à polémica instalada em Portugal nas últimas semana em torno do IVA da luz, “o Conselho Europeu está neste momento a debater a nível técnico” a proposta já enviada a Bruxelas pelo Governo para fazer variar as taxas deste imposto aplicadas em função dum maior ou menor consumo de eletricidade. Sabe-se que a decisão do Conselho será conhecida depois de o Orçamento estar em vigor, ou seja, depois de 1 de março, uma vez que “a próxima reunião do Comité do IVA da Comissão Europeia só terá lugar em meados de março”
E, caso uma primeira análise do Comité do IVA da Comissão Europeia revele “possíveis problemas legais na taxação, causadas pela medida” de introduzir diferentes taxas para um mesmo bem de consumo, a decisão final poderá ter de ir até à última instância, ou seja, até ao Tribunal Europeu de Justiça, pois cabe-lhe decidir sobre se uma medida de alteração à taxa de IVA aplicada à eletricidade resultará na quebra do princípio da neutralidade do IVA ou se provoca alguma distorção à concorrência que viole as leis da União Europeia.
À luz da lei europeia, qualquer mexida em Portugal para baixar o IVA da luz começa sempre com a Diretiva do IVA, que especifica as regras para a aplicação deste imposto pelos Estados-membros. De acordo com a mesma fonte de Bruxelas, o art.º 102.º da Diretiva do IVA especifica que as taxas sobre o consumo se devem situar entre um valor mínimo (5%) e um valor máximo. No entanto, antes de aplicar as taxas mais reduzidas a certos bens e serviços, como é o caso da eletricidade, do gás natural ou do aquecimento urbano, os Estados-membros são obrigados a consultar o Comité do IVA.
É engraçado. Porque não foram obrigados a consultar o dito Comité do IVA antes de ser decretada a subida? Para mais, é referido que o processo de consulta não passa duma formalidade, visto que o comité não pode aprovar ou rejeitar a medida proposta (responsabilidade que cabe à Comissão Europeia e, em última análise, ao Tribunal Europeu de Justiça), podendo sublinhar, no entanto, “preocupações legais” ao nível do impacto fiscal, decorrentes da alteração.
E assim são os nossos governantes desde os alvores da democracia!
2020.02.10 – Louro de Carvalho

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