terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Santa Sé: um ano de formação em terras de missão para futuros diplomatas


É este o teor do pedido do Papa Francisco em carta endereçada ao Presidente da Pontifícia Academia Eclesiástica no passado dia 11 de fevereiro e divulgada no dia 17.
Na verdade, esta preocupação pela formação missionária prática dos futuros diplomatas da Santa Sé por parte do Papa Bergoglio vem de há muito tempo. Com efeito, já no discurso que fez à comunidade desta academia em 25 de junho de 2015 apontava para esta vertente ao dizer:   
A missão que estais chamados a desempenhar um dia levar-vos-á a todas as partes do mundo: à Europa, que necessita de despertar; à África, sedenta de reconciliação; à América Latina, faminta de alimento e interioridade; à América do Norte, determinada em descobrir as raízes duma identidade que não se define a partir da exclusão; à Ásia e à Oceânia, desafiadas pela capacidade de fermentar na diáspora e dialogar com a vastidão de culturas ancestrais”. 
Por outro lado, exortava os membros da Academia a “não esperarem no terreno pronto”, mas a terem a coragem de o ararem com as próprias mãos, “sem tratores nem outros meios mais eficazes, de que nunca poderemos dispor”, e de o prepararem para a sementeira, esperando com a paciência de Deus a colheita da qual, talvez, não serão eles quem beneficiará; a não pescarem nos aquários nem nos tanques para a reprodução de peixes, mas a terem a coragem de se afastarem das margens de segurança do que já conhecem e a lançarem as redes, a pescarem em áreas menos certas, sem se aterem a comer peixes pré-confecionados por terceiros.
Também ao concluir o trabalho da recente Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazónica, Francisco expressou o desejo de que os sacerdotes que se preparam para o serviço diplomático da Santa Sé dediquem um ano da sua formação ao trabalho missionário numa diocese. Isto na convicção de que tal experiência “será útil para todos os jovens que preparam ou iniciam o serviço sacerdotal, mas em particular para aqueles que no futuro serão chamados a colaborar com os Representantes Pontifícios e, posteriormente, poderão tornar-se enviados da Santa Sé às nações e igrejas particulares.
Em paralelo, a Exortação Apostólica pós-sinodal “Querida Amazónia”, apresentada e divulgada a 12 de fevereiro, preconiza que todos os bispos, especialmente os da América Latina, promovam a oração pelas vocações sacerdotais e sejam mais generosos, levando os que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazónia, para o que é oportuno “rever a fundo a estrutura e o conteúdo tanto da formação inicial como da formação permanente dos presbíteros, de modo que adquiram as atitudes e capacidades necessárias para dialogar com as culturas amazónicas” – uma formação que “deve ser eminentemente pastoral e favorecer o crescimento da misericórdia sacerdotal”. Quer dizer que aqueles que podem vir a ser colocados em terreno específico devem adquirir, desde logo, uma formação adequada para o efeito, alinhada com a misericórdia de Cristo e com as necessidades locais.
No atinente aos futuros diplomatas da Santa Sé, o Papa entende que, “para enfrentarem positivamente” os crescentes desafios colocados à Igreja e ao mundo, “devem adquirir, além da sólida formação sacerdotal e pastoral e a formação específica” oferecida pela Academia, também “uma experiência missionária pessoal fora da própria Diocese de origem, compartilhando com as igrejas missionárias um período de jornada junto da sua comunidade, participando da sua atividade evangelizadora diária”.
E Francisco parece aproveitar a oportunidade de a presidência da Pontifícia Academia Eclesiástica ter mudado de mãos (agora o presidente é Monsenhor Joseph Marino) para solicitar esta inovação curricular, pedindo que esta nova experiência entre em vigor a partir dos novos alunos que iniciarão a sua formação diplomática no próximo ano académico 2020/2021. São estas as palavras do Santo Padre:
Por isso, recorro a ti, querido irmão, que recentemente assumiste o cargo de Presidente da Academia, pedindo-te que implementes o meu desejo de enriquecer o currículo da formação académica com um ano dedicado inteiramente ao serviço missionário nas Igrejas particulares espalhadas por todo o mundo. Esta nova experiência entrará em vigor e começará com os novos alunos que iniciarão a sua formação diplomática no próximo ano académico 2020/2021.”.
Para tanto, deseja que a Academia trabalhe “em estreita colaboração com a Secretaria de Estado e, mais precisamente, com a Secção de Pessoal Diplomático da Santa Sé, bem como com os Representantes Pontifícios” no sentido da elaboração deste projeto e na identificação de determinadas igrejas prontas para receber os alunos e o acompanhamento da sua experiência.
Por fim, certo de que, “superadas as preocupações iniciais que possam surgir deste novo estilo de formação para futuros diplomatas da Santa Sé”, a experiência missionária a ser promovida “será útil não apenas ao jovens académicos, mas também às Igrejas particulares que nisto cooperarem inspirando em outros sacerdotes da Igreja universal o desejo de se tornarem disponíveis para realizar um período de serviço missionário fora de sua própria diocese”, confia “à Virgem Maria, Mãe da Igreja, esta nova modalidade de formação de futuros colaboradores no serviço diplomático da Santa Sé.
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Comentando esta decisão papal, Andrea Tornielli, em editorial do “Vatican News”, anota o contexto em que esse projeto foi pela primeira vez divulgado: a necessidade de encontrar sacerdotes para as missões e a dificuldade de encontrar quem se disponibilize. O Papa frisou a resposta negativa que às vezes se ouve e, pensando que “os jovens religiosos têm uma vocação muito grande”, entende que “é preciso formá-los ao zelo apostólico para irem aos territórios de fronteira”. E, depois, falou dos futuros diplomatas, acenando a uma “sugestão” recebida:
No curriculum do serviço diplomático da Santa Sé, os jovens sacerdotes passarão pelo menos um ano em terra de missão, não fazendo estágio na nunciatura, como se faz atualmente, que é muito útil, mas ao serviço de um bispo num lugar de missão”.
Este compromisso dos futuros núncios apostólicos servirá como exemplo para que outros sacerdotes acolham o convite de passar um tempo em missão.
Esta decisão implica uma significativa mudança nos estudos para quem servirá nas nunciaturas e, em muitos casos, alcançará o episcopado ainda em idade relativamente jovem. Este ano dedicado ao serviço missionário no local, fora do jardim de casa, sujando as mãos na pastoral, nas Igrejas de fronteira, “ajudará a uma melhor e mais profunda compreensão da realidade da Igreja, dos seus problemas e dificuldades, mas também das suas esperanças e da confortadora beleza da sua quotidianidade”, bem como a um discernimento melhor das vocações.
Assim, Francisco reitera que toda a Igreja, incluindo o serviço diplomático, ou é missionária (em saída) ou não é Igreja. “A missão”, diz o Papa, “não é um projeto empresarial bem testado”, nem “um espetáculo organizado para contar quanta gente participa graças às nossas propagandas”, pois o” Espírito Santo age como quer, quando quer e onde quer”. E os diplomatas, que têm de estar junto dos Estados, têm também de saber auscultar e acompanhar a Igrejas locais nas suas ânsias, necessidades e virtualidades e encontrar os que têm o perfil de verdadeiros pastores; são “embaixadores”, não dum Estado de poder, mas de liberdade, de serviço e de pobreza, enfim duma Igreja missionária, que tem sempre de lembrar-se de Jesus Cristo e daqueles em quem Ele mais e melhor se revê – os pobres, os marginalizados e descartados, os últimos.
2020.02.18 – Louro de Carvalho

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