É este o teor do pedido do Papa Francisco em carta endereçada ao
Presidente da Pontifícia Academia Eclesiástica no passado dia 11 de fevereiro e
divulgada no dia 17.
Na verdade, esta preocupação pela formação missionária prática dos
futuros diplomatas da Santa Sé por parte do Papa Bergoglio vem de há muito
tempo. Com efeito, já no discurso que fez à comunidade desta academia em 25 de
junho de 2015 apontava para esta vertente ao dizer:
“A missão que estais chamados a desempenhar um dia levar-vos-á a todas
as partes do mundo: à Europa, que necessita de despertar; à África, sedenta de
reconciliação; à América Latina, faminta de alimento e interioridade; à América
do Norte, determinada em descobrir as raízes duma identidade que não se define
a partir da exclusão; à Ásia e à Oceânia, desafiadas pela capacidade de
fermentar na diáspora e dialogar com a vastidão de culturas ancestrais”.
Por outro lado, exortava os membros da Academia a “não esperarem no
terreno pronto”, mas a terem a coragem de o ararem com as próprias mãos, “sem
tratores nem outros meios mais eficazes, de que nunca poderemos dispor”, e de o
prepararem para a sementeira, esperando com a paciência de Deus a colheita da
qual, talvez, não serão eles quem beneficiará; a não pescarem nos aquários nem
nos tanques para a reprodução de peixes, mas a terem a coragem de se afastarem
das margens de segurança do que já conhecem e a lançarem as redes, a pescarem
em áreas menos certas, sem se aterem a comer peixes pré-confecionados por
terceiros.
Também ao
concluir o trabalho da recente Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos
para a Região Pan-Amazónica, Francisco expressou o desejo de que os sacerdotes
que se preparam para o serviço diplomático da Santa Sé dediquem um ano da sua
formação ao trabalho missionário numa diocese. Isto na convicção de que tal
experiência “será útil para todos os jovens que preparam ou iniciam o serviço
sacerdotal, mas em particular para aqueles que no futuro serão chamados a
colaborar com os Representantes Pontifícios e, posteriormente, poderão tornar-se
enviados da Santa Sé às nações e igrejas particulares.
Em paralelo,
a Exortação Apostólica pós-sinodal “Querida
Amazónia”, apresentada e divulgada a 12 de fevereiro, preconiza que todos os bispos, especialmente os da América Latina,
promovam a oração pelas vocações sacerdotais e sejam mais generosos, levando os
que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazónia, para o que é
oportuno “rever a fundo a estrutura e o conteúdo tanto da formação inicial como
da formação permanente dos presbíteros, de modo que adquiram as atitudes e
capacidades necessárias para dialogar com as culturas amazónicas” – uma
formação que “deve ser eminentemente pastoral e favorecer o crescimento da
misericórdia sacerdotal”. Quer dizer que aqueles que podem vir a ser colocados
em terreno específico devem adquirir, desde logo, uma formação adequada para o
efeito, alinhada com a misericórdia de Cristo e com as necessidades locais.
No atinente
aos futuros diplomatas da Santa Sé, o Papa entende que, “para enfrentarem
positivamente” os crescentes desafios colocados à Igreja e ao mundo, “devem
adquirir, além da sólida formação sacerdotal e pastoral e a formação específica”
oferecida pela Academia, também “uma experiência missionária pessoal fora da
própria Diocese de origem, compartilhando com as igrejas missionárias um
período de jornada junto da sua comunidade, participando da sua atividade
evangelizadora diária”.
