quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Aeroporto do Montijo está em risco de não avançar


Apesar de toda a movimentação contra a construção no Montijo um aeroporto complementar ao da Portela, adotada pelo Governo a reboque da Vinci, proprietária da ANA, o único fator que faz parar o projeto é a recusa do PSD e dos partidos à esquerda do PS de anuírem à pretensão do Governo de alterar o diploma legal segundo o qual um projeto desta envergadura não será exequível se houver oposição de alguma das autarquias afetadas. E os partidos da oposição são, neste aspeto, acompanhados por alguns constitucionalistas que entendem que a mudança das regras a meio do jogo pode levantar problemas de constitucionalidade.
De facto, algumas das autarquias afetadas, nomeadamente as da Moita e do Seixal, já fizeram saber da sua oposição ao aeroporto no Montijo, posicionamento que vem na linha de várias outros tomadas de posição, que se destacam as de: “Plataforma Cívica Aeroporto BA6-Montijo Não!”; 8 organizações ambientalistas; Ordem dos Engenheiros Portugueses; e ex-Primeiro-Ministro José Sócrates.  
Mal foi conhecida a nota da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), que dava conta da decisão de propor a DIA (Declaração de Impacte Ambiental) favorável condicionada à construção do designado Aeroporto do Montijo e Respetivas Acessibilidades, a “Plataforma Cívica Aeroporto BA6-Montijo Não!” veio esclarecer que sempre afirmou não responder esta opção aos interesses estratégicos de Portugal no domínio das infraestruturas aeronáuticas civis e do desenvolvimento sustentado do país. Com efeito, o uso da BA6 é o que tem mais impactos negativos sobre as populações, sobre a sua saúde e segurança e sobre o meio ambiente envolvente. Além disso, é a pior localização para instalar um aeroporto civil, pois, na principal aproximação sul à pista, situam-se escolas, hospital e instalações industriais caraterizadas pela manipulação, transporte e uso de substâncias voláteis e perigosas; e, na zona sobrevoada na aproximação à pista 01, habitam mais de 30 000 pessoas.
A APA impõe a execução de medidas estruturais de garantia da insonorização das casas, apresentando valores a suportar pela ANA, sem explicar a forma como foram avaliados, as coberturas e condições. E, segundo a nota da APA, confirmam-se todos os perigos, riscos e agressões que têm sido apontados. Mais: a APA refere três áreas a dirimir – avifauna, ruído e mobilidade – esquecendo outras não menos importantes, como a segurança de pessoas e bens, a segurança aeronáutica e os riscos de colisão com aves. Assim, a APA cria um novo paradigma: não são as Infraestruturas que respeitam o Ordenamento do Território, mas é o Ordenamento que se adapta às Infraestruturas. Também nada é referido sobre a mobilidade ferroviária no acesso ao aeroporto e como é que ela será resolvida no futuro, quando o Programa do Governo lhe dá especial prioridade, na linha das orientações da UE.
É do conhecimento público que, na fase de consulta pública, nenhuma das Organizações e Associações ambientalistas se pronunciou favoravelmente ao EIA (estudo de impacto ambiental) e à opção Montijo. E, sendo admissível que a esmagadora maioria das 1180 participações será contrária à construção do aeroporto no Montijo (não foram publicados relatórios), torna-se inexplicável que a decisão de DIA seja favorável, ainda que condicionada. E, ao decidir-se pela DIA, favorável condicionada à tomada de 160 medidas corretivas, evidenciando o montante de cerca de 48 milhões de euros de compensações, a APA está a dar um sinal de contornos perigosos, ou seja, desde que se pague, tudo é possível.
Por seu turno, 8 organizações ambientalistas vão recorrer aos tribunais e à Comissão Europeia para travar o aeroporto no Montijo, por considerarem “ir contra as leis nacionais, as diretivas europeias e os tratados internacionais”. São elas: Almargem, ANP/WWF, A Rocha, GEOTA, LPN, FAPAS, SPEA e Zero – que reiteram que todo o processo “tem forçosamente que ser apreciado no contexto de uma avaliação ambiental estratégica” em que sejam ponderadas todas as opções possíveis. E salientam:
A construção de um novo aeroporto não pode ser decidida como um projeto avulso, desenquadrado dos instrumentos de planeamento estratégico aos quais o país está vinculado, e tem de ter como base o conhecimento mais completo e atual de todas as componentes (climática, ecológica, social, económica, etc.).”.
Entendem as associações que ficam na DIA várias respostas por dar, por exemplo sobre cenários de crescimento do turismo, alternativas ao transporte aéreo (como o comboio, menos poluidor) ou sobre as alternativas ao Montijo – questões que teriam resposta com uma avaliação ambiental estratégica que contemplasse a expansão do aeroporto Humberto Delgado. E, em seu entender, o EIA do novo aeroporto “tem insuficiências graves” porque não avalia corretamente o impacto ambiental do projeto e estabelece medidas desadequadas de compensação e mitigação. Não se consideram devidamente os impactos sobre os valores naturais, nem os impactos para a saúde pública ou para a qualidade de vida das populações. E nem é considerada a questão das alterações climáticas e as emissões de gases com efeito de estufa, que o Governo quer reduzir, nem a segurança de pessoas e bens.
Frisam as associações que o valor da compensação financeira proposta não tem qualquer fundamento quanto à valorização do que se perde, nem qualquer fundamento quanto à eficácia na resolução dum problema real. E, porque o Governo não deu importância a estas e outras preocupações graves levantadas por inúmeras entidades durante o processo de consulta pública, as organizações de ambiente não veem outra alternativa que não seja pô-las à consideração do sistema judicial e das autoridades europeias.