E Francisco
parece aproveitar a oportunidade de a presidência da Pontifícia Academia
Eclesiástica ter mudado de mãos (agora o presidente é Monsenhor Joseph Marino) para solicitar esta inovação
curricular, pedindo que esta nova experiência entre em vigor a partir dos novos
alunos que iniciarão a sua formação diplomática no próximo ano académico
2020/2021. São estas as palavras do Santo Padre:
“Por
isso, recorro a ti, querido irmão, que recentemente assumiste o cargo de
Presidente da Academia, pedindo-te que implementes o meu desejo de enriquecer
o currículo da formação académica com um ano dedicado
inteiramente ao serviço missionário nas Igrejas particulares espalhadas por
todo o mundo. Esta nova experiência entrará em vigor e começará com os
novos alunos que iniciarão a sua formação diplomática no próximo ano académico
2020/2021.”.
Para tanto,
deseja que a Academia trabalhe “em estreita colaboração com a Secretaria de
Estado e, mais precisamente, com a Secção de Pessoal Diplomático da Santa Sé,
bem como com os Representantes Pontifícios” no sentido da elaboração deste
projeto e na identificação de determinadas igrejas prontas para receber os
alunos e o acompanhamento da sua experiência.
Por fim,
certo de que, “superadas as preocupações iniciais que possam surgir deste novo
estilo de formação para futuros diplomatas da Santa Sé”, a experiência
missionária a ser promovida “será útil não apenas ao jovens académicos, mas
também às Igrejas particulares que nisto cooperarem inspirando em outros
sacerdotes da Igreja universal o desejo de se tornarem disponíveis para
realizar um período de serviço missionário fora de sua própria diocese”, confia
“à Virgem Maria, Mãe da Igreja, esta nova modalidade de formação de futuros
colaboradores no serviço diplomático da Santa Sé.
***
Comentando
esta decisão papal, Andrea Tornielli, em editorial do “Vatican News”, anota o contexto em que esse projeto foi pela
primeira vez divulgado: a necessidade de encontrar sacerdotes para as missões e
a dificuldade de encontrar quem se disponibilize. O Papa frisou a resposta
negativa que às vezes se ouve e, pensando que “os jovens religiosos têm uma
vocação muito grande”, entende que “é preciso formá-los ao zelo apostólico para
irem aos territórios de fronteira”. E, depois, falou dos futuros diplomatas,
acenando a uma “sugestão” recebida:
“No curriculum do serviço diplomático da Santa Sé, os jovens sacerdotes
passarão pelo menos um ano em terra de missão, não fazendo estágio na
nunciatura, como se faz atualmente, que é muito útil, mas ao serviço de um
bispo num lugar de missão”.
Este
compromisso dos futuros núncios apostólicos servirá como exemplo para que
outros sacerdotes acolham o convite de passar um tempo em missão.
Esta decisão
implica uma significativa mudança nos estudos para quem servirá nas nunciaturas
e, em muitos casos, alcançará o episcopado ainda em idade relativamente jovem. Este
ano dedicado ao serviço missionário no local, fora do jardim de casa, sujando
as mãos na pastoral, nas Igrejas de fronteira, “ajudará a uma melhor e mais
profunda compreensão da realidade da Igreja, dos seus problemas e dificuldades,
mas também das suas esperanças e da confortadora beleza da sua quotidianidade”,
bem como a um discernimento melhor das vocações.
Assim, Francisco
reitera que toda a Igreja, incluindo o serviço diplomático, ou é missionária (em saída) ou não é Igreja. “A missão”, diz o Papa, “não é um
projeto empresarial bem testado”, nem “um espetáculo organizado para contar
quanta gente participa graças às nossas propagandas”, pois o” Espírito Santo
age como quer, quando quer e onde quer”. E os diplomatas, que têm de estar
junto dos Estados, têm também de saber auscultar e acompanhar a Igrejas locais
nas suas ânsias, necessidades e virtualidades e encontrar os que têm o perfil
de verdadeiros pastores; são “embaixadores”, não dum Estado de poder, mas de
liberdade, de serviço e de pobreza, enfim duma Igreja missionária, que tem
sempre de lembrar-se de Jesus Cristo e daqueles em quem Ele mais e melhor se
revê – os pobres, os marginalizados e descartados, os últimos.
2020.02.18 – Louro de Carvalho
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