A Ordem dos Engenheiros Portugueses (OEP) arrasa em toda a linha a opção do Governo para o novo aeroporto de Lisboa na base aérea do Montijo. De facto, instituição liderada por Mineiro Aires entende que a opção “é política e resulta de diversas condicionantes, cuja conjugação acabou por ditar um caminho irreversível”, além de considerar que “só pode ser entendida como o entendimento da consequência de um processo que roçou a opacidade e que conduziu o país para essa inevitabilidade”.
O documento de 26 páginas – que integra os contributos de Matias Ramos, antigo presidente do LNEC, e de vários colégios da OEP: colégio nacional de engenharia civil, colégio de engenharia do ambiente e comissão de especialização de transportes e vias de comunicação – recorda que o processo “foi integralmente conduzido pela concessionária ANA, detida pela Vinci” e lamenta que “a engenharia portuguesa não tivesse oportunidade para qualquer intervenção na avaliação de eventuais alternativas possíveis, mas que o arrastar do tempo acabou por aniquilar, pelo que a solução que agora se encontra em processo de AIA (Avaliação de Impacto Ambiental) acabou por inevitável e irrefutável. E, considerando que a alternativa do Campo de Tiro de Alcochete para o novo aeroporto de Lisboa é a mais satisfatória, observa:
Esta solução, que na altura foi politicamente aceite e considerada, é a única que interessa ao país, porquanto permitiria a construção de um aeroporto de raiz, com duas pistas paralelas e demais equipamentos aeroportuários e respetivas acessibilidades e meios de acesso, que configurariam os requisitos de um verdadeiro aeroporto internacional, infraestrutura de que o país não dispõe e que com esta solução continuará a não dispor”.
Com a privatização da ANA, Portugal perdeu a soberania aeroportuária. E a OEP vinca:
Com este contrato de concessão todos os aeroportos nacionais e das regiões autónomas foram concessionados e passaram a ser geridos pela ANA, agora já detida pela Vinci”.
Por outro lado, a instituição dirigida por Mineiro Aires assume:   
 “A Ordem dos Engenheiros não é insensível à falta de capacidade financeira do país para poder avançar com a única solução que entendemos ser consistente e de futuro, que passaria pela construção de um verdadeiro e adequado novo aeroporto de Lisboa (NAL), localizado nos concelhos de Montijo e Benavente, na proximidade de Canha, no campo de tiro de Alcochete, o que entende ser a única justificação para que possamos aceitar a decisão, muito embora esta fundamentação tenha sido muito pouco demonstrada”.
Por outro lado, refere a OEP que nem se chega a saber quanto poderia ter custado uma outra qualquer alternativa, porquanto os interesses da concessionária desde muito cedo se viraram para a reconversão da BA6 (base aérea do Montijo), tudo tendo sido feito nesse sentido”. E frisa a unanimidade da aceitação da evidência de que a solução Montijo irá atingir a saturação muito antes do prazo de concessão terminar.
Do ponto de vista ambiental, a OEP frisa que o EIA sobre o aeroporto no Montijo não apreciou os efeitos do impacto das aves nos aviões, na segurança aeronáutica, que, a seu ver, “constitui uma lacuna grave”, além de subsistirem dúvidas sobre se esta solução será a que assegura melhor os desenvolvimentos regionais colaterais que normalmente se encontram associados à implantação de uma infraestrutura aeroportuária”. E a OEP releva ainda outros aspetos negativos da opção Montijo, como o ruído, qualidade do ar e riscos de contaminação da água.
Sócrates, por sua vez, afirma que, se a solução Montijo for adotada, será a única opção que nunca teve um estudo de comparação com qualquer outra alternativa.
Referindo que a decisão de construir um novo aeroporto, baseada em previsões realistas e no interesse nacional, foi alvo de injustas acusações de despesismo e megalomania e, loando as vantagens do Alqueva para a economia, esgrime a espada pelo aeroporto em Alcochete.  
O primeiro argumento (de natureza ambiental) é que nenhum novo aeroporto internacional de uma capital europeia deve ser construído perto duma cidade ou ao lado duma área protegida e que, para construir um novo aeroporto internacional com pista acima dos 2100 metros, a legislação ambiental impõe a comparação entre lugares possíveis, não permitindo o estudo de um único local, previamente decidido, sendo a isto que se chama avaliação ambiental estratégica.
O segundo argumento tem a ver com a urgência. E à solução Montijo contrapõe Alcochete, que tem o projeto aprovado desde 2010, com avaliação ambiental estratégica aprovada, estudo de impacte ambiental realizado, a respetiva avaliação ambiental aprovada e o parecer positivo das câmaras. Ou seja, Alcochete responde melhor à urgência. É só tirar o projeto do papel.
Depois, aduz a questão financeira. A quem diz que Alcochete é um projeto caro, responde que a sua construção está prevista em fases. Assim, a 1.ª fase de Alcochete, coexistente com a Portela, não é mais dispendiosa que Montijo. E o acesso a Lisboa seria pela ponte Vasco da Gama.
E acrescenta a iniquidade da mudança de legislação a meio do percurso, bem como a legislação “ad hoc” (Aliás, coisas que o político bem soube promover).
A crítica de Sócrates não será vista de soslaio por este Governo, seu herdeiro político?
***
Enfim, Portugal nem sequer consegue fazer um aeroporto incapaz de crescer e permeável à subida de nível do Oceano, quanto mais um aeroporto decente como reza o projeto para Alcochete, sem contestação sustentável! Estranha ANA…
2020.02.27 – Louro de Carvalho

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